sábado, 30 de julho de 2016

01/08/2016




ALIMENTADOS PELO PÃO MATERIAL E PÃO EUCARÍSTICO


Segunda-Feira Da XVIII Semana Comum


Primeira Leitura: Jr 28,1-17


1 Nesse mesmo ano, no início do reinado de Sedecias, rei de Judá, no quinto mês do quarto ano, disse-me o profeta Ananias, filho de Azur, profeta de Gabaon, na casa do Senhor e na presença dos sacerdotes e de todo o povo: 2 “Isto diz o Senhor dos exércitos, Deus de Israel: Quebrei o jugo do rei da Babilônia. 3 Ainda dois anos e eu farei reconduzir a este lugar todos os vasos da casa do Senhor, que Nabucodonosor, rei da Babilônia, tirou deste lugar e transferiu para a Babilônia. 4 Também reconduzirei a este lugar Jeconias, filho de Joaquim e rei de Judá, juntamente com toda a massa de judeus desterrados para a Babilônia, diz o Senhor, pois eu quebro o jugo do rei da Babilônia”. 5 Respondeu o profeta Jeremias ao profeta Ananias, na presença dos sacerdotes e de todo o povo que estava na casa do Senhor, 6 dizendo: “Amém, assim permita o Senhor! Realize ele as palavras que profetizaste, trazendo de volta os vasos para a casa do Senhor e todos os deportados da Babilônia para esta terra. 7 Ouve, porém, esta palavra que eu digo aos teus ouvidos e aos ouvidos de todo o povo: 8 Os profetas que existiram antigamente, antes de mim e antes de ti, profetizaram sobre guerras, aflições e peste para muitos povos e reinos poderosos; 9 mas o profeta que profetiza paz, esse somente será reconhecido como profeta, que em verdade o Senhor enviou, quando sua palavra for verificada”. 10 Então o profeta Ananias retirou o jugo do pescoço do profeta Jeremias e quebrou-o; 11 e disse Ananias, na presença de todo o povo: “Isto diz o Senhor: Deste modo quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei da Babilônia, dentro de dois anos, livrando dele o pescoço de todos os povos”. E foi-se pelo seu caminho o profeta Jeremias. 12 Depois que o profeta Ananias havia retirado o jugo do pescoço do profeta Jeremias, dirigiu-se novamente a palavra do Senhor a Jeremias: 13 “Vai dizer a Ananias: Isto diz o Senhor: Quebraste um jugo de madeira, mas em seu lugar farás um de ferro. 14 Isto diz o Senhor dos exércitos, Deus de Israel: Pus um jugo de ferro sobre o pescoço de todas estas nações, para servirem a Nabucodonosor, rei da Babilônia, e lhe serão de fato submissas; além disso, dei-lhe também os animais do campo”. 15 Disse ainda o profeta Jeremias ao profeta Ananias: “Ouve, Ananias, não foste enviado pelo Senhor, e contudo fizeste este povo confiar em mentiras. 16 Isto diz o Senhor: Eis que te farei partir desta terra; morrerás este ano, pois pregaste a infidelidade contra o Senhor”. 17 Naquele ano, no sétimo mês, morreu o profeta Ananias.


Evangelho: Mt 14,13-21


Naquele tempo, 13 quando soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barco para um lugar deserto e afastado. Mas quando as multidões souberam disso, saíram das cidades e o seguiram a pé. 14 Ao sair da barca, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes. 15 Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” 16 Jesus porém lhes disse: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” 17 Os discípulos responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes”. 18 Jesus disse: “Trazei-os aqui”. 19 Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama. Então pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões. 20 Todos comeram e ficaram satisfeitos, e dos pedaços que sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios. 21 E os que haviam comido eram mais ou menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.
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Entre Falso Profeta e Verdadeiro Profeta De Deus


O texto da Primeira Leitura tirado do livro do profeta Jeremias fala do enfrentamento entre os profetas falsos representados pelo profeta Ananias e os profetas de Deus representados pelo profeta Jeremias. Segundo o texto, o profeta falso anuncia ao povo o que possa assegurar seu êxito. O falso profeta tolera uma inadequação entre suas palavras e a Palavra de Deus em função dos próprios interesses e das próprias vantagens. E todos dizem que os falsos profetas costuma dizer palavras que o povo gosta de ouvir, palavras demagógicas que tranquilizam, mas que mais tarde o próprio povo sofrerá. O falso profeta Ananias induz o povo para uma falsa confiança: “Isto diz o Senhor dos exércitos, Deus de Israel: Quebrei o jugo do rei da Babilônia. Ainda dois anos e eu farei reconduzir a este lugar todos os vasos da casa do Senhor, que Nabucodonosor, rei da Babilônia, tirou deste lugar e transferiu para a Babilônia”. As palavras de um profeta falso estão cheias de mentiras e de demagogia. A mentira no texto da Primeira Leitura tem um preço bem alto: “Ouve, Ananias, não foste enviado pelo Senhor, e contudo fizeste este povo confiar em mentiras. Isto diz o Senhor: Eis que te farei partir desta terra; morrerás este ano, pois pregaste a infidelidade contra o Senhor”.


Para identificar os falsos profetas Jesus, na conclusão do Sermão da Montanha, nos dá o seguinte critério em tom de alerta: “Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores. Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7,15-16).


O verdadeiro profeta de Deus tem a valentia de predizer ao povo aquilo que Deus quer que ele fale, mesmo que ele próprio se torne vítima disso. Quantos profetas, na história, foram mortos por ter falado ou anunciado a verdade. O profeta de Deus chama o povo à conversão e à retidão de vida. E ele faz isso, muitas vezes, com palavras duras e ameaças de castigo de Deus.


A forma de inadequação, que os falsos profetas gostam de fazer, pode se encontrar no mundo moderno entre a verdade do aparato da lei e a verdade da consciência. Muitos políticos ou eclesiásticos se contentam em defender a “verdade” da instituição ainda que não encontrem a verdade da consciência. Não basta ser legal, mas é preciso ser ético. Não basta ser reto, legalmente, mas é preciso ser sincero, isto é, ser legal consigo mesmo em plena lucidez. É impossível a presença da ética onde o homem não se encontra consigo próprio ou nega a verdade.


Somos Responsáveis Pelos Irmãos Necessitados


Vós mesmos deveis dar-lhes de comer”. Esta é a ordem de Jesus para seus discípulos no evangelho de hoje diante da multidão faminta.


Vivemos este paradoxo: “Não somente de pão vive o homem; porém, sem pão ele não pode viver”. Como integrar a necessidade de pão com a experiência de que o pão não sacia outras fomes e a nossa fome mais profunda? A questão tem aplicação pessoal e social, ao mesmo tempo.


A Palavra de Deus mantém a bipolaridade: pão para o faminto e pão para os que comem e não se saciam. Provamos ou experimentamos tudo e estamos cada dia mais vazios (cf. Is 55,1-3). Dedicamos bastante tempo de nossa vida em função da procura do “o quê” de nossa vida, do seu aspecto material. E nessa busca percebemos que quanto mais tivermos, mais quereremos. Uma vez Oscar Wilde escreveu: “Neste mundo só há duas tragédias: uma é não se conseguir o que se quer, a outra é conseguir”. No fim confessamos que tudo que conseguimos materialmente e profissionalmente não satisfaz aquela fome sem nome que temos na alma. Carl Gustav Jung chegou a escrever e afirmar: “O problema de cerca de um terço de meus pacientes não é diagnosticado clinicamente como neurose, mas resulta da falta de sentido de suas vidas vazias. Isto pode ser definido como a neurose geral de nossa época” (O Homem Moderno à Procura de Uma Alma).


O que nos frustra e tira nossa alegria de viver é a ausência do significado de nossa vida, o para quê de nossa existência neste mundo. Nossa alma não está sedenta de poder, de fama, de popularidade, de conforto, de propriedades e assim por diante. Nossa alma tem fome do significado da vida, ou de aprendermos a viver de tal modo que nossa existência ou nossa passagem neste mundo tenha importância ou significado capaz de modificar ou de melhorar o mundo, pelo menos, ao nosso redor.


Este vazio existencial é o pressuposto onde cabe pronunciar a Palavra de Deus: “Inclinai vosso ouvido e vinde a Mim, ouvi e tereis vida” (Is 55,3ª). A Palavra de Deus é o verdadeiro alimento para o coração humano. A Palavra de Deus continuará a ser eficaz, curadora, e libertadora, se nós soubermos ouvi-la atentamente, meditá-la no nosso dedicado silêncio de cada dia e vivê-la na nossa vida cotidiana. Se a Palavra de Deus já curou tantas pessoas, converteu tantos pecadores, libertou tantas pessoas de seus problemas, guiou a vida de tantos homens, esta mesma Palavra continua tendo o mesmo poder e a mesma eficácia. A palavra humana pode errar e enganar, mas a Palavra de Deus não erra nem engana. A Palavra de Deus é firme para sustentar a vida de quem nela se agarra e por ela se orienta. Dizia o papa Gregório Magno: “Ler a Bíblia é aprender a conhecer o coração de Deus mediante Suas palavras”. E coração de Deus é um coração cheio de amor misericordioso. Por isso, Santo Agostinho dizia: “Toda a Bíblia nada mais do que narrar o amor de Deus”. O amor de Deus é a ultima resposta para todos os “porquês” da vida do homem (cf. Jo 3,16). Tudo o que Deus faz e fala na Bíblia é amor. Deus move o mundo enquanto é amado, isto é, enquanto é objeto de amor e causa final de todas as criaturas.


Por essa razão, a multiplicação dos pães feita por Jesus exige um duplo princípio de leitura: por um lado, a leitura a partir da práxis messiânica de Jesus, o realista Encarnado, que traz o Reino para os famintos de estômago, multiplicando os pães a partir daquilo que o ser humano lhe oferece com generosidade: cinco pães e dois peixes. É uma leitura sem metáfora. Jesus alimenta o povo faminto. Ele se preocupa com o estômago vazio da maioria. A partir desta leitura podemos entender a ordem de Jesus para qualquer dos seus seguidores em qualquer época e lugar: “Vós mesmos deveis dar de comer para a multidão faminta”. Nem que seja a partir do pouco que se tem como cinco pães e dois peixes, mas que saiba dividir para que todos possam viver dignamente como filhos e filhas de Deus. O cristão existe para prolongar a generosidade do Deus-Criador que criou tudo gratuitamente para o bem da humanidade. Cada generosidade feita o egoísmo é vencido e esmagado. Cada pequena generosidade a ganância é enterrada e o sorriso fraterno volta a brilhar e a família de Deus nesta terra volta a ser edificada.


O milagre está na partilha. O problema da fome física e de outras fomes somente pode ser resolvido satisfatoriamente quando nós, homens, aprendemos a partilhar o que temos para com aqueles que não têm nada para sobreviver. O milagre está na partilha, na solidariedade e no amor entranhável. Sem essa solidariedade, sem essa fraternidade, sem comunicação de bens e sem essa comunhão no amor, não é possível a vida e a abundância da vida. Sem o amor a todos os homens, sem o amor e os sentimentos de Cristo, a Eucaristia que celebramos em sua memória careceria de sentido.


Por outro lado, é a leitura a partir da Eucaristia, pois Jesus realiza o sinal da abundância de pão para os últimos tempos onde não haverá fome nem sede. Dentro desta leitura podemos entender a ação de graças e a benção pelos pães e peixes que são dons de Deus para a humanidade e ao mesmo tempo são frutos do trabalho humano. A ação de graças é o nome próprio da Eucaristia.


Jesus com todo o que é e representa, é o único que pode satisfazer a fome radical de viver, com plenitude e para sempre. Somente Jesus pode alimentar o amor e a esperança que necessitamos para superar todas as dificuldades. Somente Jesus, com tudo o que é e representa para o cristão, pode saciar nosso insaciável sonho de felicidade. Ele é o Pão descido do céu que contém todo sabor. Este pão que contém todo sabor é que celebramos sacramentalmente na Eucaristia: a certeza de que, em Jesus, Deus nos deu um Pão capaz de saciar nossa fome de vida e nosso desejo de felicidade.


Uma coisa positiva que podemos aprender dos discípulos é a sua atitude de dar-se conta das necessidades dos que estão ao redor, nesse caso da multidão faminta. É uma boa lição para nosso tempo em que existe, evidentemente, uma tendência ao individualismo. Com frequência passamos indiferentes para os que nos rodeiam sem captar a problemática que podem ter. A frase “problema não é meu” é bastante perigosa para uma convivência mais humana e cristã. Do ponto de vista cristão tal postura é absolutamente insustentável e impensável.


Também hoje conserva atualidade do mandamento dado por Jesus: “Vós mesmos deveis de comer para a multidão faminta”. Nós que participamos e partilhamos o pão da Eucaristia devemos estar dispostos também a partilhar o pão material.

P. Vitus Gustama, SVD

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Domingo,31/07/2016



SABER PARTILHAR É SER RICO DIANTE DE DEUS


XVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM “C”


I Leitura: Ecl 1,2;2,21-23


2 “Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade”. 2,21 Por exemplo: um homem que trabalhou com inteligência, competência e sucesso, vê-se obrigado a deixar tudo em herança a outro que em nada colaborou. Também isso é vaidade e grande desgraça. 22 De fato, que resta ao homem de todos os trabalhos e preocupações que o desgastam debaixo do sol? 23 Toda a sua vida é sofrimento, sua ocupação, um tormento. Nem mesmo de noite repousa o seu coração. Também isso é vaidade.


II Leitura: Cl 3,1-5.9-11


Irmãos: 1 Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; 2 aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. 3 Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. 4 Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória. 5 Portanto, fazei morrer o que em vós pertence à terra: imoralidade, impureza, paixão, maus desejos e a cobiça, que é idolatria. 9 Não mintais uns aos outros. Já vos despojastes do homem velho e da sua maneira de agir 10 e vos revestistes do homem novo, que se renova segundo a imagem do seu Criador, em ordem ao conhecimento. 11 Aí não se faz distinção entre judeu e grego, circunciso e incircunciso, inculto, selvagem, escravo e livre, mas Cristo é tudo em todos.


Evangelho: Lc 12,13-21


Naquele tempo, 13 alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo”. 14 Jesus respondeu: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?” 15 E disse-lhes: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens”. 16E contou-lhes uma parábola: “A terra de um homem rico deu uma grande colheita. 17 Ele pensava consigo mesmo: ‘O que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. 18 Então resolveu: ‘Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. 19 Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!’ 20 Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda esta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?’ 21 Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de Deus”.    
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Lucas e Os Bens Materias


Um dos temas prediletos do Evangelista Lucas é a advertência sobre o perigo dos bens materiais quando não são usados como meio e sim como fim.


Para Lucas, todos os bens deste mundo pertencem a Deus e eles são bons e necessários e devemos desfrutá-los como um presente de Deus que os criou para nosso bem enquanto estivermos neste mundo. O dinheiro é um bem desejável, um meio para conseguir coisas necessárias à vida. Mas sendo um “bem”, facilmente se deseja mais e mais dinheiro, muitas vezes de maneira injusta o que causa a concentração dos bens nas mãos de poucas pessoas.


A atitude crítica diante dos donos dos bens materiais é muito radical em Lucas. A bem-aventurança dos pobres em Lucas é completada com os quatro “ais” sobre os ricos (Lc 6,24). Só Lucas usa a expressão “Mamon (Dinheiro) de iniquidade” (Lc 16,9). E quando se trata de abandonar os bens ou vendê-los e dá-los aos pobres Lucas usa o termo “tudo”: deve-se deixar “tudo” (Lc 5,11.28), deve-se renunciar a “tudo” (Lc14,33;18,22). Somente em Lucas encontram-se as parábolas sobre o perigo das riquezas ou da acumulação dos bens (Lc19,16-31;12,16-21;16,1-9). A riqueza e a cobiça dos bens temporais sufocam o crescimento da semente da Palavra de Deus. A passagem do Evangelho deste domingo está dentro deste tema.


O texto e Sua Mensagem


O texto pode ser dividido em três partes: vv. 13-14 falam de alguém que pede a Jesus que resolva o problema de herança; v.15, uma sentença de Jesus sobre os perigos da avareza; e vv.16-21: uma parábola que serve para exemplificar o sentido da sentença de Jesus.


Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo” é a pergunta de alguém do meio da multidão dirigida a Jesus.


As leis de herança entre os judeus eram determinadas pela Torá (cf. Nm 27,28ss; Dt 21,17) e por isso o doutor da lei era o homem capaz de dirimir questões de herança, já que era, ao mesmo tempo, jurista e teólogo. Segundo as tradições jurídicas judias (especialmente numa família camponesa), o filho mais velho tinha direito a 2/3 dos bens móveis da casa paterna, além de herdar a casa e o campo.


Jesus recusa exercer a função de juiz na divisão da herança daqueles irmãos: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?”.   A missão de Jesus é outra. Sua vida estava plenamente dedicada ao anúncio do Reino de Deus pela salvação da humanidade.


O choque entre dois irmãos pela repartição da herança depende, em última análise, da avareza insaciável do homem: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens”. Qualquer desejo de aumentar os bens materiais sem necessidade é julgado por Jesus como um perigo, do qual os discípulos se devem precaver. A ganância ou a cobiça traz sempre consigo a ilusão de que, pelas posses e pela abundância, a vida se torna segura. Temos que ter uma plena consciência de que a vida é um presente de Deus e não fruto dos bens ou da abundância em bens terrenos e em riquezas. Não é o homem que dispõe da vida e sim o próprio Deus.


Para Jesus, enquanto houver pobres, a riqueza não se justifica. Ele não pretende fazer com que os ricos fiquem pobres a fim de que os pobres se enriqueçam, pois a situação continuaria sendo injusta. Surgiriam novos opressores. Jesus se dirige a ricos e pobres para convidá-los à “conversão” para a alternativa que Jesus propõe: partilhar (que é a alma do projeto de Deus: Deus se doa) o que se tem com irmãos, filhos do mesmo Pai celeste que o necessitam (cf. Mt 25,31-46). Mesmo que isso nos leve a deixar de ser “ricos”. No dia do julgamento o Filho do Homem não perdoará ao que lhe negou o pão ou a água (cf. Mt 25,40.45). Como alerta São Tiago: “Será julgado sem misericórdia quem não fez misericórdia” (Tg 2,13).  Ninguém é pobre quando sabe amar.


Quando avançamos na idade até chegar para a nossa velhice começaremos a perceber que a avareza não tem nenhum sentido para nossa vida. Desfrutaremos muito pouco quando ficarmos idosos mesmo que tenhamos bastantes recursos. Tudo que se adquire aqui neste mundo vai ficar aqui neste mundo. Tudo é emprestado para nós. Ficar apegado  aos bens materiais não vale a pena. Um dia seremos obrigados a largar tudo pela força da lei igual a todos: a morte. Necessitamos de alguém com quem conversar. Precisamos de companhia de um ser humano. Temos que gostar de gente usando os bens, e não usar as pessoas em função dos bens. Todos os bens materiais continuam sendo alheios a nós. Consequentemente, eles nunca serão nossos amigos. Por isso, não basta possuir coisas materiais e fruir delas dentro dos limites da moderação imposta pela ordem racional; temos de ser capazes de nos elevar acima de toda alegria e ultrapassar toda posse para podermos chegar à pura posse e à pura alegria de Deus.


Sabemos muito bem de que o ser humano tende por natureza ao desenvolvimento de si mesmo e, como garantia deste direito, ele procura apropriar-se das coisas que o rodeiam, no intuito de utilizá-las. Trata-se de uma aspiração legítima. É bem verdade, está claro, que as criaturas de Deus são boas e que o uso moderado que delas fazemos nos leva à união mais íntima com Deus. É também verdade que os que estão mais intimamente unidos a Deus e desapegados do próprio eu exterior são capazes de saborear a mais pura alegria na beleza das coisas criadas, a qual não mais é obstáculo à luz de Deus. Mas, se a cobiça dos bens for exagerada, excessivo o apego a eles, doentia a afeição pelas coisas e a sua posse não tiver o caráter de meio, impondo-se tiranicamente como um fim, então a pessoa não estará mais exercendo um direito, mas sendo vítima de um vício hediondo: a avareza. Por isso, não basta possuir coisas materiais e fruir delas dentro dos limites da moderação imposta pela ordem racional; temos de ser capazes de nos elevar acima de toda alegria e ultrapassar toda posse para podermos chegar à pura posse e à pura alegria de Deus.


A avareza é, na verdade, um desvio do significado de infinito, uma transposição do absoluto para o que é relativo; ela consiste em acreditar que a riqueza não é um meio para se servir, mas a própria razão de ser da vida. Tudo que amamos por causa de nós mesmos, fora de Deus, só cega nosso intelecto e paralisa nosso julgamento sobre os valores morais; vicia nossas opções, de maneira que não podemos distinguir com nitidez o bem do mal nem saber qual é a vontade de Deus. Quando amamos e desejamos as coisas por elas mesmas, ainda que tenhamos o conhecimento dos princípios morais gerais, não os sabemos aplicar. A avareza obscurece nossas visão das coisas e da vida.


O avarento é vítima de um prazer em possuir as coisas que jamais será satisfeito, mas o estimulará cada vez mais numa espiral sem fim. A satisfação em possuí-las é tão grande que até torna o medo de perdê-las maior que o desejo de aumentá-las. Está tão apegado a elas que, para não se desprender delas, ele até renuncia à possibilidade de multiplicá-las através de investimentos. Ele considera os bens que possui como parte da sua existência, sentindo sua perda ou o desprender-se deles como uma amputação. Ele sacrifica qualquer satisfação da vida ao prazer de contemplar sua riqueza, impondo a si próprio sacrifícios na alimentação, renunciando ao prazer das viagens etc. Ele seria capaz de morrer de fome só para ter à sua disposição os bens necessários para não morrer de fome num amanhã que ele não irá ver. Esta é uma lógica para se viver mal e morrer pior ainda.


Para exemplificar o sentido de sua sentença, Jesus conta uma parábola (vv.16-21). O rico produtor de trigo, que acredita que não terá necessidade, por muitos anos, de temer insucessos de colheita é um tolo/insensato. Biblicamente o tolo/insensato é um modo de falar de um homem que praticamente renega Deus(Sl 14,1). Ele não conta com Deus nem vê a ameaça de morte. É o homem que põe toda sua confiança num falso fundamento. Um projeto de vida fundamentado na acumulação dos bens não tem solidez, porque a fonte da vida não está nos bens e a sua segurança não é proporcional à posse. O homem fechado a Deus e aos outros na sua solidão é destituído daquela lucidez que permite acolher as exatas proporções da realidade. O teor de sua advertência através desta parábola mostra que Jesus considera como perigo ameaçador, não a morte imprevista do indivíduo(porque morrer é algo universal a que todos nós teremos de chegar), mas a catástrofe e o julgamento escatológicos que estão às portas. Por isso, deve-se ler essa parábola dentro do contexto do fim dos tempos. Jesus espera que apliquemos a conclusão à nossa situação: seremos insensatos como o rico tolo ameaçado de morte, se formos avarentos.


Somos convidados ao despojamento (kénosis). Ele é todo um empenhamento para dar lugar à riqueza do poder da graça de Deus, a fim de nos tornarmos imunes contra as ciladas do orgulho e da avareza. Enquanto o despojamento não tiver ocupado o nosso coração, o desapego do nosso egoísmo, da nossas presunção e da ânsia de possuir, poderá tornar-se momentaneamente penoso e cansativo. Mas se, ao contrário, o despojamento se transformará num processo curativo, libertador e generoso. Por ter experimentado o despojamento São Paulo chega a dizer: “Mas tudo isso, que para mim era lucro, reputei-o perda por Cristo...Por Ele, tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo...Não que eu já tenha alcançado a meta, ou que já seja perfeito, mas prossigo a minha carreira para ver  se de algum modo a poderei alcançar, visto que já fui alcançado por Jesus Cristo”(Fl 3,7-12).  O homem que se deixa conquistar pelo despojamento de Cristo, deixa de estar alienado ou agarrado a qualquer coisa, sentindo-se, pelo contrário, livre em Cristo pelo seu Evangelho. O despojamento torna-se, então, um encontro libertador consigo próprio, com Deus e com o próximo.


O homem é sempre tentado a buscar sua salvação nos bens, a pôr nas riquezas sua segurança. O cristão deve estar vigilante contra essa tentação insidiosa /cheia de ciladas. Os bens não asseguram nem a mesma vida, menos ainda a salvação. O homem da parábola dialoga consigo mesmo. Este diálogo falha na ordem de salvação. Faltam-lhe interlocutores. Não intervém Deus. Não intervêm os demais homens, pois esse homem fala consigo próprio.


Ser rico diante de Deus significa dar importância àquelas coisas que levaremos conosco na morte: as boas obras, a caridade praticada na verdade, a solidariedade, a partilha e assim por diante. É saber compartilhar com os outros nossos bens que é uma riqueza que vale diante de Deus.
  • "O avarento vive sempre na pobreza." (Horácio)
  • "Ser avarento é pior do que ser pobre." (Textos Judaicos)
  • "A avareza é um tirano bem cruel; manda ajuntar e proíbe o uso daquilo que se junta; visita o desejo e interdiz o gozo." (Plutarco)
  • "A avareza perde tudo ao pretender ganhar tudo." (Jean de La Fontaine)
  • Um homem que trabalhou com inteligência, competência e sucesso, vê-se obrigado a deixar tudo em herança a outro que em nada colaborou (Ecl 2,21).
P. Vitus Gustama,svd

terça-feira, 26 de julho de 2016

30/07/2016



SER PROFETA E MÁRTIR DA VERDADE


Sábado da XVII Semana Comum


Primeira Leitura: Jr 26,11-16.24


Naqueles dias, 11 os sacerdotes e profetas dirigiram-se aos chefes e a todo o povo, dizendo: “Este homem foi julgado réu de morte, porque profetizou contra esta cidade, como ouvistes com vossos ouvidos”. 12 Disse Jeremias aos dignitários e a todo o povo: “O Senhor incumbiu-me de profetizar para esta casa e para esta cidade através de todas as palavras que ouvistes. 13 Agora, portanto, tratai de emendar a vossa vida e as obras, ouvi a voz do Senhor, vosso Deus, que ele voltará atrás da decisão que tomou contra vós. 14 Eu estou aqui, em vossas mãos, fazei de mim o que vos parecer conveniente e justo, 15 mas ficai sabendo que, se me derdes a morte, tereis derramado sangue inocente contra vós mesmos e contra esta cidade e seus habitantes, pois em verdade o Senhor enviou-me a vós para falar tudo isso a vossos ouvidos”. 16 Os chefes e o povo em geral disseram aos sacerdotes e profetas: “Este homem não merece ser condenado à morte; ele falou-nos em nome do Senhor, nosso Deus”. 24 Jeremias passou a ter proteção de Aicam, filho de Safã, para não cair nas mãos do povo e evitar ser morto.


Evangelho: Mt 14,1-12


1 Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos do governador Herodes. 2 Ele disse a seus servidores: “É João Batista, que ressuscitou dos mortos; e, por isso, os poderes mira­culosos atuam nele”. 3 De fato, Herodes tinha mandado prender João, amarrá-lo e colocá-lo na prisão, por causa de Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe. 4 Pois João tinha dito a Herodes: “Não te é permitido tê-la como esposa”. 5 Herodes queria matar João, mas tinha medo do povo, que o considerava como profeta. 6 Por ocasião do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades dançou diante de todos, e agradou tanto a He­ro­des 7 que ele prometeu, com juramento, dar a ela tudo o que pedisse. 8 Instigada pela mãe, ela disse: “Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista”. 9 O rei ficou triste, mas, por causa do juramento diante dos convidados, ordenou que atendessem o pedido dela. 10 E mandou cortar a cabeça de João, no cárcere. 11 Depois a cabeça foi trazida num prato, entregue à moça e esta a levou a sua mãe. 12 Os discípulos de João foram buscar o corpo e o enterraram. Depois foram contar tudo a Jesus.
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Viver Conforme a Palavra De Deus


Os sacerdotes e profetas dirigiram-se aos chefes e a todo o povo, dizendo: ‘Este homem foi julgado réu de morte, porque profetizou contra esta cidade, como ouvistes com vossos ouvidos’. Os chefes e o povo em geral disseram aos sacerdotes e profetas: ‘Este homem não merece ser condenado à morte; ele falou-nos em nome do Senhor, nosso Deus’”. É a condenação e a proteção do profeta Jeremias ao mesmo tempo.


Este homem foi julgado réu de morte, porque profetizou contra esta cidade, como ouvistes com vossos ouvidos”. É surpreendente a correspondência dessa cena e o processo da condenação de Jesus. Jeremias é figura de Jesus Cristo. Todo homem que sofre pela justiça participa, em certa maneira desse mesmo mistério: a Paixão de Jesus continua nos que sofrem pela justiça vivida e anunciada. São Paulo escreveu: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24).


“Este homem não merece ser condenado à morte; ele falou-nos em nome do Senhor, nosso Deus’” é a defesa que os chefes e o povo geral fazem em favor do profeta Jeremias. São representantes dos que defendem a verdade e vivem na sinceridade de coração.


Jeremias havia convidado o povo de Deus à conversão. Ele havia indicado que um culto dado a Deus com as mãos manchadas pelos crimes e maldades era culto vazio, do qual Deus retirava seu olhar. Ele havia indicado a necessidade de voltar para Deus antes que a cidade e o templo fossem destruídos a causa da maldade de seus habitantes, de suas autoridades e dos sacerdotes. Sem a conversão sincera do povo todo o que se espera é apenas a desgraça segundo o profeta Jeremias. E a tentativa de assassinar o profeta que anuncia a Palavra de Deus significa estar contra o próprio Deus. E o sangue do inocente (profeta) clamará diante de Deus como aconteceu com o sangue do inocente Abel assassinado pelo próprio irmão, Caim (Gn 4,10-11).


O Senhor nos convida a abrirmos nosso coração, através de uma conversão sincera, para que Aquele que é a Palavra encarnada, Jesus Cristo, realmente possa habitar em nós. Quem recusa o convite para uma sincera conversão, prepara a própria desgraça, isto é, uma vida sem a graça de Deus e põe em risco a própria salvação. No sangue de Cristo encontramos a salvação.


Somos Convidados a Ser Testemunhas Da Verdade a Exemplo de João Batista


Na passagem do Evangelho deste dia fala-se da identidade de Jesus, relacionada à de João Batista. O motivo dessa colocação é sempre o mesmo: para entender Jesus há que entender antes quem é João Batista, pois João Batista é o Precursor de Jesus. O destino de João Batista preanuncia o de Jesus.


O evangelho nos relatou que a fama de Jesus estava cada vez mais espalhada ao seu redor. Por isso chegou também aos ouvidos de Herodes que já tinha mandado decapitar João Batista. A presença e a fama de Jesus incomodam a consciência de Herodes: “É João Batista, que ressuscitou dos mortos; e, por isso, os poderes miraculosos atuam nele”, pensou Herodes. Herodes que já tinha mandado decapitar João Batista, por instigação de Herodiades, ficou sem a consciência tranquila.


A partir da reação de Herodes é que se conta o drama da vida de João Batista que denunciou Herodes por ter se casada com Herodíades, ex-mulher de seu irmão, pois era proibido pela Lei (cf. Lv 18,16).


A adúltera Herodíades não gostou da denúncia de João Batista em nome de seu prazer e interesse pessoal, e procurava algum meio para surpreender João Batista e esperava momento certo para vingar-se. Quando chegou o momento oportuno ela pediu, através de sua filha (como meio), a cabeça de João Batista (vingança).


Herodes ouve com agrado João Batista, mas não lhe obedece. Seu coração está dividido. Herodes ouve João Batista, e sua consciência desperta em lucidez. Mas Herodes também ouve Herodíades, sua amante, e se embriaga em paixão. Herodes vive entre a lucidez e a paixão. O coração de Herodes é dividido. Do coração dividido de Herodes nasce a morte de João Batista. De seu coração dividido sai a divisão entre a cabeça e o corpo de João Batista numa degolação. Incapaz de obedecer à verdade, Herodes mata um inocente, o profeta de Deus. Incapaz de escutar o homem de Deus, Herodes silencia para sempre a voz de João Batista. Incapaz de segui-lo, Herodes detém João Batista na cadeia para depois encerrar sua vida com uma espada. Quando não se respeita a verdade, quando não se vive a caridade fraterna, o número de vítimas de violência e de agressão aumentarão cada vez mais. Os inocentes são , na maioria, sempre vítimas disso tudo.


João Batista é o último profeta do Antigo Testamento. Ele enfrenta abertamente os governantes da nação para chamá-los à mudança e para exigir um comportamento ético. O deserto, lugar de sua pregação, é símbolo de sua oposição à cidade e ao templo. Ele quer reviver a experiência do êxodo e recordar seu povo que o destino depende completamente da fidelidade a Deus. No entanto, como qualquer profeta, João Batista pagou o preço alto de sua denúncia: a própria vida. Herodes, ainda que tivesse respeito pelo João Batista, se submeteu diante das pressões da adúltera Herodíades que pediu a cabeça de João Batista.


A morte de João Batista antecipa a morte de Jesus como mártir. Ambos são encarcerados injustamente, ambos rubricam com seu sangue a verdade de Deus. Jesus espera o mesmo destino de João Batista. Um profeta autêntico não é somente recusado em sua própria pátria (cf. Mt 13,57), mas também essa recusa termina, muitas vezes, com sua morte.


A denúncia de João Batista nos mostra que o Evangelho não é neutro. Diante de certos grandes problemas, o Evangelho toma posição com o risco de conduzir os crentes para o martírio pelo fato de defender a verdade, a justiça, a honestidade e assim por diante.


A figura de João Batista é admirável em sua coerência, na lucidez de sua pregação e de suas denúncias. João Batista é valente e comprometido. Diz a verdade ainda que desagrade. É figura também de tantos cristãos que morreram vítimas da intolerância pelo testemunho que davam contra situações injustas e insuportáveis do ponto de vista da justiça e da honestidade. Os “profetas mudos” prosperam, mas os autênticos terminam pagando tudo com a própria vida.


A verdade continua sendo a verdade, embora o pregador da verdade possa ser eliminado por aqueles que vivem na mentira e na falsidade. E por isso é que a verdade não pode ser eliminada ou enterrada. O tempo vai mostrar que a verdade vencerá tudo e todos.


Toda vez que celebramos o martírio de um discípulo de Cristo tocamos o próprio núcleo de nossa fé. A Igreja de Cristo é a Igreja dos profetas e dos mártires. Por ser profeta o cristão se torna mártir, isto é, aquele que testemunha a verdade e paga com seu sangue a verdade proclamada. A função profética é uma das funções de qualquer batizado. No dia em que é ungido com o óleo de crisma no momento de seu batismo, o cristão recebe as três funções: profética, sacerdotal e real. Ele é batizado para proclamar a verdade, praticar o bem e não para compactuar o mal e a maldade. O cristão se santifica vivendo de acordo com a verdade e o bem. Ele vive e prega os valores do Evangelho como a verdade, a honestidade, a justiça, a caridade, a solidariedade, partilha, igualdade e assim por diante.


Mas o que acontece é que estamos tão acostumados com o comodismo. Muitas vezes nos sentimos instalados comodamente no acampamento capitalista ou nas avenidas do hedonismo. Ninguém vai nos perseguir se não vivermos nosso martírio, nosso verdadeiro testemunho dos valores ensinados por Jesus Cristo.


A vida do cristão deve ser iluminada e conduzida pela verdade. A vida iluminada pela verdade ameaça quem está na sombra da desonestidade, da corrupção e da falsidade, e este reage violentamente diante da verdade em nome da defesa dos seus interesses e prazeres individuais. Toda vez que os cristãos se arriscarem para adentrar-se nos territórios obscuros, eles vão pagar o preço com sua própria vida, como João Batista. Toda vez que a Igreja abrir a boca contra a injustiça, a desonestidade, a corrupção, a exploração do ser humano, ela será perseguida. Mas dar a vida é a única maneira de dar vida. Ser verdadeira Igreja de Cristo não dá para parar de sofrer enquanto ela viver seu verdadeiro martírio, seu profundo testemunho de valores. A verdadeira Igreja de Cristo é a Igreja dos mártires, das testemunhas de Cristo.


Jesus nos diz que devemos ser luz, sal e fermento deste mundo (cf. Mt 5,13-14). Ou seja, profetas. Ser cristão é estar disposto a tudo. Profetas são os que interpretam e vivem as realidades deste mundo a partir da perspectiva de Deus e denunciam quando há injustiça ou desonestidade nelas. Ele faz tudo isso não para eliminar os pecadores e sim o pecado, pois o próprio Deus ama o pecador e odeia o pecado. Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta (Ez 18,19-32).


Geralmente não gostamos de escutar as críticas que nos recordam o lado escuro de nossa vida. Sempre temos dificuldade para escutar um profeta. Mas mesmo que não gostemos de ouvir o profeta, suas palavras continuam a conter a verdade e a verdade nos liberta (cf. Jo 8,31-32), e torna nossa vida mais leve e nosso sono mais sadio. Mesmo que eliminemos o profeta, mas suas palavras continuam a ressoar ou a incomodar nossa consciência, como aconteceu com Herodes. Viver na verdade ou de acordo com a verdade, com a justiça, com a desonestidade, etc. é viver na serenidade.


O Senhor nos reúne em torno d’Ele nas nossas celebrações não para celebrar alguns ritos mágicos e sim para que renovemos diante d’Ele nossa aliança de amor, aliança com a verdade e voltemos a fazer nosso o compromisso de viver e de proclamar Seu Evangelho e construir Seu Reino de amor e de fraternidade entre nós.


Herodes ouvia com agrado João Batista, mas não lhe obedecia. Seu coração estava dividido. Herodes ouvia João Batista que despertava sua consciência, mas, ao mesmo tempo, ouvia Herodíades, sua amante e se embriagava em paixão por ela. Herodes estava entre na encruzilhada entre a lucidez e a paixão cega; entre o prazer mortal e a paz da consciência. Ele estava totalmente dividido. Da divisão de seu coração nasce morte. De sua divisão saiu a divisão entre o corpo e a cabeça de João Batista. Herodes foi incapaz de obedecer ao que pregava a verdade e a salvação, mas o matou; incapaz de escutá-lo, o silenciou para sempre neste mundo; incapaz de segui-lo, mas o deteve na prisão para depois eliminá-lo em nome do prazer passageiro.


Acontecerá a divisão dentro de nós mesmos e entre nós toda vez que estivermos desunidos de Cristo. E essa divisão pode produzir morte nosso próximo como aconteceu com Herodes. Estamos divididos toda vez que aplaudimos um corrupto, pois fazemos parte da corrupção. Estamos divididos toda vez que admiramos Cristo e seus ensinamentos, no entanto não fazemos caso de tudo isso. Estamos divididos se pregamos uma moral para o uso próprio em nome de nossos prazeres. O caso de Herodes nos chama a sermos vigilantes. Em qualquer momento podemos perder a razão para agir em nome do prazer e da emoção. O espírito de Herodes não morre.

P. Vitus Gustama,svd

29/07/2016


SANTA MARTA
JESUS É A RESSURREIÇÃO E A VIDA


29 de Julho


Primeira Leitura: 1Jo 4,7-16


7 Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. 8 Quem não ama, não chegou a conhecer Deus, pois Deus é amor. 9 Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos vida por meio dele. 10 Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados. 11 Caríssimos, se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros. 12 Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece conosco e seu amor é plenamente realizado entre nós. 13 A prova de que permanecemos com ele, e ele conosco, é que ele nos deu o seu Espírito. 14 E nós vimos, e damos testemunho, que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. 15 Todo aquele que proclama que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece com ele, e ele com Deus. 16 E nós conhecemos o amor que Deus tem para conosco, e acreditamos nele. Deus é amor: quem permanece no amor, permanece com Deus, e Deus permanece com ele.


Evangelho: Jo 11,19-27


Naquele tempo, 19 muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as consolar por causa do irmão. 20 Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro dele. Maria ficou sentada em casa. 21 Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. 22 Mas mesmo assim, eu sei que o que pedires a Deus, ele te concederá”. 23 Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. 24 Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”. 25 Então Jesus disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. 26 E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” 27 Respondeu ela: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”.
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Celebramos neste dia a festa de Santa Marta. Ela é mencionada nos evangelhos de Lucas e de João. Era uma discípula e seguidora fiel de Cristo e muito estimada por Ele (Jo 11,5). Marta vivia com seus dois irmãos, Maria e Lázaro, numa pequena vila chamada Betânia (Jo 11,1). Jesus os visitava frequentemente, quando estava em Jerusalém (Lc 10,38). Jesus esteve com eles na semana antes de ser preso e crucificado (Mt 21,17). Marta é bem conhecida como uma pessoa que estava sempre envolvida e sobrecarregada com os afazeres diários. Quando recebia Jesus em sua casa, Marta ficava muito atarefada a ponto de perder os bons momentos de comunhão com Jesus que seus dois irmãos desfrutavam (Lc 10,39-42; Jo 12,2). Mas por outro lado, as atitudes de Marta revelavam sua lealdade para com o Senhor Jesus. Seu caráter sincero é demosntrado por sua fé honesta e firme. Quando seu irmão, Lázaro, ficou gravemente, ela e sua irmã pediram que Jesus viesse visita-lo com urgência (Jo 11,3). Mas Jesus só chegou quando Lázaro já tinha sido sepultado. Jesus honrou a fé de Marta e ressuscitou Lázaro, para manifestar, desta maneira, a glória de Deus (Jo 11,38-44).


Mensagem Do Evangelho Lido Neste Dia


O episódio da ressurreição de Lázaro inicia mostrando a sintonia que reina entre Jesus e a comunidade dos que nele acreditam, representada por Lázaro, Marta e Maria. De fato, esses três representam a comunidade do Discípulo Amado que crescem na em Jesus, e as comunidades que aderem a Jesus em todos os tempos.


Marta, cuja festa celebramos hoje, representa o tipo de discípulo de Jesus que precisa superar o preconceito da morte enquanto desfecho fatal. Ela crê na ressurreição do último dia, como a maioria dos judeus. Mas Jesus é a Ressurreição e a Vida aqui e agora. Esse é o desafio feito às duas irmãs e a todos nós: Jesus não é a Vida somente depois da morte, mas ele é a Vida em abundância para esta vida e para além dela.


Superado o preconceito diante da morte, Marta se torna missionária porque ela vai chamar sua irmã Maria, que está sentada em casa, recebendo os pêsames da sociedade que nada faz diante das pessoas senão tentar consolar com palavras. “Maria ficou sentada em casa” esta expressão quer dizer que para Maria a morte de seu irmão significa o termino de sua vida. A idéia da morte como fim paralisa a comunidade e a faz permanecer no ambiente da dor, cercada pelos que não tem em Jesus. Maria tem de sair dessa casa para se encontrar com Jesus, a Ressurreição e a Vida. Também Maria, abandonando a “casa do desespero”, torna-se missionária porque ela conduz os judeus a Jesus que após o sinal (ressurreição) passam a acreditar em Jesus (v.31).


Jesus não veio para dar pêsames, e sim para comunicar vida. Após ter agradecido ao Pai, fonte da vida que comunica vida por meio da ação libertadora do Filho, Jesus chama Lázaro à vida. Jesus não veio para prolongar a vida física que o homem possui. Ele veio para comunicar a vida que ele mesmo possui e da qual dispõe: “Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter a vida em si mesmo” (Jo 5,26). Esta vida é seu próprio Espírito, a presença Sua e do Pai naquele que o aceita e vive sua mensagem, e esta vida despoja à morte de seu caráter de extinção. Na frase de Jesus “Eu sou a ressurreição e a vida” o primeiro termo depende do segundo: ele é a ressurreição por ser a vida: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). A vida que ele comunica, ao encontra-se com a morte, a supera; isto se chama ressurreição.


A ressurreição de Jesus e a nossa ressurreição pela em Jesus ressuscitado é a chave de nossa vida cristã. Crer na ressurreição não é somente crer em uma doutrina. Temos que crer na ressurreição com a vida; não somente com a cabeça. Temos que fazer nossa a ressurreição fazendo nosso o juízo de Deus contra o mal. Temos que crer na ressurreição com nossa atitude e nossas obras. Se nós acreditamos realmente na ressurreição, devemos respeitar a vida, a nossa própria e a dignidade da vida dos outros no seu início, na sua duração e no seu fim na história. Quem desrespeita a própria vida e a vida dos outros, nega a ressurreição. Se realmente acreditamos na ressurreição temos que ter certeza de que a vida não termina aqui, pois a vida é de Deus (cf. Jo 11,25; 14,6). Se acreditamos realmente na ressurreição devemos ter certeza de que os que nos precederam estão em comunhão conosco e intercedem por nós como nossos irmãos. Se realmente acreditamos na ressurreição não devemos prolongar nossa tristeza pelo falecimento de nosso irmão/ nossa irmã, nosso pai/nossa mãe, marido/esposa, filho/filha, pois eles apenas voltaram para a casa do Pai (cf. Jo 14,1-6). Se acreditamos realmente na ressurreição, devemos ter certeza de que o amor dos que nos precederam para a eternidade não morre, pois o amor é o nome próprio de Deus: “Deus é amor”, disse são João (1Jo 4,8.16). Em outras palavras, temos que fazer de nossa vida uma ressurreição permanente.


Além disso, crer na ressurreição de Cristo é muito mais que afirmar que Jesus foi tirado por Deus do túmulo; é reconhecer que o projeto de Deus se realiza em cada homem. Crer na ressurreição é crer no Deus da vida. E não somente isso; é crer em nós mesmos como a verdadeira possibilidade que temos de ser algo de Deus. A ressurreição de Jesus é a primícias de que na morte se nasce para sempre.


Lázaro voltou à vida por ação de Jesus. Mas sua ação libertadora quer comprometer todos os que o seguem. A ação libertadora de Jesus implica nossa prática de libertação: desamarrar todas as pessoas de todos os laços que as prendem a uma situação de morte. Somos chamados a respeitar e a proteger a vida desde seu inicio, na sua duração e no seu término, pois a vida é sagrada. Por ser sagrada, a vida não pode ser sacrificada em nome de ninguém. Assim agindo, estaremos continuando o que Jesus fez, a fim de que todos tenham vida em abundância (cf. Jo 10,10).


Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá”.  A partir da ressurreição do Senhor não vivemos mais para morrer e sim morremos para viver. A vida não pertence mais à morte e sim a morte pertence à vida.


Para que nossa vida se torne uma ressurreição permanente temos que ter algo divino dentro de nós: amor, poisDeus é amor” (1Jo 4,8.16). Amar a alguém, do ponto de vista cristão, é equivale a lhe dizer: Tu nunca morrerás. Tu viverás para sempre. Tu estarás em comunhão conosco mesmo de pois de terminar a passagem nesta terra. Com efeito, o homem morre não quando deixa de viver e sim quando deixa de amar. “Ama e faze o que quiseres!”, dizia Santo Agostinho (In epist. Joan. 7,8).  O amor é a vida do espírito. O ódio, portanto, é sua morte”, acrescentou Santo Agostinho (In ps. 54,7). A amabilidade e a bondade estão sempre unidas. “Bons amores fazem boas condutas” (Santo Agostinho: Serm. 311,11,11).


Quais são as amarras que nos prendem a uma situação de morte? E como nos livrar dessas amarras? Quantas vezes nos comportamos como Maria que consideramos a morte como o fim de tudo (acabou tudo) e esta crença, conseqüentemente, paralisa nossa vida. Precisamos ouvir e viver sempre aquilo que Jesus nos diz: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim ainda que esteja morto viverá”. É preciso que voltemos a ser verdadeiros cristãos vivendo na profundidade o que Jesus nos ensinou. Por este caminho superaremos muitas coisas na vida. Com Jesus ressuscitado, a vida não acaba, mas continua. Para chegar a esta verdade nós precisamos recuperar nossa em Jesus que é a ressurreição e a vida.


P. Vitus Gustama,svd

20/03/2024-Quartaf Da V Semana Da Quaresma

PERMANECER NA PALAVRA DE JESUS QUE LIBERTA PARA SER SALVO DEFINITIVAMENTE Quarta-Feira da V Semana da Quaresma Primeira Leitura: Dn 3,...