domingo, 30 de janeiro de 2022

Sábado Da IV Semana Comum,05/02/2022

APRENDER A DESCANSAR COM O SENHOR PARA VIVER NA SABEDORIA 

Sábado Da IV Semana Comum

Primeira Leitura: 1Rs 3,4-13

Naqueles dias, 4 o rei Salomão foi a Gabaon para oferecer um sacrifício, porque esse era o lugar alto mais importante. Salomão ofereceu mil holocaustos naquele altar. 5 Em Gabaon, o Senhor apareceu a Salomão, em sonho, durante a noite, e lhe disse: “Pede o que desejas e eu to darei”. 6 Salomão respondeu: “Tu mostraste grande benevolência para com teu servo Davi, meu pai, porque ele andou na tua presença com sinceridade, justiça e retidão de coração para contigo. Tu lhe conservaste esta grande benevolência, e lhe deste um filho que hoje ocupa o seu trono. 7 Portanto, Senhor meu Deus, tu fizeste reinar o teu servo em lugar de Davi, meu pai. Mas eu não passo de um adolescente, que não sabe ainda como governar. 8 Além disso, teu servo está no meio do teu povo eleito, povo tão numeroso que não se pode contar ou calcular. 9 Dá, pois, a teu servo, um coração compreensivo, capaz de governar o teu povo e de discernir entre o bem e o mal. Do contrário, quem poderá governar este teu povo tão numeroso?” 10 Esta oração de Salomão agradou ao Senhor. 11 E Deus disse a Salomão: “Já que pediste estes dons e não pediste para ti longos anos de vida, nem riquezas, nem a morte de teus inimigos, mas sim sabedoria para praticar a justiça, 12 vou satisfazer o teu pedido; dou-te um coração sábio e inteligente, como nunca houve outro igual antes de ti, nem haverá depois de ti. 13 Mas dou-te também o que não pediste, tanta riqueza e tanta glória como jamais haverá entre os reis, durante toda a tua vida”. 

Evangelho: Mc 6,30-34

Naquele tempo, 30os apóstolos reuniram-se com Jesus e contaram tudo o que haviam feito e ensinado. 31Ele lhes disse: “Vinde sozinhos para um lugar deserto e descansai um pouco”. Havia, de fato, tanta gente chegando e saindo que não tinham tempo nem para comer. 32Então foram sozinhos, de barco, para um lugar deserto e afastado. 33Muitos os viram partir e reconheceram que eram eles. Saindo de todas as cidades, correram a pé, e chegaram lá antes deles. 34Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas.

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Viver Na Sabedoria De Deus Para Viver e Governar Bem 

“Dá, pois, a teu servo, um coração compreensivo, capaz de governar o teu povo e de discernir entre o bem e o mal. Do contrário, quem poderá governar este teu povo tão numeroso?”. Este é o pedido de Salomão a Deus antes de iniciar o seu reinado/governo depois que seu pai, Davi, morreu. Pode-se ler também o capítulo 7 do livro da Sabedoria sobre o sucesso e as consequências desta oração de Salomão.

O pedido de Sabedoria a Deus por Salomão constitui um prólogo magnífico para a história do reinado de Salomão. Este prólogo tem uma dupla finalidade. A primeira finalidade é apresentar Salomão como sucessor legítimo do rei Davi, seu pai, referendado pelo beneplácito divino (1Rs 3,1-2). A segunda finalidade é propor Salomão como exemplo de rei sábio (1Rs 3,3ss).

Salomão, consciente da magnitude de sua tarefa e de suas próprias limitações, pede a Deus um coração sábio para governar, como qualidade preferida a outros bens e dons (1Rs 3,6-9). 

A resposta de Deus dá destaque à anuência e concessão dessa petição (1Rs 3,10-12) com o acréscimo de outros três dons: riqueza, glória e vida longa (1Rs 3,13-14): “Já que pediste estes dons e não pediste para ti longos anos de vida, nem riquezas, nem a morte de teus inimigos, mas sim sabedoria para praticar a justiça, vou satisfazer o teu pedido; dou-te um coração sábio e inteligente, como nunca houve outro igual antes de ti, nem haverá depois de ti. Mas dou-te também o que não pediste, tanta riqueza e tanta glória como jamais haverá entre os reis, durante toda a tua vida”, é a resposta de Deus ao pedido de Salomão. Em Salomão se cumpriu o que Jesus dirá mais tarde: ”Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas(Mt 6,33; cf. Sl 112,3; Provérbios 8,18; 10,3; 28,10; Eclesiastes 10,2; Is 26,9;33,6 ).

O jovem rei, Salomão, quis inaugurar seu reinado com um ato religioso, oferecendo sacrifícios a Deus. Aqui Salomão aparece como um homem de muito fé e quer adquirir a sabedoria de Deus para governar bem. Por causa de sua sabedoria, a Salomão são atribuídos livros sapienciais como o livro dos Provérbios, e uma fama universal superios à sabedoria de todos os sábios, que provocará a visita da rainha de Sabá (1Rs 10,1-13; cf. 2Crônicas 9,1-12). É famoso o juízo de Salomão que quando ele teve que decidir sobre o caso das duas mulheres e da criança que ambos reivindicaram como sua própria (1Rs 3).

Todos nós necessitamos de sabedoria. Muitas vezes na vida, tanto no nível pessoal como comunitário, ou familiar, nós nos encontramos diante da encruzilhada de uma decisão e ás vezes nos custa discernir uma solução. Podemos aplicar todos os recursos humanos e os cálculos e as experiências. Mas somente a sabedoria de Deus é que nos ajuda a termos uma visão melhor das coisas, das pessoas e dos acontecimentos. A vida, antes de ser vivida, precisa ser rezada.

A palavra “sabedoria” provém do latim “sapere” que quer dizer ter inteligência, ser compreendido. Mas propriamente significa ter gosto, exercer o sentido do gosto, ter este ou aquele sabor, capacidade desenvolvida de saborear. Etimologicamente, da palavra “sapere” derivam duas palavras: “saber” e “sabor”, duas palavras que indicam o mesmo: um saber que sabe saboreando a vida. É um saber que saboreia o fruto da vida, não um saber teórico sobre a vida. É o testemunho do experimentado, a experiência da vida mesma, de seu sabor de viver. A sabedoria simplesmente significa a capacidade de fazer as escolhas corretas, de tomar as decisões certas, de escolher os valores verdadeiros que conduzem o homem à sua realização, e à sua felicidade. 

O verdadeiro "sábio" é aquele que escolhe escutar as propostas de Deus, aceitar os seus desafios, e seguir os caminhos que ele indica. A sabedoria simplesmente significa a capacidade de fazer as escolhas corretas, de tomar as decisões certas, de escolher os valores verdadeiros que conduzem o homem à sua realização, e à sua felicidade. A sabedoria é um tipo de "luz" que indica caminhos e que permite discernir as opções corretas a tomar. É ela que permite ao homem gozar os bens terrenos com maturidade e equilíbrio, sem obsessão e sem cobiça, colocando-os nos seu devido lugar e não deixando que sejam eles a conduzir a vida do homem e a ditar as suas opções. Viver na sabedoria de Deus significa darmos prioridade àquilo que é realmente essencial, fundamental, importante e que nos assegura, não momentos efêmeros, mas momentos eternos de felicidade e de vida plena, pois os valores efêmeros não servem para encher completamente a nossa vida de significado e não nos garantem a vida verdadeira. 

A Palavra de Deus nos ajuda a discernirmos o bem e o mal e a fazermos as opções corretas. Ela ressoa no nosso coração, confronta-nos com as nossas infidelidades, critica os nossos falsos valores, denuncia os nossos esquemas de egoísmo e de comodismo, alerta o perigo de nossa prepotência, mostra-nos o sem sentido das nossas opções erradas, grita-nos que é preciso corrigir o nosso rumo/direção, desperta a nossa consciência, indica-nos o caminho para Deus. Senhor, dá, pois, a teu servo, um coração compreensivo, capaz de governar o teu povo e de discernir entre o bem e o mal”. 

“Dá-nos, Senhor, a sabedoria que julga a partir de cima e a distância. Dá-nos um espírito que menospreza o que é insignificante em favor do essencial. Ensina-nos a termos serenidade diante da luta e dos obstáculos e a prosseguir com , sem perturbar o caminho por Ti traçado. Dá-nos uma atividade serena que abarque, com uma visão unitária, a totalidade (Oração de um anônimo).

Evangelho e Sua Mensagem

1. Revisão Da Vida Apostólica

Anteriormente Jesus chamou os Doze para depois enviá-los à missão (Mc 6,7-13). Depois de sua primeira “missão”, os discípulos voltaram a se reunir com Jesus: “Naquele tempo, os apóstolos reuniram-se com Jesus... 

Muitos cristãos compreendem hoje que sua fé se torna robusta quando decidem reunir-se, no espírito do Senhor, com outros irmãos para partilhar e dialogar sobre sua fé. Este é um dos sentidos da assembleia eucarística dominical: depois de sua missão durante a semana, os cristãos se reúnem junto a Jesus na companhia de outros irmãos da fé. 

Os apóstolos contaram tudo (a Jesus) o que haviam feito e ensinado”. Trata-se de uma revisão da vida apostólica. Esta revisão de nossa vida com Jesus é uma das formas mais úteis de nossa oração. Cada noite nós deveríamos criar ocasião para “relatar” a Jesus “o que temos feito”. Se fizermos isso diariamente, a nossa participação na celebração eucarística dominical ficará mais rica e profunda. 

2. Descansar Com Jesus Uma Solicitude Pastoral

Depois de ouvir seu relato Jesus convidou os Apóstolos: “Vinde sozinhos para um lugar deserto e descansai um pouco”.  Trata-se de uma necessidade de silêncio, de recolhimento, de solidão. É essencial para os homens de todas as épocas, especialmente é indispensável para o homem moderno na agitação de vida de hoje. 

A resposta de Jesus se concreta em levá-los com Ele para um lugar onde ninguém possa perturbá-los para descansar com Ele e n’Ele. Esse convite nos recorda aquilo que o próprio Jesus disse no evangelho de Mateus sobre a importância do descanso com o Senhor e no Senhor: “Vinde a Mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e Eu vos darei descanso” (Mt 11,28). Jesus conjuga muito bem o trabalho e a oração. Dedica-se prioritariamente à evangelização, mas sabe buscar momentos de silêncio e oração para si e para os seus, mesmo que dure apenas pouco tempo como aconteceu no relato do evangelho de hoje. 

Convidar os discípulos para descansar na solidão também é um gesto muito humano de Jesus. Jesus sabe o que é a fatiga e busca, muitas vezes, a solidão (no monte, no campo ou de noite). O ativismo nos esgota e empobrece. Não é bom o “stress”, ainda que seja espiritual. Quando não há o equilíbrio interior, todos cairão no nervosismo e diminuirá a eficácia humana e evangelizadora. Necessitamos da paz e da serenidade. Todos os que trabalham, também pelo Reino, necessitam de uma certa serenidade e um certo equilíbrio mental e psíquico. As pessoas que trabalham pelo Reino têm que ser pessoas de paz e de serenidade. 

O trabalho de um verdadeiro pastor ou de qualquer líder cristão não é fácil, pois ele tem que manter a unidade e a segurança do seu rebanho. Por isso, quem é enviado como pastor, e, quem é encarregado de ser líder dos outros numa comunidade necessita de descanso. Mas o descanso dos pastores e dos lideres cristãos é feito com e no grande Pastor. Eles fazem seu descanso no Pastor dos pastores. O descanso dos pastores consiste em saber “estar” com Jesus: escutá-Lo, viver com Ele, aprofundar em sua comunhão de vida como pastor. É aprender do grande Pastor sobre como deve conduzir e rebanhar as ovelhas do qual ele próprio faz parte. As ovelhas são do Senhor (Jo 21,17) e não dos líderes. 

Esse convite para descansar com e no Senhor é a primeira solicitude de Jesus como Pastor para aqueles que são encarregados de alguma tarefa na comunidade de irmãos. Esse convite tem como característica a comunhão de ministério com Jesus. Essa comunhão ajudará os pastores e os demais líderes da comunidade a terem a mesma solicitude de Jesus para com todos e para com a multidão que, em cada momento da história vive “como ovelhas sem pastor”, pois o pastor é Jesus e somente Ele. Entender isso significa entender a grande missão dos que são enviados, em Seu nome, com o objetivo de conduzir a humanidade para o grande Pastor, Jesus Cristo. 

3. Somos Chamados A Ser Seguidores Compassivos Como Jesus 

Depois de um rápido descanso dos Doze com Jesus o evangelista Marcos nos relatou com as seguintes palavras: Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas. 

Esta frase reproduz a situação refletida em 1Rs 22,17: “Vejo todo o Israel espalhado pelas montanhas como um rebanho sem pastor” (cf. Nm 27,17). Trata-se de uma imagem clássica na literatura bíblica no contexto de acusação aos pastores que não cumprem sua missão de rebanhar (unir e reunir) suas ovelhas. E Jesus se apresenta como o verdadeiro Pastor, pois ele dá sua vida pelo rebanho (Jo 10,14-15). 

Cristo é o Bom Pastor (Jo 10,11-15). Ele dá Sua vida em todo momento, também quando não lhe resta tempo nem para comer. Ali está Ele, buscando um tempo para descansar em companhia de seus discípulos, mas para os necessitados de Deus, Ele oferece Seu amor. É como o pai de uma família que, depois de uma jornada cansativa, volta para casa com o único desejo de descansar. Mas ao ver que seus filhos lhe pedem algo que lhe é impossível humanamente, tira suas últimas forças para brincar e fazer felizes seus filhos, dando-lhes o melhor de si, ainda que o corpo exija um descanso. 

Os cristãos dentro da comunidade, de um modo ou de outro, participam do serviço pastoral para com os demais, imitando e representando Jesus Cristo, Pastor de todos. Onde estiver e para onde for, o cristão faz tudo em nome de Cristo. Ele representa Cristo em qualquer lugar. Ele é cristão para todos os momentos e lugares.           

Jesus teve compaixão da multidão que vivia sem nenhuma orientação e começou a ensinar-lhes muitas coisas. Jesus teve tempo para a multidão necessitada. Ter tempo para os demais, especialmente para os necessitados é o ponto alto de uma vocação pastoral na Igreja de Jesus. Isso supõe a renúncia aos próprios planos, interesses e horários em função do bem de todos. O cristão existe para servir os demais.

O mundo de hoje continua a estar desorientado como “ovelhas sem pastor”, pois, no meio do avanço tecnológico, muitas pessoas morrem de fome. No meio da democracia ainda se encontram os ditadores que adormentam e sacrificam os pequenos e inocentes da sociedade. No meio de tanta facilidade tecnológica encontram-se os imprudentes que fazem tantas famílias chorarem pela perda de seus entes-queridos precocemente. No meio da luta pela solidariedade global encontram-se os gananciosos capazes de pisar sobre os outros em nome do prazer. O perigo e o prazer crescem no mesmo ramo. O fato de que em nossa civilização tão avançada há tantos homens morrem de fome ou são vitimas de uma guerra ou de um poder desenfreado, ou de uma imprudência, demonstra que os chefes que dirigem atualmente o mundo não olham para o povo e sim para os próprios interesses ou para os interesses partidários. É preciso ter progresso na verdade, na justiça na caridade.

Cristo quer que todos os cristãos ajudem esta humanidade a encontrar os caminhos da verdade e da felicidade, da paz e do verdadeiro progresso. Ser seguidor de Cristo significa aprender a olhar para os outros com um coração cheio de carinho, ser responsável pelos outros irmãos e falar-lhes do sentido da vida. A maneira com que tratamos um ser humano é a forma com que tratamos a nosso Senhor. Isso não exige explicação e sim contemplação (cf. Mt 25,40.45). O dia mais desperdiçado de todos é aquele no qual não conseguimos fazer alguém sorrir ou deixamos de fazer o outro sorrir. Um sorriso não custa tanto quanto a eletricidade, no entanto, ilumina muito mais do que ela.

P. Vitus Gustama,svd

Sexta-feira Da IV Semana Comum,04/02/2022

SER DEFENSOR E TESTEMUNHA DA VERDADE

Sexta-Feira da IV Semana Comum

Primeira Leitura: Eclo 47,2-13

2 Como a gordura, que se separa do sacrifício pacífico, assim também sobressai Davi, entre os israelitas. 3 Brincou com leões como se fossem cabritos, e com ursos, como se fossem cordeiros. 4 Não foi ele que, ainda jovem, matou o gigante e retirou do seu povo a desonra? 5 Ao levantar a mão com a pedra na funda, ele abateu o orgulho de Golias. 6 Pois invocou o Senhor, o Altíssimo, e este deu força a seu braço direito e ele acabou com um poderoso guerreiro e reergueu o poder do seu povo. 7 Assim foi que o glorificaram por dez mil e o louvaram pelas bênçãos do Senhor, oferecendo-lhe uma coroa de glória. 8 Pois esmagou os inimigos por toda a parte, e aniquilou os filisteus, seus adversários, abatendo até hoje o seu poder. 9 Em todas as suas obras dava graças ao Santo Altíssimo, com palavras de louvor: 10 de todo o coração louvava o Senhor, mostrando que amava a Deus, seu Criador. 11 Diante do altar colocou cantores, que deviam acompanhar suavemente as melodias. 12 Deu grande esplendor às festas e ordenou com perfeição as solenidades até o fim do ano: fez com que louvassem o santo Nome do Senhor, enchendo o santuário de harmonia desde a aurora. 13 O Senhor lhe perdoou os seus pecados, e exaltou para sempre o seu poder; concedeu-lhe a aliança real e um trono glorioso em Israel. 

Evangelho: Mc 6,14-29

Naquele tempo, 14o rei Herodes ouviu falar de Jesus, cujo nome se tinha tornado muito conhecido. Alguns diziam: “João Batista ressuscitou dos mortos. Por isso os poderes agem nesse homem”. 15Outros diziam: “É Elias”. Outros ainda diziam: “É um profeta como um dos profetas”. 16Ouvindo isto, Herodes disse: “Ele é João Batista. Eu mandei cortar a cabeça dele, mas ele ressuscitou!” 17Herodes tinha mandado prender João, e colocá-lo acorrentado na prisão. Fez isso por causa de Herodíades, mulher do seu irmão Filipe, com quem se tinha casado. 18João dizia a Herodes: “Não te é permitido ficar com a mulher do teu irmão”. 19Por isso Herodíades o odiava e queria matá-lo, mas não podia. 20Com efeito, Herodes tinha medo de João, pois sabia que ele era justo e santo, e por isso o protegia. Gostava de ouvi-lo, embora ficasse embaraçado quando o escutava. 21Finalmente, chegou o dia oportuno. Era o aniversário de Herodes, e ele fez um grande banquete para os grandes da corte, os oficiais e os cidadãos importantes da Galileia. 22A filha de Herodíades entrou e dançou, agradando a Herodes e seus convidados. Então o rei disse à moça: “Pede-me o que quiseres e eu te darei”. 23E lhe jurou dizendo: “Eu te darei qualquer coisa que me pedires, ainda que seja a metade do meu reino”. 24Ela saiu e perguntou à mãe: “Que vou pedir?” A mãe respondeu: “A cabeça de João Batista”. 25E, voltando depressa para junto do rei, pediu: “Quero que me dês agora, num prato, a cabeça de João Batista”. 26O rei ficou muito triste, mas não pôde recusar. Ele tinha feito o juramento diante dos convidados. 27Imediatamente, o rei mandou que um soldado fosse buscar a cabeça de João. O soldado saiu, degolou-o na prisão, 28trouxe a cabeça num prato e a deu à moça. Ela a entregou à sua mãe. 29Ao saberem disso, os discípulos de João foram lá, levaram o cadáver e o sepultaram.

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Somos Bons Apesar De Nossos Erros e Fraquezas 

Hoje, através da Primeira Leitura, antes de seguir com a história de Salomão, fazemos uma breve incursão no livro de Eclesiástico (Ben Sirá), para escutar um canto de louvor para a figura do rei Davi, cuja história lemos durante duas semanas. 

Muito tempo depois da morte de Davi, os livros sagrados continuaram fazendo seu elogio sobre Davi. No Eclesiástico, chamado também Livro de Ben Sirá, encontra-se também o elogio sobre o rei Davi, como lemos na Primeira Leitura de hoje. 

Nos tempos de Ben Sirá, não há reis em Israel. Aparentemente, a profecia de Natan não se cumpriu. Por isso, Bem Sirá desperta novamente a esperança nacional para os “sacerdotes” Aarão e Finéias. O sacerdócio ocupa o lugar da realeza, o Templo de Jerusalém é o único lugar de unidade do povo de Deus, muito mais que o trono real vazio. É por isso que Ben Sirá faz o elogio de Davi dando-lhe uma fisionomia quase sacerdotal. 

O autor do livro seleciona o material relativo a Davi, destacando seus feitos heróicos  e silenciando os aspectos menos nobres (pecados, fraquezas) de sua vida. O Eclesiástico nos apresenta uma imagem deslumbrante de Davi: “o melhor de Israel”. Ele foi, diz o autor do livro, adorador fiel do Deus Altíssimo a Quem dava graças por todas as Suas maravilhas. Para os israelitas, Davi é como a encarnação do poder ou do braço de Deus a favor de seu povo. é uma visão demasiada humana do mistério do Deus providente. 

É uma grande lição para nós todos. Temos, muitas vezes, uma tendência de olhar mais para o lado negativo de alguém esquecendo-nos do que é bom nele. É sempre louvável despertar o que é bom em alguém para que ele possa ser produtivo para a convivência. As emoções negativas e mal resolvidas perturbam nossa compreensão da realidade e das pessoas e fecham nossos olhos para a vida nova que está germinando ao nosso redor e em mutas pessoas. Somos pessoas boas, apesar dos nossos erros e fraquezas. Tudo o que Deus criou era bom! É o refrão que lemos no relato da criação (Gn 1).

O canto de Ben Sirá (Eclesiástico) resume o que representa Davi para a história do povo de Israel, e portanto, também para nós, pois somos seus herdeiros. O próprio Jesus, a Quem seguimos, é também chamado nos evangelhos de “Filho de Davi”. 

Além de recordar episódios mais ou menos chamativos de sua vida de criança, de jovem, de rei, o autor do livro ressalta sobretudo o litúrgico e cultual que Davi realizou em seu papel sacerdotal diante do povo: dava graças e louvava a Deus, entoava salmos cada dia, compus música para o culto e introduziu instrumentos, celebrou festas solenes, ordenou o ciclo do ano litúrgico. Politica e socialmente foi decisiva sua obra, e também para a vida religiosa de seu povo. 

Resume bem esta história uma das estrofes do Salmo Responsorial de hoje (Sl 17/18): “Concedeis, Senhor, ao vosso rei grandes vitórias e mostrais misericórdia ao vosso Ungido, a Davi e à sua casa para sempre”. Com seus defeitos e falhas Davi foi um grande homem e um crente, e Deus não lhe retirou seu Favor.

Seguramente temos também tido quedas e temos tido muita humildade diante de Deus para pedir-Lhe o perdão. Tivemos ocasiões de perdoar aos que não nos olhavam bem, a exemplo de Davi. Temos alguma de suas qualidades: bom coração, visão de fé, e por desgraça também algum de seus defeitos: momentos de debilidade paixonal, métodos não sempre limpos de conseguir o que pretendemos. Que possamos nos dizer com firmeza: “Apesar de nossas debilidades e quedas, continuamos tendo boa vontade e continuamos a amar a Deus, e que continuamos a manter nossas orações e desejos de melhorar nossa vida e nossa convivência. Ser boa pessoa e ser bom cristão continuam sendo nosso ideal e portanto, nosso desafio de cada dia. O adversário do bom é o melhor. O cristão é aquele que sempre escolhe o melhor: “Eu vos asseguro que se a vossa justiça não ultrapassar a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20). É sempre fazer um passo adiante no bem praticado diariamente.

Estar Com Jesus Para Conhecê-Lo Melhor A Fim De Saber O Que Devemos Fazer Na Vida Como Cristãos 

Estamos numa seção nova do relato de Marcos. Trata-se da seção Jesus e seus discípulos (Mc 6,6b-8,30). Enviados por Jesus (Mc 6,7-13), os discípulos vão Lhe dizer que o povo se converteu e realizaram muitos milagres em Seu nome. Na sua volta da missão, os discípulos são convidados por Jesus para ir com Ele a um lugar solitário, a sós. Nunca chegará a realizar perfeitamente esse convite, mas este convite marca o tom da seção: tem que seguir estando com Jesus (cf. Mc 3,13), aprendendo, refletindo sobre seu ser com Jesus, e, sobretudo, penetrando no mistério de Jesus para educar-se na fé n’Ele. Não se pode ser discípulos, continuadores de Sua obra sem entregar-se totalmente a Ele, sem crer n’Ele, pois sem a fé não se consegue dizer quem é Jesus. 

A partir da experiência dos discípulos nós também necessitamos refletir sobre nosso estar com Jesus e deixar-nos guiar e ajudar por Ele para alcançar uma fé enraizada em convicções mais profundas. 

1. Jesus Incomoda Os Injustos, e Serena Os Justos

Enquanto os Doze Apóstolos estão em missão (Mc 6,7-13), o evangelista Marcos volta a falar de seu tema principal: Quem é Jesus? Agora Jesus é muito conhecido pela multidão e por isso, sua fama se espalha rapidamente ao redor. 

A fama de Jesus chegou também aos ouvidos de Herodes. O texto diz que Herodes ouviu falar de Jesus. E diante dos testemunhos e opiniões do povo simples sobre Jesus, Herodes disse: “Ele é João Batista. Eu mandei cortar a cabeça dele, mas ele ressuscitou!”. O simples incomoda a consciência dos grandes. O simples é a voz de Deus, pois para o simples tudo é divino e para Deus tudo é simples. A simplicidade é a virtude dos sábios e a sabedoria dos santos. 

Herodes não está orgulhoso de sua conduta, pois ele mandou matar João Batista injustamente. Esta conduta o faz inquieto. A presença de Jesus desperta sua consciência adormecida de sua culpa. Mas ele não quer aceitar Jesus, o Príncipe da Paz, e por isso, continua inquieto. Agora é que ele escuta sua consciência. E como sua consciência o incomoda!

Será que eu ouço meu coração? Será que a presença de Jesus incomoda meu coração adormecido? Será que aceito a presença de Jesus para serenar meu coração inquieto? O que me incomoda ao lembrar-me dele? Como posso sair dele? “Meu coração continua inquieto enquanto não repousar no Senhor”, dizia Santo Agostinho.

2. João Batista: Firme Na Defesa da Verdade e Valente Na Denúncia Do Mal 

Herodes apreciava João Batista apesar da denúncia, pois o Batista era um homem honrado, ético, íntegro, santo e de caráter. Mas a debilidade desse rei volúvel e as intrigas da mulher e de sua filha acabaram com a vida do ultimo profeta do AT, o Precursor do Messias: João Batista. 

Herodes tinha medo de João, pois sabia que ele era justo e santo, e por isso o protegia. Gostava de ouvi-lo, embora ficasse embaraçado quando o escutava”, registrou Marcos sobre Herodes. Trata-se de um frase cheia de ironias e ambivalência e não nos deixa em paz. Herodes “protegia” João Batista, mas o encarcerou. Herodes “Gostava de ouvi-lo”, mas escuta mais à moça que pede sua cabeça e que o decapitou.

Fica para nós lição sobre o modo de viver de Herodes. Não basta chamar-se cristão; não basta ouvir a Palavra de Deus; não basta proclamar o nome de Cristo. Tudo isso é necessário, mas é preciso converter, romper os laços com o pecado e levantar-se para marchar atrás de Cristo até a Cruz! 

Herodes é um rei orgulhoso no sentido de prepotente e arrogante. Ele se orgulha de seu poder e pode usá-lo para qualquer fim. Um orgulhoso, como Herodes, possui todos os vícios: egoísta, injusto, imoral. Como egoísta ele coloca sua pessoa no centro de tudo. Ele é a própria lei. Como injusto, ele não respeita os direitos dos outros. E como imoral, ele não respeita moral alguma. Ele quer entender somente seu Ego e “conversa” com seu orgulho. Mas ele impõe moral para os demais e para ele próprio está livre de qualquer principio moral, pois ele se acha o próprio principio. 

Herodes é um misto de fraqueza e arrogância, de vilania e prepotência, de covardia e insolência. Ele é um velhaco. Um velhaco é covarde quando deveria ser corajoso, e torna-se impiedoso e cruel quando deveria ser clemente. Todo orgulhoso é fraco. Herodes, um rei débil, se converte em instrumento de vingança de uma mulher. Ele foi usado por uma mulher cheia de vingança e ódio no seu coração em nome da falsidade e de interesse pessoal. João Batista foi uma vitima de um poder. Herodes abusa da riqueza e do poder. Entregue totalmente aos prazeres, torna-se presunçoso e arrogante. O dominador se deixa enganar por uma bailarina e por sua vingativa mãe.  Age de maneira covarde e cruelmente, transformando-se em assassino de um inocente. 

O homem da verdade pode ser eliminado, mas a própria verdade não cabe em qualquer túmulo, pois ela habita na consciência do homem e ressuscita toda vez que for enterrada. 

A figura de João Batista é admirável por seu exemplo de interesse na defesa da verdade e sua valentia na denúncia do mal. Ele se torna conhecido pela sua firme defesa da verdade. Por causa da verdade vivida pelo João Batista, nem o rei feroz escapa de ser denunciado. Sua figura frágil não se intimida diante da fúria do rei Herodes e de sua concubina. Ele não teme pagar preço da verdade e de sua liberdade. Ele deve fidelidade a Deus, Suprema Verdade (Jo 14,6; cf. Jo 8,31-32). 

3. Ser Cristão Coerente A Exemplo De João Batista 

De João Batista aprendemos, sobretudo, seu firme caráter e a coerência de sua vida com o que prega e fala. Ele sempre vive na verdade e pela verdade. Prepara os caminhos do Messias, pregando a conversão. Mostra claramente o Messias quando apareceu. Não quer usurpar nenhum papel que não lhe corresponde: “Que Jesus cresça e eu diminua”, humildemente confessa (Jo 3,30). Aprendemos também de João Batista que o serviço do Reino da verdade e do amor comporta também o testemunho da verdade e do amor capaz de ter risco de “perder” nossa vida. O testemunho de João Batista, o profeta da verdade, inspira a quem se torna o homem da verdade. 

Haverá ocasiões em que também teremos que denunciar o mal onde existe. Faremos tudo isto com palavras valentes, mas, sobretudo, com uma vida coerente que por si mesma será um sinal profético no meio de um mundo que persegue os valores verdadeiramente humanos e cristãos. 

João Batista foi um grande defensor da verdade. A verdade é, às vezes, doce, às vezes, amarga. Porém, quando é amarga, possui propriedades que curam” (Sto. Agostinho. Epist.110). “Quem recusa a verdade é como um cego banhado pelo sol sem beneficiar-se de sua luz. Quem aceita a verdade e depois não a segue padece uma cegueira convencional” (idem. De doc. christ I, 9,9). Estejamos atentos de que como Deus não faz ouvir Sua voz para desmentir ninguém, encontramos muitos porta-vozes que se contradizem. Mas o próprio coração é o Supremo Tribunal para cada um de nós.

Para Refletir

Muitas vezes acontece que os defeitos dos outros são os nossos enxergados nos outros. Será que não existe um pequeno Herodes em nós? Ou, pelo menos, será que ele está adormecido e que pode acordar e se levantar em qualquer hora com sua fúria incontrolável? Estejamos vigilantes! Pare e pense! Reflita e não reaja! Fazer sem pensar pode sacrificar muitos inocentes. 

O homem, no que tem de animal, é violento, mas no que tem de espiritual, é não-violento. No momento em que ele se torna consciente do espírito interior, não pode permanecer violento. Jesus viveria e morreria em vão se não conseguisse nos ensinar a ordenarmos toda a nossa vida pela lei eterna do amor (Mahatma Gandhi).       

P. Vitus Gustama,svd

Quinta-feira Da IV Semana Comum,03/02/2022

SER CRISTÃO É SER VERDADEIRO MENSAGEIRO DO SENHOR

Quinta-Feira da IV Semana Comum

Primeira Leitura: 1Rs 2,1-4.10-12

1 Aproximando-se o fim da sua vida, Davi deu estas instruções a seu filho Salomão: 2 “Vou seguir o caminho de todos os mortais. Sê corajoso e porta-te como um homem. 3 Observa os preceitos do Senhor, teu Deus, andando em seus caminhos, observando seus estatutos, seus mandamentos, seus preceitos e seus ensinamentos, como estão escritos na lei de Moisés. E assim serás bem-sucedido em tudo o que fizeres e em todos os teus projetos. 4 Então o Senhor cumprirá a promessa que me fez, dizendo: ‘Se teus filhos conservarem uma boa conduta, caminhando com lealdade diante de mim, com todo o seu coração e com toda a sua alma, jamais te faltará um sucessor no trono de Israel”’. 10 E Davi adormeceu com seus pais e foi sepultado na cidade de Davi. 11 O tempo que Davi reinou em Israel foi de quarenta anos: sete anos em Hebron e trinta e três em Jerusalém. 12 Salomão sucedeu no trono a seu pai Davi e seu reino ficou solidamente estabelecido. 

Evangelho: Mc 6,7-13

Naquele tempo, 7Jesus chamou os doze e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros. 8Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. 9Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. 10E Jesus disse ainda: “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida. 11Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!” 12Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. 13Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo.

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Palavras de “Adeus” e Palavras de “Enviados” 

Depois que meditamos sobre o texto do livro de Samuel (1Sm e 2Sm) durante algumas semanas, agora começamos a acompanhar a leitura do livro dos Reis durante alguns dias.

Os livros dos Reis, na Bíblia hebraica, formavam um só livro sem divisão. A divisão em dois livros é tardia. E seu objetivo material é a história de Israel e de Judá e, mais concretamente, de seus reis, desde Salomão até os últimos reis de Israel e de Judá. Porém, com os livros dos Reis é produzido um fato novo: se em Josué, Juizes e nos livros de Samuel o que se narra é a história particular de Israel, a partir de agora, com os livros dos Reis, a história dos povos vizinhos e dos grandes impérios passa a fazer parte da história de Israel e, por sua vez, Israel é citado claramente na história de outros povos.

O conteúdo global dos livros dos Reis é a história dos reis de Israel e de Judá, desde a morte de Davi até o exílio para Babilônia, que vão desde 970 a.C, aproximadamente, até 561 a.C. Apesar de sua finalidade teológica os livros dos Reis são o mais importante documento bíblico para a reconstituição histórica do período que vai desde o reinado de Salomão até a destruição de Jerusalém em 587 a.C.

A Primeira Leitura nos conta que o reinado de Davi terminou, tão importante na história de Israel. Lemos os conselhos que Davi deu para seu filho Salomão antes de empreender “o caminho de todos os mortais” como ele próprio diz. Aparece aqui o esquema que se repete nas despedidas típicas da Bíblia (Jacó, Moisés, Paulo, Jesus). 

Assim começamos a leitura do Primeiro Livro dos Reis, que continua a história do povo a partir da morte de Davi. Lemos uma primeira parte agora durante dez dias: desde o reinado de Salomão até a divisão de seu reino na época de seu sucessor. 

As últimas recomendações de Davi, antes de sua morte, são um programa completo de ação para um rei que deve ser politicamente eficaz, mas ao mesmo tempo um humilde servo de Deus: ser corajoso - "coragem, seja homem" - e anda segundo os caminhos de Deus, seguindo fielmente suas normas, a fidelidade de Deus, que fez uma aliança com seu povo, será assegurada.

Como outros grandes personagens da história de Israel (Moisés, Samuel), Davi, no momento de morrer, deixa um legado a Salomão, seu filho. Esse testamento (1Rs 2,1-9) apresenta duas partes claramente diferenciadas: uma teológica e outra política. 

A primeira parte do testamento (1Rs 2,2-4) é uma exortação de estilo deuteronomista evidente e recorda a exortação de Moisés ao povo e ao seu sucessor, Josué (Cf. Dt 31,7.28; Cf. Js 1). Segundo Davi, o bem-estar e a proteção divina de Salomão dependerão da obediência fiel à Lei de Moisé e seu perfeito cumprimento. 

A segunda parte do testamento (1Rs 2,5-9) trata das medidas políticas que Salomão tem de tomar, as quais o encarregou seu pai. Esta segunda parte não aparece na leitura de hoje. 

Os dias da morte de David estão se aproximando. Seu papel tem sido muito importante. Ele criou solidamente a unidade das doze tribos de Israel, que até então viveram independentes. Ele pacificou o país da Palestina, de Dan a Bersabé, rejeitando todos os inimigos que ainda atacaram os hebreus. Ele deu uma capital e uma cidade santa, Jerusalém, ao povo de Israel. Já sabemos que Davi não é um homem perfeito. Mas, é incontestavelmente foi um homem que vivia "diante de Deus". O seu testamento espiritual, que confia a seu filho Salomão na Primeira Leitura de hoje, é a prova suprema disso. 

Vou seguir o caminho de todos os mortais, disse Davi a Salomão, seu filho. É uma fórmula maravilhosa para falar sobre a morte. A morte é o "caminho de todos". Ninguém escapa disso. Fórmula de humildade e solidariedade com toda a humanidade. Nem eu me escaparei disso e nem você se escapará disso. Um dia eu vou pegar aquele caminho através do qual todos os homens passam. Eu preciso ter consciência disso para começar a parar de ter tanta ganância, de tanta prepotência, de tanta falta de amor fraterno para começar a viver na fraternidade. Eu preciso valorizar a vida que cada dia, pois um dia se escapa de mim. Eu preciso valorizar minha família, o almoço junto com a minha família, pois um dia tudo acabará neste mundo em que eu vivo. Eu preciso deixar uma marca de minha passagem neste mundo: que as pessoas melhorem por causa da minha presença com elas. 

Sê corajoso e porta-te como um homem. É o segundo conselho de Davi ao seu filho Salomão. É o conselho de valentia. Não se deixar abater. As pessoas podem tomar somente o que temos, mas nunca o que somos. Permanecer em pé nas adversidades confiando em Deus é o que Davi fala para seu filho, Salomão. Quando as forças humanas começarem a se esgotar, a fé vai renová-las outra vez. 

Sê corajoso e porta-te como um homem”. Aquele  que nos criou a sua imagem e semelhança é o único ponto de referência  para que o homem encontre sua realização plena. Por isso, Davi convida seu filho Salomão dizendo-lhe: tenha valor e seja homem! E em seguida, Davi indica a Salomão, seu filho que viva fiel a Deus seguindo Seus caminhos e observando seus mandamentos. À margem do Senhor, ninguém pode chegar a ser plenamente homem. Por temos que estar sempre dispostos não somente a caminhar na presença do Senhor, mas também a escutar sua Palavra e a pô-la em prática. Aprendamos a crer n´Aquele que Deus Pai nos enviou e aprendamos a tomar nossa cruz de cada dia e ir, generosa e amorosamente atrás de suas pegadas. Somente então que Deus se converterá para nós em uma bênção. 

Além disso as últimas recomendações de Davi são todo um programa de atuação para um rei que deve ser eficaz politicamente, mas, ao mesmo tempo, humilde servidor de Deus: “Observa os preceitos do Senhor, teu Deus, andando em seus caminhos, observando seus estatutos, seus mandamentos, seus preceitos e seus ensinamentos, como estão escritos na lei de Moisés. E assim serás bem-sucedido em tudo o que fizeres e em todos os teus projetos”. 

Palavras de “adeus” são as do rei Davi moribundo, que se sente, por uma parte, coberto de bênçãos do alto do céu, e, por outra parte, marcado por muitos pecados que acontecem em sua vida. Quer nos dizer que Deus atua muita por cima de nossos merecimentos, porque sua escolha de nós e sua fidelidade duram para sempre. Deus se compadece em derramar bondades sobre aqueles que sendo pecadores reconhecidos, Lhe pedem perdão, como Davi. Vivamos, pois, sempre na presença do Senhor, ao menos como pecadores arrependidos.

Começa assim o reinado de Salomão no qual a monarquia chegará a seu maior esplendor, que durará muito pouco, porque imediatamente depois, com a divisão do Norte e o Sul, começará a decadência. 

Também deveria ser este o tom das recomendações que uns pais fazem para seus filhos ou uns educadores aos que estão se formando. Os valores que mais lhes vão servir em sua vida, mais que as riquezas ou os títulos, são os valores profundos humanos e cristãos. Valores que, num tempo de tanta corrupção, de tanta mentira e de tana superficialidade, lhes darão consistência humana e lhes atrairão a bênção de Deus e a simpatia e a solidariedade dos homens.

Quando programarmos nossa vida, ou uma próxima etapa ou o próximo ano, também deveríamos dar importância aos valores mais profundo, e não aos mais aparentes. Não viver superficialmente; Viver com responsabilidade; Estar atento a Deus; Seguir os caminhos de Deus e Estar em comunhão com a vontade de Deus são os conselhos de Davi que jamais perdem sua atualidade, pois estão ai o coração de nossa vida. 

Também deveria ser este o tom das recomendações que uns pais fazem para seus filhos, ou uns educadores para aqueles que estão se formando. Os valores que vão servir-lhes em sua vida, mais que as riquezas ou títulos ou as qualidades humanas, são os valores profundos humanos e cristãos. São valores que, em um tempo de tanta corrupção e superficialidade, lhes darão consistência humana e lhes atrairão a benção de Deus e a dos homens. 

Somos Todos Os Enviados Do Senhor

O evangelho nos fala do envio dos discípulos para a missão. Eles já têm acompanhado Jesus durante um período relativamente longo. Eles têm escutado os ensinamentos de Jesus em parábolas e suas explicações complementares. Têm presenciado seus milagres. Agora eles devem empreender a segunda fase do programa, pregando a conversão e dando a conhecer a oferta divina de salvação. 

 “Jesus chamou os doze e começou a enviá-los...”. Esta é a primeira vez que os Doze vão se encontrar sós, sem Jesus, longe dele. É o tempo da Igreja. É o tempo da prática. 

Durante os cinco primeiros capítulos de seu relato, o evangelista Marcos nos apresentou Jesus com seus discípulos, com muita insistência, diante da multidão e dos adversários. No momento de sua vocação (Mc 3,13-14), o evangelista Marcos havia dito: “Jesus constituiu Doze para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar...”.  É igual ao movimento do coração: diástole, sístole... O sangue vem ao coração e do coração é enviado ao organismo. Dessa maneira é que o organismo pode se manter. É o mesmo movimento do apostolado: viver com Cristo, ir ao mundo para levar o Cristo; intimidade com Deus, presença no mundo com o espírito de Deus. Quem não vive, primeiro, com Cristo, não pode ser um bom missionário, não pode ser um cristão crível no mundo. Um cristão tem que animar tudo com espírito de Cristo.       

O texto procura mostrar como deve agir o seguidor de Jesus e o que vai acontecer com ele se sair pelo mundo para pregar o Evangelho. Tudo isto se resume numa só ideia: o seguidor deve agir como o Mestre Jesus agiu. O que aconteceu com o Mestre vai acontecer também com o discípulo, pois o discípulo não é maior do que o próprio Mestre (Mt 10,24).        

No Evangelho de hoje Jesus anuncia alguns pontos fundamentais para o discípulo/seguidor realizar a missão:          

Em primeiro lugar, o texto diz que Jesus envia os discípulos dois a dois. “Dois a dois” indica que a missão é um serviço comunitário e os cristãos devem ajudar-se mutuamente em suas atividades; não é um trabalho de promoção pessoal; é um trabalho de conjunto ou coletivo. “Ir dois a dois” implica também a afirmação da igualdade e exclui a subordinação de um ao outro (cf. Dt 19,15). Quem vive o Evangelho do Senhor deve estar em sintonia com os irmãos da sua comunidade.

Jesus começou a enviá-los dois a dois...” Independentemente das razoes bíblicas esta expressão é muito moderna e avançada. Na Igreja de Jesus não se trabalha só e sim em equipe. É a vontade explicita de Cristo. A atitude de quem trabalha na Igreja, na comunidade eclesial deve ser interrogada a partir daqui. O individualismo tem formas muito sutis: não gostamos que os nossos irmãos controlem nossos próprios comportamentos apostólicos e outros comportamentos; cada um quer ser uma estrela solitária a ponto de apagar o brilho do outro; nada se discuta, cada um vai fazer as coisas do jeito que quer. O pior é que o Cristo fica de lado ou de costas para a pessoa em questão estar em destaque.          

Em segundo lugar, Jesus deu aos doze o poder messiânico de Cristo contra as forças do mal, ou seja, a autoridade para libertar as pessoas de tudo aquilo que aliena, oprime e despersonaliza as pessoas. O evangelista Marcos resume o poder dos enviados em três palavras: o carisma da “palavra” que proclama a necessidade de mudança de vida; o carisma de expulsar demônios, isto é, o poder contra o mal; e o carisma de “curar os enfermos”, isto é, melhorar a vida humana na sua qualidade.

Eles são enviados com autoridade sobre os espíritos imundos, para dominá-los e não para dominar os outros irmãos.  O cristão tem o poder de tirar esse mal, pois o Senhor Jesus lho deu. A primeira tarefa de cada cristão consiste em tirar o mal que está no meio das comunidades, no meio da própria família, de dentro do próprio coração. Quem é livre pode libertar os outros. O enviado de Jesus, cada cristão deve instaurar um mundo mais justo e fraterno; deve melhorar a vida humana.          

Em terceiro lugar, Jesus exige dos doze um modo de vida baseada num desprendimento absoluto dos bens materiais (vv.8-9). Jesus pede que os discípulos vivam um estilo de austeridade e a pobreza evangélica de modo que não se ponham ênfase nos meios humanos: econômicos ou técnicos e sim na força de Deus que ele lhes transmite. Deus não se serve de anjos nem de revelações diretas. É a Igreja, ou seja, os cristãos que continuam e visibilizam a obra salvadora de Cristo e o modo de vida do cristão deve ser reflexo do de Cristo. A linguagem que o mundo de hoje facilmente entende: austeridade e o desinteresse na hora de fazer o bem: o cristão deve fazer o bem pelo bem e não por algum interesse por trás. É claro que necessitamos os meios que fazem parte da evangelização, porém jamais podemos nos deixar de nos apoiar na graça de Deus e na nossa fé sem buscar seguranças e prestígios humanos. 

Trata-se de uma pobreza voluntária, porque somente assim eles poderiam ser considerados como fidedignos. Jesus enfatiza mais o ser dos discípulos do que o seu ter. Jesus não despreza os bens deste mundo, não apresenta a miséria como um ideal de vida, mas alerta para o perigo de nos deixarmos condicionar pela posse de bens materiais. A porta da morte é tão estreita que somente passa aquilo que é a bagagem de amor na condivisão dos bens materiais com os irmãos e irmãs que não têm nada para sua vida. 

O desapego a tudo não implica somente a renúncia a uma carga pesada de bens materiais, mas também o abandono de preconceitos, de tradições, de ideias retrógradas, às quais muitas vezes estamos amarrados de uma forma emocional e irracional. Referimo-nos ao pesado ônus representado por certos usos, por certos costumes, por certas tradições religiosas embutidas em determinado ambiente histórico e cultural, que muitos, confundem ou equiparam com os valores do Evangelho. Não podemos acumular “bastões”, “dinheiro”, “sandálias” e “túnicas”.          

Em quarto lugar, Jesus envia os doze para pregar a mudança de vida (conversão) para si e para os outros (v.12). Para Jesus, a conversão é condição sine qua non para construir uma sociedade nova ou Reino de Deus (Mc 1,15). A conversão sempre envolve movimento de uma dimensão para outra. E isso envolve a pessoa toda, não apenas seu senso moral, sua capacidade intelectual ou sua vida espiritual. Corpo, mente e alma juntos são afetados pelo ato da conversão, e as consequências são sentidas em todos os aspectos da vida da pessoa, inclusive nos campos social e político.           

Em quinto lugar, a outra instrução de Jesus prevê uma atitude de bom senso e formação de comunidade: “Quando vocês entrarem numa casa, fiquem aí até partirem” (v.10). 

É interessante observar que não se fala para os discípulos irem às sinagogas, instituição judaica, o que seria contrario à finalidade do envio. Menciona-se somente “o lugar” e “a casa/ família” que podem encontra-se em qualquer país. Hão de aceitar a hospitalidade que a eles é oferecida, sem mudar de casa, para não desprezar a boa vontade do povo nem afrontar a hospitalidade oferecida. Os discípulos devem aceitar o que a eles são oferecidos sem mostrar reações ao uso do lugar.

“Quando vocês entrarem numa casa, fiquem aí até partirem” (v.10). Isto não indica a plena estabilidade para os discípulos, mas um local onde, com a sua partida, a comunidade possa continuar a se reunir e dar prosseguimento à Boa Nova do reino. Os cristãos devem ensinar os outros a assumirem o compromisso, a andarem com as próprias pernas.

Para os Doze, o novo Israel, esta instrução implica uma mudança radical de mentalidade: entrar em casa de pagãos, desprezados pelos judeus, e depender deles para a sobrevivência. Jesus pretende que os discípulos esqueçam sua identidade judaica para colocar-se no plano da humanidade. É preciso viver a humanidade para se tornar humano para os outros.            

À luz do Evangelho de hoje procuremos nos perguntar: será que somos meros espectadores e admiradores de Jesus ou somos seus seguidores? O que pode estar tornando menos convidativo e pouco crível a nossa mensagem? Qual é o testemunho que devemos dar para que os outros acreditem na nossa mensagem? É impossível ser um verdadeiro cristão sem estar com Cristo antes.

P. Vitus Gustama,svd

sábado, 29 de janeiro de 2022

Festa Da Apresentação Do Senhor, 02/02/2022

FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR

Primeira Leitura: Ml 3,1-4

Assim diz o Senhor: 1 Eis que envio meu anjo, e ele há de preparar o caminho para mim; logo chegará ao seu templo o Dominador, que tentais encontrar, e o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; 2 e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; 3 e estará a postos, como para fazer derreter e purificar a prata: assim ele purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata, e eles poderão assim fazer oferendas justas ao Senhor. 4 Será então aceitável ao Senhor a oblação de Judá e de Jerusalém, como nos primeiros tempos e nos anos antigos. 

Segunda Leitura: Hb 2,14-18

Irmãos,14 Visto que os filhos têm em comum a carne e o sangue, também Jesus participou da mesma condição, para assim destruir, com a sua morte, aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo, 15 e libertar os que, por medo da morte, estavam a vida toda sujeitos à escravidão. 16 Pois, afinal, não veio ocupar-se com os anjos, mas com a descendência de Abraão. 17 Por isso devia fazer-se em tudo semelhante aos irmãos, para se tornar um sumo-sacerdote misericordioso e digno de confiança nas coisas referentes a Deus, a fim de expiar os pecados do povo. 18 Pois, tendo ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a tentação. 

Evangelho: Lc 2,22-40

22 Quando se completaram os dias para a purificação da mãe e do filho, conforme a lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor. 23 Conforme está escrito na lei do Senhor: “Todo primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor”. 24 Foram também oferecer o sacrifício — um par de rolas ou dois pombinhos — como está ordenado na Lei do Senhor. 25 Em Jerusalém, havia um homem chamado Simeão, o qual era justo e piedoso, e esperava a consolação do povo de Israel. O Espírito Santo estava com ele 26 e lhe havia anunciado que não morreria antes de ver o Messias que vem do Senhor. 27 Movido pelo Espírito, Simeão veio ao Templo. Quando os pais trouxeram o menino Jesus para cumprir o que a Lei ordenava, 28 Simeão tomou o menino nos braços e bendisse a Deus: 29 “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; 30 porque meus olhos viram a tua salvação, 31 que preparaste diante de todos os povos: 32 luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel”. 33 O pai e a mãe de Jesus estavam admirados com o que diziam a respeito dele. 34 Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe de Jesus: “Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. 35 Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma”. 36 Havia também uma pro­fe­tisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada; quando jovem, tinha sido casada e vivera sete anos com o marido. 37 Depois ficara viúva, e agora já estava com oitenta e quatro anos. Não saía do Templo, dia e noite servindo a Deus com jejuns e orações. 38 Ana chegou nesse momento e pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. 39 Depois de cumprirem tudo, conforme a Lei do Senhor, voltaram à Galileia, para Nazaré, sua cidade. 40 O menino crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele.

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Uma Pequena História Da Festa Da Apresentação do Senhor 

Ainda que a festa da Apresentação do Senhor caia fora do tempo do Natal, porém, na verdade, ela faz parte inseparável do relato do Natal do Senhor. Trata-as de outra Epifania do Senhor no quadragésimo dia. Natal, Epifania e Apresentação do Senhor são três aspectos inseparáveis do Natal. 

Esta festa faz parte do ciclo litúrgico epifánico. A sua primeira comemoração é lembrada pelo Itinerarium de Etéria (c.390), com o nome genérico de Quadragesima de Epiphania (A festa estava fixada não no dia 2 de fevereiro e sim no dia 14 de fevereiro, isto é, quarenta dias após a Epifania, celebrada em 6 de janeiro). No século V, para sublinhar as palavra do cântico de Simeão “Lumen ad revelationem gentium”, eram usadas tochas a fim de tornar a festa mais expressiva. São Cirilo de Alexandria (+ 444) diz: “Celebremos o mistério deste dia com lâmpadas flamejantes” (São Cirilo de Alexandria, Hom. Div. XII: PG 77,1040). 

A Apresentação do Senhor é uma festa antiquíssima de origem oriental. A Igreja de Jerusalém  celebrava esta festa já no século IV. Celebrava-se ali aos quarenta dias da festa da Epifania, no dia 14 de fevereiro. A peregrina Etéria, como foi dito acima, conta isto em seu famoso diário com seu comentário de que “celebrava-se com o maior gozo, como se fosse a Páscoa mesma”. 

Entre as igrejas orientais se conhecia esta festa como “A festa do Encontro”, “Ipapante” (em grego, Hypapante), nome muito significativo e expressivo, que destaca um aspecto fundamental da festa: o encontro do Ungido de Deus com seu povo. São Lucas evangelista narra o fato no capitulo dois de seu evangelho. Obedecendo à Lei de Moisés, os pais de Jesus levara seu filho ao templo quarenta dias depois de seu nascimento para apresenta-lo ao Senhor e fazer uma oferenda por Ele (Cf. Levítico 12,2-5; Êxodo 13,1-3; Números 18,15-16). 

De Jerusalém, a festa se propagou para outras igrejas de Oriente e de Ocidente. No século VII, se não antes, a festa foi introduzida em Roma. Associou-se com esta festa uma procissão das velas. A Igreja romana celebrava a festa quarenta dias depois do Natal. 

Provavelmente, seguindo o exemplo das Igreja Orientais, o Papa siríaco Sergio I (686-701) introduziu em Roma a celebração , maracando-a para o dia 2 de fevereiro.  No Gelasiano antigo é chamada com o nome de Purificação da Bem-aventurada Virgem Maria (De purificatione Mariae) e foi conservada com esse título no Missal romano da reforma de Pio V, colocando em relação a purificação de Maria, conforme as prescrições legais de Ex 13,1-3 e Lv 12,1-8.  Foi incluída entre as festas de Nossa Senhora. Mas isto não era correta totalmente, pois a Igreja celebra neste dia, essencialmente, um mistério de nosso Senhor. 

Em pleno acordo com a tradição das Igrejas orientais, em 1960, o Código das rubricas estabeleceu que essa celebração deveria ser considerada festa do Senhor. 

No calendário  romano, revisado em 1969, a festa mudou de nome de Purificação da Bem-Aventurada Virgem Maria para “A Apresentação Do Senhor”, tornando assim mais evidente que se trata de uma festa do Senhor. Este novo nome para a festa é uma indicação mais verdadeira da natureza e do objeto da festa. No entanto, não quer dizer que desvalorizemos o papel importantíssimo de Maria nos acontecimentos que celebramos. Os mistérios de Cristo e de Sua Mãe, Maria Santíssima, estão estreitamente ligados, de modo que nos encontramos aqui com uma espécie de celebração dual: uma festa de Cristo e de Maria. 

A benção das vela antes da missa e a procissão com as velas acesas são marcas da celebração atual. O Missal romano mantém estes costumes, oferecendo duas formas alternativas de procissão. 

A apresentação de Jesus no Templo, como narra o evangelho de Lucas (Lc 2,22-38) funde duas prescrições legais diferentes que eram, na legislação  do tempo de Jesus, referentes à mãe que tinha dado à luz; a outra era a lei do primogênito.

O aspecto a ser escolhido (no texto do Evangelho) é o significado da lei sobre o primogênito. Este, antes da libertação do Egito, estava na escravidão e, portanto, na morte. Somente a intervenção de Deus pode salvá-lo e libertá-lo. A apresentação do primogênito no templo significa que ele é oferecido a Deus como lembrança dos eventos do êxodo e Deus o restitui a seus pais. O sacrifício e o resgate expressam o sinal da vontade salvífica e libertadora de Deus. Maria e José, apresentando-o no templo, reconhecem que Jesus é “propriedade” de Deus e entra no plano da atuação do desígnio divino porque é “salvação e a luz para todos os povos” (Lc 2,30-32).

São Lucas vai além: ele vê no fato uma manifestação do Senhor. A profetisa Ana se une a Simeão para anunciar a notícia da vinda do Senhor para a salvação do seu povo. Jesus é aclamado por Simeão como “luz que veio para iluminar as nações e a glória do povo de Israel”. Os termos “luz” e “glória”, sobretudo “glória”, querem indicar uma realidade divina e exprimem a esperança, que é certeza, da habitação de Deus no seu templo em meio ao seu povo (Cf. Jo 1,14). 

A Liturgia da Palavra anuncia o mistério com o texto do profeta Malaquias (3,1-4), que fala d iminência do “Dia do Senhor”, momento em que “vai chegar ao seu Templo o Senhor que vocês procuram”.  Na Sgunda Leitura, é lida a perícopes da Carta aos Hebreus (2,14-18). Cristo mediador devia tornar-se em tudo semelhante aos irmãos, menos no pecado. Assim “justamente porque foi colocado à prova e porque sofreu pessoalmente, ele é capaz de vir em auxílio daqueles que estão sendo provados”. O evangelho é o texto de Lucas (2,22-40), que narra a apresentação do Senhor no Templo.

O comportamento da Igreja na celebração desse mistério da salvação é o mesmo comportamento de alegria de Simeão ao acolher Cristo: “Os meus olhos viram a tua salvação, que preparastes diante de todos os povos”, e é também o comportamento da oferta pela qual a Igreja se vê simbolizada em Maria, que apresenta Jesus ao Pai. 

I. A FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR E SEU SENTIDO 

1. Jesus Na Apresentação 

A festa da Apresentação celebra uma chegada e um encontro: a chegada do Senhor desejado, núcleo da vida religiosa do povo e o bem-vindo concedido a ele pelos representantes dignos do povo eleito: Simeão e Ana. Por sua idade avançada os dois personagens simbolizam os séculos de espera e de anseio fervente dos homens e das mulheres devotos da Antiga Aliança (Antigo Testamento). Pode-se dizer que os dois simbolizam a esperança e o anseio da humanidade. 

Ao festejar e reviver este mistério na fé, a Igreja dá novamente as boas vindas para Jesus Cristo. Este é o verdadeiro sentido da festa. É a festa do encontro: encontro de Cristo e a sua Igreja. Isto vale para qualquer celebração litúrgica, mas especialmente para esta festa. A liturgia nos convida a dar boas vindas a Cristo e à sua Mãe, como fizeram Simeão e Ana. Ao celebrar esta festa a Igreja professa publicamente a fé na Luz do mundo (Jo 8,12), Luz de revelação para a humanidade. 

A festa da apresentação é uma festa de Cristo, por excelência. É um mistério da salvação. O nome “apresentação” tem um conteúdo rico. Fala de oferecimento, de sacrifício. Recorda a auto-oblação inicial de Cristo, Palavra Encarnada, quando entrou no mundo: “Eis me aqui que venho para fazer Tua vontade”. Aponta para a vida de sacrifício e para a perfeição final dessa auto-oblação na colina do Calvário.  

2. A Presença De Maria Na Apresentação E Seu Significado

Qual é o papel de Maria e José nessa Apresentação? Eles simplesmente cumprem o ritual prescrito, uma formalidade praticada por muitos outros casais? 

Para Maria, a Apresentação e oferenda de seu Filho no Templo não era um simples gesto ritual. Indubitavelmente, Maria não estava consciente de todas as implicações nem da significação profética desse ato. Ela não consegue alcançar todas as conseqüências de sua Fiat na Anunciação. Mas foi um ato de oferecimento verdadeiro e consciente. Significava que ela oferecia seu Filho para a obra da redenção, renunciando aos seus direitos maternais e toda a pretensão sobre seu Filho. Ela oferecia seu Filho à vontade de Deus Pai. São Bernardo comentou que Santa Virgem ofereceu seu Filho e apresenta ao Senhor o fruto bendito de seu ventre e o oferece para reconciliação de todos os homens (citado na Enciclica Marialis Cultius do Papa Paulo VI).

Existe uma conexão entre esse oferecimento e o que sucederá na Gólgota quando se executam as implicações do ato inicial de obediência de Maria: “Faça-se em mim segundo Tua Palavra” (Lc 1,38b).

Na Apresentação Maria põe seu Filho nos braços do ancião Simeão. Esse gesto é simbólico. Ao atuar dessa maneira, ela oferece seu Filho não somente para Deus Pai, mas também para o mundo representado por aquele ancião. Dessa maneira, Maria desempenha seu papel de Mãe da humanidade e nos é recordado que o dom da vida vem através de Maria. 

A festa deste dia não permite apenas revivermos um acontecimento passado. Ela também nos projeta para o futuro. Ela prefigura nosso encontro final com Cristo na sua segunda vinda, na Parusia. A procissão representa a peregrinação da própria vida. O povo peregrino de Deus caminha penosamente através deste mundo, no tempo, guiado pela Luz de Cristo e sustentado pela esperança de encontrar finalmente o Senhor da glória em Seu Reino eterno. Na bênção das velas o sacerdote pronuncia as seguintes palavras: “... Fazei que, levando as velas nas mãos em vossa honra e seguindo o caminho da virtude, cheguemos à luz que não se apaga”. A vela acesa na nossa durante a procissão recorda a vela de nosso batismo. 

II. ALGUMAS MENSAGENS A PARTIR DO TEXTO DO EVANGELHO DA FESTA 

1.   A Importância De Jerusalém Para Lucas          

Para Lucas, Jerusalém é importante, pois é centro de tudo. Por isso, todos os acontecimentos importantes da vida de Jesus acontecem em Jerusalém. Jerusalém é mencionado no início e no fim do relato (vv.22.25.38). A apresentação do Senhor acontece em Jerusalém. E em Jerusalém acontecerão sua morte e ressurreição. De Jerusalém ele subirá ao céu. E de Jerusalém partirá a missão cristã para o resto do mundo (cf. Lc 2,41-52;4,9-13;9,31.51.53;13,22;17,11;18,31;19,11.28-48;24,47-53;At 1,4.8). 

2. A Imposição Do Nome De Jesus          

Lucas, neste relato, quer sublinhar a importância da imposição do nome de Jesus que se afirma na frase principal: “Foi-lhe dado o nome de Jesus” (v.21). O nome “Jesus” foi escolhido pelo próprio Deus (Lc 1,31;2,21;cf. Mt 1,21).           

Para os judeus, o nome expressava a identidade e o destino pessoal que cada um devia realizar ao longo de sua vida.  E quando uma pessoa é eleita para uma nova missão, recebe um nome novo, em função da etapa de vida que começa (cf. Gn 17,5;17,15;32,29; Mt 16,18; cf. 2Rs 23,34;24,17;Is 62,2;65,15).          

Não há nenhum nome que coincidiu tão perfeitamente com o nome como no caso de Jesus. Jesus significa Salvador. Desde o primeiro instante de sua existência até a morte na cruz, ele foi o que significa seu nome: Salvador.          

Por isso, o nome de Jesus como Senhor e Salvador é invocado ao longo da história do cristianismo por bilhões de cristãos. O nome de Jesus é invocado, pois ele é o Senhor de tudo. Está acima de todo principado, de todo poder, de toda dominação e potência. Por mais poderoso que seja um político ou um atleta, um dia a morte o vencerá. Por mais rico que seja alguém, um dia a morte levará a melhor. Ao contrário, Jesus venceu a morte, pois ele ressuscitou. Por isso, São Paulo afirma: “Se confessas com tua boca que Jesus é o Senhor, e crês em teu coração, que Deus o ressuscitou dos mortos, tu serás salvo”(Rm 10,9; cf. Rm 8,35-39). Jesus é o Senhor porque vive uma vida sobre a qual a morte não tem poder algum. Ele detém a chave do segredo da vida e ilumina o mistério da vida.          

A soberania do Senhor Jesus pode nos dar uma força imensa para combater o mal dentro de nós e o mal ao nosso redor. Jesus é Senhor exprime uma fé libertadora que tira de nossas vidas toda a angústia exagerada. Jesus é Senhor implica que ele é Senhor de nossa vida. Exprime uma entrega, um total abandono nas mãos do Senhor. Implica construir a vida sobre ele (cf. Mt 7,24-25) e não sobre os fundamentos fracos e frágeis(cf. Mt 7,26-27). 

3. Jesus É Sinal De Contradição          

Israel tinha murmurado contra Deus na passagem do deserto (Nm 20,1-13;Dt 32,51). Na apresentação do Senhor no templo, Simeão profetiza a nova rebelião de Israel contra Jesus, que será relatada no evangelho da vida pública e da paixão e a rejeição da missão cristã em Israel que será contada no livro de Atos. Tudo isto resulta também no sofrimento de sua mãe, Maria.         

Lucas relata ao longo de sua obra que diante de Jesus e sua missão, uns são a favor, outros contra; uns abrem os olhos à luz, outros os fecham; uns encontram força nele e por isso, se levantam, enquanto os outros tropeçam e caem por não crer. Isto quer dizer que ninguém pode ficar indiferente diante de Jesus: ou aceitar Jesus para ser libertado ou rejeitá-lo que significa tropeço na caminhada.         

Jesus e seu evangelho continuam sendo em todos os tempos e lugares sinal de divisão e de contradição. Perante Jesus e seu evangelho ninguém pode ficar indiferente: ou aceitar ou rejeitar, com consequências para cada opção feita. A salvação é oferecida a todos, mas não é dada automaticamente nem pode ser recebida passivamente. Ela tem que ser recebida conscientemente como um compromisso a ser assumido a vida toda. O Evangelho de Jesus, quando for proclamado e vivido verdadeiramente, sempre incomoda tanto para quem o prega e vive como para quem o escuta, pois ele é como uma luz que brilha na escuridão: revela o verdadeiro ser de pessoas e das coisas. Aquele que quer manter uma vida falsa e dupla ou camuflada, a presença do Evangelho funciona como se fosse um espinho que irrita a carne. Se alguém não tiver medo de ser feliz, a presença incômoda do Evangelho será um momento oportuno de libertação. Para quem vive somente em função do prazer, não tem prazer de viver. O prazer tem que ser fruto de um viver bem. 

4. Nós E Ancião Simeão          

Na parte central do relato (vv.25-35) encontramos o ancião Simeão. Ele é apresentado como um homem justo e piedoso, isto é, um homem fiel aos mandamentos de Deus. Ele se deixa guiar pelo Espírito Santo e por isso, compreende o sentido de sua existência. Ele é o símbolo da perseverança. Apesar de ter consciência de sua iminente morte, continua esperando a salvação. Na sua velhice ele é premiado, pela sua fidelidade e perseverança, pela presença do Messias esperado. Ele é uma pessoa que sabe olhar para frente para viver melhor o presente.          

A partir de Deus e com Deus nada é perdido no mundo. Simeão é a testemunha e prova disto. Ele nos ensina a conversarmos com Deus permanentemente e a olharmos para a frente. Ele nos ensina a olharmos para Jesus, o nosso Salvador e a irmos ao Seu encontro. No encontro com Jesus, como aconteceu com Simeão, são realizadas nossas esperas e esperanças, encontramos alegria e paz, nossos olhos são iluminados para ver as pessoas e as coisas no seu justo valor, como também a nossa própria vida. Mas para que o nosso encontro com Jesus aconteça, precisamos nos deixar guiar pelo Espírito Santo. 

5. O Silêncio De Maria E O Nosso Silêncio          

No relato, Maria é descrita como uma personagem que não profetiza nem fala. Em outras palavras, ela está em silêncio total. Ela acolhe na obediência as profecias sobre o futuro de seu Filho silenciosamente.          

Maria nos ensina a fazermos o silêncio obrigatório no meio de nossa vida e trabalho para vermos melhor as coisas, os acontecimentos e as pessoas na sua justa perspectiva e no seu justo valor. O silêncio chega quando as nossas energias começam a descansar e nos acolhe quando o nosso ego fica em paz e sossego. Quando não sabemos o que é descansar, não sabemos também o que é viver. O nosso ego não é o nosso centro de gravidade. O ego é o centro de todos os desejos desenfreados, dos lucros, possessões e domínios. Hoje em dia há uma dependência exagerada do trabalho. Quando há dependência, não existe liberdade. Há pessoas que se entregam a tudo desde que não fiquem no vazio. A vida nunca é o que se consegue. Não é o que se tem. A vida é o que se é. Não se pode ignorar que tudo quanto se alcança, se perde. Só o que se é, permanece. O silêncio, por isso, é tão importante, pois ele nos leva a encontrarmos o nosso eixo. As nossas palavras serão boas, se brotarem do silêncio. E Deus nunca cessa de clamar, mas para escutarmos a sua voz é preciso criarmos o silêncio dentro de nós. E a escuta exige uma atenção total e plena. O silêncio é um vazio que faz tornar presente a plenitude. Mas a plenitude não se torna presente de repente. É preciso tempo. Na semente está a qualidade do fruto, mas naturalmente é preciso tempo. Dizia Cícero: “Há três coisas na vida nas quais não pode haver pressa: a natureza, um ancião e a ação dos deuses na tua história”. O silêncio é esvaziar-se para receber. No silêncio diminuem as defesas e fica-se pronto para receber o que vier. O silêncio quando se souber aproveitá-lo melhor, ele será frutificante e benéfico para quem o cria e consequentemente para os que o cercam.

P. Vitus Gustama,svd

V Domingo Da Páscoa, 28/04/2024

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