sexta-feira, 18 de agosto de 2017



Domingo, 20/08/2017

Nesta página há duas reflexões:
1. Sobre a Assunção de Nossa Senhora (para os lugares em que esta festa é celebrada neste domingo).

2. Reflexão do XX Domingo do Tempo Comum Ano "A" (Para os lugares em que a festa da Assunção de Nossa Senhora foi celebrada no dia 15 de agosto).
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ASSUNÇÃO DE MARIA, MÃE DO SENHOR, AO CÉU



I Leitura: Ap 11,19a; 12,1.3-6a.10ab
19ª Abriu-se o Templo de Deus que está no céu e apareceu no Templo a Arca da Aliança. 12,1 Então apareceu no céu um grande sinal: uma Mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. 3 Então apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão, cor de fogo. Tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças, sete coroas. 4 Com a cauda, varria a terça parte das estrelas do céu, atirando-as sobre a terra. O Dragão parou diante da Mulher, que estava para dar à luz, pronto para devorar o seu Filho, logo que nascesse. 5 E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro. Mas o Filho foi levado para junto de Deus e do seu trono. 6ª A mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar. 10ab Ouvi então uma voz forte no céu, proclamando: “Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo”


II Leitura: 1Cor 15,20-27a
Irmãos: 20Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. 21Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. 22Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão. 23Porém, cada qual segundo uma ordem determinada: Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. 24A seguir, será o fim, quando ele entregar a realeza a Deus-Pai, depois de destruir todo principado e todo poder e força. 25Pois é preciso que ele reine até que todos os seus inimigos estejam debaixo de seus pés. 26O último inimigo a ser destruído é a morte. 27aCom efeito, “Deus pôs tudo debaixo de seus pés”.


Evangelho: Lc 1,39-56
Naqueles dias, 39 Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. 40 Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. 41 Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42 Com grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! 43 Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? 44 Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. 45 Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”. 46 Então Maria disse: “A minha alma engrandece o Senhor, 47 e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, 48 porque olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, 49 porque o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é santo, 50 e sua misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que o respeitam. 51 Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. 52 Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. 53 Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias. 54 Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, 55 conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre”. 56 Maria ficou três meses com Isabel; depois voltou para casa.
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I. Sobre o Culto a Maria, Mãe do Senhor


O culto é um ato de honra, reverência, estimação e louvor que se presta a uma pessoa ou à divindade. Literalmente a palavra “culto” vem do latin “colere” que significa encontro com o divino, geralmente no quadro de determinadas formas. É evidentemente vasto o significado da palavra “encontro”. Conforme o conteúdo do encontro mudam também as suas formas, variados são os lugares, os tempos, as intenções, os efeitos, os executores, o círculo dos participantes e a intensidade da participação. Temos o culto cívico, patriótico, religioso etc....


Em sentido estrito, o culto é só a Deus que se tributa pela sua excelência infinita; podemos, no entanto, tributá-lo, indiretamente aos santos pela estreita união que têm com Deus. Por isso, o culto pode ser de latria (adoração) que se presta unicamente a Deus em reconhecimento da sua excelência e do seu domínio supremo sobre todo o universo. Pode ser o de dulia (veneração) que se tributa aos santos em reconhecimento da sua vida de entrega e união a Deus. Dulia é conseqüência do dogma da comunhão dos santos como professamos no Credo: “Creio na comunhão dos santos...”.


Pode ser o culto de hiperdulia (veneração especial) que se presta a Maria Santíssima, reconhecendo a sua dignidade de Mãe de Deus (declaração do Concílio de Éfeso em 431; cf. LG no. 53 do Concílio Vaticano II). Por ser criatura, não se pode prestar-lhe o culto de adoração (cf. LG no. 62). Só assim, evita-se o perigo da “mariolatria” e os excessos na devoção mariana. Por “mariolatria” entendemos exatamente o atribuir em surdina à Virgem Maria o culto devido a Cristo. Se Maria não permanecer o ostensório, onde tudo brilha para o Cristo, estaremos depreciando a verdadeira glória de Maria.


A glória de Maria reside no insondável mistério de sua concepção corporal e espiritual de Cristo, na aspiração de todo o seu ser pelo único mediador, Cristo Jesus.  Cristo é que faz compreender Maria e não Maria que nos faz compreender Cristo. Maria não é um elo que une o homem a Deus, mas o seio que gera todos os irmãos de Cristo (cf. Jo 19,26-27). O encontro com Cristo faz-se nela. Toda a vida mariana é essencialmente cristocêntrica. Mas por ser a mais excelsa de todas as criaturas, acima de todos os anjos e santos, presta-lhe culto de especial veneração. Na santa Igreja ela ocupa o lugar mais alto depois de Cristo e o mais perto de nós (LG no. 54). Ao sabermos disso, a devoção mariana em nada afasta de Cristo. Nem substitui nossa obrigação diante dele. A veneração de Maria no culto litúrgico não é acréscimo e excrescência, nem tampouco implica diminuição do culto a Cristo, porque a graça do Filho resplandece em sua Mãe mais que em qualquer outro membro do corpo do Senhor.     

Devemos estar conscientes de que a devoção mariana é um verdadeiro culto. Situa-se num plano mais elevado em razão do excepcional lugar de Maria na ordem da graça e da vida cristã. Por isso, temos dogmas marianos, mas não temos dogmas de tal ou qual santo. Isso dá ao culto mariano uma amplidão que outras devoções não têm, nem mesmo o culto aos santos em geral. Se nossas orações sobem ao Pai pelo Filho na medida em que elas são objetivamente no fiat de Maria, elas ganharão em intensidade e eficácia se as engajamos pessoalmente na oração todo-poderosa de Maria.


II. Sobre a Assunção de Maria


No calendário litúrgico temos as quatro solenidades nas quais Maria é protagonista: 1 de janeiro: Maternidade Divina; 8 de dezembro: Imaculada Conceição; 15 de agosto: Gloriosa Assunção; 25 de março: Anunciação do Senhor. Duas delas têm referencias mais cristológicas: maternidade e anunciação. E outras duas têm mais eclesiológicas: conceição e assunção. É claro que toda festa mariana é cristológica: em função de Cristo Salvador. Mas com esta distinção quer-se enfatizar um fator exemplar de Maria que é importante para a Igreja: ela é a primeira redimida (imaculada conceição) e é a primeira glorificada (assunção).


A proclamação do dogma da Assunção de Maria à glória dos céus, em alma e corpo, pertence ao século XX: foi declarado solenemente por Pio XII em 01 de Novembro de 1950 na bula Munificentissimus Deus. (Deus Generosíssimo)  


No entanto, a liturgia da Igreja universal, tanto no Oriente quanto no Ocidente, celebrou por muitos séculos esta convicção de fé.  No século V celebrava-se em Jerusalém no dia 15 de agosto uma festa importante que tinha por objeto a excelência da pessoa da Mãe de Deus, eleita por supremo conselho para desempenhar uma missão muito especial na história da salvação. Entre o V e VI século, a narração apócrifa sobre o Trânsito de Maria da vida terrena à glória eterna alcançou uma difusão extraordinária: a conseqüência foi o desejo natural dos peregrinos que ocorriam a Jerusalém de honrar o túmulo da Virgem. Durante o século VII, com o nome de Assunção foi acolhida na Igreja de Roma, juntamente com as festa da Apresentação, Anunciação e Natividade, para as quais o Papa Sérgio I (+ 701), instituiu uma procissão preparatória para a missa, celebrada na Santa Maria Maior. No fim do século VII encontra-se uma antiga oração romana composta para a procissão que introduz a celebração mariana do dia 15 de agosto: “Venerável é para nós, Senhor, a festa deste dia em que a Santa Mãe de Deus sofreu a morte terrena, mas não permaneceu nas amarras da morte, ela que, do próprio ser, gerou, encarnado, o teu Filho, Senhor nosso” (Sacramentário Gregoriano Adrineu, no.661)


A bula da definição dogmática (Munificentissimus Deus) não fala de argumentos bíblicos, pois a Escritura não afirma a Assunção de Maria. Discute-se se Maria morreu ou não. Por isso, o texto dogmático, cautelosamente, diz “terminado o curso de sua vida terrestre”. Nós, por isso, afirmamos que Maria morreu, pois só assim se pode falar, verdadeiramente, de ressurreição, porquanto somente um morto pode ressuscitar. Maria morreu pelo fato natural da morte que pertence à estrutura da vida humana, independentemente do pecado. Maria, livre e isenta de todo o pecado, pôde integrar a morte como pertencente à vida criada por Deus. A morte não é vista como fatalidade e perda da vida, mas como chance e passagem para uma vida mais plena em Deus.


Além disso, Maria participa na economia da redenção pelo fato de ser a Mãe do Senhor (Lc 1,43). Ela se associou totalmente ao destino de seu Filho. A redenção implica sempre a colaboração de quem a recebe. Maria colaborou admiravelmente na própria salvação. Já por este título ela é o modelo original de quantos recebem a salvação, o modelo de todos os redimidos. Como tal, ela já tem um significado universal de salvação. É o protótipo da vida redimida, a plena e perfeita realização, a imagem ideal de toda a vida cristã. Por sua vida e morte Jesus nos libertou. Por sua vida e morte Maria participou desta obra messiânica e universal. A co-redenção significa a associação de Maria tanto à cruz de Jesus como à sua ressurreição e exaltação gloriosa ou ascensão. Esta razão teológica tem o seu fundamento no triunfo de Cristo sobre a morte, de que faz participantes todos os cristãos por meio da fé e do batismo.


Maria foi assunta ao céu em corpo e alma. Aqui não se trata de dogmatizar um esquema antropológico (corpo e alma). Utiliza-se esta expressão, compreensível à cultura ocidental, para enfatizar o caráter totalizante e completo da glorificação de Maria. Maria vê-se envolvida na absoluta realização.  “Assunta ao céu”, ela se nos apresenta como as primícias da redenção, tendo já consumado em si o que ainda se realizará em nós e na Igreja. O corpo de Maria, enquanto ela perambulava por este mundo, foi somente veículo de graça, de amor, de compreensão e de bondade. Não foi instrumento de pecado, da vontade de auto-afirmação humana e de desunião com os irmãos.  O corpo é forte e frágil, cheio de vida e contaminado pela doença e morte. Por isso, é exaltado por uns até a idolatria e odiado por outros até a trituração. Maria vive e goza, no corpo e na alma, quer dizer na totalidade de sua existência, desta inefável realização humana e divina.


O Papa Paulo VI resume o sentido da festa com estas palavras: “A solenidade de 15 de agosto celebra a gloriosa Assunção de Maria ao céu; festa do seu destino de plenitude e de bem-aventurança, da glorificação da sua alma imaculada e do seu corpo virginal, da sua perfeita configuração com Cristo Ressuscitado. É uma festa, pois, que propõe à Igreja e à humanidade a imagem e o consolante penhor do realizar-se da sua esperança final: que é essa mesma glorificação plena, destino de todos aqueles que Cristo fez irmãos, ao ter como eles "em comum o sangue e a carne" (Hb 2,14; cf. Gl 4,4)” [Marialis Cultus, n. 6].


A partir desta exortação podemos dizer que a Assunção de Maria é a realização da utopia humana, isto é, aquilo que o homem sonha, aquilo que o homem aspira, aquilo que responde maximamente à vontade de Deus. Em Maria a humanidade chega ao maior esplendor da existência humana, à beleza suprema do ser. Em Maria encontramos a melhor resposta, a melhor realização da vida de uma pessoa humana: sua glorificação. Maria nos revela até onde pode chegar a cooperação entre Deus e a humanidade. Diante do mistério de Cristo, Maria se deixa levar pelo Espírito Santo, e inventou cada dia novas respostas.


Para Maria a assunção significa o definitivo encontro com seu Filho que a precedeu na glória. Mãe e Filho vivem um amor e uma união inimaginável. Maria agora vive aquilo que nós também iremos viver quando atingirmos o céu. Enquanto peregrinamos, Maria atua como imagem que recorda e concretiza o nosso futuro. Em cada um que morre no Senhor se realiza aquilo que ocorreu com Maria: a ressurreição e a elevação ao céu.

Andando por entre as tribulações do tempo presente, erguemos os olhos ao céu e rezamos: Salve Maria, vida, doçura e esperança, salve! Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Doce mãe da esperança, em quem apareceu o futuro do mundo e nos foi antecipada e prometida a glória do tempo futuro, ajuda-nos a ser peregrinos na esperança a caminho da unidade futura do Reino, sem pararmos diante das resistências e das canseiras, antes nos empenhando, com fidelidade e paixão, em levar no presente os homens ao futuro da promessa de Deus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém!

Algumas mensagens da leitura evangélica desta festa

1.      As palavras de saudação e agradecimento dirigidas por Isabel a Maria despertaram nela uma maravilhosa profissão de fé. Coisa semelhante acontece com cada um de nós. Lemos ou escutamos a Palavra de Deus ou lemos um bom livro espiritualmente. E quantas vezes tudo isso nos toca o coração e faz brotar dos lábios uma oração de louvor. Maria reconhece que o amor misericordioso do Senhor a tocou; e tocando-a, tocou a humanidade inteira. Por isso é que Isabel a proclama “bem-aventurada”. Por Maria e nela, todos os homens reconhecem o amor infinito e misterioso de Deus(Jo 3,16). Todos nós temos necessidade de que um outro nos revele a nós mesmos. É grande graça na vida de uma pessoa encontrar um mestre de espírito que lhe indique o seu nome, a sua vocação, a sua missão.

2.    Na anunciação Maria tornou-se a primeira discípula, entre os primeiros cristãos, ouvindo a Palavra de Deus e aceitando-a . Na Visitação, ela se apressa em partilhar esta palavra do evangelho com os outros e, no Magnificat, temos sua interpretação dessa palavra que se assemelha à interpretação que seu Filho tinha dado em seu ministério. A primeira discípula cristã exemplifica a tarefa essencial de um discípulo. Depois de ouvir a Palavra de Deus e aceitá-la, devemos reparti-la com os outros, não simplesmente repetindo-a, mas interpretando-a, de modo que todos possam vê-la como uma Boa Nova.

3.    Neste Magnificat Deus é proclamado como “Santo”. Santo significa aquele que está para além de tudo quanto pudermos pensar e imaginar; é totalmente outro que habita numa luz inacessível(v.49). Mas não vive numa soberana distância dos gritos dolorosos de seus filhos, pois este Deus santo é também misericordioso. Possui um coração sensível aos míseros e protesta contra a injustiça e a exploração e opressão. O texto chama-nos a atenção que os orgulhosos, os detentores do poder e os ricos fechados para si não possuem a última palavra como sempre pretendem, pois cada um tem que prestar contas diante de Deus. Alguém pode escapar da justiça humana, mas sobra a justiça divina. Aí é que ninguém escapa.  Pela sua fé no poder ilimitado de Deus (v.37), Maria reconhece que a situação provocada pela prepotência, opressão e exploração não é desejada por Deus e, por isso, espera que não seja definitiva. Esta intervenção de Deus é vista como um ato de fidelidade para com o povo da aliança.

4.    O Deus a quem o Magnificat proclama está orientado para os homens, em especial para os fracos, os pobres, os infelizes, os desgraçados, os oprimidos; privilegia o humilde, o humilhado, aqueles aos quais não se concede o direito à existência. Quem reconhece a Deus como seu Senhor, deve estimar todo homem como irmão.
          
Como Maria, estamos convencidos de que tudo é possível para quem crê (Lc 1,37; Mc 9,23).

P. Vitus Gustama,svd
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FÉ AUTÊNTICA RESISTE DIANTE DE QUALQUER DIFICULDADE

XX DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”

I Leitura: Isaías 56, 1.6-7
1Eis o que diz o Senhor: «Respeitai o direito, praticai a justiça, porque a minha salvação está perto e a minha justiça não tardará a manifestar-se. 6Quanto aos estrangeiros que desejam unir-se ao Senhor para O servirem, para amarem o seu nome e serem seus servos, se guardarem o sábado, sem o profanarem, se forem fiéis à minha aliança, 7hei-de conduzi-los ao meu santo monte, hei-de enchê-los de alegria na minha casa de oração. Os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceites no meu altar, porque a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos».

II Leitura: Romanos 11, 13-15.29-32
Irmãos: 13É a vós, os gentios, que eu falo: Enquanto eu for Apóstolo dos gentios, procurarei prestigiar o meu ministério 14a ver se provoco o ciúme dos homens da minha raça e salvo alguns deles. 15Porque, se da sua rejeição resultou a reconciliação do mundo, o que será a sua reintegração senão uma ressurreição de entre os mortos? 29Porque os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis. 30Vós fostes outrora desobedientes a Deus e agora alcançastes misericórdia, devido à desobediência dos judeus. 31Assim também eles desobedeceram agora, devido à misericórdia que alcançastes, para que, por sua vez, também eles alcancem agora misericórdia. 32Efectivamente, Deus encerrou a todos na desobediência, para usar de misericórdia para com todos.

Evangelho: Mt 15,21-28
Naquele tempo, Jesus retirou-Se para a região de Tiro e Sidônia. E eis que, uma mulher Cananéia daquela região, veio gritando: «Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim: a minha filha está cruelmente endemoninhada». Ele, porém, nada lhe respondeu. Então os seus discípulos aproximaram-se dele e pediram-Lhe:  «Despede-a, porque ela vem gritando atrás de nós». Jesus respondeu:  «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel». Mas a mulher aproximando-se, prostrou-se diante d’Ele, e pôs-se a rogar: «Socorre-me, Senhor».  Ele respondeu: «Não fica bem tirar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorrinhos». Mas ela insistiu: «É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa de seus donos». Então Jesus respondeu-lhe: «Mulher, grande é a tua fé! seja feito como queres! ». E, a partir daquele momento, a sua filha ficou curada.
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Através do episódio do evangelho de hoje Mateus dá um passo importante para frente, pois a cena não tem lugar em Israel e sim no território estrangeiro: na região de Tiro e Sidônia, na região pagã. Em termos de sociologia religiosa judaica isto significa que a cena se desenvolve no território pagão. Toma corpo assim o que Mateus tinha insinuado quando, ao apresentar a atividade de Jesus, citava o texto de Isaias que fala da Galiléia dos pagãos (Mt 4,15). Os pagãos estão agora aqui, representados pela mulher Cananéia que vivia na atual Líbano. É chamada de “cananéia”. Este termo é bastante negativo para um judeu por quanto encarna tudo o que é de sedutor e perigoso para a fé javista.

O texto está cheio de surpresas. A primeira surpresa: uma estrangeira dá a Jesus o título tipicamente judeu: “Filho de Davi” e “Senhor”. A mulher proclama Jesus como “Filho de Davi”, isto é, como Messias prometido a Israel. Com este titulo Mateus introduziu a ascendência de Jesus na genealogia (Mt 1,1). Além desse titulo, a mulher vê em Jesus o Salvador e O proclama “Senhor”.  Somente quem tem fé pode invocar a Jesus como “Senhor”. Trata-se de um título pós-pascal.

Seja quem for este Messias, tão falado pelos judeus (“Filho de Davi”), ela reconhece humildemente que Deus é capaz de operar nele e através dele em função da libertação ou da salvação do povo. Ela não se considera nada, a não ser uma mulher com o coração cheio de dor por sua filha atormentada, e com a alma iluminada pela esperança tão certa, porque Deus nunca abandonará os que O procuram com simplicidade e sinceridade. Com toda a grandeza ela se entrega a Cristo que é o Senhor, o Salvador. Ela está necessitada; o Senhor e somente o Senhor pode ajudá-la.

A segunda surpresa é o silêncio de Jesus diante do grito da mulher, primeiro, e sua resposta, depois, para a demanda dos discípulos (Mt 15,23): “Eu fui enviado somente para as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15,24). Esta resposta é repetição do mandato de Jesus aos Doze, no discurso sobre a missão, ao dizer-lhes: “Não deveis ir aos territórios dos pagãos, nem entrar nas cidades dos samaritanos! Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel!” (Mt 10,5-6).

O aparente silêncio de Deus diante de nossos problemas não significa Sua ausência e Sua insensibilidade. O aparente silêncio de Deus é o momento precioso para entrarmos numa reflexão profunda. Além disso, pode ser que nesses momentos sejamos purificados de tudo para que possamos gritar com mais fé apesar dos obstáculos, a exemplo da mulher cananéia.

A terceira surpresa é a apresentação da mulher no v. 25 com o gesto típico judeu de adoração a Deus, gesto característico no evangelho de Mateus para expressar a atitude de um crente diante de Jesus. A mulher considera Jesus como Deus e por isso, ela se prostra diante de Jesus: “A mulher, aproximando-se, prostrou-se diante de Jesus e começou a implorar...”. E pediu: “Senhor, ajuda-me!”. Ela já é uma só coisa com sua filha. Ela se identifica totalmente com a dor e o tormento de sua filha. É uma verdadeira mãe! Para essa mãe, sua filha é ela mesma: “Senhor, socorre-me!”, em vez de dizer “Senhor, socorre minha filha”.

A quarta surpresa é a resposta de Jesus à mulher: “Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos” (Mt 15,26). Jesus faz seu o termo depreciativo “cachorro/cachorrinho” que os judeus aplicavam aos pagãos/ estrangeiros. O rabino Eliezer dizia: “Quem come com um idólatra é como quem come com um cachorro”. É difícil encontrar em qualquer dos quatro evangelhos uma imagem de Jesus tão judia como a que nos oferece Mateus neste texto. Será que ele aceita este termo ou está fazendo alguma ironia? Escutamos a frase fora do território judeu onde Jesus se encontra. É a frase que traz um questionamento sobre a tradição judaica. A lógica da encarnação está aqui levada ao máximo de identificação com a história concreta do povo.

A quinta e a ultima surpresa é a reação da mulher pagã que não aspira a suplantar, mas simplesmente a participar: “É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos” (Mt 15,27).

Essa mulher não desiste nem é amedrontada. Seu amor de mãe espera contra toda esperança porque sabe captar nas palavras de Jesus uma nota de bondade. Jesus não a trata com apelido “cachorro” e sim com um apelido mais suave: “cachorrinhos”. Ela quer dizer: “Deixa que me alimente do que cai da mesa onde está o pai com os filhos; faz que também eu seja parte da família!”. E a mulher Cananéia, que não é membro do Povo de Deus, encarna o ideal do que deve ser um membro do Povo de Deus.

Todo este conjunto de surpresas no texto de Mateus tem uma função de preparar e de ressaltar a frase final de Jesus: “Ó mulher, grande é tua fé!”. É a frase que o leitor de Mateus pressentia e esperava. A frase que ratifica a queda do muro de separação entre judeus e pagãos. Um mundo religioso fechado em si mesmo fica aqui superado e derrubado para dar lugar a outro mundo de todos e para todos. São Paulo expressa muito bem esse pensamento ao escrever: “Não há distinção entre judeu e grego, porque todos têm um mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam, porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10,12-13; Jl 3,5).

Vale a pena fixar-se na capacidade de admiração de Jesus diante da fé dos pagãos. Jesus não duvida em afirmar: “Em ninguém em Israel encontrei tanta fé” (Mt 8,10). Fé, aqui, é confiança, é abertura a sua pessoa e a seu poder. E esta fé, que se dirige a Jesus, tem seu motor e extrai sua força da própria necessidade: a situação da filha “endemoninhada” (Mt 15,22), e o empregado que “está em cama paralitico e sofre muito” (Mt 8,6). Desde nossas situações vitais é que vamos a Jesus e confiamos nele, como a cananéia. Aprendamos a nos admirar da fé dos que estão fora da Igreja, da gente simples. E fiquemos atentos porque a fé pode estar ausente entre os próprios cristãos: “Em ninguém em Israel encontrei tanta fé” (Mt 8,10), disse Jesus sobre a fé de quem não pertence ao povo eleito. É uma grande ironia: os que se dizem crentes, têm pouco fé. Os que são considerados “pagãos”, têm tanta fé. afinal, quem é o verdadeiro pagão?

Ó mulher, grande é tua fé!”. Esta frase rompe os esquemas religiosos até agora vigentes no Povo de Deus. A partir daqui já não tem sentido falar do Povo de Deus num sentido limitado de etnia ou nação; já não há “cachorrinhos” nem amos, judeus nem gregos, servos nem livres, varões nem mulheres (cf. Rm 10,12; Gl 3,28). Nacionalidade, condição social e sexo ficam eliminados como fatores determinantes de pertença ao Povo de Deus. A própria escolha da mulher como protagonista do relato é um fato em si mesmo significativo. Se alguém não tinha voz no interior do Povo de Deus, eram precisamente as mulheres. Escolhendo uma mulher, primeiro; estrangeira, depois; e cananéia por último, Mateus acaba com todos os esquemas até então vigentes. A partir de agora o que determina a pertença ao Povo de Deus é a fé em Jesus, a adesão à sua Pessoa, a vivência de seus ensinamentos. Não nos esqueçamos nunca, no contexto de Mateus, de que esta fé significa a relativização da Lei e da Tradição, importantes e necessárias, por suposto, mas nunca prioritárias nem com valor de absolutos. Esquecer esta relativização tem o risco, entre outros, de reduzir a fé em Jesus a um pietismo pessoal.

Muitas pessoas estão fora da Igreja porque ainda não sabemos acolhê-las, porque lhe exigimos uma mudança de cultura, de atitude diante da vida que nem mesmo Cristo pediu isso dos seus parceiros de diálogo.

“Senhor, Filho de Davi, tem piedade de mim: minha filha está cruelmente atormentada por um demônio!”. É uma oração de petição que sai de uma fé profunda em que Deus pode fazer o que se pede e de uma confiança ilimitada no que Deus fará alguma coisa para resolver o problema existente. A fé é o distintivo essencial do cristão, além do amor (cf. Jo 13,35). É uma fé que recebe o que quer, porque o que quer é a vontade de Deus. Esta mulher não desiste diante dos obstáculos. Ela está na linha que Jesus ensinou anteriormente: “pedi..., buscai..., chamai/batei a porta...,” (Mt 7,7-8). São estes três aspectos (pedir, buscar, bater a porta) que definem substancialmente o homem. Daí a necessidade de “lutar” com Deus no terreno de uma oração perseverante. A Cananéia obteve o que pedia porque se manteve nessa atitude de essencial pobreza. Por causa de sua perseverança, cumpre-se nela a Palavra de Deus: “recebereis..., achareis/encontrareis..., a porta será aberta...,” (Mt 7,7-8). “Pedindo as migalhas que caem da mesa, logo a mulher se encontrou sentada à mesa”, comentou Santo Agostinho. Três aspectos que definem Deus: receber, encontrar e a porta será aberta. Deus e o homem estão postos frente a frente e cada um faz o que lhe é próprio: o homem com sua pobreza do essencial e Deus com a abundância de sua graça e benção para o homem aberto diante da providência divina.

Deus não pretende demonstrar que é um Criador poderoso e sim um Pai amoroso e misericordioso. Por ser Pai, Deus quer estar próximo de cada pessoa e de suas necessidades. Ele quer consolar e salvar. Mais que a admiração intenta provocar a confiança e o amor. Por isso, suas intervenções preferentemente têm lugar em contatos pessoais. Um caso é o da mulher Cananéia. É uma mãe pagã que pede a ajuda de Jesus em favor de sua filha. Na verdade ela é uma pessoa cheia de fé que se dirige a Jesus no convencimento de que Ele é o Enviado de um Deus que é Pai para todos. A oração dessa mulher foi atendida.

Jesus, ao elogiar a fé da mulher e curar sua filha, quer nos mostrar que para ele a fé tem uma força superior a qualquer delineamento ou prejuízo: a fé salva sempre. Ali onde há a fé, Jesus atua. E fé, aqui, significa convencimento de que Jesus é a Vida e o Caminho (cf. Jo 14,6) e confiança nele. Esta fé é que Jesus busca em cada um de nós. A mulher cananéia nos assinala o caminho para esta fé: a absoluta confiança em Jesus Cristo. É uma confiança que não necessita de nenhuma condição prévia; é uma fé que vai além do que pedimos para chegar à Pessoa de Jesus Cristo que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).

Hoje somos convidados a examinar se nossa fé é verdadeira e firme, se temos Jesus presente em nossa vida, se confiamos nele em qualquer situação de nossa vida. Ao mesmo tempo somos convidados a examinar possíveis desvios: confiar demasiadamente em outras coisas (seja nossos bens materiais, sejam nossas “boas obras” etc.) ou se negamos o direito que o outro tem para expressar sua fé de modo distinto ao nosso.
P.Vitus Gustama, svd

Para Refletir:

ALGUMAS FRASES SOBRE A FÉ DA CARTA ENCÍCLICA LUMEN FIDEI DO PAPA FRANCISCO:
  1. A fé nasce no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e sobre o qual podemos apoiar-nos para construir solidamente a vida. Transformados por este amor, recebemos olhos novos e experimentamos que há nele uma grande promessa de plenitude e nos é aberta a visão do futuro. A fé, que recebemos de Deus como dom sobrenatural, aparece-nos como luz para a estrada orientando os nossos passos no tempo.
     
  2. A fé é luz que vem do futuro, que descerra diante de nós horizontes grandes e nos leva a ultrapassar o nosso « eu » isolado abrindo-o à amplitude da comunhão. Deste modo, compreendemos que a fé não mora na escuridão, mas é uma luz para as nossas trevas.
     
  3. Fé, esperança e caridade constituem, numa interligação admirável, o dinamismo da vida cristã rumo à plena comunhão com Deus.
     
  4. « O homem fiel é aquele que crê no Deus que promete; o Deus fiel é aquele que concede o que prometeu ao homem.
     
  5. A fé pede para se renunciar à posse imediata que a visão parece oferecer; é um convite para se abrir à fonte da luz, respeitando o mistério próprio de um Rosto que pretende revelar-se de forma pessoal e no momento oportuno.
     
  6. O homem renunciou à busca de uma luz grande, de uma verdade grande, para se contentar com pequenas luzes que iluminam por breves instantes, mas são incapazes de desvendar a estrada. Quando falta a luz, tudo se torna confuso: é impossível distinguir o bem do mal, diferenciar a estrada que conduz à meta daquela que nos faz girar repetidamente em círculo, sem direção.
     
  7. Por isso, urge recuperar o caráter de luz que é próprio da fé, pois, quando a sua chama se apaga, todas as outras luzes acabam também por perder o seu vigor. De fato, a luz da fé possui um caráter singular, sendo capaz de iluminar toda a existência do homem.
     
  8. Ora, para que uma luz seja tão poderosa, não pode dimanar de nós mesmos; tem de vir de uma fonte mais originária, deve porvir em última análise de Deus.
     
  9. A fé está ligada à escuta. Abraão não vê Deus, mas ouve a sua voz. Deste modo, a fé assume um caráter pessoal: o Senhor não é o Deus de um lugar, nem mesmo o Deus vinculado a um tempo sagrado específico, mas o Deus de uma pessoa, concretamente o Deus de Abraão, Isaac e Jacob, capaz de entrar em contato com o homem e estabelecer com ele uma aliança. A fé é a resposta a uma Palavra que interpela pessoalmente, a um Tu que nos chama por nome.
     
  10. A fé “vê” na medida em que caminha, em que entra no espaço aberto pela Palavra de Deus.
     
  11. O contrário da fé é a idolatria. O ídolo é um pretexto para se colocar a si mesmo no centro da realidade, na adoração da obra das próprias mãos. A idolatria é sempre politeísmo, movimento sem meta de um senhor para outro. A idolatria não oferece um caminho, mas uma multiplicidade de veredas que não conduzem a uma meta certa, antes se configuram como um labirinto.
     
  12. A fé, enquanto ligada à conversão, é o contrário da idolatria: é separação dos ídolos para voltar ao Deus vivo, através de um encontro pessoal.
     
  13. Acreditar significa confiar-se a um amor misericordioso que sempre acolhe e perdoa, que sustenta e guia a existência, que se mostra poderoso na sua capacidade de endireitar os desvios da nossa história. A fé consiste na disponibilidade a deixar-se incessantemente transformar pela chamada de Deus. Paradoxalmente, neste voltar-se continuamente para o Senhor, o homem encontra uma estrada segura que o liberta do movimento dispersivo a que o sujeitam os ídolos.

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DOMINGO DA PÁSCOA, 31/03/2024

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