sábado, 3 de julho de 2021

XV Domingo Comum, 11/07/2021

SOMOS CHAMADOS POR DEUS PARA SERMOS SEUS ENVIADOS

XV DOMINGO DO TEMPO COMUM “B”

Primeira Leitura: Am 7,12-15

Naqueles dias, 12 disse Amasias, sacerdote de Betel, a Amós: “Vidente, sai e procura refúgio em Judá, onde possas ganhar teu pão e exercer a profecia; 13 mas em Betel não deverás insistir em profetizar, porque aí fica o santuário do rei e a corte do reino”. 14 Respondeu Amós a Amasias, dizendo: “Não sou profeta nem sou filho de profeta; sou pastor de gado e cultivo sicômoros. 15 O Senhor chamou-me, quando eu tangia o rebanho, e o Senhor me disse: ‘Vai profetizar para Israel, meu povo’”.

Segunda Leitura: Ef 1,3-10

3 Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele nos abençoou com toda a bênção do seu Espírito em virtude de nossa união com Cristo, no céu. 4 Em Cristo, ele nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor. 5 Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo, conforme a decisão da sua vontade, 6 para o louvor da sua glória e da graça com que nos cumulou no seu Bem-amado. 7 Pelo seu sangue, nós somos libertados. Nele, as nossas faltas são perdoadas, segundo a riqueza da sua graça, 8 que Deus derramou profusamente sobre nós, abrindo-nos a toda a sabedoria e prudência. 9 Ele nos fez conhecer o mistério da sua vontade, o desígnio benevolente que de antemão determinou em si mesmo, 10 para levar à plenitude o tempo estabelecido e recapitular, em Cristo, o universo inteiro: tudo o que está nos céus e tudo o que está sobre a terra.

Evangelho: Mc 6,7-13

Naquele tempo, 7Jesus chamou os doze e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros. 8Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. 9Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. 10E Jesus disse ainda: “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida. 11Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!” 12Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. 13Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo.

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I. CHAMADA À EVANGELIZAÇÃO É PARA TODOS 

O ponto de encontro das leituras deste domingo é a missão. O Evangelho fala da missão que Jesus dá aos Doze: “Jesus chamou os doze e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros”. O profeta Amós, na Primeira Leitura, enfatiza que profetiza, não por vontade ou iniciativa pessoal, mas “O Senhor chamou-me, quando eu tangia o rebanho, e o Senhor me disse: ‘Vai profetizar para Israel, meu povo’”. O hino cristológico da Carta aos Efésios, na Segunda Leitura, canta os frutos da missão na consciência dos cristãos: a bênção de Deus Pai, a eleição em Cristo, a adoção filial, a redenção e o perdão dos pecados, a revelação dos desígnios de Deus sobre a história, o batismo no Espírito Santo. 

A chamada de Deus ao profeta Amós (Primeira Leitura), a chamada de Jesus aos Doze (Evangelho) e o próprio exemplo de são Paulo que fala na Segunda Leitura não são casos excepcionais, próprios de um setor da Igreja, isto é, não é a chamada apenas para os bispos (e padres, seus colaboradores e agentes pastorais). Sendo o Evangelho para todos, quando chegarem novos homens para nosso planeta, há que começar com eles o trabalho de evangelização. Com efeito, é evidente que todos os cristãos tenham que viver “em estado de missão”. Os pais de família são “missionários” para seus filhos; os professores para seus alunos; os médicos e enfermeiros para seus pacientes; os párocos (e seus vigários) e seus colaboradores para os fiéis de sua paróquia, e assim por diante. A maioria de nós luta de tempo em tempo com uma sensação de falta de valor. Às vezes essa ideia de não servir para nada nos leva a um comportamento autodestrutivo. A verdade é que as soluções  estão dentro de nós, pois Deus habita em nosso coração (Cf. 1Cor 3,16-17;6,19). Talvez a frase do santo Papa João Paulo II sirva para nossa reflexão: “missão está ainda no começo, e que devemos empenhar-nos com todas as forças no seu serviço” (Redemptoris Missio n.1). Estas palavras podem ser pronunciadas em cada geração e em cada época histórica, porque é necessário estarmos sempre começando. O único que nesta hora de Deus não podemos fazer é cruzarmos braços, estarmos sem fazer nada, pois seria uma postura irresponsável e indigna de um bom cristão. 

Se o Evangelho é para todos, se Deus está em nós, a chamada de Deus é para todos os cristãos. Neste sentido, o exemplo de Amós, na Primeira Leitura, é significativo: ele não é um profissional da profecia, vinculado a um determinado santuário, e sim que ele é um indivíduo normal, um pastor de rebanho e campista (homem do campo) que se sente tocado e chamado por Deus em favor do seu povo. Como ele, todo cristão é chamado a tirar o mal do mundo a fim de mudar cada coração. Em cada situação Deus fala no coração de cada cristão para agir em favor do povo de Deus a partir das condições ou aptidões que cada um tem. Basta cada um tirar e partilhar o que é bom dentro do coração, o mundo ao redor vai melhorar aos poucos. Ninguém pode economizar o amor, a bondade, a caridade, a solidariedade, e assim por diante, pois quanto mais se partilha, mais se multiplica. É o paradoxo do bem que se pratica e da bondade que se vive na convivência com os demais. A bondade se multiplica através da partilha da mesma. 

A Igreja em geral, e cada cristão, em particular, não pode sentir-se satisfeito tendo muitas pessoas “enroladas” nos conselhos paroquiais/comunitários, nas pastorais/nos determinados ministérios, nas organizações, movimentos, grupos, etc., como se o ideal fosse este: que os cristãos se passam muitas horas no interior da igreja, de modo que a igreja se converta em um espécie de clube que encerre e tranquilize as pessoas. “O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado”, escreveu o Papa Francisco na Exortação Apostólica, Evangelii Gaudium n.2. Todas as atividades pastorais da Igreja serão válidas, se os cristãos se tornarem no mundo testemunhas do amor de Deus. 

Ser cristão-evangelizador significa pôr-se em caminho, no caminho de Jesus Cristo; é caminhar na estrada de Jesus que significa crer n´Ele e querer atuar como Ele; é ir ao encontro do outro, especialmente ao necessitado, para chamá-lo a ser parceiro do bem. É sair de nossa zona de conforto, como Deus que se encarnou, para salvar o mundo (cf. Jo 1,14), pelo menos o mundo ao nosso redor.

A “não profissionalidade” de Amós, e, sobretudo, a missão dos Doze que devem partir sem levar “nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura, nem duas túnicas” mostra um aspecto importante da tarefa evangelizadora: é ser testemunha da própria fé e não para tirar alguma vantagem desta tarefa, e sim porque se sente vitalmente “empurrado” ou “impelido” (cf. Mc 1,12) por esta missão do Senhor. Quando o cristão se deixar impelir pelo Espírito do Senhor, sua vida será uma vida dedicada pelo bem e salvação dos outros; ele vai sair de si, do seu cantinho confortável ao encontro dos outros, especialmente dos necessitados mesmo com muitas dificuldades. Este estilo livre e independente é decisivo para a pureza da mensagem do Evangelho (sem segundas intenções). E isto se aplica também às instituições eclesiais e à própria Igreja: a missão profética e evangelizadora dos cristãos e da Igreja será pura se for livre de todo tipo do poder deste mundo ou de qualquer interesse egoísta.

Para ser “missionários” é preciso sermos livres. Livres para aceitar esta dimensão própria da vocação cristã: “A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária, visto que tem a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na ‘missão’ do Filho e do Espírito Santo” (Cf. Ad Gentes n.2); livres para responder a Deus generosamente, livres de instintos e paixões egoístas; livres para seguir mansamente as luzes e movimentos do Espírito Santo dentro de nós. É nos pedido que nos libertemos de todo apego aos bens e meios materiais, para nos apresentarmos com o Evangelho puro; livres de todo orgulho e desejo de poder, com a clara consciência de que somos servos do homem. Somos solicitados a ser equipados de maneira única com um grande amor por Jesus Cristo, nosso modelo; equipados com o Evangelho feito vida; equipados de confiança em Deus e de esperança na ação do Espírito Santo no coração dos homens. 

SOMOS TODOS OS ENVIADOS DO SENHOR

O evangelho deste domingo fala da missão dos Doze. Os doze haviam sidos escolhidos “para que ficassem com Ele, para enviá-los a pregar” (Mc 3,14-15). Nos capítulos anteriores, os vimos separar-se das pessoas (do povo) e seguir a Jesus, ouvir e aprender, viver em comunidade com ele. Agora (Mc 6,7-13) Marcos nos mostra a outra dimensão do discípulo: a dimensão missionária. As poucas palavras de Marcos (versículos 7 a 13) são muito densas em significado, e constituem, em sua brevidade, uma espécie de regra missionária.

Para descrever a missão dos discípulos, Marcos usa as mesmas palavras que usa em todo o evangelho para descrever a missão de Jesus: eles pregavam a conversão, curavam os enfermos, expulsavam demônios (vs 12-13). A missão dos discípulos depende totalmente da missão de Cristo e nela encontra a sua motivação e o seu modelo. 

Cristo supõe no discípulo esta tríplice  consciência: consciência da origem divina de sua missão ("Ele os enviou"), isto é, de uma atividade querida por outro (o Senhor) e não decidida por nós; de um projeto em que estamos envolvidos, mas sem sermos diretores de cena; a consciência de sair de si mesmo e ir para outro lugar, para novos lugares, viajando/caminhando continuamente (dentro do sentido de  evangelização); a consciência de finalmente ter uma mensagem nova e alegre para comunicar aos outros. 

Observe-se a insistência na pobreza (evangélica) como condição indispensável para a missão: sem pão, sem bolsa, sem dinheiro, mas apenas sapatos comuns, um cajado e um único manto (versos 8-9). Trata-se de uma pobreza que é fé, liberdade e leveza. Acima de tudo, liberdade e leveza. Um discípulo carregado de bagagens torna-se sedentário, conservador, incapaz de captar a novidade de Deus e considerar a casa/lugar onde se instalou e da qual não quer sair não se pode renunciar (muitas malas para embalar e muitos títulos para renunciar!). Mas pobreza também é fé. É o sinal de que o discípulo não confia em si mesmo, que não deseja estar totalmente seguro.

Finalmente, há um terceiro aspecto que não pode ser esquecido: o clima "dramático" da missão. Talvez esta seja a nota dominante de todo o capítulo. Existe o drama da rejeição e o drama da contradição. Dois sofrimentos que o discípulo deve suportar com coragem. A rejeição já está prevista (versículo 11): a palavra de Deus é eficaz, mas a seu modo. O discípulo deve proclamar a mensagem e arriscar tudo nela. Mas  tem que deixar o resultado para Deus. Ao discípulo foi confiada uma tarefa, mas o resultado não foi garantido. O outro drama, o da contradição, que é mais interno para a própria natureza da missão. O anúncio do discípulo não é uma instrução teórica, mas uma palavra que atua, na qual o poder de Deus está presente, uma palavra que se compromete, e diante da qual é preciso tomar posição. Portanto, é uma palavra que sacode, que suscita contradições, que parece levar a divisão onde havia paz, desordem onde havia tranquilidade. A missão é, como diz Marcos, lutar contra o maligno. Onde a palavra do discípulo chega (Palavra de Deus anunciada), Satanás não tem escolha a não ser se manifestar: pecado, injustiça, ambição devem vir à luz; tem que contar com a oposição e a resistência. É por isso que o discípulo não é apenas um mestre que ensina, mas também uma testemunha que se compromete na luta contra Satanás em nome da verdade, da liberdade e do amor.

“Jesus chamou os doze e começou a enviá-los...”. Esta é a primeira vez que os Doze vão se encontrar sós, sem Jesus, longe dele. É o tempo da Igreja. É o tempo da prática.

Durante os cinco primeiros capítulos de seu relato, o evangelista Marcos nos apresentou Jesus com seus discípulos, com muita insistência, diante da multidão e dos adversários. No momento de sua vocação (Mc 3,13-14), o evangelista Marcos havia dito: “Jesus constituiu Doze para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar...”.  É igual ao movimento do coração: diástole, sístole... O sangue vem ao coração e do coração é enviado ao organismo. Dessa maneira é que o organismo pode se manter. É o mesmo movimento do apostolado: viver com Cristo, ir ao mundo para levar o Cristo; intimidade com Deus, presença no mundo com o Espírito de Deus. Quem não vive, primeiro, com Cristo, não pode ser um bom missionário, não pode ser um cristão crível no mundo. Quem não fala com Cristo, não pode falar de Cristo. Um cristão tem que animar tudo com Espírito de Cristo para não deixar o espirito de vaidade dominar sua vida e suas atividades.       

O texto procura mostrar como deve agir o seguidor de Jesus e o que vai acontecer com ele quando sair pelo mundo para pregar o Evangelho. Tudo isto se resume numa só ideia: o seguidor deve agir como o Mestre Jesus agiu. O que aconteceu com o Mestre vai acontecer também com o discípulo/cristão, pois o discípulo não é maior do que o próprio Mestre (Cf. Mt 10,24).        

No Evangelho deste domingo Jesus anuncia alguns pontos fundamentais para o discípulo/seguidor realizar a missão:          

Em primeiro lugar, o texto diz que Jesus envia os discípulos dois a dois. “Dois a dois” indica que a missão é um serviço comunitário. Na Igreja do Senhor ninguém pode ser lutador solitário. Os cristãos devem ajudar-se mutuamente em suas atividades a partir de seus dons; não é um trabalho de promoção pessoal; é um trabalho de conjunto ou coletivo. “Ir dois a dois” implica também a afirmação da igualdade e exclui a subordinação de um ao outro (cf. Dt 19,15). Quem vive o Evangelho do Senhor deve estar em sintonia com os irmãos da sua comunidade. O cristão jamais pode ser uma pessoa isolada da comunidade. Cada cristão é batizado para fazer parte da comunidade trinitária: “Eu te batiza em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo”. Conviver como irmãos faz parte da fé trinitária.

O que distingue uma comunidade cristã de um grupo de amigos ou profissionais é que o nosso laço vem de Deus. Foi Deus quem nos chamou e nos escolheu e nos uniu numa aliança de amor e numa solicitude mútua. Por isso, todos na comunidade são chamados a partilhar seus dons e receber os dos outros e a descobrir a altura e a profundidade da sabedoria, da beleza e do amor de nosso Deus. Todos são chamados a trabalhar juntos pela glória de Deus. Quando não se procura a glória de Deus e sim a própria glória, a rivalidade e a competição se instalam, suscitando a inveja na comunidade. E a inveja, por sua vez, gera o ódio e a guerra. Se cada cristão estiver consciente de que o nosso laço vem de Deus, ele se abrirá à experiência do amor de Deus presente na comunidade e no coração de cada membro. Se cada membro se abrir a essa experiência de amor, a comunidade se tornará um lugar de encontro com Deus e com os irmãos. Ou segundo Martin Buber como “o lugar da teofania”: “Nós esperamos uma teofania, da qual apenas conhecemos o lugar, e esse lugar se chama comunidade”. 

A beleza e a unidade da comunidade vêm do brilho de cada pessoa, da luz e do amor que há nelas e da maneira como se amam. A comunidade é organizada para proporcionar a transformação e o crescimento das pessoas. Sua finalidade é a pessoa, o amor e a comunhão com Deus. Quando uma comunidade é apenas um lugar de trabalho ou apenas de atividade, ela está ameaçada, pois as pessoas se preocupam com o trabalho e não com as pessoas e seu crescimento e sua salvação.

Jesus começou a enviá-los dois a dois...” Independentemente das razoes bíblicas esta expressão é muito moderna e avançada. Na Igreja de Jesus não se trabalha só, e sim em equipe. Nenhum cristão pode ser um lutador solitário, exigindo que suas ideias sejam mais importantes do que as dos outros. Cada ponto de vista é visto de um ponto. A atitude de quem trabalha na Igreja, na comunidade eclesial deve ser interrogada a partir do conjunto. O individualismo tem formas muito sutis: não gostamos que os nossos irmãos controlem nossos próprios comportamentos apostólicos e outros comportamentos; cada um quer ser uma estrela solitária a ponto de apagar o brilho do outro; nada se discuta, cada um vai fazer as coisas do jeito que quer. O pior é que o Cristo fica de lado ou de costas para a pessoa em questão estar em destaque.          

Em segundo lugar, Jesus deu aos doze o poder messiânico de Cristo contra as forças do mal, ou seja, a autoridade para libertar as pessoas de tudo aquilo que aliena, oprime e despersonaliza ou desumaniza as pessoas. O evangelista Marcos resume o poder dos enviados em três palavras: o carisma da “palavra” que proclama a necessidade de mudança de vida; o carisma de expulsar demônios, isto é, o poder contra o mal; e o carisma de “curar os enfermos”, isto é, melhorar a vida humana na sua qualidade.

Eles são enviados com autoridade sobre os espíritos imundos, para dominá-los e não para dominar os outros irmãos.  O cristão tem o poder de tirar esse mal, pois o Senhor Jesus lho deu. A primeira tarefa de cada cristão consiste em tirar o mal que está no meio das comunidades, no meio da própria família, de dentro do próprio coração. Quem é livre pode libertar os outros. O enviado de Jesus, cada cristão deve instaurar um mundo mais justo e fraterno; deve melhorar a vida humana em todos os seus aspectos.          

Em terceiro lugar, Jesus exige dos doze um modo de vida baseada num desprendimento absoluto dos bens materiais (vv.8-9). Jesus pede que os discípulos vivam um estilo de austeridade e a pobreza evangélica de modo que não se ponham ênfase nos meios humanos: econômicos ou técnicos e sim na força de Deus que ele lhes transmite. Deus não se serve de anjos nem de revelações diretas. É a Igreja, ou seja, os cristãos que continuam e visibilizam a obra salvadora de Cristo, e o modo de vida do cristão deve ser reflexo do de Cristo. A linguagem que o mundo de hoje facilmente entende: austeridade e o desinteresse na hora de fazer o bem: o cristão deve fazer o bem pelo bem e não por algum interesse por trás. É claro que necessitamos dos meios que fazem parte da evangelização, porém jamais podemos nos deixar de nos apoiar na graça de Deus e na nossa fé sem buscar seguranças e prestígios humanos. 

Trata-se de uma pobreza voluntária, porque somente assim eles poderiam ser considerados como fidedignos. Jesus enfatiza mais o ser dos discípulos do que o seu ter. Jesus não despreza os bens deste mundo, não apresenta a miséria como um ideal de vida, mas alerta para o perigo de nos deixarmos condicionar pela posse de bens materiais. A porta da morte é tão estreita que somente passa aquilo que é a bagagem de amor na condivisão dos bens materiais com os irmãos e irmãs que não têm nada para sua vida.

O desapego a tudo não implica somente a renúncia a uma carga pesada de bens materiais, mas também o abandono de preconceitos, de tradições, de ideias retrógradas, às quais muitas vezes estamos amarrados de uma forma emocional e irracional. Referimo-nos ao pesado ônus representado por certos usos, por certos costumes, por certas tradições religiosas embutidas em determinado ambiente histórico e cultural, que muitos, confundem ou equiparam com os valores do Evangelho. Não podemos acumular “bastões”, “dinheiro”, “sandálias” e “túnicas”.          

Em quarto lugar, Jesus envia os doze para pregar a mudança de vida (conversão) para si e para os outros (v.12). Para Jesus, a conversão é condição sine qua non para construir uma sociedade nova ou Reino de Deus (Mc 1,15). A conversão sempre envolve movimento de uma dimensão para outra. E isso envolve a pessoa toda, não apenas seu senso moral, sua capacidade intelectual ou sua vida espiritual. Corpo, mente e alma juntos são afetados pelo ato da conversão, e as consequências são sentidas em todos os aspectos da vida da pessoa, inclusive nos campos social e político. 

A conversão é crescimento contínuo; não é um acontecimento instantâneo, pontual e de uma vez por todas; não é uma carreira acabada, mas que constitui um crescimento sem interrupção e ascendente. Por mais decidida que seja a entrega de um cristão ao Reino, ela tenderá sempre a ser precária. De um coração convertido aos valores do Reino e do Evangelho se seguirão naturalmente os frutos visíveis de uma conversão que atinge a realidade da vida.

A vida dedicada apenas a cumprir normas para agradar a Deus termina por converter-se numa vida estéril, pois o único modo para agradar a Deus é viver a fraternidade ou viver no amor fraterno. Por isso, não podemos confundir nossa fé como um sistema de leis e regras cujo cumprimento dá segurança, que muitas vezes uma falsa segurança. Mas devemos considerar a fé como resposta e aposta decidida e valiosa para trabalhar em favor da fraternidade. Isto deve ser o estilo de vida de quem quer seguir a Jesus. Para isso, todos nós somos chamados a nos converter permanentemente. Somente através da conversão é que teremos uma vida fecunda. A conversão é o momento oportuno para o crescimento na direção do bem e do Bem Absoluto (Deus).           

Em quinto lugar, a outra instrução de Jesus prevê uma atitude de bom senso e formação de comunidade: “Quando vocês entrarem numa casa, fiquem aí até partirem” (v.10). 

É interessante observar que não se fala para os discípulos irem às sinagogas, instituição judaica, o que seria contrario à finalidade do envio. Menciona-se somente “o lugar” e “a casa/ família” que podem encontra-se em qualquer país. Hão de aceitar a hospitalidade que a eles é oferecida, sem mudar de casa, para não desprezar a boa vontade do povo nem afrontar a hospitalidade oferecida. Os discípulos devem aceitar o que a eles são oferecidos sem mostrar reações ao uso do lugar. 

“Quando vocês entrarem numa casa, fiquem aí até partirem” (v.10). Isto não indica a plena estabilidade para os discípulos, mas um local onde, com a sua partida, a comunidade possa continuar a se reunir e dar prosseguimento à Boa Nova do Reino. Os cristãos devem ensinar os outros a assumirem o compromisso, a andarem com as próprias pernas. 

Para os Doze, o Novo Israel, esta instrução implica uma mudança radical de mentalidade: entrar em casa de pagãos, desprezados pelos judeus, e depender deles para a sobrevivência. Jesus pretende que os discípulos esqueçam sua identidade judaica para colocar-se no plano da humanidade. Para divinizar é preciso humanizar. É preciso viver a própria humanidade para se tornar humano para os outros. O caminho da divinização passa pelo caminho da humanização. É o paradoxo da vida cristã.            

À luz do Evangelho de hoje procuremos nos perguntar a partir das palavras do Papa Paulo VI na Evangelii Nuntiandi n. 76 do item c: “ACREDITAIS verdadeiramente naquilo que anunciais? VIVEIS aquilo que acrediteis? PREGAIS vós verdadeiramente aquilo que viveis? Mais do que nunca, portanto, o testemunho da vida tornou-se uma condição essencial para a eficácia profunda da pregação. Sob este ângulo, somos até certo ponto, responsáveis pelo avanço do Evangelho que nós proclamamos”. Além disso, será que somos meros espectadores e admiradores de Jesus ou somos seus seguidores? O que pode estar tornando menos convidativo e pouco crível a nossa mensagem? Qual é o testemunho que devemos dar para que os outros acreditem na nossa mensagem? É impossível ser um verdadeiro cristão sem estar com Cristo antes.

Para Meditar:

·      A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria (Papa Francisco: Exortação Apostólica, Evangelii Gaidium n.1).

P. Vitus Gustama,SVD

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