quarta-feira, 30 de junho de 2021

Sexta-feira Da XIV Semana Comum,09/07/2021

SER MISSIONÁRIO DE JESUS É SER SIMPLES, PRUDENTE E PERSEVERANTE

Sexta-Feira Da XIV Semana Comum

Primeira Leitura: Gn 46,1-7.28-30

Naqueles dias, 1 Israel partiu com tudo o que tinha. Ao chegar a Bersabeia, ofereceu sacrifícios ao Deus de seu pai, Isaac. 2 Deus falou a Israel em visão noturna, dizendo-lhe: “Jacó! Jacó!” Ele respondeu: “Aqui estou!” 3 E Deus lhe falou: “Eu sou Deus, o Deus de teu pai: não tenhas medo de descer ao Egito, pois lá farei de ti uma grande nação. 4 Eu mesmo descerei contigo ao Egito e te reconduzirei de lá quando voltares; e é José que te fechará os olhos”. 5 Jacó levantou-se e deixou Bersabeia, e seus filhos o puseram, com as crianças e as mulheres, sobre os carros que o Faraó enviara para os transportar. 6 Levaram, também, tudo o que possuíam na terra de Canaã; e foram para o Egito, Jacó com toda a sua família, 7 com seus filhos e netos, suas filhas e toda a sua descendência. 28 Jacó enviou Judá na frente para avisar José e fazê-lo vir ao seu encontro em Gessen. E chegaram à terra de Gessen. 29 José mandou atrelar seu carro e subiu a Gessen ao encontro do pai. Logo que o viu, lançou-se ao seu pescoço e, abraçado a ele, chorou longamente. 30 Israel disse a José: “Agora, morrerei contente, porque vi a tua face e te deixo com vida”.

Evangelho: Mt 10, 16-23

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 16 “Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. 17 Cuidado com os homens, porque eles vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas. 18 Vós sereis levados diante de governadores e reis, por minha causa, para dar testemunho diante deles e das nações. 19 Quando vos entregarem, não fiqueis preocupados como falar ou o que dizer. Então naquele momento vos será indicado o que deveis dizer. 20 Com efeito, não sereis vós que havereis de falar, mas sim o Espírito do vosso Pai é que falará através de vós. 21 O irmão entregará à morte o próprio irmão; o pai entregará o filho; os filhos se levantarão contra seus pais, e os matarão. 22 Vós sereis odiados por todos, por causa de meu nome. Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo. 23 Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo, vós não aca­bareis de percorrer as cidades de Israel, antes que venha o Filho do Homem.

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Deus Nos Chama Pelo Nome Em Silêncio Para Progredir em função de nossa salvação e a salvação dos demais

José não somente perdoa seus irmãos (Primeira Leitura do dia anterior), mas também que lhes encarrega que tragam seu pai, Jacó, para o Egito.

A cena, que lemos na Primeira Leitura, é significativa: Jacó, com seus filhos e netos, e com suas posses (riquezas), emigra para o Egito. É o início de uma estada do povo eleito em uma terra estranha (Egito), que terá seu caminho de volta no êxodo, quatro séculos depois, quando, guiados por Moisés, deixam o Egito e fazem uma peregrinação à Terra Prometida. Nas palavras de ânimo que Deus dirige ao ancião Jacó já se assegura a volta (êxodo): Eu sou Deus, o Deus de teu pai: não tenhas medo de descer ao Egito, pois lá farei de ti uma grande nação. Eu mesmo descerei contigo ao Egito e te reconduzirei de lá quando voltares; e é José que te fechará os olhos (Gn 46,3-4).

Jacó! Jacó!”, disse Deus.  Aqui estou!”, respondeu Jacó. Deus chama cada um de nós pelo nome: “Eu te chamo pelo nome, és meu” (Is 43,1). Deus chama Jacó pelo nome. E Jacó mostra sua disponibilidade: “Aqui estou!”. A expressão “Aqui estou” é o resumo exato da fé que é resposta a uma chamada. Em cada instante Deus nos chama e nos faz apelo. Mas quase sempre fazemos nossos ouvidos surdos, às vezes, em nome do comodismo ou em nome do medo escondido. 

Se Deus nos chama é porque Ele quer que avancemos, que cresçamos, que melhoremos, que não fiquemos paralisados, com um único objetivo: nossa salvação: “Eu sou Deus, o Deus de teu pai: não tenhas medo de descer ao Egito, pois lá farei de ti uma grande nação”. 

Se confiarmos em Deus, também devemos confiar no porvir. Ele nos chama porque ele sabe do porquê e do para quê e do lugar para onde devemos ir e das pessoas com quem conviveremos? Cada chamada de Deus tem como garantia Sua companhia: “Eu mesmo descerei contigo ao Egito e te reconduzirei de lá quando voltares; e é José que te fechará os olhos”. Eu devo viver o meu hoje, pois o porvir está nas mãos do Pai celeste. De nada serve viver o ontem ou o amanhã. Há que viver o hoje: “O dia de amanhã terá as suas próprias preocupações. A cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6,34). 

Mas nem tudo será de rosa na aventura que começamos hoje rumo ao futuro de Deus. Passados alguns dias, semanas, meses e anos, o vento da história fará mudanças de rumo na nossa vida. A mudança e a renovação são a lei da vida. Mesmo que coloquemos barreiras nesta dinâmica, nada adiantará! Ninguém é capaz de negociar com o tempo, pois ele tem seu próprio ritmo. Quem não valoriza o tempo, enterra muitas oportunidades. Os próprios descendentes de Jacó clamarão a Deus pela libertação da escravidão (Cf. Ex 2,23-24). Não adianta o trigo em abundância, mas vive-se preso na escravidão tanto a que criamos como a que os outros criam para nós. Mas o Deus que prometeu: “te reconduzirei de lá quando voltares”, vai cumprir sua promessa por meio de Moisés como resposta de Deus para o clamor de seu povo.

A “história” do Antigo Testamento prefigura a do Novo Testamento. José vendido pelos irmãos se torna uma pessoa que salva seus irmãos da fome mortal. José prefigura Jesus vendido pelos seus se torna o Salvador da humanidade do pecado que separa o homem de Deus. Os encontros do filho (José) com o pai (Jacó) prefiguram a aventura dos homens reconciliados com Seu Pai celeste. Na reconciliação e no perdão há o encontro familiar: volto a ter meu lar perdido pelo afastamento. Após o sofrimento há alegria. Após a morte há a ressurreição. Eis a Páscoa!

“Não tenhas medo de descer…”. É o apelo de Deus para cada um de nós todos os dias. Em que altura você se encontra? Por que você se encontra neste estado? “Zaqueu, desce depressa, porque é preciso que eu fique hoje em tua casa!” (Lc 19,5), disse Jesus a Zaqueu que se encontra numa árvore. Ele se afastou do seu ser que é terra.

É emocionante a cena do encontro de Jacó com seu filho predileto José, depois de tantos anos de considerá-lo como perdido ou morto. A história sapiencial de José culmina com o abraço do filho ao pai, ou seja, o abraço a Jacó. As lágrimas de alegria querem apagar os sulcos ou marcas deixadas pelo choro angustiado de tantas outras noites. Uma frase aparece nos lábios enrugados do velho pai: "Agora, morrerei contente, porque vi a tua face e te deixo com vida”.

Na nossa vida há muitas viagens de ida e de volta. Como Abraão que sai de sua terra de Ur, como José que é levado ao Egito, contra sua própria vontade, como Jacó e sua família que emigram buscando melhoras condições de vida, todos nós podemos ser um pouco peregrino na vida e emigrantes, viajantes de êxodo que não esperávamos ou não imaginávamos. A vida dá muitas voltas e, às vezes, nos faz amadurecer pelos caminhos que, a primeira vista, não nos parecem muito agradáveis. 

Oxalá tenhamos a segurança por causa da fé, como Jacó e José, de que Deus está sempre conosco (Cf. Mt 29,20). Estejamos em terra própria ou em terra estranha Deus nos diz: Eu sou Deus, o Deus de teu pai: não tenhas medo de descer ao Egito, pois lá farei de ti uma grande nação. Eu mesmo descerei contigo ao Egito e te reconduzirei de lá quando voltares; e é José que te fechará os olhos (Gn 46,3-4).

O Salmo Responsorial de hoje nos convida, mais uma vez, a fazermos o bem e a termos confiança em Deus, que nos segue e acompanha em todos as nossas “viagens” com proximidade de pai: “Confia no Senhor e faze o bem, e sobre a terra habitarás em segurança. Coloca no Senhor tua alegria, e ele dará o que pedir teu coração. O Senhor cuida da vida dos honestos, e sua herança permanece eternamente. Não serão envergonhados nos maus dias, mas nos tempos de penúria, saciados” (Sl 36).

Ser Missionário Do Senhor É Ser Missionário Prudente, Simples e Perseverante

Estamos ainda no discurso de Jesus sobre a missão (Mt 9,36-11,1).  No texto do evangelho de hoje Jesus nos recorda que a luta do discípulo na missão contra o mal está em desvantagem: “Eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos”. “Ovelha” é a presa fácil para o lobo. Ovelha é mansa, indefesa para qualquer ataque. Lobo é feroz, forte e persistente. Os discípulos estão bem advertidos: parecem ser entregues, mansos e sem defesa (como ovelhas) para a brutalidade e a força de seus adversários (como lobos). Jesus não esconde a verdade aos cristãos: o evangelho provoca, muitas vezes, a oposição e perseguição. Isto não espanta Jesus. Ele pede aos cristãos para se manterem valentes como Ele até o fim. Jesus salvou a humanidade comportando-se como ovelha ou na linguagem do evangelista João (Jo 1,29.36) como cordeiro: simples e manso (cf. Mt 11,28-30), e não como lobo. 

1. Ser Missionário É Ser Prudente 

Os cristãos estão no meio do mundo feroz como o lobo pronto para pegar sua presa (ovelha). Por isso, Jesus alerta aos cristãos para que sejam prudentes: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes”.

A palavra “prudente” vem do latim “prudens-prudentis” que significa “precavido, competente”. A prudência é a capacidade de ver, de compenetrar-se e de ajustar-se à realidade. Uma “ovelha prudente” precisa saber como ela deve se comportar no meio de lobos para não virar uma presa fácil. A prudência oferece a possibilidade ou a capacidade de discernir o correto do incorreto, o bom do mau, o verdadeiro do falso, o medo paralisante do medo prudente, o sensato do insensato para que se tenha uma guia correta para cada ação. A prudência é a faculdade que nos permite vermos e aprendermos a realidade como ela é para que possamos nos comportar corretamente ou precisamente. Todo homem sábio vive de acordo com a prudência. Seus pensamentos e atos são guiados pela prudência. A prudência nos mantém na nossa integridade.

2. Ser Missionário É Ser Simples

Jesus também quer que cada cristão seja simples:  Sede simples como as pombas”. 

O simples não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação. É a vida sem frases e sem exageros. O simples não simula nada, pois simular a humildade e a simplicidade significa arrogância de quem puxa tudo para seu lado. Santo Agostinho dizia: “Simular humildade é a maior das soberbas” (De sanc. vir. 43,44). O simples é capaz de reduzir o mais complexo ao mais simples. O presente é sua eternidade, e o satisfaz.

A simplicidade aprende a se desprender, acolher o que vem sem nada guardar como coisa sua. Simplicidade é nudez, despojamento, pobreza. Simplicidade é liberdade, leveza, transparência. A simplicidade é a transparência do olhar, pureza do coração, sinceridade do discurso, retidão da alma e do comportamento. A simplicidade é a espontaneidade, a improvisação alegre, desprendimento, desprezo do prevalecer. A simplicidade é o esquecimento de si, é nisso que ele é uma virtude. A simplicidade é a virtude dos sábios e a sabedoria dos santos. Não é por acaso que Jesus faz o seguinte convite: “Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas” (Mt 11,29). Através da simplicidade alcançaremos o repouso para nosso coração ou para nossa vida. 

O Reino de Deus se revela na debilidade de Jesus e de seus mensageiros. São Paulo dirá também que “é na fraqueza que se revela totalmente a minha força. Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Eis por que sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte.” (2Cor 12,9-10). Toda a historia da Igreja confirma esta verdade. São os pequenos e humildes que fizeram as maiores obras. Por essa razão, vem a pergunta para cada um de nós: “Será que creio verdadeiramente que a força de Deus é capaz de fazer grandes coisas na minha debilidade e através da minha fraqueza? 

O discípulo deve ser pobre em espírito, e deve estar desarmado para possibilitar qualquer diálogo. Ele é somente rico na fé e na validez do anuncio, pois trata-se da Palavra de Deus que tem por objetivo salvar os homens e será a ultima palavra para a humanidade. A missão exige um ambiente de debilidade para forçar o discípulo a ter fé permanentemente em Deus e para tirar qualquer tipo de ilusão como discípulo. É Deus quem opera e não os homens. Os homens são instrumentos nas mãos de Deus.

Mas a debilidade não é presunção nem superficialidade nem ingenuidade. “Sejam simples e prudentes”, são as palavras de Jesus. A simplicidade é lealdade, transparência, confiança na verdade e, portanto, é uma recusa de qualquer meio de violência. A prudência é a capacidade e a humildade de valorizar e de levar em consideração as situações concretas. Mas trata-se sempre, por suposto, da prudência de Cristo, não da prudência do mundo baseada em cálculos cínicos, em diplomacia interesseira e de compromisso sempre em busca de uma salvação própria, que é uma manifestação do egoísmo. O egoísmo não convive com o amor, pois o amor leva o homem ao encontro do outro para oferecer-lhe ajuda. O egoísmo devora tudo o que o outro tem.

A oposição e a perseguição veem, muitas vezes, da própria família: “O irmão entregará seu irmão à morte. O pai, seu filho. Os filhos levantar-se-ão contra seus pais e os matarão”. O ódio pode nascer em qualquer pessoa e em qualquer lugar. Jesus nos sugere uma só solução: “Permanecei fieis!”. É conservar a firmeza e o valor, contra toda decepção, contra toda oposição e contra todo fracasso. O que conta é a salvação eterna. Precisamos saber que Jesus está conosco. Na obscuridade do fracasso estamos seguros de que Jesus, com toda certeza, virá e salvará os seus. Mas Jesus nos alerta e nos afirma: “Aquele que perseverar até o fim, será salvo”. Será que sou perseverante em tudo como cristão? Perseverança é a capacidade de resistir até o fim por causa da meta (nobre) a ser alcançada. 

3. Ser Missionário É Ser Perseverante

Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo”.          

Perseverar significa a capacidade de resistir diante de cada dificuldade, porque acreditamos que Deus nos sustenta e nos levanta em qualquer situação. Quando você somente acredita na sua própria força, em pouco tempo você vai cair no desespero, pois sua força tem seu limite. Mas se você se apoiar em Deus, a sua força nunca vai ter o fim, pois Deus o abastece com sua graça: “Quando me sinto fraco, na verdade sou forte pois a graça de Deus me sustenta e me levanta”, dizia São Paulo(cf. 2Cor 12,10). Aquele que estiver aberto à graça de Deus para ter a capacidade de resistir e rezar com perseverança para a alcançar, poderá dizer com o Apóstolo Paulo: “Tudo posso n´Aquele que  me dá força”(Fl 4,13). Com esta fé Deus nos convida a remetermos para nossas forças interiores, como dizia o filósofo romano, Epicteto (55 d.C-135 d.C):

·      Cada dificuldade na vida nos oferece uma oportunidade para nos voltarmos para dentro de nós mesmos e recorrermos aos nossos recursos interiores escondidos ou mesmo desconhecidos. As provações que suportamos podem e devem revelar-nos quais são as nossas forças. As pessoas prudentes enxergam além do incidente em si e procuram criar o hábito de utilizá-lo da maneira mais saudável. Você possui forças que provavelmente desconhece. Encontre a que necessita nesse momento. Use-a(cf. A Arte de Viver, Editora Sextante).         

Esta capacidade não é só para utilizar em casos alarmantes. Ao contrário, só conseguiremos avançar no nosso caminho, se procurarmos aproveitar plenamente as diferentes oportunidades de momento, tendo os olhos sempre postos na meta. Só assim, a nossa capacidade de resistir pode e deve fortalecer-se, mesmo no meio das dificuldades. É aí que ela se torna mais necessária.          

A capacidade de resistir precisa ser sempre renovada na oração. Como cristãos rezamos sem cessar, pedindo a graça da perseverança final. Estamos, todavia, conscientes de que isto leva consigo a disponibilidade para mudar/ se converter, porque estamos conscientes de que a nossa fidelidade é continuamente posta à prova e de que está exposta a contínuas tentações. 

“Aquele que perseverar até o fim, será salvo”. Será que sou perseverante em tudo como cristão? Perseverança é a capacidade de resistir até o fim por causa da meta (nobre) a ser alcançada. Mas será que tenho metas claras para minha vida e minha salvação? Será que eu vivo com objetivo claro? Em tudo que eu fizer e falar deve ter objetivo claro para não fazer por fazer ou falar por falar.

P.Vitus Gustama, SVD 

·      “É melhor um pecador humilde do que um beato orgulhoso” (Santo Agostinho. Serm. 170,7,7).

·      “Onde há caridade, há paz. E onde há humildade há caridade. Assim, pois, se quiser ter a paz, seja humilde” (Santo Agostinho. In epist. Joan., proem).

·      O princípio de nossa purificação é a humilde confissão de nossos pecados(Santo Agostinho. In epist. Joan. 1,6).

·      “Observa a árvore. A fim de crescer para cima, primeiro cresce para baixo. Primeiro finca sua raiz na humildade da terra para depois lançar suas grimpas ao alto céu” (Santo Agostinho. Serm. 117,17).

Quinta-feira Da XIV Semana Comum, 08/07/2021

SER MISSIONÁRIO DO AMOR DE DEUS EM TODOS OS MOMENTOS

Quinta-Feira da XIV Semana Comum

Primeira Leitura: Gn 44,18-21.23b-29; 45,1-5

Naqueles dias, 44,18 Judá aproximou-se de José e, cheio de ânimo, disse: “Perdão, meu Senhor, permite a teu servo falar com toda a franqueza, sem que se acenda a tua cólera contra mim. Afinal, tu és como um faraó! 19 Foi meu Senhor quem perguntou a seus servos: ‘Ainda tendes pai ou algum outro irmão?’ 20 E nós respondemos ao meu senhor: ‘Temos um pai já velho e um menino nascido em sua velhice, cujo irmão morreu; é o único filho de sua mãe que resta, e seu pai o ama com muita ternura’. 21 E tu disseste a teus servos: ‘Trazei-o a mim, para que eu possa vê-lo. 23b Se não vier convosco o vosso irmão mais novo, não vereis mais a minha face’. 24 Quando, pois, voltamos para junto de teu servo, nosso pai, contamos tudo o que o meu senhor tinha dito. 25 Mais tarde disse-nos nosso pai: ‘Voltai e comprai para nós algum trigo’. 26 E nós lhe respondemos: ‘Não podemos ir, a não ser que o nosso irmão mais novo vá conosco. De outra maneira, sem ele, não nos podemos apresentar àquele homem’. 27 E o teu servo, nosso pai, respondeu: ‘Bem sabeis que minha mulher me deu apenas dois filhos. 28 Um deles saiu de casa e eu disse: um animal feroz o devorou! E até agora não apareceu. 29 Se me levardes também este, e lhe acontecer alguma desgraça no caminho, fareis descer de desgosto meus cabelos brancos à morada dos mortos’”. 45,1 Então José não pôde mais conter-se diante de todos os que o rodeavam e gritou: “Mandai sair toda a gente!” E, assim, não ficou mais ninguém com ele, quando se deu a conhecer aos irmãos. 2 José rompeu num choro tão forte, que os egípcios ouviram e toda a casa do Faraó. 3 E José disse a seus irmãos: “Eu sou José! Meu pai ainda vive?” Mas os irmãos não podiam responder-lhe nada, pois foram tomados de um enorme terror. 4 Ele, porém, cheio de clemência, lhes disse: “Aproximai-vos de mim”. Tendo-se eles aproximado, disse: “Eu sou José, vosso irmão, a quem vendestes para o Egito. 5 Entretanto, não vos aflijais, nem vos atormenteis, por me terdes vendido a este país. Porque foi para a vossa salvação que Deus me mandou adiante de vós, para o Egito”.

Evangelho: Mt 10,7-15

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 7 “Em vosso caminho, anunciai: ‘O Reino dos Céus está próximo’. 8 Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. De graça recebestes, de graça deveis dar! 9 Não leveis ouro nem prata nem dinheiro nos vossos cintos; 10 nem sacola para o caminho, nem duas túnicas nem sandálias nem bastão, porque o operário tem direito a seu sustento. 11 Em qualquer cidade ou povoado onde entrardes, informai-vos para saber quem ali seja digno. Hos­pedai-vos com ele até a vossa partida. 12 Ao entrardes numa casa, saudai-a. 13 Se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; se ela não for digna, volte para vós a vossa paz. 14 Se alguém não vos receber, nem escutar vossa palavra, saí daquela casa ou daquela cidade, e sacudi a poeira dos vossos pés. 15 Em verdade vos digo, as cidades de Sodoma e Gomorra serão tratadas com menos dureza do que aquela cidade, no dia do juízo.

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O Deus Em Quem Acreditamos É Um Deus De Surpresas

Eu sou José, vosso irmão, a quem vendestes para o Egito. Entretanto, não vos aflijais, nem vos atormenteis, por me terdes vendido a este país. Porque foi para a vossa salvação que Deus me mandou adiante de vós, para o Egito”. Esta é a frase chave da seção que o autor sagrado coloca nos lábios de José.

A história de José, que chega à cena culminante do reencontro e a reconciliação com seus irmãos, é uma das páginas mais belas da Bíblia, tanto no aspecto literário como no aspecto humano e religioso.

Na cena anterior conta-se que na segunda viagem de seus irmãos para o Egito em busca de sobrevivência por causa da fome, José retém Benjamin, seu irmão predileto com o pretexto de que “roubou” um cálice que o próprio José mandou colocar precisamente no saco de trigo de Benjamin. 

Quando Judá, intercedendo pateticamente pelo seu irmão pequeno, Benjamin, conta a José de que conhece muito bem Benjamin, José não consegue conter-se mais e, entre lágrimas, se dá conhecer a seus irmãos, criando neles uma situação de surpresa inexprimível e também de medo: “Eu sou José, vosso irmão, a quem vendestes para o Egito”. Mas eles não têm que ter medo porque José lhes perdoa: “Não vos aflijais, nem vos atormenteis, por me terdes vendido a este país”. A lição se põe na boca de José: “Porque foi para a vossa salvação que Deus me mandou adiante de vós, para o Egito”. José perdoa seus irmãos e vê em tudo a mão de Deus que guia. A vida de José e de seus irmãos poderia ser mais difícil se José não fosse uma autoridade na terra dos egípcios. Paradoxalmente, José foi vendido para salvar seus irmãos no futuro. Em cada experiência Deus quer deixar algum recado para nós. Em cada acontecimento Deus faz algum apelo para nós. Verifique, qual foi o apelo de Deus para você hoje?

Tudo isto quer nos dizer que os planos de Deus são admiráveis. Deus vai levando ao cumprimento de suas promessas pela nossa salvação através dos caminhos que nos surpreendem. No momento em que, aparentemente sem solução, Deus aparece com todo seu amor por nós a fim de nos salvar. Com efeito, nossa vida é uma série de desdobramentos. Estamos evoluindo exatamente o necessário para cada etapa do caminho. Cada dia traz novo crescimento e mudanças sutis dentro do desígnio de Deus. Dentro do desígnio de Deus, tudo o que existe em nossa vida tem um propósito específico. Cada pessoa que encontramos tem uma mensagem que precisamos ouvir, tal como estamos sempre transmitindo mensagens para os outros. Cada movimento que fazemos afeta todo o conjunto e reagimos a todas as mudanças causadas pelo nosso próximo. Às vezes a mensagem que recebemos pede uma mudança em nós. 

Além disso, a história de José nos recorda a história de Jesus que também é vendido pelos seus e levado à cruz; que morreu pedindo a Deus que perdoe seus inimigos; que parece ter fracassado na missão encomendada, mas que nos mostra como Deus consegue seus propósitos de salvação também através do mal e do pecado das pessoas. 

De Jesus e José aprendemos a perdoar aos que nos ofenderam, pois, às vezes, através daquela experiência ou acontecimento Deus quer nos salvar. Dificilmente, alguém nos faria o mal tão grande como aquilo que José sofreu por causa dos próprios irmãos e como aquilo que Jesus sofreu por causa da traição dos próprios discípulos. No entanto, eles (José e Jesus) os perdoaram.

Nós Cristãos Somos Missionários Do Amor De Deus Neste Mundo 

Continuamos a acompanhar o discurso de Jesus sobre a missão (Mt 9,36-11,1).  Na passagem do evangelho de hoje Jesus dá algumas instruções para seus discípulos na tarefa de proclamar a Boa Nova. 

Primeiramente, Jesus disse aos discípulos: “Em vosso caminho, anunciai: ‘O Reino dos céus está próximo’”. Jesus coloca em primeiro lugar o anúncio da Boa Nova. Onde quer que ande um seguidor de Jesus deve falar somente coisas boas. O evangelizador é aquele que sempre leva adiante o que é bom e o que é certo e o que edifica. Um seguidor não pode perder tempo em falar ou em discutir coisas que não edificam a humanidade. Qualquer cristão não pode desperdiçar o tempo com coisas fúteis, pois para ele cada minuto é o minuto da graça de Deus (Kairós).  A vida vivida apenas para satisfazer a própria vida nunca satisfaz a vida de ninguém. Não há melhor exercício para fortalecer o coração do que estender o braço para baixo e erguer pessoas esmagadas pelo peso da vida vivida. O propósito verdadeiro de nossa existência é fazer uma vida válida, bem feita e útil. Praticar e pregar o bem! Esta é a tarefa principal de qualquer cristão. Tudo o mais virá depois: “Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas outras coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6,33). 

Proclamai que o reino de Deus está próximo”. Muitas vezes se busca Deus demasiadamente longe. De fato ele está próximo de nós; Ele está conosco (Mt 28,20). O Deus que Jesus revela é um Deus próximo, um Deus amoroso. Por isso, jamais eu estou sozinho, inclusive quando me sinto abandonado ou solitário, nem na minha doença nem na minha morte, pois Deus está comigo. Para poder proclamar aos demais sobre a bondade, a proximidade da presença de Deus, o cristão-missionário há que ter feito a experiência do Deus próximo em si mesmo pessoalmente. 

Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios”.  Jesus já tinha feito tudo isso: Ele curou os enfermos (Mt 8,5-15); purificou os leprosos (Mt 8,2-4); ressuscitou os mortos (Mt 9,23-25); expulsou os demônios (Mt 8,28-34). O cristão-missionário é aquele que distribui benefícios, aquele que faz o irmão crescer e viver a vida dignamente, aquele que leva a paz; aquele que nutre a vida dos outros; aquele que protege a vida em todas as suas instâncias. A exemplo de Cristo, o cristão é aquele que vive fazendo o bem para onde for, onde estiver e com quem estiver (cf. At 10,38). O cristão é aquele que pratica o bem nos momentos oportunos e inoportunos. 

“Não leveis ouro nem prata nem dinheiro nos vossos cintos; nem sacola para o caminho, nem duas túnicas nem sandálias nem bastão, porque o operário tem direito a seu sustento”.  O ouro e a prata (os bens materiais) nunca vão ser nossos amigos. Os bens continuam sendo alheios a nós. Eles são necessários, mas apenas como meios para facilitar nosso trabalho. O ser humano tem que gostar do ser humano e usar os bens, e não pode usar o ser humano porque gosta dos bens materiais. É preciso que o cristão esteja despojado. Despojamento é todo um empenho para dar lugar à riqueza do poder da graça de Deus. despojamento nos torna imunes contra as ciladas da prepotência. Deus só oferecerá a riqueza da Sua graça ao que saiba despojar-se de si mesmo e das coisas materiais. Despojamento é o ponto de encontro com Deus. 

Na sua instrução, Jesus pede aos discípulos para que vivam despojados: não levar nem ouro, nem prata, nem sandálias, nem bastão. Estas exigências parecem estar tomadas das normas estabelecidas para participar do culto a Deus no templo: “que ninguém entre no templo com bastão, sapatos nem com a bolsa de dinheiro”. Partindo desta norma judaica se diria simplesmente que os discípulos, na realização de sua tarefa evangelizadora devem fazer a mesma coisa diante de Deus e devem viver como estando na presença de Deus, sabendo que o êxito da missão depende de Deus.

A expressão “Estar desarmados e despojados” é usada para enfatizar que a obra é de Deus e não de um ser humano. Este estilo é chamado de “pobreza evangélica” que não se apoia unicamente nos meios materiais e nas técnicas, e sim na ajuda de Deus e na força de Sua palavra. Nós devemos confiar mais na força de Deus do que em nossas qualidades ou meios técnicos. O homem que se deixa conquistar pelo despojamento, deixa de estar alienado ou agarrado a qualquer coisa. O despojamento se torna um encontro libertador consigo próprio. ”Não andes averiguando quanto tens, mas o que tu és”, dizia Santo Agostinho (Serm. 23,3).

Recebestes de graça, de graça dai!”. Além de ter uma vida despojada, o cristão deve ser generoso e viver na gratuidade. O cristão-missionário deve atuar com desinteresse econômico, não buscando seu próprio proveito. Todos sabem que quanto mais se tem, mais se quer. A felicidade ficará cada vez mais distante quando o ser humano começar a criar mais necessidades. O espírito materialista é como beber a água salgada: quanto mais você beber, mais sede você terá. Aquele que sabe reduzir ao mínimo suas necessidades encontra uma alegria e uma liberdade maior. Possuído ou dominado pelas coisas o homem perde sua liberdade. “Onde só o amor serve e não a necessidade, a escravidão se torna liberdade” (Santo Agostinho. In ps. 99,8). 

“Entrando numa casa, saudai-a: Paz a esta casa. Se aquela casa for digna, descerá sobre ela vossa paz; se, porém, não o for, vosso voto de paz retornará a vós”.  O cristão jamais pode ser uma pessoa agressiva verbal e fisicamente. A serenidade produz outra serenidade. Cada sorriso gera outro sorriso. O cristão deve propor a Boa Nova e não se pode impor: os homens ficam livres. A tarefa do cristão-missionário é oferecer a paz e a alegria. Dar alento. O cristão deve saber que o trabalho não é forçar de qualquer maneira, nem Jesus fez isso. A tarefa do cristão-missionário é formular a proposta clara e convincente e logo deixa para a liberdade do homem.

A missão está marcada pela constante ameaça dos anti-valores da sociedade e pela oposição dos filhos das trevas. Estes são verdadeiros lobos que sacrificam seus irmãos para obter benefícios pessoais. Os evangelizadores não podem ser ingênuos diante deles. Os cristãos devem manter sua simplicidade, mas acompanhada pela prudência para agir sabiamente e eficazmente: “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas”.

Em resumo: o cristão deve ser despojado, simples, pacífico, prudente e desarmado. Só com estas qualidades ele convence qualquer um para ser parceiro do bem e para ganhar novos evangelizadores. “A verdadeira felicidade não consiste em possuir o que se ama, mas em amar o que se deve possuir” (Santo Agostinho: In ps. 26,2,7).                         

P. Vitus Gustama, SVD

Quarta-feira Da XIV Semana Comum, 07/07/2021

É PRECISO ESTAR COM O SENHOR PARA SER PARCEIRO DO BEM

Quarta-Feira Da XIV Semana Comum

Primeira Leitura: Gn 41,55-57; 42,5-7ª.17-24ª

41,55 Naqueles dias, todo o Egito começou a sentir fome, e o povo clamou ao Faraó, pedindo alimento. E ele respondeu-lhe: “Dirigi-vos a José e fazei o que ele vos disser”. 56 Quando a fome se estendeu a todo o país, José abriu os celeiros e vendeu trigo aos egípcios, porque a fome também os oprimia. 57 De todas as nações vinham ao Egito comprar alimento, pois a fome era dura em toda a terra. 42,5 Os filhos de Israel entraram na terra do Egito com outros que também iam comprar trigo, pois havia fome em Canaã. 6 José era governador na terra do Egito e, conforme a sua vontade, se vendia trigo à população. Chegando os irmãos de José, prostraram-se diante dele com o rosto em terra. 7ª Ao ver seus irmãos, José os reconheceu. 17 E mandou metê-los na prisão durante três dias. 18 E, no terceiro dia, disse-lhes: “Fazei o que já vos disse e vivereis, pois eu temo a Deus. 19 Se sois sinceros, fique um dos irmãos preso aqui no cárcere, e vós outros ide levar para vossas casas o trigo que comprastes. 20 Mas trazei-me o vosso irmão mais novo, para que eu possa provar a verdade de vossas palavras, e não morrerdes”. Eles fizeram como José lhes tinha dito. 21 E diziam uns aos outros: “Sofremos justamente estas coisas, porque pecamos contra o nosso irmão: vimos a sua angústia quando nos pedia compaixão, e não o atendemos. É por isso que nos veio esta tribulação”. 22 Rúben disse-lhes: “Não vos adverti dizendo: ‘Não pequeis contra o menino?’ E vós não me escutastes. E agora nos pedem conta do seu sangue”. 23 Ora, eles não sabiam que José os entendia, pois lhes falava por meio de intérprete. 24ª Então, José afastou-se deles e chorou.

Evangelho: Mt 10,1-7

Naquele tempo, 1 Jesus chamou os doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos maus e de curar todo tipo de doença e enfermidade. 2 Estes são os nomes dos doze apóstolos: primeiro, Simão chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João; 3 Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; 4 Simão, o Zelota, e Judas Iscariotes, que foi o traidor de Jesus. 5 Jesus enviou estes Doze, com as seguintes recomendações: “Não deveis ir aonde moram os pagãos, nem entrar nas cidades dos samaritanos! 6 Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel! 7 Em vosso caminho, anunciai: ‘O Reino dos Céus está próximo’”.

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Deus Sabe Tirar o Bem Do Nosso Mal

Dentro do ciclo do patriarca Jacó, leremos, durante vários dias a deliciosa história de José. A história de José ocupa treze capítulos do livro de Gênesis (Gn 37-50). José nasceu na época em que Jacó ainda trabalhava para Labão, seu sogro. Foi o primeiro filho de Raquel, como prova do fim da esterilidade dela. José era um dos preferidos de Jacó. Os irmãos arrancaram de José o símbolo de preferência do pai, uma túnica multicolorida (Gn 37,23). E seus irmãos, por inveja, vendem José a um comerciante de escravos e José foi levado para o Egito por este comerciante, sem o conhecimento de Ruben, um dos irmãos. Potifar comprou José  das “mãos”  dos comerciantes de escravos (Gn 39,1). O Senhor  “estava” com José (Gn 39,2), de modo que aquele egípcio percebeu a prosperidade alcançada por meio dele (Gn 39,3). Como resultado,Potifar colocou tudo o que possuía sob o controle de José. Depois José fica na cadeia por ter resistido às insinuações da mulher de um alto dignitário de Faraó. O uso da frase “o Senhor era com ele” (Gn 39,21), repetição de “O Senhor estava com José” (Gn 39,2) indica a bênção de Deus sobre o jovem José, de modo que encontrou favor com o novo senhor (Gn 39,21; cf. Gn 39,4). José conquistou a confiança do carcereiro de tal maneira que todas as tarefas da prisão ficaram “nas  mãos” dele (Gn 39,23; cf. Gn 39,2-3). Mais tarde, José interpreta os sonhos de Faraó e passa a ser seu primeiro ministro. Durante sete anos de “vacas gordas” faz reservas de trigo em vista dos sete anos de secura que havia previsto.

Esta história quer já nos demonstrar que Deus se serve dos acontecimentos aparentemente desfavoráveis para levar a cabo seus projetos. Tudo parecia estar contra José, mas com Deus tudo girará em seu proveito. Mais uma vez temos que confessar que Deus continua escrevendo reto nas linhas distorcidas ou tortas. Deus é capaz de tirar bens de nossos males. Com Deus nem tudo é negativo e nem tudo fica sem saída. É preciso confiar em Deus apesar das impossibilidades da vida. José é definido como pessoa que teme a Deus e por isso, Deus “estava com ele”.

A notícia da fome geral e da afluência dos povos para o Egito a fim de adquirir trigo, como lemos na Primeira Leitura, representa uma mudança de cena importante no desenrolar da história de José. Até agora todo o interesse se centra em José e seu êxito. A partir de agora, a nova situação faz entrar a perspectiva das relações de José com seus irmãos, que impulsionados também pela necessidade iniludível de subsistir, vão para o Egito, conhecido como lugar de refúgio dos palestinos famintos na época (cf. Gn 12,10-20; Gn 26,2). José reconheceu seus irmãos e comprovou o cumprimento do antigo sonho que lhe assegurava sua superioridade sobre eles.

Mas a entrevista não foi nada cordial. A acusação de espionagem encaixa bem nas circunstancias do momento no Egito e faz referência a tempos passados quando o Egito teve que suportar as invasões dos povos estrangeiros. Contra esta grave acusação e insistente suspeito, os irmãos de José intentam defender-se informando-lhe sobre seu lugar de procedência e os detalhes de sua situação familiar. Os irmãos interpretam tudo como penalidades e expiação pelo fato de ter vendido seu irmão José que supõem que ele tenha sido morto. Estes comentários, feitos na presença de José, provocam em José uma grande comoção a ponto de ele sair do lugar para chorar sozinho. 

A decisão inicial de José foi encarcerar todos os irmãos, exceto um que seria o encarregado para buscar Benjamin, o caçula da família, para confirmar que as palavras de seus irmãos eram sinceras. Mas no terceiro dia, mudou de parecer: ficaria um como refém até que voltassem os outros com Benjamin. O refém seria Simeão.

Cada situação que vivenciamos, cada indivíduo que encontramos nos oferecem percepções valiosas sobre viver mais plenamente. Aprendemos o que apreciamos nas pessoas ao fazer o confronto com o que nos perturba, e com toda a certeza aprendemos mais sobre nós mesmos quando reconhecemos o que nos desagrada nos acontecimentos que despertam nossa atenção e nossa reflexão. Cada minuto está nos dando um ensinamento que merece plena atenção, e devemos ter sempre em mente que as lições mais úteis são, muitas vezes, as menos apreciadas ou compreendidas no instante em que as recebemos ou as vivenciamos. Aquele que é vendido (José) e desprezado pela inveja (dos irmãos), Deus o converte tudo em bem para todos. “Senhor desfaz os planos das nações e os projetos que os povos se propõem. Mas os desígnios do Senhor são para sempre, e os pensamentos que ele traz no coração, de geração em geração, vão perdurar”. O Senhor pousa o olhar sobre os que o temem, e que confiam esperando em seu amor, para da morte libertar as suas vidas e alimentá-los quando é tempo de penúria”, diz o Salmo de Responsorial de hoje (Sl 32).

Esta história é um convite a crermos na providência de Deus, que, como tantas vezes, nos surpreende sempre, quase que diariamente. Quantas vezes na história de cada um, acontecimentos que pareciam catastróficos nos servem para indicar os caminhos de Deus e para purificar de nós as nossas ambições desenfreadas e as nossas invejas. Um fracasso, quando olhamos a partir da providência divina, pode se transformar em um bem para nós. Como para Jesus cuja morte parecia o fracasso total de todos os seus planos salvadores, mas foi precisamente o fato decisivo da redenção da humanidade. Deus sempre sabe tirar bem do mal. Paradoxalmente podemos dizer que o fracasso é sucesso se aprendermos com ele. “O sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder entusiasmo” (Wiston Churchil). Em cada fracasso que sofremos sempre há nova oportunidade, pois “o fracasso é a oportunidade de começar de novo com mais inteligência e redobrada vontade” (Henry Ford). Jamais podemos deixar de aprender até a morte inclusive de nossos fracassos, pois “cada fracasso ensina ao homem que tem algo a aprender” (Charles Dickens).

Somos Chamados a Levar Adiante a Missão Salvadora De Jesus 

Terminada a série de milagres narrados depois do Sermão da Montanha, entramos agora no segundo dos cinco grandes discursos de Jesus no evangelho de Mateus chamado o Discurso missionário que abrange Mt 9,36-11,1. 

Há cinco grande discurso de Jesus no evangelho de Mateus:

·      Mt 5,1-7,28: Sermão da Montanha;

·      Mt 9,36-11,1: Discurso missionário;

·      Mt 13,1-52: Discurso sobre o Reino em parábolas;

·      Mt 18,1-35: Discurso sobre a vida comunitária/Igreja;

·      Mt 24,1-25,46: Discurso sobre o Julgamento final. 

Notemos que a missão em Mt não se limita apenas aos doze, mas para todos aqueles que queriam seguir a Jesus. Por isso, neste discurso sobre a missão não se fala nem da partida dos doze (Mc 6,12-13; Lc 9,6) nem do seu regresso (Mc 6,30;Lc 9,10). O discurso sobre a missão não é endereçado para a multidão e sim para os discípulos que serão enviados. Podemos dizer que este discurso serve como um tipo de “manual” para os seguidores de Jesus na tarefa de exercer a missão neste mundo. Todos os batizados são missionários. Cada batizado é discípulo-missionário. 

Além disso, precisamos estar conscientes de que Jesus não buscou primeiro reunir pessoas ilustres e sim pessoas disponíveis, capazes de segui-Lo até o fim. São aqueles que darão sua vida por Ele. Judas Iscariotes faz parte de seu grupo. Ele também foi enviado para a missão, para uma grande missão. Jesus tomou esse risco ao confiar a responsabilidade de sua obra para pobres humanos. Por isso, há que rezar sempre por aqueles que têm responsabilidade na Igreja. Cada um de nós também tem uma missão, cada um é responsável, em uma parte da obra de salvação de Jesus.                 

Também Jesus é muito consciente da amplitude de sua obra. É necessário ter muito tempo. Sem pressa Jesus limita a missão no momento só dentro do território de Israel. Ele mesmo, durante sua vida terrena, se limitou ao que podia fazer: dirigir-se às ovelhas agarradas da casa de Israel. Mais tarde ele enviaria os discípulos pelo mundo inteiro (Mt 28,18-20). Em outras palavras, é preciso arrumar primeiro a casa. É preciso evangelizar os que estão dentro de casa para depois evangelizar os que estão fora dela que nem sempre é fácil. É o desafio de cada missionário-evangelizador.

O papel essencial dos escolhidos é expulsar os “espíritos imundos” e “curar os homens” de seus males. Em outras palavras são enviados para fazer o bem e destruir o mal. São chamados e enviados para ser parceiros do bem e enviados em busca de outros parceiros do bem. Ao fazer o bem, o mal não tem vez nem voz. Que os bons não fiquem em silêncio e que não se escondam em silêncio.

Os Doze são enviados com algumas instruções básicas. A primeira instrução de Jesus é “Não tomeis o caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos” (v.5). Podemos ter duas interpretações deste versículo. Primeiro, ele reflete uma tensão viva na comunidade de Mt onde certos grupos de origem judia não compreendiam nem aceitavam a missão aos pagãos. Segundo, na cultura de Jesus, a palavra “estrada/caminho” significa caminho ou modo de viver. Jesus pode ter querido dizer que não sigam o modo de viver dos pagãos que são idólatras.          

A segunda instrução, “Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel” (v.6). Em Mt encontramos duas etapas da missão. Na primeira etapa (Mt 10), a missão de Jesus e de seus discípulos é limitada para as “ovelhas perdidas de Israel”. Aqui não se fala da seleção entre os melhores, mas trata-se de gente necessitada. Foi para as pessoas necessitadas de Israel que foram enviados os Doze. Na segunda etapa (Mt 28,19), o mandato missionário será para espalhar a Boa Nova a todos os povos.         

Estas duas etapas da missão nos trazem uma lição muito importante para nossa comunidade: somos chamados a cuidar tanto dos de dentro da comunidade (missão ad intra), como dos de fora (missão ad extra). A Igreja ou comunidade sem caridade interna, não tem força para dar testemunho crível para os de fora da comunidade. O testemunho interno de comunhão é o primeiro passo para um anúncio mais eloquente. Mas o cuidado com os de dentro não pode ser uma desculpa para ignorar os de fora. Ou, o cuidado com os de fora não justifica a falta de tempo ou atenção para com os de dentro. Temos, muitas vezes, mais facilidade de sorrir para os de fora do que para os de dentro. “É mais fácil simular virtudes que possuí-las. Por isso, o mundo está cheio de farsantes” (Santo Agostinho). 

Pela profissão de cada escolhido percebemos que Jesus não buscou primeiro reunir pessoas ilustres e sim pessoas disponíveis, capazes de segui-Lo até o fim. São aqueles que darão sua vida por Ele (pelo Reino de Deus e sua justiça). Ouvimos muitas vezes a seguinte frase: Deus não escolhe os capacitados, mas Ele capacita os escolhidos. A vocação divina é sempre um mistério no sentido de que não temos capacidade para entender tudo, pois está fora de nosso alcance humano.

Jesus é um grande organizador de comunidades de homens e mulheres.  Havia muitas pessoas inquietas, mas necessitavam de um fator de coesão, de um líder que os vinculava e os ajudava a crescerem como pessoas. Esta faceta de organizador e de promotor de organizações comunitárias está condensada nos relatos de eleição dos doze missionários ou apóstolos para continuar a missão. E aqui está condensado um dos seus ensinamentos fundamentais: a comunidade cristã (pastorais, movimentos, grupos eclesiais etc.) existe para evangelizar. Não há outro motivo maior do que este. A comunidade cristã existe porque há um “povo cansado e abatido” diante do qual cada membro da comunidade cristã é chamado a ser solidário capaz de aliviar a dor alheia e de dar resposta a partir de sua própria insignificância e debilidade. Cada um de nós, apesar das fraquezas, tem algo de bom para ser partilhado para os outros. Se cada um tirar um pouco de bom de dentro de seu coração o cristianismo vai fazer diferença na sociedade. 

Segundo o texto do evangelho deste dia, o papel essencial dos escolhidos é expulsar os “espíritos imundos” e “curar os homens” de seus males. Em outras palavras são enviados para fazer o bem e destruir o mal. São chamados para ser parceiros do bem e enviados em busca de outros parceiros do bem.                                   

Ao enviá-los Jesus dá-lhes o poder. Mas este poder deve ser entendido como um dom de autoridade. A palavra autoridade provem do latim augere que significa crescer. Somente tem autoridade aquele que é capaz de fazer o outro crescer. A autoridade dada por Jesus tem as seguintes características:

1.    Está orientado por inteiro ao ministério apostólico, ou para o serviço (do bem) e não para dominar ou mandar e desmandar: expulsar o mal, fazer o bem, pregar o Reino. É um dom completamente missionário. Por isso, não se trata de nenhum poder de direção ou de governo.

2.    É uma autoridade conferida, mas não abandonada por Jesus a seus discípulos. É Jesus quem dá o poder. Esse poder pertence a Jesus. Consequentemente, não pode abusar desse poder para o próprio interesse. É para o bem de todos. 

3.    Jesus reconhece que haverá oposição por causa do jogo de interesses mesquinhos. A presença do justo é uma censura viva para o desonesto e corrupto.                

Nem todos são sucessores dos apóstolos, mas todos são seguidores de Jesus e por isso, devem continuar, cada um em seu ambiente, a missão que cada um recebeu no batismo. Todos nós formamos a Igreja “apostólica” e “missionária”. Por isso, não vamos à missa para ir à missa. Que a missa é, de uma parte, a expressão de nossa fé, de nossa esperança e de nossa caridade. Mas de outra parte, a missa é sempre um imperativo, uma exigência para fazer operativa nossa fé, nossa esperança e nossa caridade. Por isso, quando finaliza a missa, começa a realidade na vida; quando termina a celebração eucarística ou qualquer reunião eclesial, deve começar nosso compromisso cristão; quando termina a missa, deve começar a missão. Se não a missa careceria de sentido.                 

Somos chamados por Jesus Cristo para estar com ele a fim de aprendermos a ser parceiros do bem. Somos enviados depois do encontro com ele para fazer o bem e em busca dos novos parceiros do bem. A alma da missão é caridade. A única coisa que nos faz bem é fazer o bem. A vida não é uma luta para superar os outros, mas uma missão a ser exercida para dar o melhor de nós para a humanidade conforme os talentos recebidos de Deus. Estamos aqui neste mundo com um objetivo único, com um objetivo nobre que nos permitirá manifestar nosso mais alto potencial enquanto, ao mesmo tempo, acrescentamos valor às vidas das pessoas que estão a nossa volta. Descobrir a própria missão significa trazer mais de você mesmo para o trabalho, para a convivência e concentrar-se nas coisas que você sabe fazer melhor e dar sempre o melhor de você para os outros sem esperar nada em troca.  

O que você faz e pode fazer pelo Senhor e pela sua Igreja? “Faze o que podes. Deus não te pede mais (Santo Agostinho. Serm. 128,10,12). “Deus não condena quem não pode fazer o que quer, e sim quem não quer fazer o que pode (Santo Agostinho. Serm. 54,2).

P.Vitus Gustama, SVD

terça-feira, 29 de junho de 2021

Terça-feira Da XIV Semana Comum, 06/07/2021

É PRECISO APOIAR-SE NO DEUS FORTE VIVENDO CONFORME SUA PALAVRA

Terça-Feira da XIV Semana Comum

Primeira Leitura: Gn 32,23-33

Naqueles dias, 23 Jacó levantou-se ainda de noite, tomou suas duas mulheres, as duas escravas e os onze filhos e passou o vau do Jaboc. 24 Depois de tê-los ajudado a passar a lutar com ele até o raiar da aurora. 26 Vendo que não podia vencê-lo, este tocou-lhe o nervo da coxa e logo o tendão da coxa de Jacó se deslocou, enquanto lutava com ele. 27 O homem disse a Jacó: “Larga-me, pois já surge a aurora”. Mas Jacó respondeu: “Não te largarei, se não me abençoares”. 28 O homem perguntou-lhe: “Qual é o teu nome?” Respondeu: “Jacó”. 29 Ele lhe disse: “De modo algum te chamarás Jacó, mas Israel; porque lutaste com Deus e com os homens, e venceste”. 30 Perguntou-lhe Jacó: “Dize-me, por favor, o teu nome”. Ele respondeu: “Por que perguntas-me o meu nome?” E ali mesmo o abençoou. 31 Jacó deu a esse lugar o nome de Fanuel, dizendo: “Vi Deus face a face e tive poupada a minha vida”. 32 Surgiu o sol quando ele atravessava Fanuel; e ia mancando por causa da coxa. 33 Por isso os filhos de Israel não comem até hoje o nervo da articulação da coxa, pois Jacó foi ferido nesse nervo.

Evangelho: Mt 9,32-38

Naquele tempo, 32 apresentaram a Jesus um homem mudo, que estava possuído pelo demônio. 33 Quando o demônio foi expulso, o mudo começou a falar. As multidões ficaram admiradas e diziam: “Nunca se viu coisa igual em Israel”. 34 Os fariseus, porém, diziam: “É pelo chefe dos demônios que ele expulsa os demônios”. 35 Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino, e curando todo o tipo de doença e enfermidade. 36 Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor. Então disse a seus discípulos: 37 “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. 38 Pedi pois ao dono da messe que envie trabalhadores para a sua colheita!”

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É Preciso Apoiar-se Em Deus Nas Nossas Lutas Diárias, Pois Ele é o Deus Forte

De modo algum te chamarás Jacó, mas Israel; porque lutaste com Deus e com os homens, e venceste”.

No dia anterior lemos um episódio misterioso na vida de Jacó em que Jacó, no sonho, via os anjos descende e subindo (cf. Gn 28,10-22). É um episódio que aconteceu durante a fuga de Jacó por medo de seu irmão, Esaú, de quem roubou a bênção da primogenitura. Hoje a Primeira Leitura nos apresenta mais um episódio desta natureza em que Jacó luta contra uma pessoa que parece homem, mas que não se sabe, pelo relato, se é um espirito, um anjo ou o próprio Deus. Desta vez o episódio acontece na sua viagem de volta para Canaã onde mora seu irmão, Esaú de quem ele tem muito medo.

O episódio de Fanuel interrompe o relato do encontro imediato de Jacó com Esaú, seu irmão, e também é de grande importância no conjunto das narrativas sobre Jacó. O Javista (redator do texto) aplicou ao patriarca uma velha tradição local que falava de um ataque noturno da divindade. Nos tempos primitivos, havia lendas frequentes de deuses ou seres de outro mundo que lutavam com alguns homens, especialmente à noite. O resultado foi muitas vezes que esses homens de alguma forma se apoderaram de uma parte da força desses seres ou desses deuses. Em nosso caso, esta luta se apresenta como um perigo muito mais temível do que a presença de Esaú, e ameaça a própria vida do depositário das promessas (Jacó). Se Jacó consegue vencer, de acordo com o relato, deve-se somente à bondade divina. Talvez este evento noturno suponha uma purificação interior do patriarca Jacó. Em todo caso, tem um caráter típico, já que nesta luta se reflete a história de Israel com Deus, especialmente dada a equiparação  de Jacó e Israel (um nome honorífico  concedido por Deus, que, no entanto, não quer manifestar seu próprio nome, porém dá a bênção ao patriarca Jacó). Jacó é constituído, deste modo, como o homem da bênção, ou seja, um homem protegido por Deus. Consequentemente, Jacó não deve ter medo. 

A cena de Jacó lutando a noite toda com o enviado de Deus é rica em simbolismo. Interessa-nos particularmente sobre o tema da fraternidade traída e restabelecida como fio condutor para uma leitura do Gênesis. O encontro com Deus passa pela reconciliação com o irmão. No contexto desta história de lutas e reconciliações é interessante notar, especialmente, o drama produzido por três tensões dialéticas entrelaçadas: a tensão entre os irmãos, a tensão do homem consigo mesmo no interior de seu coração, e a tensão entre o homem com Deus. Este último está simbolicamente encarnado na rica passagem da luta de Jacó com o anjo: aceitação da graça e resistência a ela, abençoar e ser abençoado, ferida/mágoa e consolação, e assim por diante, são vários aspectos dessa tensão. Olhemos  para esta cena e tomemos esta passagem como um símbolo de nossa fuga e de nossa exposição à graça.

Jacó passou bastante anos, mais ou menos uns vinte anos, em Mesopotâmia, onde se refugia. Agora volta para sua terra de origem, Canaã, com suas duas mulheres (Lia e Raquel) e seus onze filhos, com muito medo de Esaú, seu irmão. 

Nesta circunstância é que sucede a misteriosa luta com o desconhecido, que aconteceu durante a noite. Segundo a crença popular, os espíritos tinham seu campo de atuação durante a noite e ao amanhecer eles despareciam. Nessa luta Jacó saiu vitorioso apesar de ficar coxo, para dizer que Jacó não fugirá mais. Jacó reconhece no homem que lhe feriu durante a luta como um ser sobrenatural e lhe pede sua bênção. Jacó sabe que ele já tem a bênção dada pelo seu pai, Isaac, mas que não a merece.

Esta bênção lhe será outorgada, mas antes, seu nome será mudado de “Jacó” (suplantador, trambiqueiro) para “Israel” porque “luta com Deus e com os homens e vence” (Gn 32,29). O nome “Israel” vai ser símbolo das vitórias futuras de Jacó, mas sem artimanhas. Até agora a vida de Jacó foi uma luta contra todos: contra os homens e contra Deus.  Mas daqui em diante Jacó jamais poderá suplantar ninguém (Jacó), jamais passará à frente de ninguém (significado de ficar coxo), pois ele vai contar sempre com seu Deus. A partir de agora tudo muda: a escuridão (lutar à noite) é luz (vitória), a noite é dia, o medo é confiança, a covardia é decisão. Jacó transformou-se em Israel. Novo nome e nova maneira de viver. O autor sagrado joga com o sentido do verbo “sarah” (ser forte, prevalecer ou também lutar). Neste suposto, “Israel” teria que traduzi-lo por “Deus (Elohim) é forte, vence ou luta”. Mas o autor sagrado joga com a interpretação popular: “Ser forte com Elohim (Deus), luta com Ele”. No contexto, a ideia de nome novo está relacionada à ideia de vitória no futuro das quais as lutas anteriores (com Deus e com os homens, com Labão e Esaú) são uma garantia.

A Primeira Leitura quer nos dizer que nossos encontros com Deus são misteriosos. Jamais podemos saber que tipo de encontros que vamos ter com Deus nos momentos seguintes de nossa vida. Às vezes nossos encontros com Deus são pacíficos, como o encontro de Jacó com os anjos de Deus que descem e sobem. Outros encontros são mais turbulentos, como a luta noturna de Jacó com o desconhecido, mas que sempre terminam com a bênção, pois com Deus vencemos, pois Ele é forte; Ele é Israel. Neste Deus forte é que temos que nos apoiar e em Quem devemos confiar apesar das noites escuras de nossa vida, pois o amanhecer de Deus pronto para aparecer. É apenas questão de tempo. Haja paciência de nossa parte para esperar o amanhecer de Deus ou o sol de Deus com que ilumina nossas noites de vida.

Além disso, a luta de Jacó com o anjo/Deus nas margens do Jaboc foi um encontro com a graça. E como sempre acontece quando nos deixamos tocar pela graça, o patriarca Jacó saiu daquele encontro vulnerado e abençoado, ao mesmo tempo.

Nós também saímos ao mesmo tempo feridos e consolados, abalados/sacudidos e encorajados/animados após cada encontro com a graça. É por isso que existe uma ambivalência em nossos sentimentos de desejar e de temer aqueles encontros que ansiamos e dos quais fugimos.

Jacó decidiu voltar para sua terra natal apesar de seu medo do irmão, Esaú pronto para querer matá-lo. Muitas vezes sofremos, cedo ou tarde, como consequências de nossas falhas e armadilhas que usamos contra os outros. Mas temos que lutar contra tudo isso. Temos que adotar para nós mesmos “nome novo” para mudar nossa maneira de viver e de conviver com os outros, como Jacó que se transformou em Israel. Seguir a Jesus supõe renúncias e valentia ou luta. O próprio Jesus nos disse: “O Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos (lutadores) que o conquistam” (Mt 11,12). O próprio Jesus teve luta e venceu no grande combate da redenção da humanidade. Agora, como seguidores do Senhor Jesus, somos partícipes dessa vitória, dando-nos forças na nossas lutas de cada dia. As provas da vida nos transformam em pessoas maduras que nos fazem passar de “suplantadores” (Jacó) para pessoas “fortes com a força de Deus” (Israel).

Mas "não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares" (Ef 6,12). Na Eucaristia temos o melhor alimento e a força mais eficaz para nossas lutas de cada dia.

Viver De Acordo Com A Palavra de Deus

1. Palavra Na Nossa Vida Cotidiana 

A primeira parte do evangelho de hoje fala da cura de um mudo que logo em seguida ele começou a falar. 

Deus criou o homem dotado de fala. A palavra é um dos grandes meios de comunicar-se com os irmãos. A palavra é um dos meios que nos vincula aos outros. A palavra pontua nossa vida cotidiana. A palavra é também algo que nos liga a nós mesmos. Quantas vezes, ao acordar de manhã ou em determinadas situações na nossa vida cotidiana, nós falamos a nós mesmos, pelo menos mentalmente. A palavra nos acompanha quase o tempo todo, até mesmo, paradoxalmente, o silêncio, que se tornou tão raro no mundo moderno, tem significado por causa dela. Há profissões que usam menos palavra. Mas há também profissões que trabalham com palavra e dependem da palavra para transmitir sua mensagem ou seu ponto de vista sobre algo na vida ou na sociedade. A palavra está no âmago de nossa vida pessoal, familiar, social e profissional. Já imaginou se você pudesse contar quantas palavras ditas diariamente por você? Creio que você mesmo ficaria assustado ou admirado por tantas palavras ditas em vão, ao mesmo tempo por tantas palavras que saíram de sua boca que ajudaram tantas pessoas por terem sido boas! Milhares e milhares de pessoas mudaram de qualidade de vida por causa da palavra ouvida de outras pessoas ou lida em um bom livro. Cada palavra representa uma realidade ou um mundo contido nela. Você já pensou quantos mundos contidos numa frase que pronunciamos ou escrevemos? Mas será que cada frase pronunciada ou escrita representa mesmo a realidade ou inventamos frases e frases para enganar os outros? Será que em cada frase contém a verdade? Será que levamos em conta a caridade e a fraternidade ao soltar/pronunciar ou ao escrever alguma frase? 

2. Cada Batizado Deve Ser Prolongamento da Palavra de Deus Encarnada

Deus quer que o homem se comunique. Se alguém não se comunicar, se está sempre quieto ou mudo, é sinal de que alguma coisa está errada nele fisicamente, ou psiquicamente ou espiritualmente. A fala é dom de Deus, tanto que São João, no Prólogo de seu evangelho dá um título muito significativo a Jesus: Palavra ou Verbo (Jo 1,1-14). Jesus é a Palavra de Deus para nós; é a comunicação de Deus para nós. Através de Jesus é que Deus fala conosco: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).  O próprio Pedro, no seu discurso no livro dos Atos dos Apóstolos, nos disse: “Deus enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando-lhes a boa nova da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos” (At 10,36). Como é que opera a Palavra de Deus na vida do homem? O autor da Carta aos Hebreus responde: “A palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração. Nenhuma criatura lhe é invisível. Tudo é nu e descoberto aos olhos daquele a quem havemos de prestar contas” (Hb 4,12-13).  Mas nem a boca santa de Jesus que emite a Palavra de Deus terá qualquer efeito na nossa vida, se nós estivermos surdos a ela. 

É bom notar que seremos também julgados pelas palavras que dizemos ou pronunciamos sobre os outros, além dos atos que praticamos. O livro de Provérbio nos alerta: “Nas muitas palavras não falta ofensas; quem retém os lábios é prudente” (Pr 10,19). “A boca dos justos é fonte de vida, mas a boca dos ímpios encobre violência” (Pr 10,11). Da mesma forma são Tiago nos diz: “Aquele que não peca no falar é realmente um homem perfeito, capaz de frear todo o seu corpo” (Tg 3,2b). Que nossas palavras não ultrapassem nossos atos para não sermos chamados de mentirosos ou falsos. Por isso, São Tiago nos alerta: “Tornai-vos praticantes da Palavra (de Deus) e não simples ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1,22). 

A cura do mudo no texto do evangelho de hoje se refere àquele que não quer escutar a voz de Deus, que não quer seguir Seu projeto porque há outras coisas que o ensurdecem. Biblicamente o surdo-mudo (o termo grego “kôphos” significa surdo, mudo e surdo-mudo) é aquele que perde o contato com sua própria realidade de filho de Deus. Ele vive paralisado porque está privado da comunicação com o único que o faz livre: Deus (através de Sua Palavra).

A Igreja, isto é, todo batizado, é responsável pelo Evangelho de Jesus no mundo (cf. Mt 28,18-20). O anúncio da Palavra de Deus define sua missão no mundo. Todos os batizados hão de realizar sua vida na fidelidade à Palavra de Deus. Todos os batizados devem construir a casa de sua vida sobre a Palavra de Deus para que ela seja firme como construir uma casa sobre a rocha (cf. Mt 7,24-25). Cada batizado deve ser pessoa da palavra de Deus, isto é, sua palavra deve ser palavra que edifica e leva os outros para Deus. Cada batizado deve ser encarnação da Palavra de Deus. 

3. Até Para Fazer o Bem Encontramos Dificuldades 

Jesus veio ao mundo unicamente para fazer o bem, como pregou o Apóstolo Pedro: “Vós sabeis como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com o poder, como ele andou fazendo o bem e curando todos os oprimidos do demônio, porque Deus estava com ele” (At 10,38). Mas sabemos muito bem que até para fazer o bem encontramos dificuldades e críticas como aconteceu com Jesus no texto do evangelho de hoje. Jesus libertou um surdo de sua mudez e começou a falar. Jesus foi criticado por causa disso: “Os fariseus, porém, diziam: É pelo príncipe dos demônios que ele expulsa os demônios” (Mt 9,34). Mas “a acusação teológica (dos fariseus) não é mais que um pretexto que apenas dissimula sua sede de autoridade sobre o povo”, comentou P. Bonnard. Atrás de uma acusação ou crítica há interesse. Mas a questão é esta: que tipo de interesse?

4. Ser Compassivo Como Cristo

A segunda parte do texto do evangelho de hoje (Mt 9,35-38), na verdade, é uma introdução para o discurso de Jesus sobre a missão (Mt 9,35-10,16). 

Esta segunda parte fala da compaixão de Jesus pela multidão: “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas...”. Jesus sempre se compadece pelos que sofrem como o mudo no evangelho de hoje. A compaixão é uma das características de Deus.

Uma verdadeira compaixão não olha o necessitado de cima para baixo (sentimento de superioridade), mas é capaz de padecer-com, sentir-com para daí atuar. Cada compaixão sempre tem a ver com o deixar aproximar-se, prestar atenção, sentar-se à mesma mesa, chamar pelo nome, perceber a necessidade, oferecer a ajuda. A compaixão é comover-se até as entranhas, solidarizar-se profundamente, sentir-se a partir de outrem; é sofrer com (Latim: pati + cum, compaixão = sofrer com). A compaixão requer que estejamos com as pessoas que sofrem e dispostos a partilhar nosso tempo com elas. É estar no lugar do outro para sentirmos o que ele sente e ajudar no que puder dentro do limite da capacidade. Por isso, pode-se dizer que a verdadeira compaixão é muito humana e divina simultaneamente. Quando compartilhamos nosso coração e tempo com uma pessoa que sofre, uma parte do sofrimento dela será aliviada. Vamos deixar o resto com Deus desde que façamos nossa parte até o limite de nossa capacidade. Somos seguidores do Deus da Compaixão que se tornou carne em Jesus Cristo. A compaixão deve se tornar carne também em nós.

P. Vitus Gustama,svd

V Domingo Da Páscoa, 28/04/2024

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