sábado, 15 de outubro de 2011

VIVER A FÉ EM TODAS AS DIMENSÕES E SETORES DA VIDA

Reflexão Para XXIX Domingo Do Ano Litúrgico A

(Domingo, 16 de Outubro de 2011)

Texto de Leitur: Mt 22,15-21

Depois de terem escutado as três parábolas anteriores do evangelho, os fariseus se sentem ofendidos, pois em todas elas contém uma crítica dura de Jesus dirigida a eles (Mt 21,45). Conseqüentemente, a tensão existente entre Jesus e a liderança em Jerusalém e seus arredores se agrava e continuará a aumentar nos próximos confrontos em forma de série de perguntas e debates (Mt 22,15-23,39) que alcança seu clímax quando os líderes serão chamados de hipócritas, falso guias como túmulos, brancos por fora, mas cheios de ossos de mortos por dentro (cf. Mt 23,1-38).    

O primeiro destes confrontos diz respeito a tributos (Mt 22,15-22). É a segunda pergunta de Mateus sobre impostos. Na primeira discussão sobre tributos (cf. Mt 17,24-27) não há menção direta de César. Fala-se apenas do tributo pago ao Templo. Os ficais perguntam se o Mestre Jesus não paga o imposto ao Templo. Conforme a tradição judaica todo judeu, desde vinte anos de idade, tinha que pagar o imposto pela manutenção do Templo de Jerusalém (cf. Ex 30,11-13;38,26; Ne 10,33s). Cobrava-se o imposto na segunda quinzena de Março (Adar); em Abril (Nisã) que era o começo do ano litúrgico. O imposto equivalia a dois dias de trabalho. Os sacerdotes e muitos rabinos ou mestres estavam isentos de pagar esse imposto. Os fiscais quiseram saber, através de Pedro, se Jesus, que é chamado Mestre, estava gozando a mesma “mordomia”. O fato de Jesus pagar o imposto para o Templo mostra que ele já rompeu com essa sociedade injusta, onde os grandes têm privilégios às custas dos pobres. Ele denuncia, assim, a exploração que empobrece e faz o povo viver na miséria. Dizem que os pequenos pagam fielmente o imposto, enquanto a maioria dos grandes sonegam o mesmo, pois a preocupação deles é a margem do lucro.

Mas o curioso é que o dinheiro do imposto para o Templo não sai da caixa comum do grupo, e sim, miraculosamente, da boca de um peixe (cf. Mt 17,26). Temos duas interpretações: Porque Deus atende, desde já, todas as necessidades dos seus filhos. Pedro aqui representa a comunidade cristã. No meio de uma sociedade exigente e exploradora, Deus nos proverá do necessário. Em segunda lugar, Pedro é pescador. O dinheiro para pagar o imposto se encontra na boca de peixe. Ele ou qualquer um de nós vive da própria profissão ou trabalho. Pedro pesca e apanha peixe e vende-o para ganhar o necessário para sobreviver. Deus sempre ajuda quem sabe se ajudar, pois ele não vai fazer aquilo que o próprio homem pode e deve fazer. Deus não favorece a preguiça dos homens.

Na segunda pergunta sobre impostos há menção de César (Mt 22,15-22). Desta vez, os líderes procuram explicitamente ou intencionalmente Jesus para dirigir-lhe uma pergunta sobre impostos com intuito de fazer Jesus tropeçar na resposta (uma armadilha, pois eles querem vingar-se contra Jesus). O verbo grego usado “pagideúsosin” indica a ação de “pegar (animais) em um laço”. Isto quer nos dizer que os fariseus e os partidários de Herodes procuram motivos para condenar Jesus, através de uma armadilha em forma de uma pergunta complicada dirigida a Jesus. Eles chamam Jesus com o título de “mestre” (Mt 22,16.24.36), que no evangelho de Mt este título somente encontramos na boca dos que não conhecem quem é Jesus (cf. p. ex. Mt 8,19;9,11;12,38). Quem o conhece, como os discípulos, chamam Jesus de “Senhor” (cf. p. ex. Mt 8,2.6.8;14,28.30).

Antes de fazerem pergunta, os fariseus e os herodianos adulam Jesus para fazê-lo falar livre e abertamente (v.16). Sabemos que os elogios de um adulador não visam ao nosso bem, mas ao seu proveito próprio; acabarão os seus louvores quando acabar sua esperança de tirar proveito de nós. Daí por diante não mais o veremos. Um amigo, ao contrário, poderá até errar, mas nunca nos abandonará porque ele nos quer bem.

A pergunta se refere à obrigação de pagar tributos ao imperador: “É lícito ou não pagar imposto a César?”.  Deus (Javé) tinha sido rei dos judeus na santa teocracia e como o sinal disso, eles pagavam o imposto pela manutenção do Templo para todo judeu que alcançou 20 anos de idade, o imposto que equivalia a dois dias de trabalho, como foi dito anteriormente. Sabe-se que em lugar algum do mundo o pagamento de impostos jamais despertou o entusiasmo. Devemos saber que os partidários de Herodes e os sumos sacerdotes estavam a favor de imposto, porque se beneficiavam dele. Enquanto que os fariseus e outros grupos revolucionários consideravam o tributo como uma ofensa a Deus, único soberano em Israel (cf. Dt 6,4-5), pois a moeda prescrita para pagar o tributo trazia a imagem do imperador Tibério, um homem pagão; usá-la significava uma idolatria e a Escritura, de fato, proíbe pintar ou esculpir a imagem de um homem (cf. Ex 20,4; Dt 5,8-9).

Os dois grupos pensaram que Jesus só pudesse responder “sim” ou “não”. Respondendo “sim”, Jesus teria escolhido o lado dos herodianos que faziam causa comum com os romanos. Nesta hipótese teria corrido o perigo de perder a simpatia do povo, que via o imperialismo romano com maus olhos. Uma resposta negativa (“não”) teria agradado mais aos grupos revolucionários e aos demais grupos e ao povo, mas passaria por subversivo aos olhos do poder romano. Então, ele teria condenado pelo poder romano. Qualquer resposta poderia ser, então, muito comprometida para Jesus.

Mas Jesus é muito mais esperto do que eles. Ele percebe a malícia deles e os chama pelo nome que em Mt costuma ser reservado aos falsos líderes: “hipócritas” (Mt 22,18). Ele pede que lhe mostrem a moeda com a qual se paga o imposto. Ao eles responderem a pergunta de quem a figura que está na moeda (a imagem de César), Jesus responde: “Devolva (restitua) a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. A resposta não pode ser entendida como “sim”, nem como “não”.

A imagem e legenda da moeda mostram quem é seu proprietário. A idéia dos fariseus e herodianos é roubo, isto é, propõem não pagar o tributo, mas querem ficar e usar o dinheiro do César (“devolvei”); assim não vão considerá-lo como Senhor nem terão que pagar-lhe tributo. Quando eles forem capazes de denunciar a esse dinheiro e à riqueza que lhes confere, poderão ser fiéis a Deus, a quem devem devolver o povo que lhe roubaram.

A resposta de Jesus é desconcertante, porque situa a questão a um nível mais profundo. Para ele o importante é que o homem reconheça a Deus como único Senhor, pois é no homem Deus deixa inscrita sua imagem (cf. Gn 1,27). Ao imperador pertencem as moedas do imposto que levam sua imagem, mas somente a Deus deve submeter-se o homem como o Senhor absoluto. A resposta de Jesus não propõe uma espécie de repartição (divisão) eqüitativa entre o poder político e o religioso. Esta é uma problemática que apareceu depois, sobretudo na Idade Média, quando se leu este texto a partir das circunstâncias diversas às que se davam em tempos de Jesus. O que Jesus faz é situar o homem diante de Deus como seu único Senhor. Todo o demais deve ser relativizado.

Um dos textos mais discutidos e mais mal-compreendidos do evangelho é, certamente, a palavra de Jesus dizendo: “Devolva a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Há quem veja aqui uma justificativa para  manter a religião longe da política: as coisas da política não devem ser misturadas com as de Deus ou  com as de religião. Esta maneira de entender serve, naturalmente, aos interesses dos que têm o poder na sociedade, para que a comunidade da fé, a Igreja ou religião, não se intrometa nos seus negócios. Assim eles podem abusar do próprio poder e se comportam como opressores. Mas esta frase de Jesus é usada também pelos cristãos para dizer ao Estado que ele não tem o direito de intrometer-se nos assuntos religiosos. Conseqüentemente, o homem por dentro é dividido: o homem político, por um lado, que não tem nada a ver com o homem religioso, por outro lado. Mas na verdade o homem é um só dentro de si e tem uma vida só para ser vivida. O homem dividido dentro de si é o homem destruído e destrutivo.

Pensar que a religião deve cuidar só das coisas espirituais é reduzir ou esterilizar o Evangelho a quatro paredes de uma sacristia. Fé e vida, segundo Jesus, devem andar juntos. “Vós sois a luz do mundo e o sal da terra” (cf. Mt 5,13-14). Com efeito, o Reino de Deus não se situa fora dos reinos terrestres, porque estes são assumidos por Deus em Jesus Cristo. Não podemos ser cristãos autênticos à margem das realidades. A fé não pode ser vivida de uma maneira desligada das realidades deste mundo para só pensar em Deus ou em alguma ordem de uma vida religiosa desligada das necessidades de uma evangelização; não pode ser praticada em segredo, no próprio quatro, ou na igreja durante o culto. Todas as dimensões ou setores da vida dos cristãos devem ser sempre iluminados pela Palavra de Deus. A fé condiciona todas as escolhas do homem e todas as horas da sua vida, portanto não pode deixar de influir também sobre opções políticas e sobre o cumprimento dos deveres de cidadão. Em tudo, o cristão é chamado a instaurar o Reino de Deus, a viver Cristo em sua vida e manifestá-lo a todos diariamente.

Por isso, a união com Cristo não é um modo estático de ser, uma tranqüila posse de um estado de vida já conseguida uma vez para sempre: é luta, constante esforço que deve ser empreendido todos os dias. Iluminado pela Palavra de Deus e pela fé, o cristão deve estar empenhado a olhar a realidade com os olhos de Deus. Por isso, um cristão não é um estranho nem um solitário, mas alguém chamado a participar de uma comunidade, tanto eclesial como civil. Daí brotam seus interesses coletivos e sua responsabilidade perante a sociedade desempenhando seu papal profético: anunciar e denunciar. Em Cristo, cada cristão é chamado a estar com Deus e com os outros para construir uma sociedade de irmãos.

O discípulo de Cristo/o cristão e toda pessoa humana não podem fazer uma separação entre dimensão religiosa de sua vida e a dimensão civil ou política. O cristão não pode marginalizar-se do mundo e marginalizar o mundo do Reino de Deus, mas, como fermento, é chamado a transformá-lo. Cada cristão e cristã são chamados a construir uma sociedade mais justa e fraterna, cada qual na sua profissão, na sua atuação na sociedade. Ele traz sua experiência social para a igreja, onde a celebra com todos. E, iluminado e fortalecido pela Palavra de Deus e o Pão eucarístico, o cristão volta a agir na sociedade como luz do mundo e sal da terra.

O que nos chama a atenção também do Evangelho de hoje a segunda parte da resposta de Jesus: “Devolva a Deus o que é de Deus”. Devolver a Deus o que merece é impossível. Somos incapazes de lhe pagar. Apenas podemos agradecer. O “sacrifício” e o culto são as maneiras tradicionais de expressar nossa gratidão e também, de pedir o que precisamos, embora Deus não precise ser lembrado disso (Mt 6,7-8). A Deus nunca poderemos “pagar” no sentido estrito o que lhe devemos, já que lhe devemos tudo. Os sacrifícios de animais e de frutos de nosso trabalho são apenas gestos simbólicos. Por isso, o Novo Testamento ensina que o verdadeiro tributo que devemos pagar a Deus é a nossa vida honesta conforme os princípios que Jesus nos ensinou e o nosso amor a Ele que se concretiza no amor ao nosso semelhante, imagem viva de Deus. São Paulo disse: “...o vosso culto espiritual, irmão, é este: ofereçais vossos corpos como hóstia viva e santa e agradável ao Senhor”(Rm 12,1; cf. também 1Pd 2,5; At 10,31;Sr 35,1-10).

Que sejamos realmente hóstia viva e santa e que saibamos santificar os outros. Só assim agradaremos ao Senhor.


Uma Lição de Um Teólogo Asiático: C. S. Song

Um teólogo asiático, C. S. Song, no seu livro Tell Us Our Names: Story Theology From  Asian Perspective, fez um comentário sobre o texto do evangelho deste domingo. Segundo ele, a partir de Mt 10,16, para ser cristão não basta ser simples como as pombas (ética de pomba), mas  tem que ser prudente como as serpentes (política de serpente). Segundo a ética de pomba, é melhor se sacrificar do que sacrificar os outros; àquele que te fere na face direita, oferece-lhe também a face esquerda... assim por diante!(cf. Mt 5,38-42).

Mas Jesus não é ingênuo. Jesus não quer que seus seguidores sejam apenas simples, mas que sejam prudentes também como as serpentes. Ao lado da “ética de pomba” (simplicidade) deve existir a “política de serpente” (prudência). Serpente, neste contexto, é o símbolo de prudência e de vigilância e de sabedoria, e não o do mal ou o de mentira.  Se você oferecer a face esquerda depois de receber uma bofetada na face direita, você deve saber o motivo. A “ética de pomba” sem a “política de serpente” é a ética fraca, e é uma burrice. A “política de serpente”, ao contrário, sem a “ética de pomba” se torna uma política que engana, perigosa e destrutiva. Mas se a “ética de pomba” for iluminada pela “política de serpente” e a “política de serpente” for fortalecida pela “ética de pomba”, os cristãos estarão preparados para participar na política do povo para enfrentar a política de dominação.

Segundo C. S. Song, a pergunta e a resposta sobre a obrigação ou não do pagamento do tributo ao imperador é um exemplo claro sobre como Jesus aplica na vida cotidiana a ética de pomba e a política de serpente. Em responder à pergunta complicada dos fariseus e herodianos, a ética de pomba não seria suficiente, pois esta ética daria somente uma resposta direta: ou dar tudo a Deus ou dar tudo ao César. Como uma pessoa verdadeiramente de fé, a resposta seria dar tudo a Deus, pois tudo é de Deus e vem dele. E como o verdadeiro cidadão, mais ainda como o cidadão de uma colônia de um imperador, tudo foi possível pela “bondade” do imperador, e por isso, teria que dar tudo a ele. Nessa altura, a ética de pomba é iluminada pela política de serpente. Por isso, sai uma resposta sábia de Jesus: “Devolva(restitua) a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”(v. 21). Jesus não se deixa enganar.

A imagem e legenda da moeda mostram quem é seu proprietário. A idéia dos fariseus e herodianos é roubo, isto é, propõem não pagar o tributo, mas querem ficar e usar o dinheiro do César (“devolvei”); assim não vão considerá-lo como Senhor nem terão que pagar-lhe tributo. Quando eles forem capazes de denunciar a esse dinheiro e à riqueza que lhes confere, poderão ser fiéis a Deus, a quem devem devolver o povo que lhe roubaram.

P. Vitus Gustama,svd

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