quinta-feira, 29 de julho de 2021

Terça-feira Da XVIII Semana Comum, 03/08/2021

DEUS,ORIGEM DOS CARISMAS, ESTÁ CONOSCO EM TODOS OS MOMENTOS

Terça-Feira Da XVIII Semana Comum

Primeira Leitura: Nm 12,1-13

Naqueles dias, 1 Maria e Aarão criticaram Moisés por causa de sua mulher etíope. 2 E disseram: “Acaso o Senhor falou só através de Moisés? Não falou, também, por meio de nós?” E o Senhor ouviu isto. 3 Moisés era um homem muito humilde, mais do que qualquer outro sobre a terra. 4 Então o Senhor disse a Moisés, Aarão e Maria: “Ide todos os três à Tenda da Reunião”. E eles foram. 5 O Senhor desceu na coluna de nuvem, parou à entrada da Tenda, e chamou Aarão e Maria. Quando se aproximaram, ele lhes disse: 6 “Escutai minhas palavras! Se houver entre vós um profeta do Senhor, eu me revelarei a ele em visões e falarei com ele em sonhos. 7 O mesmo, porém, não acontece com o meu servo Moisés, que é o mais fiel em toda a minha casa! 8 Porque a ele eu falo face a face; é às claras, e não por figuras, que ele vê o Senhor! Como, pois, vos atreveis a rebaixar o meu servo Moisés?” 9 E, indignado contra eles, o Senhor retirou-se. 10 A nuvem que estava sobre a Tenda afastou-se, e no mesmo instante, Maria se achou coberta de lepra, branca como a neve. Quando Aarão olhou para ela e a viu toda coberta de lepra, 11 disse a Moisés: “Rogo-te, meu Senhor! Não nos faça pagar pelo pecado que tivemos a insensatez de cometer. 12 Que Maria não fique como morta, como um aborto que é lançado fora do ventre de sua mãe, já com metade da carne consumida pela lepra”. 13 Então Moisés clamou ao Senhor, dizendo: “Ó Deus, eu te suplico, dá-lhe a cura!”

Evangelho: Mt 14,22-36

Depois que a multidão comera até saciar-se, 22 Jesus mandou que os discípulos entrassem na barco e seguissem, à sua frente, para o outro lado do mar, enquanto ele despediria as multidões. 23 Depois de despedi-las, Jesus subiu ao monte, para orar a sós. A noite chegou, e Jesus continuava ali, sozinho. 24 A barca, porém, já longe da terra, era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário. 25 Pelas três horas da manhã, Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar. 26 Quando os discípulos o avistaram, andando sobre o mar, ficaram apavorados, e disseram: 'É um fantasma'. E gritaram de medo. 27 Jesus, porém, logo lhes disse: 'Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!' 28 Então Pedro lhe disse: 'Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água.' 29 E Jesus respondeu: 'Vem!' Pedro desceu da barca e começou a andar sobre a água, em direção a Jesus. 30 Mas, quando sentiu o vento, ficou com medo e começando a afundar, gritou: 'Senhor, salva-me!' 31 Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro, e lhe disse: 'Homem fraco na fé, por que duvidaste?' 32 Assim que subiram no barco, o vento se acalmou. 33 Os que estavam no barco, prostraram-se diante dele, dizendo: 'Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!' 34 Após a travessia desembarcaram em Genesaré. 35 Os habitantes daquele lugar, reconheceram Jesus e espalharam a notícia por toda a região. Então levaram a ele todos os doentes; 36 e pediam que pudessem, ao menos, tocar a barra de sua veste. E todos os que a tocaram, ficaram curados.

----------------------------

Todos Os Dons e Carismas Provém De Deus Para a Edificação Da Comunidade

Maria e Aarão criticaram Moisés por causa de sua mulher etíope. E disseram: ‘Acaso o Senhor falou só através de Moisés? Não falou, também, por meio de nós?’”. 

Desta vez a rebelião e o protesto não vem apenas do povo eleito em geral, mas também de sua própria família: seu irmão maior Aarão, o sacerdote que trabalhava em colaboração com Moisés, e sua irmã Maria (Miriam) que vigiava no rio onde sua mãe depositou o menino Moisés. Agora Aarão e Maria atacam Moisés e murmuram dele. Trata-se de um problema familiar.

A Bíblia é certamente um espelho da humanidade, que nos apresenta a imagem constante das nossas fragilidades, da nossa baixeza: racismo, inveja, ciúmes dentro da família ou fora dela, e assim por diante. 

Há uma dupla reação diante deste ataque inesperado. Por parte de Moisés é a paciência, porqueMoisés era um homem muito humilde, mais do que qualquer outro sobre a terra” (Nm 12,3). O homem humilde é ateu de si, é aquele que não se considera deus e por isso, não se adora. A humildade consiste em reconhecer o que somos ou o que estamos sendo. A partir da humildade aprendemos que não devemos aparentar mais do que somos. Por parte de Deus é a defesa de seu profeta Moisés: “Escutai minhas palavras! Se houver entre vós um profeta do Senhor, eu me revelarei a ele em visões e falarei com ele em sonhos. O mesmo, porém, não acontece com o meu servo Moisés, que é o mais fiel em toda a minha casa! Porque a ele eu falo face a face; é às claras, e não por figuras, que ele vê o Senhor! Como, pois, vos atreveis a rebaixar o meu servo Moisés?”. O livro interpreta como castigo de Deus a lepra que Maria sofreu (Nm 12,9-10).

Sobre um fundo de problemática familiar guardado na memória da tradição, possivelmente da tradição eloísta, o autor bíblico nos oferece uma boa lição teológica sobre os carismas. O autor sagrado quer colocar em destaque a origem de todos os carismas. Deus que chama cada um para um serviço concreto, dá-lhe também o carisma correspondente e lhe assegura Sua assistência (cf. Nm 12,6-7). Deus é quem distribui para cada homem um carisma conforme Sua própria vontade (cf. 1Cor 12,11). E a vontade de Deus não é arbitrária, pois o carisma não se outorga para a promoção pessoal e sim para a edificação e o crescimento da comunidade. E para a livre generosidade de Deus deve corresponder a fidelidade do serviço do homem pelo bem da comunidade e sua edificação. O carisma que se transforma em autopromoção é uma traição à vontade de Deus. Este abuso pode resultar na desgraça: “Indignado contra eles (Aarão e Maria), o Senhor retirou-se. A nuvem que estava sobre a Tenda afastou-se, e no mesmo instante, Maria se achou coberta de lepra, branca como a neve”.

A intenção de dois irmãos, Aarão e Maria, de minar a autoridade de Moisés em benefício próprio atrai a ira de Javé (Deus). Maria era certamente profetisa (Ex 15,20) que recebeu este carisma, como Aarão havia recebido o carisma do sacerdócio. Por isso, era verdade que Deus havia falado com eles. Mas esta realidade não lhes dava nenhum direito de exigir igualdade de dons nem intentar reduzir Deus a um mero garantia da igualdade de sua própria graça. No fundo, é uma tentativa de manipular Deus e de converter o serviço ou ministério em título de honras e poder, como temos visto no curso da história do pecado.

Mas Aarão se arrepende de sua falta e pede a intercessão de Moisés: “Rogo-te, meu Senhor! Não nos faça pagar pelo pecado que tivemos a insensatez de cometer. Que Maria não fique como morta, como um aborto que é lançado fora do ventre de sua mãe, já com metade da carne consumida pela lepra”. O Salmo Responsorial de hoje parece recolher os sentimentos de Aarão: “Tende piedade, ó meu Deus, misericórdia! Na imensidão de vosso amor, purificai-me! Lavai-me todo inteiro do pecado, e apagai completamente a minha culpa! Eu reconheço toda a minha iniquidade, o meu pecado está sempre à minha frente. Foi contra vós, só contra vós, que eu pequei, e pratiquei o que é mau aos vossos olhos!” (Sl 50). E Moisés mostra, mais uma vez, seu coração magnânimo intercedendo diante de Deus por sua irmã Maria. 

O exemplo de Moisés deveria nos animar a ser mais generosos em nossas reações diante do tratamento que recebemos dos outros quando nos parece injusto. Jesus nos ensinou a perdoar (Cf. Mt 18,21-22). Quando não houver o perdão mútuo, existirão sempre duas vítimas: o agredido e o agressor, e a relação fica enfraquecida. A correção fraterna pode nos ajudar a recapacitarmos e a melhorarmos nossa relação mais saudável. 

Para aprender a amar verdadeiramente, o cristão tem que aprender a perdoar, pois perdão é a expressão máxima do amor. Perdão é o último testamento de Jesus Cristo da cruz para todos os cristão (cf. Lc 23,34).  “O fraco jamais perdoa: o perdão é uma das características do forte”. (Mahatma Gandhi). 

Deus Está Conosco Em Todos Os Momentos De Nossa Vida 

1. É Preciso Manter Nossas Conversas Diárias Com Deus, Nosso Pai

Depois que saciou a multidão com a Palavra de Deus e com o alimento, Jesus se afastou da multidão para rezar ou para estar em comunhão plena com Deus: “Jesus subiu ao monte para orar a sós”, assim o evangelista Mateus registrou.

A montanha, por ser um ponto elevado sobre a parte plana da terra, sempre foi considerada em todas as antigas religiões como um símbolo da “subida” do homem até Deus e como o sinal da manifestação ou epifania de Deus. Deus se manifesta no alto e o homem deve subir até Deus, abandonando uma vida medíocre, pois Deus está acima de nossos esquemas de viver e de pensar. Ou na linguagem do Livro dos Reis (1Rs 19,9-13) Deus não se encontra no terremoto, isto é, não tem como ouvir Deus numa vida agitada e barulhenta; também não se encontra no fogo. O fogo queima e transforma tudo em cinzas. Isto quer dizer que não tem como ouvir Deus para uma mente agitada ou comportamento esquentado. Deus se encontra na suavidade de uma brisa, isto é, quando tudo é sereno, a voz de Deus pode ser ouvida com clareza. Somente no silêncio e ao criar o silêncio a eternidade se faz presente para potenciar nossa humanidade. Um cristão sem oração perseverante é como alguém que anda com uma perna apenas: em pouco tempo fica cansado e cai. 

2. Deus Está Conosco Diariamente: Tenha Consciência Disso!

“Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!”

Através desta frase Jesus se dá a conhecer ou Jesus se revela aos discípulos quem Ele é. A palavra “Coragem!” dissipa o medo provocado pela aparição de Jesus no meio do lago. Em seguida Jesus lhes disse: “Sou Eu!”. “Sou eu” é uma fórmula de identificação com que Deus se revelava no Antigo Testamento (cf. Ex 3,14; Is 43,1.3.10-11). “Sou Eu” corresponde à exortação “Não tenha medo”. Ao dizer “Sou Eu”, Jesus se revelou como Deus-Conosco (cf. Mt 1,23; 18,20; 28,20), um Deus que nos acompanha com sua providencia em todos os momentos de nossa vida. Através de seu evangelho, Mateus quer nos transmitir a certeza de que Deus jamais nos abandona: “Eis que Estou convosco todos os dias até o fim do mundo” (Mt 28,20).

“Não tenhais medo”, diz-nos o Senhor todos os dias. Quando ouvirmos a voz do Senhor, a paz estará presente no nosso coração, ainda que estejamos rodeados pelas provações ou dificuldades, pois trata-se da Palavra de Quem nos criou e de Quem pode nos salvar. Precisamos nos deixar pelo poder da Palavra de Deus e não pelo aparente poder da situação em que nos encontramos. Em outras palavras, é preciso que Deus continue sendo o Senhor de nossa vida em todos os seus momentos. Para isso precisamos nos manter conectados com o Senhor para que Sua força continue sendo nossa força.

3. É Preciso Manter o Olhar Fixado No Senhor

“’’Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água.’  E Jesus respondeu: ‘Vem!’ Pedro desceu da barca e começou a andar sobre a água, em direção a Jesus. Mas, quando sentiu o vento, ficou com medo e começando a afundar, gritou: ‘Senhor, salva-me!’”.

Pedro desafia Jesus. Ele chama Jesus de “Senhor” e pede para que vá até Jesus. Através desse pedido Pedro quer participar da condição divina de Jesus. Jesus não duvida e convida Pedro para ir ao seu encontro. Mas infelizmente Pedro esperava a condição divina sem obstáculos, de maneira milagrosa. Pedro precisa estar consciente de que o homem se faz filho de Deus em meio da oposição e perseguição do mundo (cf. Mt 5,10-11). O pedido de Pedro (cf. Sl 17(18),5-18; 143(144),5-7) vale uma reprovação, pois mostra sua falta de fé: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?”.

Pedro sente medo porque não entendeu o modo como se faz a missão: com a entrega total. Os discípulos ou Pedro apelam a Jesus nos momentos de dificuldade pedindo que Jesus intervenha. Eles têm conceito da salvação expressado nos salmos (cf. Sl 17[18],5-18; 143[144],5-7): uma intervenção milagrosa de Deus a partir do céu para que resolva a situação desesperadora do homem. o conceito de Jesus é diferente: estando com Ele, o homem se basta a si mesmo (cf. Mt 19,26: para Deus tudo é possível) e está salvo: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!”

Enquanto Jesus sobe à barca cessa o vento, isto é, a oposição e a resistência dos discípulos. O vento era a busca do triunfo humano. “Os que estão na barca”, que representam a comunidade cristã (barca=Comunidade/Igreja), reconhecem que Jesus é “Filho de Deus”. Jesus é “Filho de Deus”, mas eles têm acreditar no Filho de Deus para que possam chegar a sê-lo. 

É preciso manter nosso olhar para Deus e não para as nossas dificuldades ou para as “ondas fortes” de nossa vida. Pedro olhava mais para as ondas e quase se afundou. A partir do momento em que ele voltou a olhar para Jesus a fim de pedir a ajuda e Jesus estendeu a mão para tirá-lo de sua situação, Pedro começou a andar com o Senhor sobre as ondas. Muitos de nossos medos são causados pela nossa maneira de olhar para nossa vida e seus problemas. Se nossa vida pertence a Deus e foi Ele quem nos deus, temos que confiar nossa vida no Senhor.

P. Vitus Gustama,svd

Segunda-feira Da XVIII Semana Comum, 02/08/2021

PARA VIVER UMA VIDA CRISTÃ EQUILIBRADA É PRECISO QUE SEJAMOS ALIMENTADOS PELO PÃO MATERIAL E PÃO EUCARÍSTICO

Segunda-Feira Da XVIII Semana Comum

Primeira Leitura: Nm 11,4b-15

Naqueles dias, 4b os filhos de Israel começaram a lamentar-se, dizendo: “Quem nos dará carne para comer? 5 Vêm-nos à memória os peixes que comíamos de graça no Egito, os pepinos e os melões, as verduras, as cebolas e os alhos. 6 Aqui nada tem gosto ao nosso paladar, não vemos outra coisa a não ser o maná”. 7 O maná era parecido com a semente do coentro e amarelado como certa resina. 8 O povo se dispersava para o recolher e o moía num moinho, ou socava num pilão. Depois o cozinhavam numa panela e faziam broas com gosto de pão amassado com azeite. 9 À noite, quando o orvalho caía no acampamento, caía também o maná. 10 Moisés ouviu, pois, o povo lamentar-se em cada família, cada um à entrada de sua tenda. 11 Então o Senhor tomou-se de uma cólera violenta, e Moisés, achando também tal coisa intolerável, disse ao Senhor: “Por que maltrataste assim o teu povo? Por que gozo tão pouco do teu favor, a ponto de descarregares sobre mim o peso de todo este povo? 12 Acaso fui eu quem concebeu e deu à luz todo este povo, para que me digas: ‘Carrega-o ao colo, como a ama costuma fazer com a criança; e leva-o à terra que juraste dar a seus pais!’? 13 Onde conseguirei carne para dar a toda esta gente? Pois se lamentam contra mim, dizendo: ‘Dá-nos carne para comer!’ 14 Já não posso suportar sozinho o peso de todo este povo: é grande demais para mim. 15 Se queres continuar a tratar-me assim, peço-te que me tires a vida, se achei graça a teus olhos, para que eu não veja mais tamanha desgraça”.

Evangelho: Mt 14,13-21

Naquele tempo, 13 quando soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barco para um lugar deserto e afastado. Mas quando as multidões souberam disso, saíram das cidades e o seguiram a pé. 14 Ao sair da barca, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes. 15 Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” 16 Jesus porém lhes disse: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” 17 Os discípulos responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes”. 18 Jesus disse: “Trazei-os aqui”. 19 Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama. Então pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões. 20 Todos comeram e ficaram satisfeitos, e dos pedaços que sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios. 21 E os que haviam comido eram mais ou menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

--------------------

Deus Está Conosco Apesar de Nossas Queixas, Protestos e Murmurações

A Primeira Leitura é tirada do livro de Números, o quarto livro do Pentateuco que vamos ler durante quatro dias. Na Bíblia hebraica este livro é chamado Bamidbar (no deserto). Este nome é tirado da quinta palavra do primeiro versículo deste livro. Na Bíblia grega este livro é chamado Arithmoi cuja tradução para a Vulgata (Bíblia latina) é Numeri que significa Números, título que temos na nossa Bíblia atual. Este livro recebe este nome (Números) porque nele há muitos números, censos, listas e recenseamentos.

O livro de Números retoma o fio da história no Sinai até as portas da terra prometida. O livro enfatiza bastante a coesão das tribos como o povo eleito sob a direção de Moisés e Aarão e que depois estes serão sucedidos por Eleazar. 

Neste livro fala-se de Israel como um povo à parte, pois ele é o povo eleito entre outros povos (Nm 23,9). Fala-se do dogma da presença de Deus que vive no meio do povo. No NT este dogma se encarna em Jesus (Mt 28,20; Jo 1,14). Por causa deste dogma, Israel se torna uma nação teocrática. Consequentemente, os chefes do povo são considerados como vigários e representantes de Deus. Moisés, por exemplo, é o homem de confiança de Deus (Nm 12,6-8), o porta-vos de Deus, legislador, por excelência. Por isso, Moisés recebe os títulos de intercessor, eleito de Deus, homem de Deus, servo do Senhor (Nm 11,11-12). Mesmo sendo uma nação teocrática, Israel é também uma mistura de santo e de pecador. “Santo” significa “separado”. Israel é santo porque é um “povo separado”, pois é consagrado ao Senhor. Esta consagração (social e espacial) implica necessariamente a santidade moral. Por isso, neste livro encontramos leis, prescrições e instituições para salvaguardar e promover a santidade moral do povo eleito.  A lei em si é uma confirmação da bondade e da maldade, do bem e do mal. Para salvaguardar os bons é preciso ter lei para que os maus não avancem destruindo seu próximo. Mas quando houver amor, a lei perderá sua existência, pois “a caridade é a plenitude da lei” (Rm 13,10). Por isso, neste livro fala-se também das infidelidades e outros pecados do povo eleito. Em Nm 11-21 encontramos muitas queixas, protestos e murmurações do povo eleito contra Moisés que os tirou do Egito sob a ordem de Deus. O autor sagrado quer transmitir também o outro tema: o povo eleito é o depositário da bênção de Deus. Este tema está em destaque nos quatros poemas mais densos e profundos teologicamente de Balaão (Nm 23-24). Balão é enviado por um rei para amaldiçoar o povo eleito. Mas em vez de amaldiçoar, ele abençoa o povo de Israel. Mas os autores do AT mantém o seguinte pensamento: o pecado costuma ser seguido pelo arrependimento e o arrependimento do povo é seguido pelo perdão de Deus. Consequentemente há uma dialética: pecado-castigo; conversão-salvação. No fim Deus sempre se mostra misericordioso pelo arrependimento do povo que pecou.

Esta dialética encontramos no texto da Primeira Leitura (Nm 11,1-15). O povo se queixa no deserto pela vida difícil. A vida difícil no deserto resulta na atitude rebelde do povo que se queixa e ofende Deus. Esta atitude resulta na ira e no castigo da parte do Senhor. Mas Moisés intercede pelo povo para pedir o perdão a Deus. O esquema pecado-castigo-conversão se repete constantemente nos diversos autores e escolas teológicas do Antigo Testamento. 

O texto da Primeira Leitura nos relata que, novamente, o povo hebreu se queixando. Antes era de fome, agora de tédio. Primeiro eles nao conseguiram encontrar o que comer, agora os incomoda comer sempre a mesma coisa: o maná. A comparação com a vida passada cheia de escravidão faz com que o povo eleito não viva o presente cheio de liberdade dada por Deus. O povo eleito já está longe do Egito (escravidão), mas a Terra Prometida não está próxima. É preciso continuar caminhando mesmo tendo muitos obstáculos. Com tantas dificuldades e obstáculos o povo eleito aprende a viver na sabedoria e na sobriedade. A maturidade vai crescendo lentamente. Quem passou fome, passa a valorizar um pedaço de pão e o divide com quem tem fome. 

Primeiro eles não conseguiam encontrar o que comer, agora os incomoda comer sempre a mesma coisa.

Primero no pudieron encontrar qué comer, ahora les molesta comer lo mismo una y otra vez.

Primeiro, eles não poderiam encontrar o que comer, agora que irrita-los a comer sempre a mesma coisa.

Primero, no pudieron encontrar qué comer ahora que les molesta comer lo mismo una y otra vez.

Não foi possível carregar todos os resultados

Tente de novo

Tentando novamente...

Tentando novamente...

O deserto foi duro para o povo. O deserto é o contrário de “instalação”: é a aventura de seguir caminhando. O povo murmura pelas condições em que tem que viver e caminhar. Abandonaram a vida com comida farta que levavam no Egito apesar da escravidão. A liberdade sempre dá medo. O deserto ajuda a crescer na maturidade. Mesmo tendo tanta dificuldade, os israelitas sempre continuam experimentando a proximidade de Deus que é fiel a sua Aliança. 

Moisés se deixa contagiar pelo mal-estar do povo, pois a impaciência do povo vai contra ele: “Quem nos dará carne para comer? Vêm-nos à memória os peixes que comíamos de graça no Egito, os pepinos e os melões, as verduras, as cebolas e os alhos. Aqui nada tem gosto ao nosso paladar, não vemos outra coisa a não ser o maná”. O povo se esqueceu de tudo que Moisés fez por ele em nome de Deus. Moisés ficou desanimado, mas refugiou na oração, uma oração muito humana e sentida: “Por que maltrataste assim o teu povo? Por que gozo tão pouco do teu favor, a ponto de descarregares sobre mim o peso de todo este povo?”, perguntou Moisés a Deus na oração. A crise é tão forte a ponto de Moisés pedir a morte: “Se queres continuar a tratar-me assim, peço-te que me tires a vida, se achei graça a teus olhos, para que eu não veja mais tamanha desgraça”.

Todos temos nossos momentos de crise e desânimo ainda que não desejemos nossa morte como Moisés. Vemos muito pouco fruto no trabalho que temos realizado; vemos os filhos que não querem saber de Deus; vemos nossa família desunida. Nestas situações experimentamos o cansaço psicológico que a vida produz cada dia. Há dias em que são acumulados os desgostos pela vida, pela comunidade, pela pastoral, pela família e assim por diante. Experimentamos as tarefas que se tornam uma carga insuportável. 

Nestas situações serve para nós o exemplo de Moisés. Precisamos nos refugiar no Senhor que sabe tudo e pode tudo. A oração é antes de tudo uma confissão da própria indigência: Senhor, eu não consegui alcançar tal objetivo; Senhor, eu ando buscando...; Senhor, eu não compreendo tudo. Senhor, eu necessito de Ti, e assim por diante.

Jesus nos convida a perseverar em nossa oração, a dirigir confiadamente nossas súplicas ao Pai (cf. Lc 11,5-13; 18,1). Ele nos recomenda que sejamos persistentes na oração não porque Deus seja surdo e sim porque nós necessitamos perseverar para alcançá-Lo. Além do mais, mantemos nossa perseverança na oração porque Deus é bom. A bondade de Deus nos torna perseverantes. A natureza humana é geralmente caracterizada pela inconstância. Ficamos desanimados e apavorados diante do primeiro obstáculo que nos é apresentado na consequência de nossos projetos e metas. Abandonamos a nave diante do menor indício de tormenta. As coisas fáceis geralmente não são valiosas. Para vencer os obstáculos são necessárias a humildade, a confiança e a perseverança. 

Se decidirmos cultivar uma atitude perseverante, uma entrega decidida, e uma sobriedade diante das dificuldades, nós veremos que ao término de nosso esforço se encontra a generosa vontade de Deus que nos tem acompanhado desde o início de nossa vida.

Somos Responsáveis Pelos Irmãos Necessitados

Vós mesmos deveis dar-lhes de comer”. Esta é a ordem de Jesus para seus discípulos no evangelho de hoje diante da multidão faminta.

Vivemos este paradoxo: “Não somente de pão vive o homem; porém, sem pão ele não pode viver”. Como integrar a necessidade de pão com a experiência de que o pão não sacia outras fomes e a nossa fome mais profunda? A questão tem aplicação pessoal e social, ao mesmo tempo.

A Palavra de Deus mantém a bipolaridade: pão para o faminto e pão para os que comem e não se saciam. Provamos ou experimentamos tudo e estamos cada dia mais vazios (cf. Is 55,1-3). Dedicamos bastante tempo de nossa vida em função da procura do “o quê” de nossa vida, do seu aspecto material. E nessa busca percebemos que quanto mais tivermos, mais quereremos. Uma vez Oscar Wilde escreveu: “Neste mundo só há duas tragédias: uma é não se conseguir o que se quer, a outra é conseguir”. No fim confessamos que tudo que conseguimos materialmente e profissionalmente não satisfaz aquela fome sem nome que temos na alma. Carl Gustav Jung chegou a escrever e afirmar: “O problema de cerca de um terço de meus pacientes não é diagnosticado clinicamente como neurose, mas resulta da falta de sentido de suas vidas vazias. Isto pode ser definido como a neurose geral de nossa época” (O Homem Moderno à Procura de Uma Alma). 

O que nos frustra e tira nossa alegria de viver é a ausência do significado de nossa vida, o para quê de nossa existência neste mundo. Nossa alma não está sedenta de poder, de fama, de popularidade, de conforto, de propriedades e assim por diante. Nossa alma tem fome do significado da vida, ou de aprendermos a viver de tal modo que nossa existência ou nossa passagem neste mundo tenha importância ou significado capaz de modificar ou de melhorar o mundo, pelo menos, ao nosso redor. 

Este vazio existencial é o pressuposto onde cabe pronunciar a Palavra de Deus: “Inclinai vosso ouvido e vinde a Mim, ouvi e tereis vida” (Is 55,3ª). A Palavra de Deus é o verdadeiro alimento para o coração humano. A Palavra de Deus continuará a ser eficaz, curadora, e libertadora, se nós soubermos ouvi-la atentamente, meditá-la no nosso dedicado silêncio de cada dia e vivê-la na nossa vida cotidiana. Se a Palavra de Deus já curou tantas pessoas, converteu tantos pecadores, libertou tantas pessoas de seus problemas, guiou a vida de tantos homens, esta mesma Palavra continua tendo o mesmo poder e a mesma eficácia. A palavra humana pode errar e enganar, mas a Palavra de Deus não erra nem engana. A Palavra de Deus é firme para sustentar a vida de quem nela se agarra e por ela se orienta. Dizia o papa Gregório Magno: “Ler a Bíblia é aprender a conhecer o coração de Deus mediante Suas palavras”. E coração de Deus é um coração cheio de amor misericordioso. Por isso, Santo Agostinho dizia: “Toda a Bíblia nada mais do que narrar o amor de Deus”. O amor de Deus é a última resposta para todos os “porquês” da vida do homem (cf. Jo 3,16). Tudo o que Deus faz e fala na Bíblia é amor. Deus move o mundo enquanto é amado, isto é, enquanto é objeto de amor e causa final de todas as criaturas.

Por essa razão, a multiplicação dos pães feita por Jesus exige um duplo princípio de leitura: por um lado, a leitura a partir da práxis messiânica de Jesus, o realista Encarnado, que traz o Reino para os famintos de estômago, multiplicando os pães a partir daquilo que o ser humano lhe oferece com generosidade: cinco pães e dois peixes. É uma leitura sem metáfora. Jesus alimenta o povo faminto. Ele se preocupa com o estômago vazio da maioria. A partir desta leitura podemos entender a ordem de Jesus para qualquer dos seus seguidores em qualquer época e lugar: “Vós mesmos deveis dar de comer para a multidão faminta”. Nem que seja a partir do pouco que se tem como cinco pães e dois peixes, mas que saiba dividir para que todos possam viver dignamente como filhos e filhas de Deus. O cristão existe para prolongar a generosidade do Deus-Criador que criou tudo gratuitamente para o bem da humanidade. Cada generosidade feita o egoísmo é vencido e esmagado. Cada pequena generosidade a ganância é enterrada e o sorriso fraterno volta a brilhar e a família de Deus nesta terra volta a ser edificada. 

O milagre está na partilha. O problema da fome física e de outras fomes somente pode ser resolvido satisfatoriamente quando nós, homens, aprendemos a partilhar o que temos para com aqueles que não têm nada para sobreviver. O milagre está na partilha, na solidariedade e no amor entranhável. Sem essa solidariedade, sem essa fraternidade, sem comunicação de bens e sem essa comunhão no amor, não é possível a vida e a abundância da vida. Sem o amor a todos os homens, sem o amor e os sentimentos de Cristo, a Eucaristia que celebramos em sua memória careceria de sentido.

Por outro lado, é a leitura a partir da Eucaristia, pois Jesus realiza o sinal da abundância de pão para os últimos tempos onde não haverá fome nem sede. Dentro desta leitura podemos entender a ação de graças e a benção pelos pães e peixes que são dons de Deus para a humanidade e ao mesmo tempo são frutos do trabalho humano. A ação de graças é o nome próprio da Eucaristia. 

Jesus com todo o que é e representa, é o único que pode satisfazer a fome radical de viver, com plenitude e para sempre. Somente Jesus pode alimentar o amor e a esperança que necessitamos para superar todas as dificuldades. Somente Jesus, com tudo o que é e representa para o cristão, pode saciar nosso insaciável sonho de felicidade. Ele é o Pão descido do céu que contém todo sabor. Este pão que contém todo sabor é que celebramos sacramentalmente na Eucaristia: a certeza de que, em Jesus, Deus nos deu um Pão capaz de saciar nossa fome de vida e nosso desejo de felicidade.

Uma coisa positiva que podemos aprender dos discípulos é a sua atitude de dar-se conta das necessidades dos que estão ao redor, nesse caso da multidão faminta. É uma boa lição para nosso tempo em que existe, evidentemente, uma tendência ao individualismo. Com frequência passamos indiferentes para os que nos rodeiam sem captar a problemática que podem ter. A frase “problema não é meu” é bastante perigosa para uma convivência mais humana e cristã. Do ponto de vista cristão tal postura é absolutamente insustentável e impensável.

Também hoje conserva atualidade do mandamento dado por Jesus: “Vós mesmos deveis de comer para a multidão faminta”. Nós que participamos e partilhamos o pão da Eucaristia devemos estar dispostos também a partilhar o pão material.

P. Vitus Gustama, SVD

terça-feira, 27 de julho de 2021

XVIII Domingo Comum, 01/08/2021

BUSCAR O PÃO QUE PERDURA ETERNAMENTE

XVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM “B”

Primeira Leitura: Ex 16,2-4.12-15

Naqueles dias: 2A comunidade dos filhos de Israel pôs-se a murmurar contra Moisés e Aarão, no deserto, dizendo: 3'Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito, quando nos sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura! Por que nos trouxestes a este deserto para matar de fome a toda esta gente?' 4O Senhor disse a Moisés: 'Eis que farei chover para vós o pão do céu. O povo sairá diariamente e só recolherá a porção de cada dia a fim de que eu o ponha à prova, para ver se anda ou não na minha lei. 12'Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel. Dize-lhes, pois: 'Ao anoitecer, comereis carne, e pela manhã vos fartareis de pão. Assim sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus' '. 13Com efeito, à tarde, veio um bando de codornizes e cobriu o acampamento; e, pela manhã, formou-se uma camada de orvalho ao redor do acampamento. 14Quando se evaporou o orvalho que caíra, apareceu na superfície do deserto uma coisa miúda, em forma de grãos, fina como a geada sobre a terra. 15Vendo aquilo, os filhos de Israel disseram entre si: 'Que é isto?' Porque não sabiam o que era. Moisés respondeu-lhes: 'Isto é o pão que o Senhor vos deu como alimento.

Segunda Leitura: Ef 4,17.20-24

Irmãos: 17Eis pois o que eu digo e atesto no Senhor: não continueis a viver como vivem os pagãos, cuja inteligência os leva para o nada. 20Quanto a vós, não é assim que aprendestes Cristo, 21se ao menos foi bem ele que ouvistes falar, e se é ele que vos foi ensinado, em conformidade com a verdade que está em Jesus. 22Renunciando à vossa existência passada, despojai-vos do homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras, 23e renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade. 24Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade.

Evangelho: Jo 6,24-35

Naquele tempo: 24Quando a multidão viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum. 25Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: 'Rabi, quando chegaste aqui?' 26Jesus respondeu: 'Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. 27Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo'. 28Então perguntaram: 'Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?' 29Jesus respondeu: 'A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou'. 30Eles perguntaram: 'Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti?' Que obra fazes? 31Nossos pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: 'Pão do céu deu-lhes a comer'. 32Jesus respondeu: 'Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. 33Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo'. 34Então pediram: 'Senhor, dá-nos sempre desse pão'. 35Jesus lhes disse: 'Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede.

------------------------------

UM Olhar Geral Sobre As Leituras Deste Dia 

Dentro do contexto doutrinal podemos dizer que um tema tipológico de base (ligação ou relação entre o AT e o NT) em todo o capítulo sexto do evangelho de são João é o maná. Está muito claro que entre a narrativa do Êxodo (Primeira Leitura) e o diálogo entre Jesus e os judeus (Evangelho) há um paralelismo de estruturas dinâmicas que permite falar de “tipologia”. Em outras palavras, pode-se dizer que o que sucedeu no deserto entre Deus e seu povo (Povo eleito), por meio de Moisés (AT), é repetido e superado por este que sucede entre Deus e os homens, por Jesus Cristo e em Jesus Cristo (NT). Concretamente podemos dizer que Deus deu alimento terreno (maná) ao povo (eleito) “para ver se anda ou não na minha lei” (Ex 16,4: Primeira Leitura) e manifestar-lhe Sua presença salvífica  (Deus não abandona seu povo). O Pai de Jesus dá aos homens um alimento celestial, o próprio Jesus Cristo, marcando-o com seu selo pessoal, para que creiam n´Ele, o Enviado do Pai. 

O texto mais próximo para interpretar o conjunto da perícope do evangelho de hoje é Jo 3,16: “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. O Evangelho de hoje é iluminado sob a luz deste texto. Jesus está no centro e na plenitude de um mistério da gratuidade de Deus para os homens. Teria que pensar, aqui, na primeira página da Carta aos Efésios: “Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo conforme o beneplácito  da sua vontade para louvor e glória da sua graça” (Ef 1,5). Nas palavras de Jesus que escutamos ou lemos hoje está incluído todo seu mistério: desde a encarnação, Palavra feita Carne, até o mistério pascal, vida no mundo, e até a mesa da Igreja, posta por Jesus Cristo na Ceia: “... o alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará” (Jo 6,27). Ao mesmo tempo inclui o desafio que a ação de Deus representa para o homem: a fé, definida em profundidade no evangelho de hoje como “A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou”. O homem do Paraíso foi chamado a trabalhar no Jardim de Deus, e fracassou por falta de obediência. O crente, o cristão voltará ao Paraíso na medida em que trabalhar pelo alimento que perdura: a fé no Enviado. 

A fé é, então, ao meso tempo, graça de Deus e esforço do homem. Aqui pode ajudar muito o texto da Segunda Leitura: “Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4,24). A alusão, indicada antes, ao tema do Paraíso, fica completa. Há que fazer o esforço de revestir-se, despojando-se antes da natureza velha e envelhecida (por causa do pecado), mas o novo vestido não é autodotado e sim “criado por Deus” (criado à imagem de Deus). A consequência desta fé está muito clara nas palavras de Jesus: os que vão a Jesus ou creem n´Ele ficarão perfeitamente saciados: Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,35).

A ação de graças (o próprio significado da palavra Eucaristia) é o ambiente no qual se vive a fé. Não pode ser de outro modo quando esta fé é consciente de sua natureza. Por isso, a vida cristã é uma vida “eucarística”, que tem na Eucaristia “sua fonte e sua culminação”. A fonte, porque na Eucaristia se atualiza, para cada crente ou cristão e para toda a Igreja, o mistério do dom de Deus: o o Pão que desceu do céu para dar a vida ao mundo. A culminação, porque a vida na fé não tem outra maneira mais perfeita de expressar-se do que a de incorporar-se à ação sacrifical e de louvor do Pai que é a oblação do Enviado.

A partir dos dados doutrinais, poderíamos sublinhar duas coisas: a primeira, a maravilha do Dom de Deus. Jesus Cristo é, permanentemente, muito além da história, o Enviado para nos dar vida, tornando-se alimento para nós. Não a seguridade da vida eterna, não o bem-estar nem os pães que os homens buscam, legitimamente, para viver com dignidade. Tudo isto não assegura a fé em Jesus Cristo e por isso, não se pode ser cristão por interesses mundanos. Viver em Deus, na sua graça, movidos por seu Espírito: isto é o que Jesus Cisto, Enviado, nos oferece. A Eucaristia é a presença mais intensa de Jesus Cristo e a forma mais plena de comunicação de sua vida para cada cristão individualmente e para a Igreja inteira, de maneira geral. 

A segunda, o trabalho da fé (dentro da linguagem do evangelho deste dia). Somente com este trabalho reconhecemos em Jesus Cristo, o Enviado. Somente na fé encontraremos na Eucaristia o que realmente Jesus nos oferece: Ele próprio como alimento vivificante da nova aliança. A fé nos capacita para poder “personaliza” a Eucaristia: um encontro com o Senhor. Ou seja, esta fé, ao receber Jesus eucarístico, nos tornaremos “outro Cristo” para os outros, que consiste em tornar-nos vida para os demais homens. A fé é o trabalho do homem novo (veja a Segunda Leitura) “criado à imagem de Deus”. Por isso também a fé nos faz críticos para conosco mesmos antes de nos aproximarmos da Eucaristia: estamos em sintonia profunda com o Enviado?

Não basta ter fome do pão material. É preciso sentir também fome da verdade, da justiça, da liberdade. Nossa fome de Deus deve nos levar a buscarmos Deus para evitar que nos convertamos em sujeitos egoístas, insatisfeitos e imaturos. A proclamação de Jesus: “Eu sou o Pão da Vida”, deve abrir nossos corações para receber o amor de Deus e compartilhá-lo com os irmãos de maneira efetiva e afetiva. 

Um Olhar Especifico Sobre o Evangelho Deste Domingo 

O evangelho do domingo anterior falou da multiplicação dos pães para saciar cinco mil pessoas. É evidente que o interesse do evangelista João não está centrado no ato em si e sim no seu significado. Na mente do evangelista o milagre de multiplicação (segundo os sinóticos) deve ser considerado como sinal que aponta para Outro Pão que pode saciar toda a humanidade. Este pão é o próprio Jesus Cristo daquilo que o evangelho deste domingo fala. A partir do evangelho deste domingo começa-se a falar do discurso sobre o Pão da Vida que é Jesus Cristo. O discurso sobre o Pão da Vida certamente parte da multiplicação dos pães.          

Para entender a seqüência lógica do texto, podemos dividi-lo em três partes. A primeira parte (vv.24-25) faz uma ligação entre os relatos da multiplicação dos pães (vv.1-15) e da caminhada de Jesus sobre as águas (vv16-21), com o discurso sobre o Pão da Vida. A pergunta da multidão a Jesus no v. 25 serve de ponte para a segunda parte do texto (vv.26-30). E a terceira parte (vv.31-35) é central para a compreensão da mensagem do discurso.          

Terminada a multiplicação dos pães, Jesus despediu a multidão, que queria proclamá-lo rei, e retirou-se para a montanha para orar(Jo 6,14-15). Mas o entusiasmo popular pelo milagre dos pães não se apagou facilmente. Os que tinham comido os pães abundantemente partiram para buscar Jesus, desejosos de continuar naquela situação de êxodo que lhes assegurava o sustento sem esforço próprio. Mas Deus nunca concede suas graças para estimular a preguiça dos homens. O homem tem que fazer uso dos dons de Deus e pede que esteja sempre em sintonia  com a vontade do Doador destes dons.         

Ao encontrar Jesus no dia seguinte em Cafarnaum(v.22), a multidão saciada pelo pão pergunta-lhe: ”Rabi, quando chegaste aqui?”(v.25). Nicodemos se dirigiu a Jesus com o mesmo título “Rabi”(Jo 3,2). O título reflete uma atitude geral com respeito a Jesus como mestre. Jesus não responde à pergunta. Em vez disto, ele começa por comentar o sinal da multiplicação para revelar o seu significado. Em tom solene Jesus lhe diz: “Em verdade, em verdade vos digo, vós me procurais não porque vistes sinais, mas porque comestes pão até vos saciardes”(v.26). Jesus sofre a incompreensão da multidão, em cujo benefício operou grandes obras. Jesus sabe que a multidão O procura não para escutar mais suas palavras, nem para penetrar mais a fundo na sua mensagem, e nem para ser ajudada a compreender os gestos que Jesus realizou, mas porque comeu pão em abundância gratuitamente e espera continuar tendo o pão garantido sem mais precisar trabalhar. Ao procurar Jesus, a multidão queria um deus de uso e consumo, um deus que sirva seus interesses e necessidades, um deus comercial que oferece e distribui os seus dons ao capricho do pedido. Aparentemente a multidão está procurando Jesus, mas que, na verdade, não passa da busca de si mesma que pretende colocar Jesus e o milagre a serviço do interesse próprio. Este é o deus de uma fé supersticiosa que quer encerrar Deus nos limites dos ritos e das leis cultuais, que procura servir-se de Deus em vez de servi-Lo e adorá-Lo. A multidão não entrou no âmago do sinal que é um convite para a fraternidade, para a participação, para a partilha e para a renúncia a possuir e guardar para si para depois começar a partilhar o que tem para os outros, especialmente aos necessitados. O que a multidão devia ter levado a entregar-se aos outros, como Jesus se entregou a ela, a centrou egoisticamente em sua própria fartura.          

Apesar disto, Jesus vê nessa procura do pão material uma oportunidade para proclamar uma norma superior: “Trabalhai, não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece para a vida eterna, alimento que o Filho do Homem vos dará, pois Deus, o Pai, o marcou com seu selo”(v.27). Segundo Jesus, este é o ponto central do problema, pois trata-se da proposta profunda e nova. Jesus é aquele que foi firmado com o selo de Deus, isto é, que Deus indicou Jesus como seu representante autêntico e autorizado para dar o alimento que dá vida. O pão transitório mantém a nossa existência terrena. Mas é indispensável o pão que nos proporciona o Autor da vida que quer plenificar a nossa existência. Ao receber este pão que não se esgota, participamos na dimensão eterna da vida, pois participamos da mesma vida daquele que pode nos conceder o alimento permanente, o que dá a vida eterna, o alimento que não se acaba.          

O alimento que não se acaba é a partilha, pois partilhando sobraram doze cestos cheios(Jo 6,13), isto é, o suficiente para todos sem distinção nenhuma. Jesus quer que os seus seguidores compreendam que Jesus não veio com uma vara  mágica para transformar as pedras em pães de abundância, mas para ensinar que o amor fraterno, que o pão repartido, que a partilha sempre produzem pão em abundância. A multidão precisa entender que aquilo que é solução humana não precisa esperar de Deus, pois o próprio Deus já deu-lhe essa capacidade. O que precisa ser evitado é que não haja a fome e a miséria, pois não pode haver fome ou miséria sem que haja o pecado. A fome, a miséria e a injustiça são irmãs e quem as pratica não está com Deus e seu reino. O pão que comermos, fruto da injustiça e da exploração do irmão não é pão abençoado por Deus. Este tipo de pão nutre, mas não alimenta a vida humana. Mestre Eckhart disse: “Quem não dá ao outro o que é do outro, não come o seu próprio pão, mas come o seu e também aquele do outro”. Assim o pão se torna amargo pois dentro dele contém muitas lágrimas.          

Diante da afirmação de Jesus sobre a importância do alimento que permanece para a vida eterna, a multidão lhe pergunta: “Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?”. A multidão entendeu erradamente o termo “trabalhai” no v. 27. Por isso, logo pergunta sobre as “obras” que Deus exige do homem.  Deus não pede “obras”: “A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou”(vv.28-29). A única obra que Deus exige do homem é a fé no seu enviado. Mas o que quer dizer acreditar naquele que Deus enviou? Não basta saber que Jesus existiu, que pregou o amor, que ensinou normas sublimes de vida. Acreditar em Jesus significa unir a própria vida com a vida dele na doação de si aos irmãos. Jesus é o amor que se doa. Quem se achega a ele não o faz para preencher a si próprio, mas para aprender a doar-se e a amar. Não há amor sem dom de si mesmo e não há dom de si sem real comunicação de bens.          

Diante da resposta de Jesus, a multidão se fecha e exige também “sinal” para provar que Jesus é o enviado do Pai: “Que sinal fazes tu para que acreditemos em ti? Que obra fazes? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: ‘Pão do céu deu-lhes de comer’”(vv. 30-31). Parece a multidão ter esquecido o grande “sinal” da multiplicação dos pães. O maná avalizou Moisés diante do povo como profeta enviado por Deus. Mas o maná não caiu do céu, por isso não podia ser o pão da vida. Quem comeu o maná morreu. O verdadeiro pão do céu é aquele que desce do céu e dá a vida ao mundo(vv.32-33).          

O maná, alimento que perece, aponta para o outro superior e mais completo: pão da vida com referência a Cristo: “Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu, mas é meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”(vv.32-33). Mas a multidão interpretou o pão de que Jesus fala materialmente, como a samaritana a respeito da água viva(Jo 4,14): “Senhor dá-nos sempre deste pão”(v.34). Mas este pedido propicia a grande auto-revelação da pessoa de Jesus onde ele se identifica com o pão em questão: “Eu sou o Pão da Vida. Quem vem a mim, nunca mais terá fome, e o que crê em mim nunca mais terá sede”(v.35). Este versículo representa o ápice do discurso. Todo o discurso tende para esta revelação final: “Eu sou o pão da vida”. A expressão “Eu sou” é a fórmula com que Deus se revelou no AT(Ex 3,14). Nesta auto-revelação, Jesus se manifesta como a resposta às necessidades e esperanças do homem. Para que seja assim, a única condição que se exige do homem é a fé. Jesus é o pão da vida que, tal como a água viva, satisfaz para sempre a fome e a sede do que crê nele. Cristo é a vida imortal prometida ao homem desde o princípio e à qual agora pode ter acesso através da fé nele. Quem se alimenta de Cristo vive para sempre. 

Os pobres têm fome de pão. Mas eles têm muito mais fome de justiça, de igualdade, de solidariedade, de cooperação, de ilusão, de esperança, de vida. Os que estão fartos de egoísmo, de ambição, de poder, de dinheiro, de domínio, de insolência, de desumanização, de armas fazem faltar o pão na mesa da maioria das pessoas. Se você pede o “pão nosso de cada dia” no Pai Nosso, o que faz quando tem o pão para o amanhã e o seu irmão que pede do seu lado não tem pão para hoje? Estamos reunidos para a Eucaristia, mas o que buscamos? Que objetivo perseguimos? O que sua fé fala da fome dos seus irmãos e o que faz com sua fé?

P. Vitus Gustama,SVD

terça-feira, 20 de julho de 2021

Sábado Da XVII Semana Comum, 31/07/2021

SER CRISTÃO É SER PROFETA E MÁRTIR

Sábado da XVII Semana Comum

Primeira Leitura: Lv 25,1.8-17

1 O Senhor falou a Moisés no monte Sinai, dizendo: 8 “Contarás sete semanas de anos, ou seja, sete vezes sete anos, o que dará quarenta e nove anos. 9 Então farás soar a trombeta no décimo dia do sétimo mês. No dia da Expiação fareis soar a trombeta por todo o país. 10 Declarareis santo o quinquagésimo ano e proclamareis a libertação para todos os habitantes do país: será para vós um jubileu. Cada um de vós poderá retornar à sua propriedade e voltar para a sua família. 11 O quinquagésimo ano será para vós um ano de jubileu: não semeareis, nem colhereis o que a terra produzir espontaneamente, nem colhereis as uvas da vinha não podada; 12 pois é um ano do jubileu, sagrado para vós, mas podereis comer o que produziram os campos não cultivados. 13 Nesse ano de jubileu cada um poderá retornar à sua propriedade. 14 Se venderes ao teu conterrâneo, ou dele comprares alguma coisa, que ninguém explore o seu irmão; 15 de acordo com o número de anos decorridos após o jubileu, o teu conterrâneo fixará para ti o preço de compra, e de acordo com os anos de colheita, ele fixará o preço de venda. 16 Quanto maior o número de anos que restarem após o jubileu, tanto maior será o preço da terra; quanto menor o número de anos, tanto menor será o seu preço, pois ele te vende de acordo com o número de colheitas. 17 Não vos leseis uns aos outros entre irmãos, mas temei o vosso Deus. Eu sou o Senhor, vosso Deus”. 

Evangelho: Mt 14,1-12

1 Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos do governador Herodes. 2 Ele disse a seus servidores: “É João Batista, que ressuscitou dos mortos; e, por isso, os poderes mira­culosos atuam nele”. 3 De fato, Herodes tinha mandado prender João, amarrá-lo e colocá-lo na prisão, por causa de Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe. 4 Pois João tinha dito a Herodes: “Não te é permitido tê-la como esposa”. 5 Herodes queria matar João, mas tinha medo do povo, que o considerava como profeta. 6 Por ocasião do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades dançou diante de todos, e agradou tanto a He­ro­des 7 que ele prometeu, com juramento, dar a ela tudo o que pedisse. 8 Instigada pela mãe, ela disse: “Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista”. 9 O rei ficou triste, mas, por causa do juramento diante dos convidados, ordenou que atendessem o pedido dela. 10 E mandou cortar a cabeça de João, no cárcere. 11 Depois a cabeça foi trazida num prato, entregue à moça e esta a levou a sua mãe. 12 Os discípulos de João foram buscar o corpo e o enterraram. Depois foram contar tudo a Jesus.

_____________________

É Preciso Descansar Para Estar Com o Senhor Do Céu e do Universo 

O Senhor falou a Moisés no monte Sinai, dizendo: ´Contarás sete semanas de anos, ou seja, sete vezes sete anos, o que dará quarenta e nove anos. Então farás soar a trombeta no décimo dia do sétimo mês. Declarareis santo o quinquagésimo ano e proclamareis a libertação para todos os habitantes do país: será para vós um jubileu’”. São as primeiras frases da Primeira Leitura do livro de Levítico. 

Ano sabático, ano jubilar. É tempo de descanso para terras, animais e homens. É retorno das propriedades à comunidade para ser de novo repartidas porque é terra de Deus. Trata-se de uma experiência de “desprendimento” e de “justiça distributiva”. É um gesto que se corresponde com o sentido de justiça distributiva”, solidariedade, moderação. 

A lei prescrevia cada sete anos um ano sabático, cuja origem não foi outra que a necessidade de deixar de alqueivar uma terra que era bastante pobre: “Durante seis anos, semearás a terra e recolherás o produto. Mas, no sétimo ano, a deixarás repousar em alqueive; os pobres de teu povo comerão o seu produto, e os animais selvagens comerão o resto. Farás o mesmo com a tua vinha e o teu olival. Durante seis dias, farás o teu trabalho, mas no sétimo descansarás, para que descansem o teu boi e o teu jumento, e respirem o filho de tua escrava e o estrangeiro” (Ex 23,10-12). E que se converteu em ocasião de dar a liberdade aos escravos (Ex 21,2-6).

Esta prescrição foi considerada utópica, pois em seguida a legislação sacerdotal a substituiu pela criação de um ano jubilar (Ex 25,11).

A trombeta com que se anunciava esse ano particular era um chifre de carneiro, que se chama “yobel”, em hebraico. Daí surgiu a palavra “Jubileu”. A celebração do ano jubilar levava consigo, entre outras coisas, a restituição das terras a seus antigos proprietários, a remissão das dívidas, a libertação de escravos e o repouso da terra. 

Mas para além deste contexto económico e social, os israelitas começam a manifestar algumas ideias religiosas que têm interesse para o desenvolvimento futuro do ano jubilar. Em primeiro lugar, a concepção segundo a qual a terra pertence a Deus. Esta é a razão fundamental pela qual não pode ser descartada definitivamente. 

A exploração sem limite da terra pode causar dano para o próprio homem. Na falta de água e de comida, de animais, de peixes etc., todos vão entender que o ouro e a prata não podem ser comidos. A terra precisa de respiração e de cuidados. Esta irmã (Terra) clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou.... Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto´ (Rm 8, 22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7)” (Papa Francisco: Carta Encíclica Laudato Si n.2).

Em segundo lugar, a ideia do “resgate”, subjacente às prescrições do jubileu e que exige uma propriedade familiar seja resgatada preferentemente por um parente (o “goel”) para que não se perca o direito à herança. E por fim, a ideia da remissão, não somente das dívidas, mas também dos pecados. 

Tomando essas três ideias como base, os profetas salvarão a instituição da decadência a fim de o povo eleito voltar a alcançar um futuro escatológico onde as perspectivas tomarão uma densidade mais espiritual. O profeta Isaías tem muito mérito para esta perspectiva escatológica (Is 61,1-3). Então, não será mais necessário tocar a trombeta para anunciar o ano jubilar, pois basta a palavra do profeta que ressoa como trombeta. A palavra “evangelho” nasceu nesse contexto: a boa nova do ano da graça do Senhor. 

O primeiro discurso pronunciado por Jesus ao iniciar sua vida pública será precisamente um comentário do texto de Isaías no qual anuncia o ano jubilar espiritual (Lc 4,21). Jesus Cristo enfoca seu ministério como um verdadeiro ano jubilar. Ele usará seu poder messiânico para perdoar os pecados que escandalizará os fariseus (Mt 9,6). O ministério público de Cristo será, com efeito, uma série ininterrupta de libertações, de curas, de remissões de dívidas e de pecados. Quando sobe ao Pai, confiará este poder aos apóstolos em sua primeira aparição pelo dom do Espirito messiânico (Jo 20,22-23).

Quem Vive Na Mentira É Capaz de Reagir Violentamente Diante Da Verdade Revelada

Na passagem do Evangelho deste dia fala-se da identidade de Jesus, relacionada à de João Batista. O motivo dessa colocação é sempre o mesmo: para entender Jesus há que entender antes quem é João Batista, pois João Batista é o Precursor de Jesus. O destino de João Batista preanuncia o de Jesus. 

O evangelho nos relatou que a fama de Jesus estava cada vez mais espalhada ao seu redor. Por isso chegou também aos ouvidos de Herodes que já tinha mandado decapitar João Batista. A presença e a fama de Jesus incomodam a consciência de Herodes: “É João Batista, que ressuscitou dos mortos; e, por isso, os poderes miraculosos atuam nele”, pensou Herodes. Herodes que já tinha mandado decapitar João Batista, por instigação de Herodíades, ficou sem a consciência tranquila.

A partir da reação de Herodes é que se conta o drama da vida de João Batista que denunciou Herodes por ter se casada com Herodíades, ex-mulher de seu irmão, pois era proibido pela Lei (cf. Lv 18,16).

A adúltera Herodíades não gostou da denúncia de João Batista em nome de seu prazer e interesse pessoal, e esperava momento certo para vingar-se. Quando chegou o momento oportuno ela pediu, através de sua filha, a cabeça de João Batista.

João Batista é o último profeta do Antigo testamento. Ele enfrenta abertamente os governantes da nação para chamá-los à mudança e para exigir um comportamento ético. O deserto, lugar de sua pregação, é símbolo de sua oposição à cidade e ao templo. Ele quer reviver a experiência do êxodo e recordar seu povo que o destino depende completamente da fidelidade a Deus. No entanto, como qualquer profeta, João Batista pagou o preço alto de sua denúncia: a própria vida. Herodes, ainda que tivesse respeito pelo João Batista, se submeteu diante das pressões da adúltera Herodíades que pediu a cabeça de João Batista. 

A morte de João Batista antecipa a morte de Jesus como mártir. Ambos são encarcerados injustamente, ambos rubricam com seu sangue a verdade de Deus. Jesus espera o mesmo destino de João Batista. Um profeta autêntico não é somente recusado em sua própria pátria (cf. Mt 13,57), mas também essa recusa termina, muitas vezes, com sua morte.

A denúncia de João Batista nos mostra que o Evangelho não é neutro. Diante de certos grandes problemas, o Evangelho toma posição com o risco de conduzir os crentes para o martírio pelo fato de defender a verdade, a justiça, a honestidade e assim por diante. 

A figura de João Batista é admirável em sua coerência, na lucidez de sua pregação e de suas denúncias. João Batista é valente e comprometido. Diz a verdade ainda que desagrade. 

É figura também de tantos cristãos que morreram vitimas da intolerância pelo testemunho que davam contra situações injustas e insuportáveis do ponto de vista da justiça e da honestidade. Os “profetas mudos” prosperam, mas os autênticos terminam pagando tudo com a própria vida. Quantas cabeças humanas decapitadas caíram também hoje de espada, da injustiça, da miséria consentida, porque não estamos dispostos a aceitar honradamente o império da justiça, da solidariedade, da paz e da verdade?

Toda vez que celebramos o martírio de um discípulo de Cristo tocamos o próprio núcleo de nossa fé. A Igreja de Cristo é a Igreja dos mártires. Mas o que acontece é que estamos tão acostumados com o comodismo. Muitas vezes nos sentimos instalados comodamente no acampamento capitalista ou nas avenidas do hedonismo. Ninguém vai nos perseguir se não vivermos nosso martírio, nosso verdadeiro testemunho dos valores ensinados por Jesus Cristo. A vida iluminada pela verdade ameaça quem está na sombra da desonestidade e da falsidade, e este reage violentamente diante da verdade em nome da defesa dos seus interesses e prazeres. Toda vez que os cristãos se arriscarem para adentrar-se nos territórios obscuros, eles vão pagar o preço com sua própria vida, como João Batista. Toda vez que a Igreja abrir a boca contra a injustiça, a desonestidade, a corrupção, a exploração do ser humano, ela será perseguida. Mas dar a vida é a única maneira de dar vida. Ser verdadeira Igreja de Cristo não dá para parar de sofrer enquanto ela viver seu verdadeiro martírio, seu profundo testemunho de valores. A verdadeira Igreja de Cristo é a Igreja dos mártires, das testemunhas de Cristo. 

Jesus nos diz que devemos ser luz, sal e fermento deste mundo. Ou seja, profetas. Ser cristão é estar disposto a tudo. Profetas são os que interpretam e vivem as realidades deste mundo a partir da perspectiva de Deus e denunciam quando há injustiça ou desonestidade nelas. 

Geralmente não gostamos de escutar as críticas que nos recordam o lado escuro de nossa vida. Sempre temos dificuldade para escutar um profeta. Mas mesmo que não gostamos de ouvir o profeta, suas palavras continuam a conter a verdade. Mesmo que eliminemos o profeta, mas suas palavras continuam a ressoar ou a incomodar nossa consciência, como aconteceu com Herodes. Viver na verdade ou de acordo com a verdade, com a justiça, com a desonestidade, etc. é viver na serenidade.

P. Vitus Gustama,svd

V Domingo Da Páscoa, 28/04/2024

PERMANECER EM CRISTO PARA PRODUZIR BONS FRUTO, POIS ELE É A VERDADEIRA VIDEIRA V DOMINGO DA PÁSCOA ANO “B” Primeira Leitura: At 9,26-31...