quarta-feira, 4 de novembro de 2015


Domingo, 08/11/2015
GENEROSIDADE E SIMPLICIDADE CONTRA HIPOCRISIA E VAIDADE


XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO “B”

                                            

I Leitura: 1Rs 17,10-16


Naqueles dias, 10Elias pôs-se a caminho e foi para Sarepta. Ao chegar à porta da cidade, viu uma viúva apanhando lenha. Ele chamou-a e disse: “Por favor, traze-me um pouco de água numa vasilha para eu beber”. 11Quando ela ia buscar água, Elias gritou-lhe: “Por favor, traze-me também um pedaço de pão em tua mão”. 12Ela respondeu: “Pela vida do Senhor, teu Deus, não tenho pão. Só tenho um punhado de farinha numa vasilha e um pouco de azeite na jarra. Eu estava apanhando dois pedaços de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho, para comermos e depois esperar a morte”. 13Elias replicou-lhe: “Não te preocupes! Vai e faze como disseste. Mas, primeiro, prepara-me com isso um pãozinho e traze-o. Depois farás o mesmo para ti e teu filho. 14Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘A vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá, até ao dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra’”. 15A mulher foi e fez como Elias lhe tinha dito. E comeram, ele e ela e sua casa, durante muito tempo. 16A farinha da vasilha não acabou nem diminuiu o óleo da jarra, conforme o que o Senhor tinha dito por intermédio de Elias.


II Leitura: Hb 9,24-28


24Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, imagem do verdadeiro, mas no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor. 25E não foi para se oferecer a si muitas vezes, como o sumo sacerdote que, cada ano, entra no Santuário com sangue alheio. 26Porque, se assim fosse, deveria ter sofrido muitas vezes, desde a fundação do mundo. Mas foi agora, na plenitude dos tempos, que, uma vez por todas, ele se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo. 27O destino de todo homem é morrer uma só vez e, depois, vem o julgamento. 28Do mesmo modo, também Cristo, oferecido uma vez por todas, para tirar os pecados da multidão, aparecerá uma segunda vez, fora do pecado, para salvar aqueles que o esperam.


Evangelho: Mc 12,38-44


Naquele tempo, 38Jesus dizia, no seu ensinamento a uma grande multidão: “Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; 39gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes. 40Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação”. 41Jesus estava sentado no Templo, diante do cofre das esmolas, e observava como a multidão depositava suas moedas no cofre. Muitos ricos depositavam grandes quantias. 42Então chegou uma pobre viúva que deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada. 43Jesus chamou os discípulos e disse: “Em verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que todos os outros que ofereceram esmolas. 44Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver”.

----------------------------


Os capítulos 11-13, onde se encontra o nosso texto, formam uma seção que falam do ministério de Jesus em Jerusalém e a revelação de sua verdadeira identidade. A invocação do cego Bartimeu a Jesus sob o título messiânico: Filho de Davi, prepara esta nova seção que tem como cenário a cidade de Davi com seu templo (objetivo e meta do caminho) e cujo tema dominante é a revelação da verdadeira identidade de Jesus. Por um lado, esta seção é repleta de tensão, conflito e de ameaças à vida de Jesus no seu confronto com uma estrutura de  poder em Jerusalém que se mobiliza para destrui-Lo. Por outro lado, Jesus aparece nesta seção como uma autoridade absoluta sobre a humanidade. É uma autoridade a quem os homens devem escutar (9,6), pois ele é o Filho de Deus que assumiu a missão de revelar seu Pai neste mundo e que sabe que a sua morte, em consequência desta revelação, irá “resgatar” as pessoas do mal.

        

Esta seção forma três unidades narrativas:

  1. 11,1-26 narra as ações simbólicas de Jesus de caráter messiânico (entrada em Jerusalém, maldição de figueira estéril, purificação do templo e figueira seca e conduta fecunda).  
  2. 11,27-12,44: controvérsias com os dirigentes do judaísmo (a autoridade de Jesus é questionada, parábola dos vinhateiros homicidas, o tributo ao imperador, a ressurreição dos mortos, o mandamento principal, a filiação do Messias, a vaidade egoísta dos mestres da lei, e a generosidade humilde de uma viúva).
  3.  13,1-37: Discurso escatológico.
            
    Através de tais unidades, revela-se a verdadeira identidade de Jesus:

  • Ele é o Messias-Rei que entra na cidade de Davi em meio das aclamações da multidão;
  • Ele é o verdadeiro intérprete da vontade divina, e, por isso, pode emitir/lançar um juízo sobre o templo e o culto;
  • Ele é “Filho amado” de Deus e o último enviado ao povo de Israel;
  • Ele é o Mestre autorizado da lei, cuja sabedoria maravilha seus adversários;
  • Ele é a quem Davi havia chamado de Senhor;
  • Ele é, sobretudo, o Senhor do templo, que anuncia sua destruição enquanto expressão dos falsos valores do culto judaico.
            
    Ao terminar esta seção, Marcos iniciará o relato da Paixão e Morte de Jesus.
              
    O texto lido neste domingo tem duas partes:

  1. vv. 38-40 falam do julgamento de Jesus sobre a vaidade egoísta e a hipocrisia dos mestres da Lei;
  2. vv. 41-44 falam do comportamento exemplar de uma viúva generosa, oposto ao dos escribas.
    I. Acusação De Jesus Contra a Vaidade e a Hipocrisia (cf. Lc 20,45-47 e Mt 23).
         
     Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes. Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações”. 
            
    Depois que foram atacados no plano doutrinal, agora os fariseus e os escribas são também atacados no plano da vida prática. Aquelas pessoas tão estimadas e admiradas pelo povo escondem, de baixo de um comportamento irreprovável, os defeitos que fazem inútil qualquer ato de culto: vaidade e hipocrisia.
    1.1.Vaidade
            
    A vaidade se manifesta na ostentação de “toga”(stolé/tallit): uma veste longa e solene, portanto uma veste preciosa usada provavelmente aos sábados na sinagoga. A finalidade dos escribas usando essas roupas é, sem dúvida, chamar sobre si a atenção dos homens. Infelizmente, conforme as palavras de Khalil Gibran: “Vossos trajes ocultam muito de vossa beleza, porém não escondem o que não é belo. Embora procureis nos trajes a proteção libertadora de vossa intimidade, neles podeis encontrar arreios e cadeias” (cf.  o livro :O Profeta).
    Um vaidoso só vive para aparecer e ser admirado. As conversas e atitudes, os esforços e vida de um vaidoso visam a buscar a aprovação e o louvor dos outros. Seus olhos não conseguem voltar-se para o seu íntimo.  Na prática, seu prazer não consiste em possuir méritos, mas em saber que os outros os elogiam. Ele sai em busca de aprovação e admiração, quando fala, quando caminha, quando trabalha, quando escreve e em tudo que estiver fazendo. Mas quem tem consciência do seu próprio valor não anda em busca da glória. Talvez um vaidoso nunca tenha considerado que vale mais sentirmos prazer por ser melhores do que senti-lo por apenas parecer que o somos.
    1.2. Hipocrisia
            
    Jesus também previne o povo contra a hipocrisia dos escribas. A palavra “hipócrita” no mundo grego antigo designava o ator que, com uma máscara e um disfarce, assumia uma personalidade alheia. Fingia diante do público ser outra pessoa, frequentemente sem nada a ver com a sua própria identidade/personalidade, pois faz apenas um papel. Por isso, o hipócrita é quem, simulando virtudes, nobres sentimentos e boas qualidades engana as outras pessoas no intuito de conquistar a estima delas. O recurso ao fingimento visa a obter louvores por uma virtude que não possui. Ele é tão habilidoso em camuflar-se que as pessoas até podem admirá-lo pela sua astúcia. Ele não se preocupa em ser bom, mas em apropriar-se daqueles indícios que o fazem parecer como tal. Ele ostenta uma bondade maior do que possui. Ele esquece que a dignidade da pessoa humana não consiste em parecer bom, mas em ser bom.
    Jesus critica a hipocrisia dos dirigentes do povo: os escribas e fariseus. A hipocrisia religiosa não é simplesmente uma “mentira”. Um hipócrita religioso faz de tudo para enganar os outros a fim de conseguir sua estima na base de gestos religiosos. Aparentemente o hipócrita religioso age para Deus, mas, na verdade, age para si próprio. O hipócrita religioso se julga justo (cf. Lc 18,9; 20,20); fica surdo diante do apelo à conversão; ele só olha para a trave nos olhos do seu vizinho e ignora os grandes erros que ele mesmo comete na vida (cf. Mt 7,4-5); tem pretensão de guiar os outros enquanto sua vida é dominada pela escuridão (cf. Mt 15,3-14); é ansioso para salvar apenas as aparências e não sua vida; torce os preceitos divinos em proveito de sua própria rapina e de sua intemperança ( cf. Mt 23,25)   
             
    O ser íntimo de muitos escribas (e fariseus) era a hipocrisia: atuavam voltados para os outros, não de olhos postos em Deus. Tinham uma vida que nada tem a ver com sua própria vida como a dos atores durante a representação. A hipocrisia dos escribas se torna descarada na contradição evidente entre a ostensiva religiosidade pública e o comportamento para com os fracos e indefesos, como as viúvas, cuja hospitalidade e generosidade eles exploram. A expressão que Marcos usa “devoram as casas das viúvas”, é para caracterizar a cobiça dos escribas (12,40; cf. Lc 20,47). É por causa desta deformação religiosa e da injustiça para com os fracos que Jesus, com o estilo que traz de volta a severidade dos profetas(cf. Is 1,17), lança contra os escribas seu terrível juízo de condenação.
             
    Jesus quer que tenhamos diante dele e dos outros uma única vida, sem disfarces, sem mentiras. Nos dias atuais como é urgente que o cristão seja um homem ou uma mulher de uma só palavra, de “uma só vida”, que não se serve de máscaras ou disfarces quando se torna custoso manter a verdade. A veracidade é a virtude que nos inclina a dizer sempre a verdade e a manifestar-nos externamente como somos interiormente, como ensina S. Tomás de Aquino(cf. S.Th., II-II q.109, a . 3, ad 3).
            
    A verdade é sempre um reflexo de Deus porque a verdade tem a sua origem em Deus(cf. Jo 14,6) e por isso, deve ser tratada com respeito(cf. Mt 5,37). Por isso, também, a falta de veracidade que se manifesta na mentira ou na hipocrisia ou na falta de “unicidade de vida” revela uma discórdia interior, uma fratura na própria personalidade.
    II. A Generosidade Da Pobre Viúva Contra A Cobiça Dos Escribas
                   
    Na segunda parte do texto do evangelho de hoje (vv. 41-44), Marcos apresenta a cena da viúva que deposita o seu humilde óbolo no cofre do templo. E Jesus se encontra no templo, exatamente numa sala ou corredor do pátio reservado às mulheres, onde estão colocadas as 13 trombetas ou caixas em forma de funil para receber as ofertas, subdividas segundo as intenções dos oferecedores. A pobre viúva depositou, como oferta livre para o culto, duas moedinhas dentre as menores em circulação. As duas moedas juntas perfaziam um quadrante, isto é um quarto de asse romano. Um asse, por sua vez, era décima-sexta parte de um denário, e um denário era a diária de um trabalhador no campo (cf. Mt 20,2). Poucas coisas se podiam comprar com um quadrante. O valor desta oferta, observa Jesus, deriva do fato de que por meio dela aquela mulher expressou o dom total de si mesma; realizou, sempre conforme a interpretação hebraica, o mandamento do amor a Deus com tudo aquilo que possuía para viver.
            
    Marcos quer sublinhar, assim, a simpatia de Jesus pelos pobres, isto é, a gente humilde e simples, completamente aberta e disponível a Deus. O lugar do encontro com Deus é justamente através do coração pobre, totalmente aberto e disponível para Deus e não através do poder cultual ou institucional. Por isso, Jesus proclama solenemente o gesto da viúva, contrastando-o com a solenidade ostensiva dos ricos: “Em verdade eu vos digo que esta viúva que é pobre lançou mais do que todos os que ofereceram moedas ao Tesouro. Pois todos os outros deram do que lhes sobrava. Ela, porém, na sua penúria, ofereceu tudo o que tinha, tudo que possuía para viver”(vv.43-44).
            
    Deste texto podemos tirar uma lição de que como é diferente o que é importante para Deus daquilo que é importante para os homens. Como são diferentes as medidas! Nós costumamos impressionar-nos com o que é grande, chamativo. Deus comove-se com os pequenos detalhes de amor. É claro que também se comove com os gestos que costumamos considerar de grande importância, mas somente quando realizados com o mesmo espírito de retidão, de humildade e de amor.
            
    Na nossa experiência cotidiana, “Poucas vezes se apresentam grandes ocasiões de servir a Deus, mas as pequenas continuamente. Pois deves compreender que quem for fiel no pouco será constituído no muito. Faze, pois, todas as tuas coisas para a honra de Deus, e as farás todas bem. Quer comas, quer bebas, quer durmas, quer te divirtas, quer junto ao fogão, se souberes aproveitar essas tarefas, progredirás muito aos olhos de Deus realizando tudo isso porque assim quer Deus que o faças” (São Francisco de Sales, Introdução à Vida devota III).
            
    Não basta que aquilo que se realiza seja bom; deve, além disso, ser uma obra bem terminada. S. Tomás de Aquino ensina que para que haja virtude é preciso reparar em duas coisas: naquilo que se faz e no modo de fazê-lo. O modo de fazê-lo é com o amor. O amor é que torna importante as pequenas coisas. Quando tudo se faz com o amor, ele se torna uma obra-prima. E nada é pequeno quando o amor é grande. Ou nas palavras do Papa Paulo VI: “Nada é pequeno na Santa Liturgia, quando se pensa na grandeza d´Aquele a quem se dirige”.
    A viúva deu de sua indigência em oposição aos ricos que dão de seu poder e de seus privilégios. Neste aspecto contradiz o ditado que diz que “ninguém dá aquilo que não tem”. A viúva, ao contrário, somente possui aquilo que deu. A viúva não pede nem espera nenhum milagre em troca de sua oferta e sim ela simplesmente vive e pratica sua fé profundamente.
    Do exemplo da viúva entendemos que ser de Deus é servir e dar, não daquilo que alguém tem, e sim daquilo que é. O importante não é dar muito ou pouco e sim dar-se a si mesmo. Jesus é Aquele dá tudo e se dá a si mesmo; entregou-se a si mesmo pela salvação dos homens. Não importa a quantidade daquilo que damos, e sim o amor com que o damos. A viúva deu pouco, mas o deu com humildade, amor e fé. Por isso, ela recebeu o elogio de Jesus. Ainda que o nome da viúva não saibamos, mas seu gesto está no Evangelho. Deus a conhece e aplaude seu amor.
    A oferta da viúva é o cumprimento do primeiro mandamento. A viúva deixa para Deus a preocupação da vida. Ela faz uma escolha clara entre Deus e a riqueza. Esta opção é possível porque ela confia totalmente em Deus, e amar aos irmãos é mais importante do que todas as questões de dinheiro.
    O que damos? Daquilo que nos sobra ou daquilo que necessitamos? Damos algo com simplicidade, amor e fé, ou com ostentação? Gratuitamente damos ou esperamos algo em troca?
    Nem todos tem grandes dons, mas é generoso quem dá do pouco que tem e não quem tem muito e dá o que sobra. Faremos uma verdadeira oferenda a Deus quando dermos, a partir de nossa pobreza, o que somos e temos. Nós o entregamos não porque o consideramos de pouco valor. Nós o oferecemos a Deus porque acreditamos que Deus fará com o que damos o melhor para nós e para nossa comunidade. Deus recebe nossas vidas e as transforma em uma oferenda generosa e solidária que alegra a toda a comunidade.
    Porém, precisamos estar conscientes de que podemos multiplicar as oferendas a Deus, no entanto, estas podem continuar situando-se na periferia da vida. Tais oferendas não tem valor aos olhos de Deus já que escondem uma vontade dirigida a reter para nós mesmos o que consideramos de verdadeiro valor.
P. Vitus Gustama,svd

Nenhum comentário:

22/04/2024-Segundaf Da IV Semana Da Páscoa

JESUS É A PORTA PELA QUAL ENTRARAMOS NA ETERNIDADE Segunda-Feira da IV Semana da Páscoa Primeira Leitura: At 11,1-18 Naqueles dias, 1 ...