sexta-feira, 30 de junho de 2023

São Tomé, Apóstolo- 03 de Julho

SÃO TOMÉ, APÓSTOLO

A FÉ EM DEUS NOS TORNA VERDADEIRAMENTE FELIZES

Primeira Leitura: Ef 2,19-22

Irmãos, 19já não sois mais estrangeiros nem migrantes, mas concidadãos dos santos. Sois da família de Deus. 20Vós fostes integrados no edifício que tem como fundamento os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus Cristo como pedra principal. 21É nele que toda a construção se ajusta e se eleva para formar um templo Santo no Senhor. 22E vós também sois integrados nesta construção, para vos tornardes morada de Deus pelo Espírito.

Evangelho: Jo 20,24-29

24 Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25 Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir as marcas dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. 26 Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. 27 Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28 Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29 Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”

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Hoje, 03 de Julho, celebramos a festa do apóstolo Tomé, o cético, o incrédulo, o modelo dos realistas, dos pessimistas, dos que desconfiam quando as coisas saem bem. O Apóstolo Tomé é, como muitos homens modernos, um existencialista que não crê naquilo que não toca, porque não quer viver das ilusões. É aquele que pensa que o pior é sempre o mais seguro. 

O quarto Evangelho, isto é, o Evangelho de João nos fornece dados sobre algumas características do Apostolo Tomé. Seu nome “Tomé” significa “gêmeo” (de origem hebraica “ta’am”, “gêmeo”). No entanto, não se dá razão deste nome. 

Segundo o quarto Evangelho Tomé exorta aos demais sobre o perigo da ida de Jesus para Betânia para ressuscitar Lázaro, no momento crítico da vida de Jesus (cf. mc 10,32), pois Jesus é ameaçado de morte. ”Vamos todos morrer com ele!”, alerta Tomé (Jo 11,16). Mesmo assim Tomé mostra sua fidelidade a Jesus ao acompanhá-Lo para Betânia. A fidelidade de Tomé mostra sua adesão à vida de Jesus e à causa pela qual Jesus vive e exerce sua missão. Ele segue a Jesus apesar das dificuldades neste seguimento. Seguir Jesus significa viver junto, estar no coração de Jesus como Jesus está no nosso coração e morrer junto com ele para com ele ressuscitar junto. 

O Evangelho de João nos fornece outra intervenção do Apostolo Tomé, desta vez, na Ultima Ceia. Na despedida Jesus disse aos Apóstolos: “Para onde eu vou, vós conheceis o caminho” (Jo 14,4), isto é para a casa do Pai, onde Jesus e os seus vão se encontrar um dia. Jesus vai preparar esse “lugar” para eles. No entanto, Tomé mostra seu pouco conhecimento sobre esse assunto: “Senhor, não sabemos para onde tu vais!” (Jo 14,5). O pouco conhecimento de Tomé sobre esse assunto é a grande oportunidade para Jesus se revelar através da famosa frase: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). 

Não tenha medo de nosso pouco conhecimento sobre o mistério de Deus. Basta mantermos as conversas com Deus nas nossas orações e meditações para que o mesmo Deus possa se revelar para nós algo pelo qual nós ansiamos tanto para compreender seu sentido. 

O quarto Evangelho nos apresenta também uma cena bastante marcante a respeito do Apostolo Tomé: sua incredulidade. Ele não acreditava que Jesus tinha sido ressuscitado: “Se não vir em suas mãos o sinal dos pregos e não colocar meu dedo no lugar dos pregos e não colocar minha mão no seu lado, eu não acreditarei” (Jo 20, 25). Os sinais da crucificação no corpo de Jesus continuam marcando a memória de Tomé. Ele quer agora reconhecer Jesus através desses sinais. Isso significa que Tomé não se esquece da razão pela qual Jesus foi crucificado. Como se ele quisesse dizer: “Eu quero ver Jesus crucificado ressuscitado”. 

A decepção de Tomé pela morte de Jesus mostra, no fundo, sua grande fé no mesmo Jesus e seu amor forte por Jesus. A decepção será maior por quem amamos tanto e em quem depositamos nosso amor, quando ele sair de nossa vida sem nenhuma explicação. 

Depositar nosso amor no Senhor nunca nos decepciona. O quarto Evangelho nos relatou que Jesus crucificado ressuscitado volta a aparecer no meio dos discípulos entre os quais está o Apostolo Tome. Desta vez o olhar de Jesus é dirigido, especialmente, para Tomé: “Aproxima aqui teu dedo, Tomé, e olha minhas mãos; traz tua mão e coloca-a em meu lado, e não sejas incrédulo, mas crente” (Jo 20, 27). Tomé nunca se sentiu completamente comovido, porque nunca havia imaginado que Cristo atendesse um desejo tão difícil e absurdo. O pior castigo que se pode dar a quem não crê é conceder-lhe aquilo que se põe como condição indispensável para chegar à fé. 

Diante dessa atenção tão grande do Senhor, que é sinal de Seu amor pelo apostolo, Tomé professa sua fé tão curta, mas tão profunda e esplêndida em todo Novo testamento: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28). A fé de Tomé passa de mão (queria tocar nas chagas) para o coração; passa da incredulidade para o extase da fé: “Meu Senhor e meu Deus”. Nesta confissão Tomé não só manifesta sua fé na ressurreição de Jesus (Senhor: título pós-pascal), mas também na sua divindade (meu Deus). Com esta confissão Tomé nos ensina que a conseqüência última da ressurreição do Messias é o reconhecimento de sua condição divina. Os que crêem em Jesus Cristo de todos os séculos sempre agradecem a São Tomé por este feliz e deslumbrante ato de fé: “Meu Senhor e meu Deus”. 

Diante da profissão da fé de Tomé, Jesus pronuncia uma frase que nos eleva para a categoria dos felizes porque acreditamos no Senhor: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que não viram e creram” (Jo 20, 29). Jesus pronuncia a bem-aventurança, não tanto por Tomé como por nós. O itinerário é sempre o mesmo embora a situação histórica possa mudar. Chegamos à fé através de um ato de abandono total em Jesus morto e ressuscitado. 

“Felizes os que não viram e creram”. Esta é a bem-aventurança do Ressuscitado. Crer, segundo o Evangelho deste dia, é renunciar a ver com os olhos da carne, a tocar com as mãos, a enfiar o dedo nas feridas do Ressuscitado para identificá-Lo. Crer é buscar e encontrar o Senhor, nosso Deus, na Assembléia dos que crêem que Jesus é o Salvador, na assembléia dos que encontram nos sacramentos a vida que brotou da cruz. Não conhecemos Jesus segundo a carne, não buscamos visões ou fatos extraordinários onde apoiar nossa fé. A felicidade que nos salva agora é a presença vivificante do Senhor que nos reúne pelo Espírito do Ressuscitado na Igreja onde não cessa de nos pregar o Evangelho e de partir para nós o Pão da vida. Em cada domingo somos felizes por este encontro com o Senhor que faz a morte morrer e nos dá a vida eterna e que nos alimenta com o Pão da Vida. “Fé é crer no que não vemos. O premio da fé é ver o que cremos”, dizia Santo Agostinho (Serm. 43,1,1). E acrescentou: “A fé abre a porta ao conhecimento. A incredulidade a fecha” (Epist. 136,4). 

Nosso futuro em Deus é questão de fé, não de evidência. Por isso, é necessário superar um conceito tátil e comprovador de ter que colocar as mãos para estarmos seguros do que cremos. “A vida da vida mortal é a esperança da vida imortal”, dizia Santo Agostinho (In os.103,4,17). E “não há motivo para tristeza duradoura onde há certeza de felicidade eterna”, acrescentou Santo Agostinho (Epist. 263,4). “A fé é a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que não se veem”, diz a Carta aos Hebreus (Hb 11,1). 

A partir do evangelho de hoje em que se narra a reunião dos apóstolos como uma comunidade cujo Cristo ressuscitado está no meio dela aprendemos que a comunidade pascal é uma comunidade de crentes que se reúnem pela fé em Cristo (At 2,42-47).

Nós somos irmãos de fé, como enfatiza a Primeira Leitura de hoje (Ef 2,19-22). Para São Paulo, o mistério de Cristo e o da Igreja estão intimamente conectados. Cristo é nossa paz: nele todos, tanto os distantes (os pagãos) como os próximos (os judeus) encontram o caminho da reconciliação e da unidade. Em Cristo já não há dois povos e sim um só; já não há separação entre gente diferente e sim unidade entre os semelhantes. Tudo isso é dom de Deus Pai, por meio de Cristo Senhor, no Espírito Santo. Neste contexto são Paulo imagina a Igreja como um grande edifício, um templo santo, a “morada de Deus”. Os “cimentos” deste edifício, no qual estão todos e vivem como “concidadãos dentro do povo de Deus”, como “família de Deus”, são os apóstolos e os profetas. No entanto, a “pedra angular” é Jesus Cristo: ele é a chave que consolida tudo e todos (o conjunto). A fé é que nos chama para formar uma comunidade onde somente há fraternidade e igualdade.

O Papa Bento XVI comentou: “O caso do apóstolo Tomé é importante para nós, ao menos por três motivos: primeiro, porque nos consola em nossas inseguranças; em segundo lugar, porque nos demonstra que toda dúvida pode ter um final luminoso, além de toda incerteza; e, por último, porque as palavras que Jesus lhe dirigiu nos recordam o autêntico sentido da fé madura e nos estimulam a continuar, apesar das dificuldades, pelo caminho de fidelidade a ele”. 

Segundo uma antiga tradição, Tomé evangelizou em um primeiro momento a Síria e a Pérsia (assim afirma Orígenes, segundo refere Eusébio de Cesaréia, «Hist. Eccl. » 3, 1), e logo chegou até a Índia ocidental (cf. «Atos de Tomé» 1-2, 17 e seguintes), desde onde depois o cristianismo chegou também ao sul da Índia. 

Para nós, o importante é obeservar a mudança da atitude de São Tomé. Ele tardou em compreender que sua postura diante da palavra dos companheiros não tinha sido razoável, pois, na verdade, ele tinha diante de si testemunhas fidedignas, por exemplo, Maria Madalena e os discípulos de Emaús. Mas o Senhor sempre tem paciência em esperar a resposta positivo dos seus seguiores. “Meu Senhor e meu Deus” é a mais alta e clara confissão de fé que aparece no quarto Evangelho (Evangelho de João). 

Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio”. O comportamento de Tomé é a nossa tendência de pretender obter uma demonstração particular de Deus sem compromisso com os outros, com a comunidade sem integração e participação. Tomé representa aqueles que vivem fechados em si próprios e que não faz caso do testemunho da comunidade nem percebe os sinais de vida nova que nela se manifestam. Uma comunidade pode não ser perfeita, mas ela nos faz mais nós mesmos, pois nenhuma pessoa pode ser ela mesma sem as outras pessoas: suas irmãs e seus irmãos da jornada nesta vida. 

Inspirado na confissão do Apóstolo Tomé, são Nicolau de Flüe rezava, que serve também para nossa oração: “Meu Senhor e meu Deus, tira de mim tudo que me afasta de Ti; meu Senhor e meu Deus, dá-me tudo aquilo que me aproxima de Ti; meu Senhor e meu Deus, tira-me de mim mesmo para dar-me inteiramente a Ti”.

P. Vitus Gustama,svd

XIII Domingo Comum "A",02/07/2023

AS ‘EXIGÊNCIAS E AS RECOMPENSAS DO SEGUIMENTO

XIII Domingo Comum “A”

I Leitura: 2 Re 4,8-11.14-16ª

Certo dia, o profeta Eliseu passou por Sunam. Vivia lá uma distinta senhora, que o convidou com insistência a comer em sua casa. A partir de então, sempre que por ali passava, era em sua casa que ia tomar a refeição. A senhora disse ao marido: “Estou convencida de que este homem, que passa frequentemente pela nossa casa, é um santo homem de Deus. Mandemos-lhe fazer no terraço um pequeno quarto com paredes de tijolo, com uma cama, uma mesa, uma cadeira e uma lâmpada. Quando ele vier a nossa casa, poderá lá ficar”. Um dia, chegou Eliseu e recolheu-se ao quarto para descansar. Depois perguntou ao seu servo Giezi: “Que podemos fazer por esta senhora?” Giezi respondeu: “Na verdade, ela não tem filhos e o seu marido é de idade avançada”. “Chama-a” – disse Eliseu. O servo foi chamá-la e ela apareceu à porta. Disse-lhe o profeta: “No próximo ano, por esta época, terás um filho nos braços”.

II Leitura: Rom 6,3-4. 8-11

Irmãos: Todos nós que fomos baptizados em Jesus Cristo fomos baptizados na sua morte. Fomos sepultados com Ele na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, para glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova. Se morremos com Cristo, acreditamos que também com Ele viveremos, sabendo que, uma vez ressuscitado dos mortos, Cristo já não pode morrer; a morte já não tem domínio sobre Ele. Porque na morte que sofreu, Cristo morreu para o pecado de uma vez para sempre; mas a sua vida, é uma vida para Deus. Assim, vós também, considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Cristo Jesus.                         

Evangelho:  Mt 10,37-42

Naquele tempo, disse Jesus aos seus apóstolos: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é digno de Mim. Quem encontrar a sua vida há-de perdê-la; e quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la. Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem Me recebe, recebe Aquele que Me enviou. Quem recebe um profeta por ele ser profeta, receberá a recompensa de profeta; e quem recebe um justo por ele ser justo, receberá a recompensa de justo. E se alguém der de beber, nem que seja um copo de água fresca, a um destes pequeninos, por ele ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa”.

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O evangelho de hoje é a parte final do discurso de Jesus sobre a missão. Mt colocou aqui diversos elementos que ele tomou de diferentes contextos. Dividimos o texto em duas partes. A primeira parte(vv.37-39) apresenta as exigências que Jesus propõe para quem quer segui-lo. Na segunda parte (vv.40-42) Jesus promete recompensar todos aqueles que acolherem os seus enviados. 

I. AS EXIGÊNCIAS DE JESUS (vv.37-49)          

Jesus é terrivelmente exigente. Ele exige renúncia de uma radicalidade inaudita e conclui cada exigência com o mesmo refrão: “não é digno de mim!” Ele pede uma adesão total e indivisível à sua pessoa. 

1. A Primeira Exigência: Jesus Deve Ser Preferido Aos Vínculos Humanos Mais Sagrados          

Aquele que ama pai e mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Aquele que ama o filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim” (v.37).          

Jesus usa aqui a palavra mais sagrada: “amar”. Certamente a primeira das renúncias se refere ao que há de mais caro a Deus e aos homens: o amor. O mundo inteiro é fruto do amor de Deus. O amor é o porquê da encarnação de Jesus Cristo. A redenção encontra sua resposta no amor de Deus pela humanidade. Todo o NT se fundamenta no amor. E todos nós reconhecemos que nascemos de um momento fecundo do amor. Nenhum preceito que fira o amor tem legitimidade para Jesus e para os cristãos. No entanto, o primeiro e maior amor se deve a Deus (Mt 22,38), porque de Deus provêm todas as expressões do amor e a Deus retornam todos os nossos gestos de amor. Portanto, Jesus não manda não amar pai e mãe e filhos, mas deve amá-los dentro do grande amor que devemos a Deus e devemos renunciá-los sempre que forem empecilho. Trata-se, então, de estruturar a vida inteira a partir desse amor maior que dá sentido a todos os outros. A partir desse amor maior todos os outros amores se enriquecem. Se amarmos os pais e irmãos com o coração cheio do amor de Deus, esse amor se torna digno de confiança. Por isso, embora Jesus insista nas obrigações de seus seguidores aos pais (Mt 15,3ss) e à família (cf. Mt 5,27ss;19,1ss), contudo esse relacionamento não pode, de modo algum, impedir ou prejudicar a obediência do homem diante das exigências de Deus, o Bem Absoluto, o Maior Amor (cf. Mt 8,21s). Todos devem ser dispostos a qualquer sacrifício quando está em jogo a causa de Deus, que é origem e fim de todas as coisas, e a própria salvação. Precisamos estar conscientes de que há amores familiares que matam, principalmente do ponto de vista espiritual. Portanto, vivemos em contínua renúncia e permanente abertura às manifestações do amor de Deus.          

Mas cada um de nós, a partir desta exigência, precisa se perguntar: Que lugar ocupa Jesus na sua vida? Ele ocupa o primeiro lugar ou em segundo lugar na sua vida? 

2. A segunda exigência é carregar a cruz e renunciar à própria vida        

“Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim” (v.38). 

Tomar sua cruz” é uma expressão metafórica para a prontidão para a morte, para o movimento de partida de si mesmo em direção a Deus. Cada partida em direção a Deus sempre representa uma morte de si mesmo. A vida que se entrega a Deus tem algo desse morrer em si e será uma nota característica de nossas mais sinceras intenções em seguir a Jesus. Não se ama a cruz em si mesmo, mas ao seguir a Jesus incondicionalmente encontra-se a cruz.          

Cada história tem sua própria cruz e cada cruz tem sua própria história. Todos nós, de alguma forma, carregamos alguma cruz na nossa vida. Mas existe cruz com Cristo, como também existe cruz sem Cristo. Para alguns, a cruz pode ser vivida como tribulação, para os outros ela pode ser vivida como libertação. A cruz sem Cristo é a cruz-condenação. É a cruz de quem deseja ser um deus. É a cruz que não tem finalidade em si mesmo. É a cruz sem fé, sem amor, sem sentido da vida, sem renúncia por amor. É a cruz de quem deseja viver numa liberdade sem responsabilidade. Jesus Cristo, que foi crucificado, transformou a cruz de castigo em bênção. Por isso, se procuramos Cristo sem sua cruz acabamos encontrando a cruz sem Cristo. Mas se procuramos Cristo com sua cruz acabamos encontrando a salvação. Que tipo de cruz que você carrega: com Cristo ou sem Cristo?          

E Jesus acrescenta: “Quem procura conservar a sua vida, vai perde-la. E quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (v.39). Buscar a vida era o ideal dos sábios do Antigo Testamento. Mas Jesus convida a mudar esta sabedoria por outra mais profunda que consiste em imitar sua entrega a fim de alcançar a vida em plenitude: a vida sem fim com Deus. A vida vem de Deus e somente ele é capaz de dar a vida. Se a vida é totalmente de Deus e para Deus, então, todas as vezes que o homem se fecha em si mesmo, ele se desliga da sua fonte, da sua razão de ser e da sua única meta possível. Só salva sua vida quem não confia na sua mortalidade, mas se inclui na imortalidade de Deus; mas isto significa morrer para viver eternamente. Certamente, aqui é que está a grandeza maior do homem. A proposta de Jesus é levar a vida a sério, enfrentar com dignidade os desafios, mas sempre se abrir à fonte da vida: Deus. É preciso sair de si mesmo, ultrapassar-se a si mesmo em direção à vida por excelência: Deus. Se renunciarmos aos nossos interesses pessoais, acolheremos os interesses de Deus. Se renunciarmos às falsas propostas da vida, acolheremos a cruz redentora de cada dia, que nos traz consigo o Cristo Salvador. 

Aprender a Se Perder É Ganhar                                           

Quem procurar conservar sua vida, vai perdê-la”. Esta afirmação de Jesus é uma das leis fundamentais da existência: nãoque tentar possuir a vida para si. Há que sair de si mesmo, há que aprender a superar-se. No esquecimento de si está a verdadeira vida, a verdadeira felicidade, o verdadeiro crescimento e plenitude, segundo Jesus. A preocupação pela própria vida e pelos próprios interesses pode levar o cristão a trair a mensagem do evangelho. A busca de segurança e comodidade para a própria existência conduz inevitavelmente para a própria ruína. 

A renúncia aos laços do egoísmo humano implica a dor das rupturas e do estranhamento social, mas ao mesmo tempo, produz uma nova rede divina na qual estão implicados o Pai do céu, Jesus e seus enviados e aquele que está disposto a oferecer hospitalidade generosa aos que se comprometem com o projeto de Jesus.                 

O cristão tem que ser, antes de tudo, uma pessoa livre e responsável. Livre da mentalidade apegada ao lucro em nome da desonestidade. Livre para enfrentar o conflito que suscita o anuncio do Reino de Deus. Livre para se comportar e ser um verdadeiro filho de Deus como Jesus o é. Liberdade e responsabilidade para assumir a cruz que implica o seguimento de Jesus. 

II. A PROMESSA DE JESUS A QUEM ACOLHE SEUS ENVIADOS/MISSIONÁRIOS (vv.40-42)         

 Quem recebe um profeta, por ser profeta, receberá a recompensa de profeta. E quem recebe um justo, por ser justo, receberá a recompensa de justo... até um copo de água fresca dada a um dos pequeninos não perderá a sua recompensa” (vv.41-42). 

Encontramos aqui, pelo menos, três grupos na comunidade de Mateus. Os profetas exerciam um ministério itinerante que consistia, sobretudo, na pregação; eram homens suscitados por Deus. Os justos eram homens de virtude comprovada na comunidade, quer pela sua vida exemplar, quer pela fé praticada na caridade. Eram homens fiéis aos mandamentos de Deus. Os pequeninos eram os simples discípulos de Jesus, não ocupavam nenhuma posição destacada na comunidade.          

Qual será a recompensa prometida por Jesus? O texto não especifica a recompensa. Mas se olharmos para o cap. 25 de Mateus, saberemos que uma obra boa feita para os mais insignificantes, mesmo sem consideração de quem ele é ou sem saber se está servindo a Cristo nele, a recompensa será grande: a alegria eterna (Mt 25,31-46). Na atitude adotada diante de um pobre, mostramos a verdadeira generosidade de nosso coração. Partilhar o que temos para os mais pobres é uma forma de prolongar a generosidade do Deus-Criador que criou tudo gratuitamente para os homens. Nós que acreditamos no Deus-Criador devemos manter viva esta generosidade através da partilha daquilo que temos e somos. 

Crer em Deus é uma atitude interna do coração que se manifesta no desapego e na generosidade/doação, imitando-se, assim, a generosidade de Deus que criou tudo por amor gratuitamente. Se percebermos e apreciarmos verdadeiramente que o esplendor daquilo que temos e daquilo que possuímos vem de Deus, o Doador de todos os bens, conseqüentemente não nos agarraremos aos nossos bens nem os utilizaremos para nos tornar soberbos, apoiando-nos em falsas seguranças. Ao contrário, procuraremos ser cada vez mais generosos e livres, quer dando, quer recebendo. A generosidade é um sinal de gratidão pelos benefícios recebidos de Deus e, ao mesmo tempo, manifesta a liberdade interior. O generoso não só dá as coisas para os necessitados, mas dá-se a si próprio por amor de Deus e do próximo, graças à sua liberdade interior. Por isso, a generosidade que se concretiza na partilha e na solidariedade não empobrece, mas é geradora de vida e de vida em abundância. 

Quando repartirmos com generosidade e amor aquilo que Deus colocou à nossa disposição, não ficaremos pobres, mas os bens repartidos tornam-se fonte de vida e de bênção para nós e para todos aqueles que deles beneficiam. O generoso é livre interiormente porque ele não procura o seu próprio proveito, mas o daquele(s) a quem favorece. A alegria que brota da generosidade de um doador nobre é um dos mais preciosos e permanentes tesouros. A verdadeira generosidade é silenciosa, despercebida diante dos olhos dos homens, mas gritante diante de Deus a exemplo da viúva que depositou tudo que tinha silenciosamente, mas somente Deus em Jesus Cristo percebeu esse ato.          

Que as pessoas percebam a marca do amor de Deus nos nossos gestos, palavras e obras para que possam acreditar que Deus existe e que esse Deus é Amor. Assim seja.

P. Vitus Gustama,SVD

São Pedro e São Paulo-Solenidade-Domingo,02/07/2023

SÃO PEDRO E SÃO PAULO-SOLENIDADE

I Leitura: At 12,1-11

Naqueles dias, 1o rei Herodes prendeu alguns membros da Igreja, para torturá-los. 2Mandou matar à espada Tiago, irmão de João. 3E, vendo que isso agradava aos judeus, mandou também prender a Pedro. Eram os dias dos Pães ázimos. 4“Depois de prender Pedro, Herodes colocou-o na prisão, guardado por quatro grupos de soldados, com quatro soldados cada um. Herodes tinha a intenção de apresentá-lo ao povo, depois da festa da Páscoa. 5Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja rezava continuamente a Deus por ele. 6Herodes estava para apresentá-lo. Naquela mesma noite, Pedro dormia entre dois soldados, preso com duas correntes; e os guardas vigiavam a porta da prisão. 7Eis que apareceu o anjo do Senhor e uma luz iluminou a cela. O anjo tocou o ombro de Pedro, acordou-o e disse: “Levanta-te depressa!” As correntes caíram-lhe das mãos. 8O anjo continuou: “Coloca o cinto e calça tuas sandálias!” Pedro obedeceu e o anjo lhe disse: “Põe tua capa e vem comigo!” 9Pedro acompanhou-o, e não sabia que era realidade o que estava acontecendo por meio do anjo, pois pensava que aquilo era uma visão. 10Depois de passarem pela primeira e segunda guarda, chegaram ao portão de ferro que dava para a cidade. O portão abriu-se sozinho. Eles saíram, caminharam por uma rua e logo depois o anjo o deixou. 11Então Pedro caiu em si e disse: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava!” 

II Leitura: 2Tm 4,6-8.17-18

Caríssimo, 6quanto a mim, eu já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida. 7Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. 8Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que esperam com amor a sua manifestação gloriosa. 17Mas o Senhor esteve a meu lado e me deu forças, ele fez com que a mensagem fosse anunciada por mim integralmente, e ouvida por todas as nações; e eu fui libertado da boca do leão. 18O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino celeste. A ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém.                                         

Evangelho: Mt 16,13-19

Naquele tempo, 13Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” 14Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”. 15Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” 16Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. 17Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. 19Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus”.

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Pedro e Paulo Servem a Igreja, Corpo de Cristo, Até a Morte 

Nesta data, tão tradicional no calendário litúrgico, toda a Igreja católica volta os olhos para os dois apóstolos que são colunas da Igreja cuja pedra angular é o próprio Cristo. Celebrar São Pedro e São Paulo é reconhecer que a nossa fé se baseia neles. Em ligação com são Pedro, também neste dia a Igreja Católica volta os olhos e o coração para o novo Pedro, que é o Papa de Roma, que continua o ministério apostólico de confirmar a fé dos irmãos. 

São Pedro e são Paulo, fundamento da Igreja, demonstram a sua grandeza no sofrimento: um pela cruz (São Pedro) e outro, pela espada (São Paulo), que é a prova suprema da vida. Eles não viveram um cristianismo alienante; a existência deles foi difícil e eles experimentaram muitas tensões. Uma vez que eles disseram sim a Jesus Cristo, até a morte eles não recuaram. Eles deram a vida pela comunidade (pelo Corpo de Cristo, por Cristo). 

Pedro e Pablo. Duas figuras impressionantes que dominaram os primeiros anos da vida da Igreja. A sua presença foi tão importante que até hoje são considerados por todas as Igrejas como as duas grandes colunas sobre as quais repousa a fé da Igreja. Quão diferentes os dois! Eles são de origem diferente: um pescador simples; o outro fariseu e conhecedor da lei. Diferentes em sua experiência de Cristo: um (Pedro) o seguiu pelas estradas da Palestina em um longo processo de encontros e desencontros com Jesus; o outro (Paulo) perseguiu os primeiros cristãos e se converteu por uma experiência de luz no caminho de Damasco (Cf. At 9,1ss).

Os dois chegaram ao fim com bastante generosidade e capacidade de dar a vida pelo Evangelho. Ambos nos lembram que o cristão não é santo desde o nascimento, mas torna-se santo na medida em que abre o coração à ação da graça. 

Mesmo sendo o fundamento da nossa Igreja, ambos (Pedro e Paulo) são homens com um passado não exatamente brilhante. 

Pedro é um dos prediletos de Jesus, desde o primeiro momento. Vive com o Senhor os acontecimentos mais importantes da vida de Jesus, todos aqueles momentos que foram reservados somente para poucos. Fogoso e temperamental, não hesita em assegurar a Jesus que é capaz de morrer com Ele e que o seguirá fielmente naquele caminho de dor e renúncia que o Senhor estava pintando (Mt 26,35). Mas todos sabemos que o Pedro falhou em toda a linha. Bastava a insinuação de uma mulher, em momentos de perigo, para que ele negasse categoricamente conhecer o Mestre (Mt 26,69-75). Porém, não é para se escandalizar. Todos nós temos motivos de sobra para entendê-lo e desculpá-lo. O Senhor o compreendeu e o perdoou. Continuou a encontrar-se com ele depois da ressurreição, concedendo-lhe, como sempre, «tratamentos favoráveis» e quis deixá-lo a cuidar das suas ovelhas, sem nunca recordar-lhe o seu retumbante fracasso (cf. Jo 21,15-17). Não houve repreensão para Pedro, por parte de Jesus, mas perdão. Jesus não culpou Pedro pelo seu passado, mas sim é convidado pelo sua futura missão, um futuro em que Pedro poderá, de fato seguir, passo a passo, as pegadas do seu Mestre. E ficou claro que a única coisa que Jesus exigia de Pedro para ser sua imagem fiel na terra, era que o amasse (cf. Jo 21,15-19). Se há algo claro da parte de Cristo é o desejo de fundamentar os cristãos no amor, no amor à sua Pessoa e, como consequência lógica, no amor a todos os homens. 

Pensar em Pedro é pensar no Apóstolo que confessou Jesus como o Cristo Filho do Deus vivo no grupo dos Doze Apóstolos. Mas também é pensar no discípulo da negação. Pedro encarna o apóstolo que amou Jesus com um amor de amigos, com o philéo, "eu te amo como amigo" e não com um amor de causa, agapáo, "eu te amo com amor ágape". Pedro é o anunciador do evangelho no mundo judaico, mundo difícil para esse anúncio, pois a tradição judaica estava profundamente enraizada na vida do povo eleito, e eles não aceitavam em sua maioria a pregação que Pedro fazia do evento Jesus, o Cristo. Pedro deve ser nosso exemplo para confessar Jesus e voltar a ele com humildade, apesar de nossas negações. 

As imagens mais antigas de São Pedro sempre o representam com um galo ao lado. É uma forma de nos recordar, e de recordar a você, que sua vida não foi tão perfeita quanto deveria. Ele, que teve a coragem de confessar a Cristo como o "Messias, o Filho do Deus vivo", foi o mesmo que mais tarde o traiu no momento da Paixão. Para alguns de nós, isso seria motivo suficiente para desprezar Pedro. Seu ensinamento não é apoiado pela prática de sua vida! É certo. Mas também é verdade que a vida é um processo. E que o mais importante é como chegar ao final do processo. Ao longo do caminho, até os mesmos erros são ocasiões para aprender e para crescer, são momentos de graça quando sabemos aproveitá-las para o nosso bem. Não são os anos que dão sabedoria a uma pessoa, mas como ela assimilou sua própria experiência de vida. Pedro pede-nos que cuidemos do rebanho de Deus, dos irmãos, à maneira de Deus, não pensando em aproveitá-los, mas com uma dedicação generosa: “Apascenta minhas ovelhas!” E podemos imaginar como Pedro, o pescador, o pecador, o valente, o covarde, o líder, aquele que por três vezes negou conhecer Jesus na hora da verdade, assimilou em seu coração o perdão e a misericórdia de Deus. Somente pessoas com essa experiência devem se sentar na cátedra da Igreja. 

É sempre uma graça meditar no Príncipe dos Apóstolos porque — com a sua calorosa humanidade, com a generosidade do seu seguimento de Cristo, com as mesmas fraquezas que tinha — o sentimos muito próximo, muito querido, muito merecedor do nosso afeto. 

Paulo também é um homem de origem triste. Adepto da Lei, dogmático, duro e intransigente, caracterizou-se pela perseguição aos primeiros cristãos, acreditando cegamente que assim prestava um bom serviço a Deus, naturalmente ao “seu” Deus. Era necessário que cegassem os olhos, que viam com tanta nitidez, para que neles se fizesse uma nova luz e rompessem completamente com aquele estilo tão contrário ao do Senhor, a quem, desde então, foi indo atender com dedicação exclusiva e excluente. Também para Paulo será o amor de Cristo que cimentará a sua vida, agora para sempre orientada para um único objetivo. Ao pregar o Cristo ressuscitado, Paulo nos mostra  que a vida não termina com a morte. Com isso, Paulo pede que vivamos na e conforme a graça de Deus. 

Pensar em Paulo é pensar em Saulo de Tarso, perseguidor da Igreja e assassino de cristãos. Paulo, chamado pelo próprio Jesus após sua ressurreição, assume o desafio e anuncia ao mundo não judeu o amor de Deus manifestado em Cristo Jesus. Graças à misericórdia de Deus que teve com ele ao chamá-lo à verdadeira vida, e graças ao seu empenho em pregar no momento oportuno e no momento inoportuno, o cristianismo se espalhou e a Boa Nova da Salvação foi conhecida nos povos que não eram Judeus. Paulo, o Apóstolo da inclusão de todos os povos e de todos os sujeitos históricos no amor de Deus, é um testemunho para a Igreja em geral para que tenhamos a valentia de acolher todos aqueles que desejam ser fiéis ao desígnio e plano de Deus para que se desenvolvam intergralmente dentro de nossa comunidades. 

Paulo, na 2ª leitura de hoje, homem de coração terno sob duras formas exteriores, está à beira da morte, mas não tem medo, não se arrepende de nada, mas está feliz por ter lutado e por ter resistido firme na fé . É o Senhor quem o ajudou e lhe deu forças para anunciar a mensagem. 

Pedro e Paulo são as "pedras" fundamentais da nossa Igreja. Umas pedras que tem suas rachaduras e quebraduras, porque a única Pedra fundamental, aquela que os construtores rejeitaram, é Cristo e só Nele não há fissura, nem mancha, nem rachadura. Em todos os outros, sejam mais ou menos acima ou abaixo, sejam mais ou menos importantes ou comuns, a fenda é possível, como foi possível em Pedro, que viveu tão próximo de Cristo e em Paulo, que foi um estupendo guardião e cumpridor da Lei, um religioso de corpo inteiro. Esta é uma realidade reconfortante e que também teve uma demonstração constante na Igreja ao longo dos séculos.

Pedro e Paulo são dois cristãos para os quais devemos olhar com frequência. Ambos tiveram seus fracassos pessoais, e ambos seguiram a Cristo com tanta fidelidade que tornaram Cristo visível no mundo, aproximando dEle todos aqueles que deles se aproximavam. Isto é o que conta e o que os torna grandes aos olhos de Deus e também, claro, aos olhos dos homens e, por suposto, a todos nós que, como eles, pretendemos continuar a ser Igreja, aquela Igreja que construíram com seu próprio sangue. 

Hoje é dia de pedir sinceramente pela Igreja, de sentir-nos identificados com ela, de agradecer-lhe tanto quanto ela nos deu e de esperar sinceramente que ela apague constantemente as arestas que possa ter e que impeçam os homens de encontrar Deus. É um dia para nos examinarmos, como componentes dessa Igreja, e de ver se o fundamento da nossa pertença a ela é, antes e acima de tudo, o que Cristo exigiu de Pedro: o amor a Ele. Só se pudermos contestar, mesmo que seja da nossa pequenez, com a mesma sinceridade com que Pedro fez isso, que, certamente, nós amamos a Cristo, poderemos ser pedras úteis nesse edifício da Igreja que, apesar de nós mesmos, nunca ruirá ou nunca será derrubada, pois o próprio Cristo é a pedra angular desse edifício,  e que é absolutamente necessária para o mundo que se verdadeiramente cumpre com a missão confiado a ela: conduzir os homens ao Reino, tornando-o realidade agora, aqui e agora. Hoje é o dia de penetrar no conhecimento da Igreja, de aceitá-la como ela é com toda a sua grandeza e as suas possíveis áreas ou zonas de sombra que fazem resplandecer ainda mais a luz de Cristo, que é quem, em última análise, a sustenta acima de qualquer terremoto. .

Jesus É o Messias, Filho de Deus Vivo 

O texto do Evangelho na solenidade de São Pedro e são Paulo relata a confissão de Pedro que é conhecida como a profissão de fé petrina.

Jesus procede em dois tempos, fazendo sucessivamente a pergunta: quem é Jesus na opinião dos homens (povo) e na opinião dos próprios discípulos de Jesus. , portanto, duas maneiras de compreender Jesus, uma que fica do lado de fora e a outra que atinge a realidade profunda.          

“Quem dizem os homens ser o Filho do Homem (Filho do Homem = Eu)?”. Para o povo (os homens), Jesus não tem personalidade própria. O povo simplesmente assimila Jesus a personagens conhecidos do AT como Elias que era muito venerado pelo povo e foi arrebatado até Deus de maneira milagrosa (2Rs 2,11) e cujo retorno estava esperado como precursor do Messias (Ml 3,23-24; Eclo 48,10); como João Batista (Herodes Antipas considerou Jesus como João Batista ressuscitado dentre os mortos. cf. Mt 14,2); e como Jeremias que era associado a uma renovação do culto no Templo. Jesus, então, é visto em continuidade com o passado. O povo não consegue descobrir a novidade trazida por Jesus. Por isso também o povo não é capaz de saber a originalidade de Jesus. A resposta do povo fica na superfície e na margem da realidade verdadeira e profunda.          

Jesus continua a perguntar para os mais íntimos, os seus discípulos: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”. Esta pergunta tem um sentido entre dois seres que se amam e que descobrem o que são no olhar e no coração do outro. Tem um sentido para aquele que assume uma responsabilidade para com os outros e que tem necessidade de que ela seja reconhecida. Nesta pergunta coincidem completamente o ser e a função. Ser o Messias significa existir exclusivamente para todos os homens e ser Jesus significa ser aquele que salva todos os homens (Mt 1,21). Por isso, é preciso que a resposta seja real, que exprima uma experiência autêntica. Uma resposta puramente escolar ou a repetição duma fórmula cuidadosamente registrada, criaria um equívoco total. Por isso, a pergunta de Jesus obriga o homem a colocar-se de todo perante esse personagem misterioso, a encontrar a resposta exclusivamente na contemplação da sua pessoa e a empenhar todo o seu ser na resposta.          

Em nome dos discípulos, Pedro responde: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”. A resposta de Pedro atinge a verdadeira personalidade de Jesus, a sua relação com Deus, diferente de tudo quanto conheceram os profetas e o povo, e a sua missão no mundo, a qual interessa diretamente a todos os filhos de Israel e, através deles, à humanidade inteira. A resposta de Pedro à pergunta de Jesus é a mais comprometida. É uma profissão de fé messiânica que adquire dimensão teológica. Estes dois títulos “Messias” (a profissão de fé pré-pascal) e “Filho de Deus vivo” (a profissão de fé pós-pascal) resumem a fé da Igreja de Mateus.          

O Messias” (“Mashiah”, hebraico = “Ungido”) é uma expressão mais importante das esperanças de salvação no AT e no judaísmo subsequente. No contexto da teologia bíblica, a questão do Messias tem especial relevância, porque este título, em sua tradução grega “christos”, além de ser título (Jesus, o Cristo), tornou-se praticamente o nome de Jesus (Jesus Cristo). No NT este termo “Christos” é atribuído 530 vezes a Jesus de Nazaré.          

Quando Pedro reconhece em Jesus o Messias, não renuncia à sua esperança de judeu, mas dá a essa esperança o rosto que tem diante de si. É aquele que o seu povo espera, aquele que vai mudar o destino das nações, que Pedro descobre sob os traços de Jesus.          

Se Jesus é o Messias, então, é preciso procurá-lo e é mister segui-lo. Mas, certamente, acontece o contrário. Mt sublinha também o fato de Israel desprezar o Messias que lhe foi enviado, principalmente foi desprezado pelas autoridades (Mt 2,1-12;9,33s;12,23s;21,45s;26,4s etc...).          

Pedro também professa que Jesus é o “Filho de Deus vivo”. “Filho de Deus” é o título mais importante de Jesus, mas, sobretudo, é o mistério íntimo de sua pessoa. Este segundo título, nesta profissão petrina, indica que Jesus tem relação especial com Deus, como seu Filho. “Filho de Deus” é título tradicional para líderes judaicos com aprovação divina. A autoridade e o poder de Jesus vêm de Deus que o legitima em seu batismo (Mt 3,17) e na sua transfiguração (Mt 17,5) e no reconhecimento da parte dos próprios discípulos como tal quando Jesus anda sobre as águas (Mt 14,33). Até na cruz, Jesus é tentado três vezes na sua qualidade de Filho de Deus (Mt 27,39-43). Estas três tentações no final afirmam uma clara relação com três tentações do início do relato (Mt 4,1-11). Ali, também, Jesus recém-proclamado Filho de Deus no batismo, é tentado por Satanás para que use desta filiação numa demonstração de poder em benefício próprio. Mas Jesus não é o Filho de Deus pela demonstração de seu poder, e sim na aceitação da condição humana e na plena fidelidade à vontade de Deus, seu Pai, na aceitação da cruz como consequência de sua fidelidade ao projeto do Pai onde se manifesta a sua filiação divina.         

Neste segundo título, Mt acrescenta também o adjetivo “vivo”: “Filho de Deus vivo”. Jesus como o “Filho de Deus vivo” equivale à fórmula “Deus Conosco/Emanuel” (Mt 1,23;18,20;28,20). Se Deus sempre está conosco porque Ele é vivo. “Vivo” (cf. 2Rs 19,4.16;Is 37,4.17;Os 2,1;Dn 6,21) opõe o Deus verdadeiro aos ídolos mortos; significa o que possui a vida e a comunica para quem acredita nele (cf. Jo 10,10). O Deus de Jesus é vivo e vivificante. Jesus é o Filho de Deus vivo, portanto também é doador de vida e vencedor da morte (cf. Jo 11,25). 

Consequentemente, quem crê em Jesus deve proteger a vida em todos os instantes de sua existência, tanto a própria vida como a vida dos demais homens. O Livro de Gênesis apresenta o homem como obra de Deus (Gn 2,7). O sopro divino coloca o homem no âmbito humano e o distingue dos animais. A vida de Deus é que sustenta a vida do homem. Nenhum outro vivente possui o hálito divino. A vida do homem é divina. O homem pertence a Deus porque é obra de Suas mãos. É o próprio do homem não pertencer a si mesmo. Ele é propriedade de Deus. Por ser divina, a vida do homem jamais pode ser sacrificada, mal tratada, agredida, vendida ou comprada. Jesus em quem acreditamos é “o Filho de Deus vivo”. 

Pedro É Rocha de Deus Sobre a Qual Se Edifica a Igreja de Cristo   

“Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta rocha edificarei a minha Igreja...”.     

Jesus chama Simão de “Petros” (Pedro). “Petros” é tradução grega do aramaico “Kepha” que significa “rocha”, e não pedra, pois pedra pode ser arrancada ou ser jogada. A “rocha”, ao contrário, é símbolo da firmeza incomovível/intransponível. Rocha é um termo que AT, especialmente nos Salmos (por ex. Sl 18,3;31,4;71,3), se emprega ao próprio Deus. Deus é a rocha de Israel, a guarita segura, o fundamento perene, o penhor da fidelidade e perseverança. A segurança duradoura de um fundamento feito de rocha será doravante representado por um homem chamado Simão. Ao ser chamado de “Petros”, Simão não está recebendo um nome novo. Mas que o “ser rocha” será sua função e sua missão. Ser “rocha” descreve plasticamente a tarefa que Jesus lhe confia: ser rocha firme para que a Igreja não sucumba diante das dificuldades ou problemas (cf. Mt 7,24-27).          

Edificarei a minha Igreja”. A Palavra “Igreja” vem do grego “ekklesía” ( de “ek-kaléin” = chamar de fora) e significava no princípio “convocação”. No texto grego do AT (também chamado “Setenta”) “ekklesia” é um termo frequentemente usado para designar a assembleia do povo eleito na presença de Deus (qahal, em hebraico, indica a comunidade de Deus reunida em assembleia para o culto), sobretudo quando se tratava da congregação no Sinai, onde Israel recebera a Lei e fora constituído por Deus como seu povo santo. 

Nos Evangelhos, o vocabulário “ekklesía” ocorre apenas duas vezes, ambas em Mt (Mt 16,18;18,17). Mas nas Cartas paulinas se encontra 65 vezes, em At 23 vezes e em Ap 20 vezes. Quando a oposição entre judeus e os cristãos se tornou viva e os discípulos de Cristo foram excluídos das sinagogas, eles constituíram comunidades cristãs independentes com a designação genérica “ekklesía”. A palavra grega, de fato, nunca foi traduzida, apenas adaptada.          

Com um adjetivo possessivo “minha” em “minha Igreja” Mt sublinha assim o novo povo de Deus criado por Cristo, a comunidade messiânica dos últimos tempos. Portanto, não a antiga comunidade de Javé, mas a nova comunidade do Messias. Esta se diferenciará pela profissão de fé em Jesus , o Messias (Cristo) e estar unida em virtude dessa profissão.          

A esta fundação Jesus promete duração perene: “...e o poder do inferno nunca poderá vencê-la” (v.18b). É a consequência da solidez do edifício que se edifica sobre a rocha.  Além da Igreja ir ser poupada da morte e ter uma duração perpétua, também e sobretudo que, nela, haverá refúgio diante das forças adversas da perdição. Esta explicação se baseia sobre a parábola de duas casas, uma construída sobre a rocha e a outra sobre a areia, na conclusão do Sermão da Montanha (Mt 7,24-27). Jesus constrói o novo povo de Deus, pondo Simão como fundamento. Pedro torna-se rocha enquanto professa a sua fé em Jesus Messias e Filho de Deus e os crentes do novo povo não cairão na perdição. E a fé entra, então, como fator qualitativo do fundamento.

Poder De Desligar e De Ligar          

O texto deste domingo termina com a entrega da chave do Reino a Pedro: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra, será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra, será desligado nos céus” (v.19). 

A simbologia da chave refere-se ao fato de que ela tanto abre como fecha. Na Bíblia, a chave significa a plenitude de poder dada ao seu dono (cf. Is 22,22;Ap 1,18;3,7). O Reino de Deus, aqui, parece se comparar a uma cidade, guarnecida por portas, ou a uma casa na qual se entra pela porta. Para abrir e fechar precisa-se de chave. E Pedro recebe as chaves de Jesus Cristo para ligar e desligar.        

Os termos “ligar” e “desligar” são a linguagem técnica usada pelos rabinos que têm duplo significado: o poder de declarar que uma doutrina está certa ou errada (no nível doutrinal), e o poder de excluir alguém da comunidade de Israel temporária ou definitivamente ou de recebê-lo nela (no plano disciplinar). Isso quer dizer que Jesus confere a Pedro o poder que abrange o nível disciplinar de admitir na comunidade ou excluir da sua comunhão, e o nível doutrinal de declarar autoritativamente, proibição ou permissão de uma doutrina cujo fundamento são exigências divinas expressas nas Sagradas Escrituras. 

A decisão do Apóstolo tem valor que se indica através do uso dos termos “terra” e “céu” (o ambiente humano e divino). Mt usa duas vezes esse par de palavras de autoridade: aqui e em Mt 18,18. Em Mt 16,19, essa autoridade é concedida a Pedro e, em Mt 18,18 (cf. Jo 20,23), é concedida à comunidade. Isto quer dizer que Pedro é o primeiro, mas sempre entre os outros (primus inter pares).          

A Igreja na qual o evangelista Mateus vivia, tinha a convicção de ser Igreja “de Pedro”. Mateus se esforça em demonstrar que esta Igreja concreta tem sua origem numa ordem expressa do Senhor. Ao dar “chave” a Pedro, Jesus faz no fundo uma afirmação inaudita: alguém nesta terra tem, de fato, uma influência sobre o acesso das pessoas ao Reino de Deus. A Igreja toda ficará irrevogavelmente ligada ao múnus de Pedro, pois a ordem de Jesus é dada para Simão Pedro. Não somente pela sua confissão de fé, mas por sua função de Kefa/Rocha, isto é, pedra fundamental. Pedro tem a missão divina de representar, no seu múnus singular, o grupo todo dos apóstolos na sua comum tarefa dada por Jesus. 

O individualismo espiritualista hoje em dia, onde cada um quer regular por si mesmo a relação com Deus, onde cada um quer fundar sua própria Igreja sem ordem de Cristo, terá grande dificuldade de entender o enunciado do Evangelho e a ordem de Jesus a Simão Pedro. Por isso, a pergunta fundamental que cada seguidor de Jesus deve fazer é esta: Será que estamos sobre o fundamento? Será que Pedro é rocha também para nós? Hoje, o Papa é esse Pedro. 

“E vós, quem dizeis que Eu sou?”. Sem esta pergunta dirigida realmente a cada um de nós, a leitura do evangelho de hoje poderá ser em vão. Não há Igreja a não ser onde houver definição a respeito da pessoa de Jesus. Esta definição é essencialmente uma opção. Dizer com Pedro que Jesus é o Messias significa não ter mais a quem ir, senão a Jesus Cristo. É confessar sem a ajuda dos outros, pois é uma opção. Significa que não há nenhuma salvação a não ser me Jesus. Significa que não podemos voltar para trás, pois aquele que nos traz a salvação está nos chamando para segui-Lo. Significa que tudo em mim, o mais íntimo e o mais secreto, e o mais visível é julgado somente por Jesus que me conhece até lá no fundo do meu coração. Significa que a opção por Jesus deve relativizar toda nossa existência e deve pôr em questão tudo o que por nós construímos.

São Pedro e são Paulo são fundamento de nossa Igreja. São os dois homens com um passado não precisamente brilhante.

Pedro é um predileto de Jesus desde o primeiro momento. Vive com o Senhor os acontecimentos mais importantes de sua vida. Fogoso e temperamental, fala que é capaz de seguir a Jesus até a morte. Basta uma insinuação de uma mulher durante a Paixão do Senhor para negar-se discípulo do Senhor. No entanto, foi escolhido para ser o primeiro entre as partes da Igreja. 

Paulo também é um homem com tristes passados. Fiel à lei é muito dogmático, duro e intransigente. Perseguia os cristãos pensando em fazer algum favor para Deus. Mas no encontro com Jesus, Filho do Deus vivo, uma luz nova penetrou seu interior e rompeu completamente com aquele estilo que tão contrário com o estilo do Senhor. A partir de então, para Paulo será o amor de Cristo que cimentará sua vida para sempre: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria... Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor” (1Cor 13,1-3.13). 

Pedro e Paulo são as “pedras” fundamentais de nossa Igreja. Umas pedras que têm suas gretas e suas rachadas, pois a única Pedra fundamental é o Cristo e somente n´Ele não há fissura nem rachadura. Somente Cristo não tem mácula e apresenta o verdadeiro e autentico rosto de Deus sem nenhuma deficiência. 

As duas figuras, Pedro e Paulo, nos trazem uma mensagem de esperança. Na vida podemos ter muitos defeitos e fraquezas a ponto de não conseguirmos sair deles, mas ninguém pode escapar do amor de Deus desde que acolhamos este amor com muita humildade. Pedro e Paulo são testemunhas de tudo isto. Como se os dois quisessem nos dizer: “Não desista! Tudo tem seu tempo e sua solução, pois Deus te ama”.  É provável que, em momentos difíceis de nossa vida, cheguemos a ouvir como Pedro: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31). E veremos Jesus ao nosso lado, estendendo-nos a mão para nos ajudar. Temos de saber perguntar a Jesus na intimidade da oração, como São Paulo: “Que devo fazer, Senhor? Que queres que eu deixe por Ti? Em que desejas que eu melhore? Neste momento da minha vida, que posso fazer por Ti? 

Pedimos hoje a São Pedro e ao Apóstolo dos pagãos, Paulo, um coração como o deles, para sabermos passar por cima das pequenas humilhações ou dos aparentes fracassos que acompanham necessariamente a ação apostólica, ou a nossa vida em geral. E dizemos a Jesus que estamos dispostos a conviver com todos, a oferecer a todos a possibilidade de conhecê-lo e amá-lo, sem nos importarmos com os sacrifícios nem pretendermos êxitos imediatos. Assim seja!

P. Vitus Gustama,svd

quarta-feira, 28 de junho de 2023

01/07/2023-Sábado Da XII Semana Comum

UM “PAGÃO” QUE ENSINA O CRENTE A CRER NO PODER EFETIVO DA PALAVRA DE DEUS

Sábado da XII Semana Comum

Primeira Leitura: Gn 18,1-15

Naqueles dias, 1 o Senhor apareceu a Abraão junto ao carvalho de Mambré, quando ele estava sentado à entrada da sua tenda, no maior calor do dia. 2 Levantando os olhos, Abraão viu três homens de pé, perto dele. Assim que os viu, correu ao seu encontro e prostrou-se por terra. 3 E disse: “Meu Senhor, se ganhei tua amizade, peço-te que não prossigas viagem, sem parar junto a mim, teu servo. 4 Mandarei trazer um pouco de água para vos lavar os pés, e descansareis debaixo da árvore. 5 Farei servir um pouco de pão para refazerdes vossas forças, antes de continuar a viagem. Pois foi para isso mesmo que vos aproximastes do vosso servo”. Eles responderam: “Faze como disseste”. 6 Abraão entrou logo na tenda, onde estava Sara e lhe disse: “Toma depressa três medidas da mais fina farinha, amassa alguns pães e assa-os“. 7 Depois, Abraão correu até o rebanho, pegou um bezerro dos mais tenros e melhores, e deu-o a um criado, para que o preparasse sem demora. 8 A seguir, foi buscar coalhada, leite e o bezerro assado, e pôs tudo diante deles. Abraão, porém, permaneceu de pé, junto deles, debaixo da árvore, enquanto comiam. 9 E eles lhe perguntaram: “Onde está Sara, tua mulher?” “Está na tenda”, respondeu ele. 10 E um deles disse: “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho”. Ouvindo isto, Sara pôs-se a rir, da entrada da tenda, que estava atrás dele. 11 Abraão e Sara já eram velhos, muito avançados em idade, e para ela já havia cessado o período regular das mulheres. 12 Por isso, Sara se pôs a rir em seu íntimo, dizendo: “Acabada como estou, terei ainda tal prazer, sendo meu marido já velho?” 13 E o Senhor disse a Abraão: “Por que riu Sara, dizendo consigo mesma: ‘Acaso ainda terei um filho, sendo tão velha?’ 14 Existe alguma coisa impossível para o Senhor? No ano que vem, voltarei por este tempo, e Sara já terá um filho”. 15 Sara protestou, dizendo: “Eu não ri”, pois estava com medo. Mas ele insistiu: “Sim, tu riste”.

Evangelho: Mt 8,5-17

Naquele tempo, 5 quando Jesus entrou em Cafarnaum, um oficial romano aproximou-se dele, suplicando: 6 “Senhor, o meu empregado está de cama, lá em casa, sofrendo terrivelmente com uma paralisia”. 7 Jesus respondeu: “Vou curá-lo”. 8 O oficial disse: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado. 9 Pois eu também sou subordinado e tenho soldados sob minhas ordens. E digo a um: ‘Vai!’, e ele vai; e a outro: ‘Vem!’, e ele vem; e digo a meu escravo: ‘Faze isto!’, e ele faz”. 10 Quando ouviu isso, Jesus ficou admirado, e disse aos que o seguiam: “Em verdade, vos digo: nunca encontrei em Israel alguém que tivesse tanta fé. 11 Eu vos digo: muitos virão do Oriente e do Ocidente, se sentarão à mesa no Reino dos Céus, junto com Abraão, Isaac e Jacó, 12 enquanto os herdeiros do Reino serão jogados para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes”. 13 Então, Jesus disse ao oficial: “Vai! E seja feito como tu creste”. E, naquela mesma hora, o empregado ficou curado. 14 Entrando Jesus na casa de Pedro, viu a sogra dele deitada e com febre. 15 Tocou-lhe a mão, e a febre a deixou. Ela se levantou, e pôs-se a servi-lo. 16 Quando caiu a tarde, levaram a Jesus muitas pessoas possuídas pelo demônio. Ele expulsou os espíritos, com sua palavra, e curou todos os doentes, 17 para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta Isaías: “Ele tomou as nossas dores e carregou as nossas enfermidades”.

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Deus Quer Nos Encontrar Na Vida Cotidiana

O Senhor apareceu a Abraão junto ao carvalho de Mambré, quando ele estava sentado à entrada da sua tenda, no maior calor do dia” (Gn 18,1).

É interessante observar que Deus repete suas promessas, cinco ou seis vezes, sobre a numerosa descendência que Abraão terá apesar de sua velhice e da esterilidade de sua esposa Sara. Para Deus não existe velhice nem esterilidade que não possa se transformar em fecundidade geradora. Desta vez a promessa de Deus desce até o que é banal e comum: em baixo de um carvalho. Não é mais numa visão, mas na claridade da atividade cotidiana, “no maior calor do dia”. O meio-dia é o tempo dos olhos abertos, isto é, da plena consciência. Deus chega na hora em que Abraão está sentado e disponível com consciência plena.  Deus vai até Abraão em forma de três pessoas inesperadas.

O texto nos ensina que Deus está conosco diariamente. Ele quer nos encontrar onde nos encontramos, no nosso cotidiano e em forma da presença das pessoas que, às vezes, são consideradas estranhas. Estejamos com plena consciência para perceber a presença de Deus em todos os momentos de nossa vida. Que tenhamos “o meio-dia” de nossa vida para ver com clareza a presença de Deus que vem ao nosso encontro para anunciar algo valioso.

Ser Hospitaleiro é Ser Próximo Do Outro, Ser Irmão

“Meu Senhor, se ganhei tua amizade, peço-te que não prossigas viagem, sem parar junto a mim, teu servo. Mandarei trazer um pouco de água para vos lavar os pés, e descansareis debaixo da árvore. Farei servir um pouco de pão para refazerdes vossas forças, antes de continuar a viagem. Pois foi para isso mesmo que vos aproximastes do vosso servo”. São palavras de hospitalidade de Abraão. 

O impulso generoso de Abraão faz abolir a distância. Podemos dizer que a atitude de Deus cuja correspondência se encontra em nós é uma atitude de hospitalidade, pois Ele se aproxima de nós e acaba com a distância entre nós e Deus, entre a terra e o céu. O gesto da hospitalidade de Abraão é voltado para os visitantes: “Farei servir um pouco de pão para refazerdes vossas forças, antes de continuar a viagem”. O convite de Abraão nos faz lembrar do convite feito pelos discípulos de Emaús ao Estrangeiro ressuscitado: “Fica conosco, pois a tarde está caindo e o dia já começou a declinar” (Lc 24,29). Abraão foi recompensado pelo nascimento iminente de seu filho Isaac: "Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho”.

Deus continua a passar pela nossa vida, diariamente, esperando nosso convite para entrar em nossa casa afim de torna-la uma casa abençoada. A casa que se deixa aberta para Deus, por amor, se transforma em morada de Deus (cf. Jo 14,23). 

A palavra “hospitalidade vem do latim “hospitalitas, atis”. É uma virtude que se pratica para peregrinos, necessitados, e desamparados ou desprotegidos prestando-lhes a devida assistência em suas necessidades. A hospitalidade é a obra de misericórdia. É ato de hospedar; acolhida de hóspedes; é boa acolhida. É recepção ou tratamento afável, cortês; amabilidade, gentileza. Hospitaleiro é aquele que oferece hospedagem por bondade ou caridade. Ser hospitaleiro é ser acolhedor. Acolher é dar às pessoas espaço, escutá-las com atenção e ver nelas um dom. E não poderemos acolher alguém como o dom de Deus se não tivermos consciência de que nós também somos amados por Deus como somos. Somos dons para a comunidade.  Acolher significa olhar para as pessoas com amor. Se uma comunidade for repleta de amor, torna-se atraente. 

Os cristãos primitivos praticavam a hospitalidade. Sem essa virtude o cristianismo provavelmente teria dificuldades para se expandir no mundo romano. Até a Carta aos hebreus admoesta ou alerta os cristãos: “Não esqueçais a hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem saber, acolheram anjos” (Hb 13,2). O que tem por traz desse alerta é a experiência de Abraão que hospedou três pessoas em sua casa sem saber que eram os três anjos para anunciar que Sara, apesar de sua velhice, geraria um filho chamado Isaac (Gn 18,3; 19,1-2: Ló convida os dois anjos para sua casa). Por isso, antigamente as pessoas tratavam o estrangeiro como sagrado. 

Com a hospitalidade nasce uma rede de amor entre as pessoas, derruba preconceitos e produz a alegria mútua. A hospitalidade possibilita o encontro e o diálogo e transforma o estrangeiro em amigo.

Um “Pagão” Que Tem Fé Em Deus 

Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado”. 

Segundo Mateus, o primeiro milagre operado por Jesus, que é a cura do leproso, foi para um membro do povo de Deus. O segundo milagre foi em favor de um pagão. Tudo é um programa. O movimento missionário da Igreja já está presente nesse segundo milagre. A salvação de Deus não está reservada para uns poucos. Deus ama a todos os homens; seu amor rompe as barreiras que levantamos entre nós. Jesus fez seu segundo milagre em favor de um oficial romano, em favor de um pagão. E os romanos eram mal vistos pelo Povo eleito.                 

Senhor, meu empregado está de cama, paralitico”. O oficial romano não pertence a uma Igreja ou a uma religião, ou ao Povo eleito, porém se comporta como um verdadeiro homem de Deus. Ele se comporta muito humano com os outros, especialmente com aquele que no olhar da sociedade não tem importância para se tratar daquela maneira. Por isso, esse oficial romano é um verdadeiro e autêntico homem de Deus. O homem de Deus trata o outro de maneira humana, pois o outro é o filho de Deus, templo do Espírito Santo (cf. 1Cor 3,16-17). Por essa razão, podemos encontrar os cristãos em qualquer religião, crença ou grupo, pois “Vós os reconhecereis pelos seus frutos” (Mt 7,16.20). Com efeito, o paganismo não depende da pertença ou não a uma religião. O paganismo depende do modo de viver e de se comportar com os demais homens. Por isso, um cristão pode ser um pagão por causa do seu modo de viver não cristão. E aquele que se diz pagão pode ser um verdadeiro cristão se ele comportar-se como o oficial romano que se preocupa com o bem do outro e acredita no poder de Deus. Em outras palavras, existem os cristãos pagãos como existem também os pagãos cristãos a partir do modo de viver e de conviver.       

Ao atender esse oficial “pagão” Jesus quer nos mostrar que ele não aceita nossas divisões, nem nossos racismos nem nossas discriminações. O coração de cada seguidor de Jesus deve ser universal e missionário, como o próprio coração de seu Mestre, Jesus Cristo. E cada cristão deve reconhecer e aceitar com facilidade qualquer pessoa do bem, independentemente de sua crença.                 

Senhor, meu empregado está de cama, paralitico”. A oração desse homem serve de exemplo para nós. Ele expõe simplesmente a situação; descreve a doença. E o mais notável é que ele pede em favor do outro, de seu empregado. É uma oração de intercessão. Será que eu rezo somente por mim mesmo e somente pela minha família? Será que tem lugar na minha vida uma oração de intercessão? Será que eu rezo pelos outros, especialmente pelos necessitados e por aqueles dos quais não gosta de mim ou por aqueles das quais eu não gosto? (Cf. Mt 5,43-47). 

O Senhor sente em todo caso o grito de sofrimento, apesar de o doente não estar presente. O Senhor não é insensível. Sua reação é imediata: "Vou curá-lo". 

Mas é impressionante a profunda humildade desse oficial ao dizer a Jesus: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado”. Este pagão é muito consciente de que a lei judaica o recusa por ser pagão. Ele não quer pôr Jesus em uma situação de “impureza legal”. Por isso, ele quer evitar que Jesus entre em sua casa. “Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado“, diz o oficial a Jesus. Este homem valoriza a Palavra de Jesus, porque a Palavra de Deus está cheia de autoridade e de poder. O que interessa ao evangelista Mateus é algo muito distinto: a força da Palavra de Jesus que atua ou opera em quem crê. 

O oficial romano estava muito seguro do poder de Jesus, e por isso, ele disse: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado”. Ele olha para Jesus como quem tem autoridade em Sua palavra, pois entende que a enfermidade e o mal têm que obedecer a Ele assim como os soldados obedecem ao seu general: “Pois eu também sou subordinado e tenho soldados sob minhas ordens. E digo a um: ‘Vai!’, e ele vai; e a outro: ‘Vem!’, e ele vem; e digo a meu escravo: ‘Faze isto!’, e ele faz”. Para ele, Jesus Cristo é um grande “general” de todas as forças do universo. É uma maravilhosa comparação. O mais maravilhoso ainda é o tamanho da fé desse oficial romano. 

Pela fé na Sua Palavra Jesus elogia esse homem: “Em verdade, vos digo: em ninguém em Israel encontrei tanta fé”. É a fé de quem se considera pagão. Mas se comporta como um verdadeiro cristão.                 

Jesus põe em contraste a incredulidade dos seus contemporâneos judeus com a fé do pagão: “Em verdade, vos digo: em ninguém de Israel encontrei tanta fé”. O tamanho da fé do “pagão” não se encontra no meio do Povo eleito. A fé que se encontra no “pagão” não se encontra naqueles que se dizem fieis ou crentes.  O “pagão” ensina o crente a acreditar na Palavra de Deus, pois ela é eficaz. É uma grande ironia! A fé que Jesus exige é um impulso de confiança e de abandono pelo qual o homem renuncia a apoiar-se em seus pensamentos e em suas forças para abandonar-se à Palavra e ao poder de Aquele em quem acredita. 

Antes de receber o Corpo do Senhor na comunhão, repetimos a frase desse oficial romano: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha morada. Dize uma só palavra, serei salvo”. A Eucaristia quer curar nossas debilidades. O próprio Senhor Jesus se faz nosso alimento e nos comunica sua vida: “O Pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo. Quem come minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna” (Jo 6,51.54). A vida de Cristo que recebemos na comunhão deve transformar nossa vida em vida para os demais homens. O oficial romano nos ensina a nos preocuparmos com o bem do outro e a crermos no poder eficaz da Palavra de Deus.

P.Vitus Gustama, SVD

V Domingo Da Páscoa, 28/04/2024

PERMANECER EM CRISTO PARA PRODUZIR BONS FRUTO, POIS ELE É A VERDADEIRA VIDEIRA V DOMINGO DA PÁSCOA ANO “B” Primeira Leitura: At 9,26-31...