08/01/2019
COMPADECER-SE
É VESTIR-SE DOS “SENTIMENTOS” DE DEUS
Terça-Feira
Após a Epifania
Caríssimos: 7 amemo-nos uns aos outros,
porque o amor
vem de Deus e todo
aquele que
ama nasceu de Deus
e conhece Deus. 8 Quem
não ama
não chegou a conhecer
Deus, pois Deus é amor. 9 Foi
assim que
o amor de Deus
se manifestou entre nós:
Deus enviou o seu
Filho único
ao mundo, para
que tenhamos vida
por meio
dele. 10 Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus,
mas foi ele
que nos
amou e enviou o seu Filho
como vítima
de reparação pelos
nossos pecados.
Naquele tempo, 34 Jesus viu
uma numerosa multidão
e teve compaixão, porque
eram como ovelhas
sem pastor.
Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas. 35 Quando
estava ficando tarde, os discípulos chegaram perto
de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto
e já é tarde.
36 Despede o povo para
que possa ir
aos campos e povoados
vizinhos comprar
alguma coisa para comer”. 37 Mas Jesus
respondeu: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Os discípulos perguntaram: “Queres
que gastemos duzentos denários para comprar pão
e dar-lhes de comer?” 38 Jesus perguntou: “Quantos pães
tendes? Ide ver”. Eles
foram e responderam: “Cinco pães e dois peixes”. 39 Então
Jesus mandou que todos
se sentassem na grama verde, formando grupos.
40 E todos se sentaram, formando grupos de cem e
de cinquenta pessoas. 41 Depois Jesus pegou os cinco
pães e dois peixes, ergueu os olhos
para o céu,
pronunciou a bênção, partiu os pães
e ia dando aos discípulos, para que os
distribuíssem. Dividiu entre todos também os
dois peixes.
42 Todos comeram, ficaram satisfeitos, 43 e recolheram doze cestos
cheios de pedaços
de pão e dos peixes.
44 O número dos que
comeram os pães era
de cinco mil
homens.
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Amamos
Os Outros Porque o Deus Em Quem Acreditamos É Amor
Uma consideração exortativa maior por parte do
autor da Carta de são João tem a ver com o tema principal de sua Carta: o amor.
Realmente nunca insistirá suficientemente sobre este ponto central na sua
Carta. Mas há um traço novo: a motivação.
Conhecer a Deus realmente é amar aos demais. Primeiro,
porque o conhecimento bíblico em geral e em João particularmente é comunicação,
prática, dom. Tudo isso, não basta com saber, mas precisa vivê-lo. Deus é
assim. Pôr-se em contato com Deus é participar desse modo de ser.
Deus é amor (1Jo 4,8). É como uma quase
definição do ser de Deus. Analogicamente, tomamos como referência para nosso
conceito do amor, porém muito profundo. Trata-se de amor real, palpável,
histórico e custoso (cf. Jo 3,16). Não são especulações, mas atenção à obra de
Deus na encarnação, vida, morte e ressurreição de seu Filho. Atividade total e
absolutamente gratuita. Se não tivermos tudo isso, não teremos um elemento
fundamental do cristianismo. Amor com amor se paga.
O autor do texto da Primeira Leitura de hoje
tirada da Carta de são João quer nos dizer que mesmo que Deus seja inefável, no
entanto o melhor que podemos dizer sobre Ele é: Deus é amor (1Jo 4,8). E sendo
amor, aqueles que nasceram d´Ele devem ser amor para os outros, pois Deus os
amou primeiro. Quem é amado deve ser reflexo do amor. Talvez uma das palavras
mais reveladoras e comprometedoras para nós seja a que hoje nos recorda o autor
da Carta de são João: “Foi assim que o
amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo,
para que tenhamos vida por meio dele”. E a Igreja, esposa do Cordeiro
imaculado, tem essa missão: converter-se em vida para os demais, não por
decisão própria e sim pela vontade de quem, plenificado de seu Espírito, a
colocou no mundo como sinal de salvação para todos. O Filho de Deus encarnado
foi enviado pelo Pai como vítima de expiação pelos nossos pecados. Assim a
Igreja não pode viver somente proclamando o Evangelho com os lábios e vivendo
afastado do povo de Deus do qual faz parte sem se preocupar e sem se aproximar
de quem sofre para remediar seus males em nome de Cristo, nosso Salvador.
Dentro deste contexto podemos entender a
mensagem do Salmo Responsorial de hoje (Sl 71/72) que Jesus Cristo, nosso Rei e
Senhor, saiu ao nosso encontro para remediar nossos males. Jesus Cristo não somente
nos anunciou a Boa Nova do amor que nos tem o Pai, e sim que passou a vida fazendo
o bem para todos (cf. At 10,38). Quem recebeu a mesma Vida e o mesmo Espirito
do Senhor deve preocupar-se de anunciar o Nome de Deus a todos, mas, ao mesmo
tempo, também deve passar a vida fazendo o bem.
Ser Cristão
É Ser Solidário e Compadecido
Com esta passagem
o evangelista Marcos
inaugura uma nova seção
de seu evangelho .
Nesta seção Marcos
unifica tudo em
torno do tema
sobre o pão :
· Das multiplicações dos pães
(Mc 6,30-44; 8,1-10),
· Discussão sobre
o sentido das abluções
antes de comer
o pão e sobre
o falso fermento
(Mc 7,1-23; 8,11-20),
· Discussão com
uma pagã em torno
das migalhas de pão
que solicita (Mc 7,24-30).
A alimentação
da multidão (multiplicação
de pães ) é o único
milagre narrado em
todos os quatro
evangelhos (Mt 14,13-21; Mc 6,32-44; Lc
9,10-17; Jo 6,1-15), e o único narrado
duas vezes (em
duas versões variantes )
em Mc (Mc 8,1-10) e em
Mt (Mt 15,29-39). Obviamente o relato da multiplicação
tem sua alusão
a Ex 16, história do maná no deserto
(aqui se diz no lugar
deserto ) e a 2Rs 4,42-44, Eliseu
alimentou 100 pessoas com 20 pães e ainda sobraram.
Compadecer-se
Significa Vestir-se Dos “Sentimentos ” de
Deus
O evangelista
nos relatou que
“Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão
porque eram como
ovelhas sem
pastor ” (Mc 6,34). Ninguém
escapa do olhar
de Jesus: “Jesus viu uma numerosa multidão ”. O olhar de Jesus
é penetrante : Jesus “teve compaixão
porque eram como
ovelhas sem
pastor ”. Jesus olha
ou vê
tudo atentamente
e amorosamente . Um
olhar atento leva Jesus a uma ação concreta diante
da pessoa que
Ele olha
ou vê .
Jesus anda atentamente
e olha amorosamente .
A atenção é uma das expressões
do amor profundo .
“Jesus viu uma numerosa
multidão e teve compaixão
porque eram como
ovelhas sem
pastor ”. Aqui
Jesus revela a “misericórdia ”, o “amor ”, a “fidelidade ”
de Deus (as três
palavras se resumem densamente numa
palavra só: compadecer-se). Jesus se
apresenta e se revela como o Pastor prometido que vem reunir as ovelhas (unir,
reunir= salvar). Deus não abandona seu povo nas suas lutas de cada dia. Deus
sempre se compadece. Deus sempre olha para Seu povo.
A compaixão
é uma atitude primordial de Deus. Por isso, quando
se fala da compaixão, não se trata de um vago sentimento de comoção. O verbo
usado nos Evangelhos (compadecer-se)
é muito forte e quer dizer sentir-se perturbado nas entranhas. A compaixão, por
isso, nos pede que vamos até onde existem feridas, que entremos em lugares onde
existe o sofrimento, que compartilhemos os desânimos, os temores, as angústias
dos nossos próximos, de nossos irmãos. No Evangelho este verbo é usado exclusivamente
em relação a Jesus ou a Deus. Por isso, quem tem compaixão, ele está em
sintonia com Deus e está com Deus.
Esta profunda compaixão diante das necessidades
dos nossos semelhantes é a primeira condição para nos sentirmos motivados para
a ação. Quem permanece impassível, quem não alimenta os sentimentos de Cristo,
muito dificilmente será induzido a fazer qualquer coisa pelo bem dos próximos.
Por isso, quando der alguma ajuda, ele dá somente para obedecer a alguma
imposição externa, a uma convenção social, e não por uma premente necessidade
interior.
Partilha Contra
Egoísmo
Os discípulos têm pena da multidão que está com
fome, por um lado. Mas por outro lado, eles reconhecem a incapacidade de
saciá-la com cinco pães apenas. Como resolver o problema? Eles aproximam-se de
Jesus não para perguntar-lhe que planos tem, mas para oferecer-lhe uma
“solução”: “Despede o povo, para que
possa ir aos campos e povoados vizinhos comprar alguma coisa para comer” (Mc
6,36). A solução oferecida pelos discípulos, então, é despedir para comprar. Em
outras palavras, cada um tem que prover para si mesmo, por meio de dinheiro.
Mas vem a pergunta: “Será que todo este povo tem dinheiro?”
Comprar e vender (pães) supõem orientar as
relações sociais pelas leis da economia, onde impera a concentração de bens e a
exploração; supõem submeter-se às leis econômicas que mantém essa multidão na
miséria. Sabemos que onde há concentração de bens e alimentos, lá há sempre
fome e miséria. Neste contexto, quem tem dinheiro, tem direito de comer; quem
não o tem, torna-se vítima da fome. O que tem por trás disso é o egoísmo. E as
pessoas contaminadas pelo egoísmo acabam virando as costas para o seu próximo
em dificuldade.
A atitude que Jesus tem com a multidão faminta
do pão e da palavra contrasta com a sugestão dos discípulos. A “comprar” Jesus
opõe “dar” e ”repartir”: “Dai-lhes vós
mesmos de comer” (Mc 6,37). Os discípulos só têm cinco pães e dois peixes.
Cinco pães e dois peixes somam sete, o número que indica a totalidade.
Aparentemente há pouco pão (cinco pães) para saciar tanta gente (mais de cinco
mil pessoas). Somente aparentemente há pouco pão! Porque se cada ser humano
tivesse amor e justiça, o pão não faltaria para ninguém. Se cada um tirasse um
pouco de bom dentro de si, ninguém viveria na miséria. Para Jesus, o eterno
problema da vida não é a falta do pão, e sim as causas que geram a falta do
mesmo na mesa da grande maioria. O que se revela, além disso, não é a ausência
do pão, e sim a presença do egoísmo, do individualismo, da ganância e da total
ausência do amor fraterno. Mas no fim da vida todos ficam sem nada
materialmente, pois o homem somente tem o direito de usar e não de possuir.
Nossa relação com as coisas não é de propriedade e sim de uso. Este direito
cessará no dia em que partirmos deste mundo.
Aquele Que Ama é Uma Parcela de
Deus que é Amor
“Dar” ou “repartir” os pães comporta uma
dinâmica diferente, comporta o amor fraterno, comporta a compaixão, comporta a
solidariedade, comporta a partilha que é a alma de todo projeto de Jesus. Jesus
não nos revela os “truques” dos milagres, mas nos ensina a fazer bem tudo que
não é milagre: pôr em comum o que temos e reparti-lo entre os irmãos,
especialmente os necessitados do básico da vida. E tudo parte do amor ao
semelhante cuja penúria ou miséria torna-se um apelo para a solidariedade e a
partilha. Quem possui algo para comer, deixa-se tocar por quem não o tem e abre
mão, generosamente, do que lhe pertence para saciar a fome do próximo. Esta
atitude funda-se na pura gratuidade e exclui qualquer desejo de recompensa.
Nessa direção é que os cristãos, todos nós, devem caminhar: partilhar,
partilhar e partilhar, pois a partilha é a alma de todo projeto de Jesus
Cristo. Trata-se de vivenciar o amor fraterno.
Por isso, o apelo que o autor da primeira Carta
de João nos faz é atual: “Caríssimos:
amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama
nasceu de Deus e conhece Deus” (1Jo 4,7). “Amemo-nos uns aos outros!”. Trata-se de um programa para todos os
que acreditam em Deus e para aqueles que têm boa vontade. É todo um programa
para nossas famílias, nossos ambientes de vida, nosso trabalho, nossa
comunidade, nossa Igreja, nossa sociedade e assim por diante. É todo um
programa para a humanidade que Deus ama primeiro.
Precisamos colocar em prática este “Amemo-nos uns aos outros!”, porque não
somente acreditamos em Deus, e sim em Deus de amor: “Caríssimos: amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele
que ama nasceu de Deus e conhece Deus. Quem não ama não chegou a conhecer Deus,
pois Deus é amor” (1Jo 4,7-8).
“Deus é amor”. É um texto de insondável profundidade. Há que escutá-lo em
silencio, repeti-lo, tratá-lo com palavras nossas e vivê-lo na vida cotidiana.
Aquele que ama é como uma parcela de Deus, uma parte do Amor, porque Deus é
amor.
Todo ato de amor vem de Deus, tem sua fonte e
origem no coração de Deus. Por isso, Deus pode ser contemplado em:
· O amor de uma mãe que
ama seu filhinho e de um filho que ama seus pais.
· O amor de um prometido
a sua prometida, de um esposo para sua esposa.
· O amor de um homem que
se desvela por seus companheiros de trabalho.
· O amor de um pastor
para seu rebanho. E assim por diante.
Se a partilha e a compaixão são a atitude
primordial e a expressão do amor de Deus, portanto repartir o pão significa
prolongar a generosidade de Deus- criador: Ele criou tudo por amor e
gratuitamente sem nenhum mérito de um ser humano.; significa que vivenciamos a
nossa fé no Deus de amor (cf. 1Jo 4,8.16); significa Deus está em nós e nós
permanecemos em Deus.
Lutar pelo alimento é o mais elementar dos
deveres dos homens. O pão é o símbolo de toda a alimentação. Com o milagre do
Evangelho de hoje Jesus abre os nossos olhos para os compromissos que a
eucaristia traz: somos responsáveis pela fome e a miséria dos nossos próximos. Somos
responsáveis pela crença ou pelo ateísmo nos outros. Se Deus não se vê no mundo
é porque não se vê mais na vida dos cristãos. Entrar em comunhão com o Senhor na
eucaristia exige fazer comunhão com aqueles que lutam na busca do pão
necessário à vida. Assim vivida, a eucaristia torna-se para quem dela se
alimenta, fonte de coragem e esforço permanente no compromisso com a
concretização do reino de Deus através da partilha de tudo que se tem.
P. Vitus Gustama,svd
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