Domingo,28/07/2019
A
BONDADE DO DEUS PAI ME FAZ PERSEVERAR NA ORAÇÃO
XVII
Domingo Comum “C”
I Leitura: Gn 18,20-32
Naqueles dias, 20 o
Senhor disse a Abraão: “O clamor contra Sodoma e Gomorra cresceu, e agravou-se
muito o seu pecado. 21 Vou descer para verificar se as suas obras correspondem
ou não ao clamor que chegou até mim”. 22 Partindo dali, os homens dirigiram-se
a Sodoma, enquanto Abraão ficou na presença do Senhor. 23 Então,
aproximando-se, disse Abraão: “Vais realmente exterminar o justo com o ímpio?
24 Se houvesse cinquenta justos na cidade, acaso irias exterminá-los? Não
pouparias o lugar por causa dos cinquenta justos que ali vivem? 25 Longe de ti
agir assim, fazendo morrer o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao
ímpio. Longe de ti! O juiz de toda a terra não faria justiça?” 26 O Senhor
respondeu: “Se eu encontrasse em Sodoma cinquenta justos, pouparia por causa
deles a cidade inteira”. 27 Abraão prosseguiu dizendo: “Estou sendo atrevido em
falar ao meu Senhor, eu, que sou pó e cinza. 28 Se dos cinquenta justos
faltassem cinco, destruirias por causa dos cinco a cidade inteira?” O Senhor
respondeu: “Não destruiria, se achasse ali quarenta e cinco justos”. 29
Insistiu ainda Abraão e disse: “E se houvesse quarenta?” Ele respondeu: “Por
causa dos quarenta, não o faria”. 30 Abraão tornou a insistir: “Não se irrite o
meu Senhor, se ainda falo. E se houvesse apenas trinta justos?” Ele respondeu:
“Também não o faria, se encontrasse trinta”. 31 Tornou Abraão a insistir: “Já
que me atrevi a falar a meu Senhor, e se houver vinte justos?” Ele respondeu:
“Não a iria destruir por causa dos vinte”. 32 Abraão disse: “Que o meu Senhor
não se irrite, se eu falar só mais uma vez: e se houvesse apenas dez?” Ele
respondeu: “Por causa dos dez, não a destruiria”.
II Leitura: Cl 2,12-14
Irmãos: 12 Com Cristo fostes
sepultados no batismo; com ele também fostes ressuscitados por meio da fé no
poder de Deus, que ressuscitou a Cristo dentre os mortos. 13 Ora, vós estáveis
mortos por causa dos vossos pecados, e vossos corpos não tinham recebido a
circuncisão, até que Deus vos trouxe para a vida, junto com Cristo, e a todos
nós perdoou os pecados. 14 Existia contra nós uma conta a ser paga, mas ele a
cancelou, apesar das obrigações legais, e a eliminou, pregando-a na cruz.
Evangelho: Lc 11,1-13
1 Jesus
estava rezando num certo lugar. Quando terminou, um dos seus discípulos
pediu-lhe: “Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus
discípulos”. 2 Jesus respondeu: “Quando rezardes, dizei: ‘Pai,
santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino. 3 Dá-nos a cada dia o
pão de que precisamos, 4 e perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também
perdoamos a todos os nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação’” 5
E Jesus acrescentou: “Se um de vós tiver um amigo e for procurá-lo à
meia-noite e lhe disser: ‘Amigo, empresta-me três pães, 6 porque um
amigo meu chegou de viagem e nada tenho para lhe oferecer’, 7 e se o
outro responder lá de dentro: ‘Não me incomodes! Já tranquei a porta, e meus
filhos e eu já estamos deitados; não me posso levantar para te dar os pães’; 8
eu vos declaro: mesmo que o outro não se levante para dá-los porque é seu
amigo, vai levantar-se ao menos por causa da impertinência dele e lhe dará
quanto for necessário. 9 Portanto, eu vos digo: pedi e recebereis;
procurai e encontrareis; batei e vos será aberto. 10 Pois quem pede,
recebe; quem procura, encontra; e, para quem bate, se abrirá. 11 Será
que algum de vós, que é pai, se o filho lhe pedir um peixe, lhe dará uma cobra?
12 Ou ainda, se pedir um ovo, lhe dará um escorpião? 13 Ora, se vós,
que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do
Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!”
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As leituras que nos propõem neste Domingo são um
convite a termos confiança em Deus, um convite a ter Deus muito presente em
nossas vidas e a sermos capazes de apresentar-Lhe nossos desejos, nossas
preocupações e necessidades, sem temor.
O belo diálogo entre Abraão e o Senhor, na Primeira
Leitura (Gn 18,20-32), o
verdadeiro diálogo entre dois amigos, ou melhor, de um filho que quer se render
ao Pai, nos dá ensinamentos perenes: A
oração de humildade, a mediação de
uma alma fiel em favor dos demais: “Estou
sendo atrevido em falar ao meu Senhor, eu, que sou pó e cinza.... Que o meu
Senhor não se irrite, se eu falar só mais uma vez: e se houvesse apenas dez?”.
Deus escuta e atende a humilde oração.
Outro ensinamento desse belo diálogo entre
Abraão e Deus é que os méritos dos justos afugentam o castigo da cabeça dos
ímpios. Ou seja, o princípio da “solidariedade” não se aplica apenas no castigo,
mas também na expiação: A virtude de dez justos teria expiado o mal de Sodoma: “Eu, Javé teu Deus, ajo com amor até a milésima
geração para com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos” (Ex 20,
5). Mas nem dez justos existem nessa cidade.
O texto da Primeira Leitura nos prepara para
entendermos o grande mistério da nossa “solidariedade” com o único Justo e
Mediador e Expiador: Jesus Cristo. Um dia Deus disse a Jeremias: “Percorrei
as ruas de Jerusalém, olhai, constatai, procurai nas praças se encontrais um
homem que pratique o direito, que procure a verdade: e eu perdoarei essa cidade,
diz Javé” (Jr 5,1).
Agora sabemos que por um só Justo que Deus
encontrou entre os homens, todos nós fomos perdoados e salvos: “Se pela falta de um só a mulidão morreu, com
quanto maior profusão a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus
Cristo, se derramaram sobre a multidão. Se, com efeito, pela falta de um só a
morte imperou, através deste único homem, muito mais os que recebem a abundância
da graça e do dom da justiça reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo”
(Rm 5,15.17).
São Paulo, na Segunda Leitura (Cl 2,12-14), nos expõe, em virtude de nossa “solidariedade" com Cristo, que Este pode ser o Intercessor e Expiador a nosso favor. E nós podemos
nos enriquecer com a graça de Cristo. As riquezas de Cristo-Redentor que chegam
a nós pela lei da “solidariedade” são: o perdão de todos os nossos pecados e a
vivificação por Cristo e em Cristo: “Ora, vós estáveis mortos por causa dos
vossos pecados, e vossos corpos não tinham recebido a circuncisão, até que Deus
vos trouxe para a vida, junto com Cristo, e a todos nós perdoou os pecados”
(Cl 2,13).
Neste breve versículo está em destaque e fica
expressiva a riqueza da redenção: perdão de pecados e graça ou vida divina. E a
razão ou raiz do mistério: “Em Cristo”. Pela encarnação, o Filho de Deus se faz
nosso irmão. Expia por nós. Ele nos faz partícipes de sua vida divina. Agora n´Ele
somos já filhos e filhas de Deus. Na lei de “solidariedade” Ele é nosso irmão e
nós somos filhos de Deus em Jesus Cristo.
Outro fruto da Redenção é a anulação da Velha
Aliança. Cristo inaugura e rege e preside a Aliança Nova. Aliança já de amor. O
amor eterno do Pai ao Filho chega também a nós em Cristo, pois em Cristo somos
filhos de Deus.
O Batismo (sinal sacramental) e a fé
(resposta pessoal) são nossos bens para a obra do Redentor: “Com Cristo fostes sepultados no batismo; com
ele também fostes ressuscitados por meio da fé no poder de Deus, que
ressuscitou a Cristo dentre os mortos” (Cl 2,12).
E o texto do Evangelho de hoje, como também
as duas leituras precedentes, quer nos convidar a contar sempre com Deus. O poder
contar com Deus não quer dizer que tenhamos que esperar que Ele nos resolva
todos os problemas e menos ainda que se ponha a favor de nossos pequenos
interesses. Mas quer dizer que Ele nos dá a mão em nosso caminhar, nos dá força
e valor. É ter Alguém ao lado que não nos abandona nunca, é poder viver todo
acontecimento, por duro que seja, acompanhado por um amor muito maior, pleno e
infinito.
Seria uma mau sinal que pedimos a Deus
somente ajuda e força para nossas angústias e problemas pessoais; é pro essa
razão que o Senhor nos deixa a oração do Pai Nosso como modelo perfeito de como
e com que atitude devemos nos dirigir a Deus.
No Pai Nosso, Jesus nos convida a sermos
amplos em nossos desejos e anseios na oração. Nesta oração nos á apresentado o
que deve ser o grande anseio cristão: que Deus e seu amor estejam presentes em
nossas vidas e no coração de todos os homens. Nele pedimos que o mundo seja
como Jesus o quer: que o amor e a fraternidade sejam o que marquem a vida dos
homens e ninguém fique à margem de uma vida digna; que ninguém falte o alimento
de cada dia e tampouco o alimento do espirito, tudo aquilo que nos ajuda a
crescer como pessoas e como crentes. O Pai Nosso também nos ajuda a olharmos
para nossa realidade débil e pecadora, recodando-nos o importante que é mos
mantermos em oração para não cair na tentação. E Jesus nos ensina a pedirmos
com muita confiança em Deus que é Pai, Amigo e Companheiro do caminho (Mt
28,20).
Aprofundemos um pouco mais nossa reflexão sobre
o texto do Evangelho deste domingo!
Continuamos a acompanhar a seção das lições do caminho no evangelho de Lucas
onde se encontra o texto do evangelho deste domingo (Lc 9,51-19,28). A lição
que o evangelista Lucas nos apresenta hoje a lição sobre a oração.
Como já se sabe que Lucas é conhecido como
uma pessoa orante e a sua comunidade é uma comunidade orante, porque ele dá uma
atenção particular à oração. No seu evangelho ele faz notar nove vezes que
Jesus reza; só duas ocasiões de oração são comuns com os outros evangelhos
sinóticos. Lc 11,1-13, o evangelho deste domingo, é realmente um pequeno
catecismo sobre a oração. A oração envolve o evangelho inteiro desde o primeiro
capítulo que abre com uma solene liturgia no templo de Jerusalém (Lc 1,5-25)
até a reunião dos discípulos, depois da ascensão, novamente no templo para
louvar a Deus (Lc 24,53).
A oração não é uma atividade que se justapõe
extrinsecamente ao homem, mas ela jorra do ser, nasce do próprio mistério do
homem, destila e flui da realidade de todos os homens. Poderíamos dizer que a
oração é, de certo modo, o próprio ser do homem que se torna transparente à luz
de Deus, que se reconhece por aquilo que é e, ao reconhecer-se, reconhece a
grandeza de Deus, a Sua santidade, o Seu amor, o Seu desígnio de misericórdia.
Ela é uma percepção da realidade que logo se desabrocha em louvor, em adoração,
em agradecimento e em pedido de piedade Àquele que é a origem do ser. Por isso,
quem sabe viver bem/conscientemente, sabe também rezar bem/conscientemente. E
quem sabe rezar bem/conscientemente, também sabe viver bem/conscientemente.
Aquele que vive profundamente seu ser ou sua vida, não tem como não rezar. O
ser humano é apenas uma criatura, mas uma criatura que tem consciência de seu
ser e de seu existir.
A oração exige uma relação em que você
permite ao Outro entrar no centro de sua pessoa, permite-lhe falar ali,
permite-lhe tocar o núcleo sensitivo de seu ser e permite-lhe ver tudo o que
você preferiria deixar oculto na escuridão. Ao orar você se abre para a
influência do Poder que se revelou como Amor. O Poder que lhe dá liberdade e
independência. Uma vez tocado por esse Poder, você não é mais arrastado para lá
e para cá pelas inúmeras opiniões, ideias e sentimentos que passam por você.
Você encontrou um centro para sua vida, e este centro lhe dá uma distância
criativa de modo que tudo o que você vê, ouve e sente pode ser testado de
acordo com a fonte.
Por isso, ao rezar, de você se pede que abra
seus punhos firmemente cerrados e dê sua última moeda para Aquele que pode
preencher todo o espaço de sua vida. O homem que ora é um homem com as mãos
abertas perante Deus para o mundo. Ele sabe que Deus se mostrará na natureza
circundante, nas pessoas que ele encontra, nas situações por onde passa. Uma
pessoa torna-se uma pessoa quando é capaz de se abrir para todas as dádivas que
estão preparadas para ela. Um homem que ora pode voltar a respirar livremente e
tem a liberdade de mover-se para onde quiser sem que medos o persigam. O homem
que vive do sopro de Deus pode reconhecer com alegria que o mesmo sopro
mergulha no pulmão de seu semelhante e que ambos bebem da mesma fonte. Nessa
percepção mútua, o medo do outro desaparece, as armas caem, um sorriso vem aos
lábios e uma mão se estende para o outro. Aquele que percebe o sopro de Deus no
outro pode deixar o outro entrar de verdade em sua vida.
Quando a vida do homem está se tornando cada
vez mais uma oração, ele percebe que está sempre ocupado convertendo-se e
adquirindo uma compreensão maior de seu semelhante. Também ele percebe que a
oração é o pulso do mundo em que ele vive. O homem que ora inspira o mundo,
olha para ele com compaixão e, nesse olhar, penetra a fonte de todo ser.
O texto do Evangelho deste domingo fala da
oração do Pai-Nosso na versão de
Lucas.
Desde a antiguidade são conhecidas três
formas do Pai-Nosso: (1) o mais curto é a versão lucana (Lc 11,1-4) com cinco pedidos; (2) Mt 6,9-13 é o mais longo com sete
pedidos, o que se pode suspeitar ser uma redação mais recente. No entanto,
segundo J. Jeremias, o uso da palavra “dívida” por Mateus revela uma presença
de um aramaismo, dado que no grego comum não se usava a palavra “dívida”
(ofeilemata) para indicar pecado, mas “falta, pecado” (amartia) como está no
texto de Lucas e Marcos; e (3) Didaqué
8,2 (Catecismo dos primeiros cristãos/Instrução dos Doze Apóstolos) que é o
mais longo ainda, com sete pedidos e a doxologia.
Rezar o Pai-Nosso é seguir Jesus Cristo,
aprendendo dele a maneira de viver, de escolher e também o modo de enfrentar a
morte; quais são as razões profundas, as raízes da própria existência. Antes de
introduzir a oração do Pai-Nosso, Lucas apresenta o modelo: Jesus que ora
(v.1). Os discípulos sabem como e quando rezar, não na base de um manual de
orações ou de um calendário sagrado, mas seguindo o estilo de seu Mestre, sua
atitude de fidelidade e liberdade, em comunhão total com o Pai: uma comunhão e
confiança que não podem ser perturbados, nem sequer pela provação suprema que é
o absurdo de uma morte violenta e vergonhosa.
Neste texto, os apóstolos pedem a Jesus:
“Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou os discípulos dele”
(v.1). Devemos observar logo de início que o pedido dos apóstolos não foi feito
quando eles se encontraram pela primeira vez com Jesus, mas muito mais tarde,
depois de eles terem visto Jesus se retirar para lugares desertos a fim de
rezar. E só entendemos o peso deste pedido se consideramos que os discípulos
não tinham nenhum motivo de querer aprender “mais uma” oração. O bom judeu sabe
de cor a maioria das 150 preces oficiais, os Salmos. Por isso, aqui, não se
trata de querer saber uma oração “nova”. Os apóstolos estavam fascinados com
Jesus porque para rezar ele se retira a lugares ermos (Mt 14,13). Jesus não
grita, não tira os sapatos, não atira ao chão. Na montanha, no silêncio da
noite, ele se mergulha na presença de Deus. Deus está na total intimidade de
sua vida (cf. Mc 1,35s;Lc 6,12;9,18.28;Jo 11,41ss). Voltando da oração, Jesus
orante tem sobre os discípulos uma irresistível atração divina. Nenhum homem
sabia se aproximar de Deus com tanta reverência, e ao mesmo tempo com tão
incomparável confiança. Entre Jesus e Deus havia a total intimidade.
A resposta de Jesus para o pedido é a oração
do Pai-Nosso. É uma oração tão simples e fácil, que aprendemos quando pequenos,
e, no entanto, oração riquíssima. Nela descobrimos a palavra “Pai”, Deus-Pai
como novo horizonte de vida.
A palavra “Pai” (Abba, Papaizinho) encontra-se, nos evangelhos: 118 vezes em Jo, 5 vezes em
Mc, 17 vezes em Lc e 44 vezes em Mt. E em outra parte do NT:
42 vezes em Paulo, 2 vezes em Hb, 24 vezes nas Cartas católicas e 5 vezes no Apocalipse.
Dizer “Pai” significa que não precisamos
fazer um esforço de imaginação para conhecer a Deus, para imaginá-lo. Dizer
“Pai” nos torna disponíveis, enche-nos de confiança, facilita a nossa entrega,
pois estamos certos de sermos ouvidos, e isto nos permite superar as barreiras
do medo e da incerteza. Dizer “Pai” significa que eu devo me comportar como
filho diante dele e como irmão diante dos outros, pois eu sou irmão de muitos
outros irmãos. Enquanto não crermos em Deus Pai, dificilmente poderemos aceitar
que somos irmãso. Enquanto não erradicarmos tudo o que nos impede de ser irmãos,
somente poderemos continuar dizendo Pai-Nosso, mas não poderemos dizer de
verdade e com sentido: Pai Nosso.... Dizer “Pai” faz nascer a certeza de que
somos amados, isto é, nos leva a um ato de inteiro abandono em Deus.
“Pai, santificado seja o teu nome”. “Santificar” e “nome” (v.2). Santificar, biblicamente, é sinônimo de
louvar, bendizer e glorificar; é tornar-se santo. Santo tem como sinônimo
justo, perfeito, bom e puro. O “nome”
é propriedade; o nome é a extensão da personalidade; ele é o próprio ser. O
nome é indicativo direto da pessoa, por isso, a interdição de invocar seu nome
(Ex 20,7) é porque o nome indica o próprio portador. Santificar o nome de Deus
é comprometer-se com a sua justiça, com a justiça ao órfão, à viúva, com o
trabalhador do campo, com o operário da cidade.
Com o “venha o teu reino”, exprimimos o desejo, o anseio
pela manifestação daquela realidade que se condensa na palavra “reino”, e que
pode ser expressa de mil outros modos: justiça, fraternidade, igualdade, triunfo
da vida, derrota da morte, situação em que não mais haverá lágrimas ou luto,
capacidade de nos conhecermos e de nos amarmos a fundo, plenitude do Corpo de
Cristo realizado na Igreja, unidade verdadeira entre as pessoas e entre todos
os povos. Por isso, o “reino do Pai” é bem diferente dos “reinos deste mundo”
com suas lutas pelo poder, seus altos cargos, sua imponência, sua falta de paz
e suas ameaças de guerra. A guerra supõe que tenha algo a defender. Mas nem
sempre este “algo” é justo e humano.
“O pão necessário, dá-nos a cada dia”. “Pão” em
hebraico “lehem” (que compõe a
palavra Betlehem = a casa do pão) é o
conjunto dos bens que servem para sustentar a vida. Por mais altos que
forem os voos do espírito, por mais profundos os mergulhos da mística, por mais
metafísicos os pensamentos abstratos, por muitas horas que o homem reza e
medita, o ser humano sempre depende de um pouco de pão, de um copo de água,
enfim de uma pequena porção de matéria. O homem se apresenta diante de Deus
como uma criatura que necessita ser sustentada na sua vida material. O pão é
sagrado porque sustenta a vida que é sagrada. Por causa disso, o pão é uma
preocupação constante de cada pessoa, de cada família. Nenhuma oração, nenhum
ato espiritual dispensa o pão. Deus quer que ganhemos o pão com o trabalho que
implica tempo, suor e lágrimas. E o pão que comemos diariamente esconde toda
rede de relações anônimas que sempre devem ser recordadas. Antes de chegar à
nossa mesa, passou pelo trabalho de muitos braços. Em cada pão que se come, por
isso, há sentido de fraternidade e de partilha; embora haja também relações de
exploração e lágrimas escondidas em cada pão que se come. Mas o pão que nós
comemos, fruto da exploração/roubo do irmão, não é pão abençoado por Deus. É
pão que apenas nutre, mas não alimenta a vida humana que é somente humana
enquanto vive na reta ordem da justiça e da fraternidade.
“Perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também perdoamos a
todos os nossos devedores”. O homem não somente vive, mas convive.
Ele se relaciona. Aqui é que surgem conflitos, desentendimentos, brigas,
guerras etc. Para que a convivência possa permanecer, o perdão mútuo é
indispensável. Toda convivência humana é baseada no perdão. O perdão é invocado
a Deus (v.4), o único que pode quebrar o círculo do pecado que gera pecado,
solidão e morte. O próprio Deus sempre está pronto para nos perdoar, pois Ele
quer saber de nossa volta a Ele e não do quanto tempo de nosso afastamento.
Podemos fazer contra ele as piores ingratidões, mas basta que nos voltemos para
ele, para que nos perdoe. Precisamos sempre do perdão de Deus, perdão que nunca
nos falta, perdão pelas nossas seguidas quedas, e pela nossa incapacidade de
realizar o Reino. Mas precisamos também do perdão recíproco. Perdoar não é
exigir que o outro se humilhe. Perdoar não exigir que o outro primeiro se
converta, que o outro venha expiar sua culpa para depois perdoá-lo. O perdão
vem primeiro. Perdoar é doar até o fim. É doar-se sem jamais colocar limites.
Perdoar é mostrar que seu amor é maior do que a ofensa do outro. Se a ofensa
derrubar, se desanimar seu amor, é porque seu amor é pequeno e bem frágil
ainda.
“Não nos deixes cair em tentação”. O último
pedido expressa a consciência da precariedade na existência humana exposta ao
risco de aderir ao mal na sua extrema gravidade. O homem é um ser tentável. Mas
precisamos estar conscientes de que a tentação é sinal de predileção, pois
somente quem anda com o Senhor é tentado. Somente quem pratica a justiça e o
bem em geral é tentado. Mas mesmo assim, precisamos do apoio de Deus para não
cairmos em tentação no momento do perigo, e para que o Reino não se obscureça
em torno de nós. Na tradição bíblica do NT, estar livre da tentação é estar
protegido contra a apostasia ou contra a negação da fé. Na verdade, é uma
súplica positiva. A tentação pode ser um desejo de construir um Reino próprio e
colocar-se no lugar de Deus.
Depois que ensinou os discípulos sobre a
oração do Pai-Nosso, Jesus contou uma parábola referente a essa oração.
Deve-se compreender a parábola a partir da
vida de uma aldeia palestinense e da lei da hospitalidade, que era sagrada para
o judeu. Um homem recebe visita durante a noite e, não tendo nada para oferecer
ao seu visitante, recorre ao vizinho para que este lhe empreste três pães.
Ainda que o vizinho já esteja dormindo, e inicialmente, recuse o pedido por
causa dos incômodos que o levantar-se, abrir a porta etc., ele acabará ouvindo
o pedido do amigo.
O ensinamento teológico do evangelista é
claro: Deus pode tardar, mas ele ouvirá os nossos pedidos. O segredo é a
insistência. Se na primeira vez o pedido não é alcançado, pede-se uma segunda
vez. Não devemos brincar de orar, mas sim, devemos mostrar persistência se não
recebemos a resposta imediatamente. Não é que Deus não deseje atender e por
isso precisa ser pressionado para dar uma resposta. Mas se não quisermos aquilo
que estamos pedindo, suficientemente para sermos persistentes, então, não
fazemos muita questão dele. Não é uma oração tépida assim que é respondida.
A interrogação permanece: faz sentido a prece
de súplica (pedir, procurar, bater), se Deus já sabe das nossas necessidades?
A prece de súplica fundamenta sua eficácia em
duas razões básicas: a bondade paterna de Deus e a fé do ser humano. Fidelidade
e confiança encontram-se como reciprocidade no diálogo: a do Pai e a do filho.
Confiar é o olhar da fé que sabe ver Deus. Se não há fé, a confiança não surge,
e corre-se o risco da volta à ausência de sentido da vida, sobretudo quando se
toca com a mão o extremo do próprio limite. A confiança cresce encorajada pela
descoberta da bondade de Deus. A bondade de Deus é a raiz da confiança, porque
ele é fiel às suas promessas. “O homem fiel é aquele que crê no Deus que promete; o Deus fiel é aquele
que concede o que prometeu ao homem” (Papa Francisco: Lumen Fidei, Carta Encíclica).
Assim, a súplica paciente não tem como meta
lembrar a Deus a sua fidelidade, mas fazer crescer dentro de nós o hábito da
necessidade dele, da dependência dele, relembrando que tudo está sob o sinal da
graça. Crescendo dos imperativos (peçam, procurem, batam), aparentemente diz
respeito a coisas concretas, mas, na verdade, concita o discípulo a converter o
coração ao amor solícito do Pai. A experiência do amor paterno é a verdadeira
parábola para compreender a generosidade de Deus, o seu amor que não se
desmente. A oração é, certamente, a total abertura ao amor fiel de Deus para
que cada um viva o amor fiel na convivência com os demais.
Mas devemos estar conscientes de que Deus não
exclui a responsabilidade da pessoa que reza nas tarefas que a história
estabelece. Somente assim tudo o que é rezado torna-se verdadeiro, e remete ao
compromisso sério da vida. Apenas assim, a prece foge do risco da alienação
porque tudo se recompõe dentro da misteriosa e realizadora vontade de Deus.
Jesus conclui seu ensinamento sobre a oração
dizendo: “O Pai do céu dará o Espírito Santo” (v.13). Eis a grande resposta à
prece de súplica: a dádiva do Espírito. A promessa de Deus ultrapassa toda
espera, transcende a imaginação humana. O segredo da eficácia não se fundamenta
somente na confiança, mas, também, na disponibilidade de acolher os grandes
bens de Deus. E Lucas enfatiza que o Pai dará o Espírito. Jesus parece dizer
que, antes de perguntar como se aprende a rezar (cf. Lc 11,1), é necessário
pedir a presença do Orante: a presença do Espírito Santo que
"intercede" em nós e para conosco (Lc 11,13;Rm 8,26). A prece cristã
em Lc 11 chega ao seu ápice e qualifica-se como diálogo dos filhos no seio da
comunhão da Trindade. A prece daquele que crê é a experiência da paternidade de
Deus, é a participação no caminho do seu Reino na história, revelada na sua
plenitude mediante a encarnação do Filho, e é a consciência nova da filiação,
no Filho, por obra do Espírito.
Não estou só neste mundo, porque o Espírito
Santo implora em mim e por mim, aquilo que eu não sei pedir, e o meu Salvador
está junto de mim, une-me a Si e me faz participante de seus sentimentos
filiais. Ele vem em auxílio da nossa fraqueza (cf. Rm 8,26-27). Ali onde existe
a presença do Espírito é possível reconhecer o Pai, a sua vontade, a procura do
seu Reino, o compromisso pelo pão cotidiano, o testemunho da misericórdia, a
libertação do mal. Quando o Espírito está ausente da vida, o discípulo torna-se
um estranho, desanima, não sabe mais o que pedir e como rezar.
P. Vitus Gustama,svd
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