sábado, 8 de agosto de 2015

14/08/2015
MATRIMÔNIO E SUA INDISSOLUBILIDADE NO PLANO DE DEUS


Sexta-Feira da XIX Semana Comum

 

Evangelho: Mt 19, 3-12

Naquele tempo, 3alguns fariseus aproximaram-se de Jesus, e perguntaram, para tentá-lo: “É permitido ao homem despedir sua esposa por qualquer motivo?” 4 Jesus respondeu: “Nunca lestes que o Criador, desde o início, os fez homem e mulher? 5 E disse: ‘Por isso, o homem deixará pai e mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne’? 6 De modo que eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe”. 7 Os fariseus perguntaram: “Então, como é que Moisés mandou dar certidão de divórcio e despedir a mulher?” 8 Jesus respondeu: “Moisés permitiu despedir a mulher, por causa da dureza do vosso coração. Mas não foi assim desde o início. 9 Por isso, eu vos digo: quem despedir a sua mulher – a não ser em caso de união ilegítima – e se casar com outra, comete adultério”. 10 Os discípulos disseram a Jesus: “Se a situação do homem com a mulher é assim, não vale a pena casar-se”. 11 Jesus respondeu: “Nem todos são capazes de entender isso, a não ser aqueles a quem é concedido. 12 Com efeito, existem homens incapazes para o casamento, porque nasceram assim; outros, porque os homens assim os fizeram; outros, ainda, se fizeram incapazes disso por causa do Reino dos Céus. Quem puder entender entenda”.
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Depois que concluiu sua missão na Galileia, Jesus conduz seus discípulos a caminho da Judeia. Tanto para o evangelista Mateus como para Marcos, a Galileia é o lugar onde Jesus se revelou (cf. Mt 4,12-17). Enquanto que a Judeia é o lugar de rejeição e de morte. A partir de Mt 19 até Mt 23,39 acompanharemos a crescente oposição a Jesus da parte dos dirigentes do povo e que terminará na morte de Jesus na cruz. Mesmo tendo a oposição, a multidão continua vai atrás de Jesus (Mt 19,2). 


Terminado o discurso sobre a vida comunitário ou discurso eclesial (Mt 18), seguem algumas recomendações de Jesus em seu caminho para Jerusalém. Desta vez é sobre a questão de divórcio.


Na época de Jesus, a Lei permitia a possibilidade de um homem repudiar a mulher (mas nenhuma mulher tinha direito de repudiar seu marido). A lei determina que o homem (marido) dê um documento legal de divórcio, que a deixe livre para se casar novamente (Dt 24,1-4; Jr 3,8). O Deuteronômio dá uma razão geral para o marido divorciar-se da mulher: “Esta não encontra mais graça aos seus olhos, porque viu nela algo de inconveniente” (Dt 24,1). Expressa, então, a superioridade do homem e seu domínio sobre a mulher e reflete a opressão exercida em todos os níveis da sociedade na época. A mulher é considerada como objeto ou propriedade do homem (uma moça solteira era propriedade de seu pai; uma mulher casada era propriedade de seu marido).


Questionando Jesus sobre o divórcio, os fariseus se aproximam de Jesus para tentá-lo: “É lícito a um marido repudiar sua mulher?”. Há três personagens importantes na tradição rabínica que cada um dá sua afirmação a respeito do divórcio. (1). Rabi Shamai. Para ele, o divórcio só pode ser feito em casa de nudez (porneía, em grego), traição. (2). O famoso rabi Hillel. Para ele, somente um motivo grave poderia justificar o repúdio. Para ele o motivo grave inclui: muito sal na comida, casa mal cuidada, descuido com os filhos. (3). O rabi Aquiba. Para ele pode ter o repúdio/divórcio por qualquer motivo (Cf. Mt 19,3). Basta encontrar uma moça mais bonita na rua do que a esposa em casa bastaria para acontecer o divórcio.


Moisés não legislou sobre o divórcio. A lei da expulsão da mulher foi elaborada pelos reformadores no período de Esdras (cf. Esd 9-10). A pergunta dos fariseus é sobre a liceidade do divórcio (é lícito ou não?). A resposta de Jesus é sobre a moralidade da expulsão da mulher. No AT o próprio livro do Cântico dos Cânticos é uma reação à lei de Esdras. O profeta Malaquias (Ml 2,14-15) também condena a lei de separação pela cultura machista judaica. O homem e a mulher têm a mesma dignidade desde o princípio (Gn 1,27). Os dois foram criados à imagem e semelhança de Deus.


É lícito a um marido repudiar sua mulher?”. Se responder “sim”, Jesus se mostrará como seguidor de Moisés, assim Jesus não será maior do que Moisés. Se responder “não”, Jesus estará em oposição à lei de Moisés. Logo Jesus será desprezado pelo povo.


Jesus, porém, não está preocupado com a lei que mantém a lógica dominante. Ele levanta duas questões: Por que Moisés escreveu tal lei? E será que Moisés a escreveu com intenção de permitir o divórcio? Por isso, Jesus responde: “Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento. Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher...os dois serão uma só carne/ser”. Para o hebreu, coração significa o centro da pessoa, da sua liberdade, dos seus relacionamentos: lá onde a pessoa se abre e se dá na conversão, no amor e no compromisso. A vitória do Reino será justamente a transformação do coração humano. A condição de “dureza de coração” impede que se perceba o valor que cada pessoa tem aos olhos de Deus (3,5); e ela causa cegueira diante da manifestação do Amor de Deus (Mt 6,52;8,17).


O que Deus uniu o homem não separe”, afirma Jesus. Todo o ato de separação é uma adulteração de um compromisso ou promessa feita no casamento. Toda separação no matrimonio fere o amor, fere a família, fere os filhos, fere a comunidade. Jesus deixa de lado a casuística e afirma a indissolubilidade do matrimônio, recordando o plano de Deus: “Desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher...os dois serão uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe ”. O plano é de Deus: Ele é quem quer que exista essa atração e esse amor entre o homem e a mulher com uma admirável complementaridade, e, além disso, com a abertura ao milagre da vida (gerar) no qual colaboram com o próprio Deus Criador.


No Sermão da Montanha Jesus desautorizava o divórcio (Mt 5,31-32). Aqui apela para a vontade original de Deus, que comporta uma união mais séria e estável, não sujeita a um sentimento passageiro ou a um capricho. O texto mostra que a união matrimonial, no plano de Deus, transforma os cônjuges em “companheiros de eternidade”: “O que Deus uniu...”. Para Jesus a mais alta concepção humana do amor conjugal é um dom de Deus. Isso significa que para se casar o homem e a mulher devem se deixar inspirar por Deus para poderem amar indissoluvelmente, fielmente e infinitamente.


Ao mesmo tempo, negando o divórcio, Jesus estabelece a dignidade da mulher, que não pode ser tratada como  a era tratada naquele tempo com a visão machista. O que Deus quer é a igualdade entre as pessoas. Por isso, o homem não é superior à mulher. E Jesus nos chama a valorizarmos as pessoas conforme o plano de Deus e não para tirar vantagens de uma relação.


Tudo que Jesus afirma nos recorda a necessidade de cada comunidade eclesial levar a sério o matrimônio: a preparação humana e psicológica do matrimônio, sua celebração, seu acompanhamento depois..., pois o amor que Deus quer é estável, fiel e maduro. Se o matrimônio se aceita com todas as conseqüências, não buscando somente a si mesmo, mas a admirável comunhão de vida que supõe a vida conjugal evidentemente é comprometido, nobre e gozoso.


A definitividade do matrimônio faz com que o amor se torne cada vez mais maduro, pois ele é refletido toda vez que encontra sua dificuldade e seus obstáculos. Precisamente na medida em que os momentos de crise matrimonial se superam, cresce também uma nova dimensão do amor e ao mesmo tempo se abre uma porta para uma dimensão da vida. Na superação de cada momento de crise abre-se uma porta para uma nova dimensão da convivência matrimonial e familiar. Com efeito, a verdadeira beleza do matrimônio não consiste apenas na sua harmonia, mas também na superação de cada momento de crise.


 A beleza do matrimônio também consiste em ser ninho do amor e de outros valores. A família é o ambiente em que cada um aprende a dar e a receber o amor; a sacrificar pelo outro, a ser solidário com o outro, a carregar juntos o fardo que se encontra na caminhada, a perdoar mutuamente pelas ofensas que muitas vezes são frutos não da maldade, mas das limitações naquele momento em que elas ocorreram. A grandeza de um matrimônio e de uma família consiste na entrega sincera de si mesmo ao outro, de ser fiel um ao outro. “Se você quiser ser fiel até a morte, deve estar disposto a mudar durante toda a sua vida. Os esposos fiéis podem olhar-se nos olhos sem temores” (René Juan Trossero).


Por isso, a beleza de um matrimônio consiste na transmissão dos valores para os filhos. Nada pode substituir a existência de uma família, pois ela é a base de uma história, de um crescimento, da maturidade humana e cristã. A família é um bem necessário para cada ser humano para toda a sua vida. Não é por acaso que cada família cristã é chamada de Igreja doméstica, pois através da vivência dos valores a família se torna uma comunidade de graça e uma escola das virtudes humanas e cristãs. A linguagem da fé de cada cristão se aprende no lar. A fé e a ética cristã se aprendem no lar que vão marcar a vida de cada membro para o resto da vida. Nenhum de nós adquiriu por si só os conhecimentos básicos para a vida. Cada um recebe de outros, principalmente da família, a vida e as verdades básicas para viver uma vida sadia pessoal, social e comunitariamente. Neste sentido, os próprios pais são exemplo e professores das virtudes humanas e cristãs. Somente desta maneira cada família pode superar a cultura que exalta o egoísmo e o individualismo como se cada um se fizesse só e se bastasse a si mesmo esquecendo o valor de uma relação com os outros e sua responsabilidade diante dos outros.


Ao lermos este texto sabemos que Jesus não queria ensinar que o casamento é um simples contrato legal que não pode ser dissolvido. Pois um simples contrato pode sempre ser dissolvido, porque se trata apenas de um acordo entre duas vontades humanas. Com sua resposta, Jesus quer mostrar que o casamento é mais do que uma lei. Ele é graça de Deus. É uma união de amor. “O amor é o único jogo no qual dois podem jogar e ambos ganharem” (Erma Freesman). “O fundo de uma agulha é bastante espaçoso para um casal que se ama; mas o mundo todo é pequeno para dois inimigos” (Solomon Ibn Gabirol).  É neste nível que deve ser compreendido, e é neste plano que os esposos devem viver. Jesus dá, então, ao casamento uma dignidade nova.


Se a instituição do matrimônio é tão ameaçada atualmente talvez porque nossa cultura tenha aspectos que favoreçam a condição de dureza de coração. Valoriza-se a liberdade, mas sem compromissos. Cria-se um conceito da afetividade e sexualidade que é baseado mais no egoísmo do que no respeito pela dignidade do outro, e no espírito de doação.


Hoje sentimos como é necessário ajudar as pessoas a conhecerem a pessoas de Jesus, e a encarar a vida conjugal como uma vocação, ou seja, como um chamamento a viver o Amor do Reino neste estado de vida. Continuamos na obrigação de educar para um amor capaz de assumir compromissos definitivos. Isso se faz para valorizar a confiança mútua, a fidelidade ao outro e a si mesmo, para dar uma chance à felicidade que estava no plano de Deus desde o começo. Não vemos casamento indissolúvel como uma obrigação a ser carregada, e sim como um direito que não deve ser sacrificado num mundo que fez do descartável um modo de vida. Responsabilidade, desejo de fidelidade, seriedade na palavra empenhada têm muito a ver com o direito de ser e fazer feliz.


Não separe o homem o que Deus uniu”, diz Jesus. Jesus está sempre contra a corrente. Palavra incompreensível para muitos homens e mulheres, qualquer seja a sua idade. O ser humano foi criado à imagem de Deus por amor. O casal humano é chamado por Deus a tornar-se o primeiro lugar de encarnação deste movimento de amor. O amor humano, sob todas as suas formas, não nasceu dos acasos da evolução biológica. É dom de Deus. Quando os homens recusarem este dom, impedirão Deus de imprimir neles a sua imagem. O casamento indissolúvel é um grito para todas as pessoas ao redor que existe o amor. É o mesmo que dizer: Deus existe, pois ele é Amor (1Jo 4,8.16).


A lição da fidelidade estável vale igualmente para os que optaram por outro caminho, o do celibato. Disso fala Jesus hoje quando afirma que há quem renuncia ao matrimônio e se mantém celibatário “pelo Reino dos Céus”, como fazem os ministros ordenados e os religiosos: não para não amar e sim para amar mais e de outro modo, para dedicar sua vida inteira, também como sinal, a colaborar na salvação do mundo. Jesus apresenta o celibato como um dom de Deus, e não como uma opção que seja possível para todos.


Deus abençoe todas as famílias, todos os casados e todos os futuros casados, todos os ministros ordenados e religiosos.

P.Vitus Gustama, svd

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