quarta-feira, 15 de junho de 2022

Boa Viagem!

 Meus caríssimos leitores, por razão de viagem para o exterior (viagem de férias), não vou poder renovar as minhas reflexões diárias e dominicais. PORÉM, 

1. Para as reflexões dominicais, vejam as reflexões do ano 2019 a partir do mês de Maio/Junho.

2. Para as reflexões diárias/semanais, bastam procurar as reflexões do ano 2020 (Ano par).

Muito obrigado pela compreensão e rezem por mim.


! Paz e bem!
Pe. Vitus


XIII Domingo Comum "C",26/06/2022

 

SEGUIR JESUS ATÉ A PÁSCOA INCONDICIONALMENTE

XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM

Primeira Leitura: 1Rs 19,16b.19-21

Naqueles dias, disse o Senhor a Elias: 16b vai e unge a Eliseu, filho de Safat, de Abel-Meula, como profeta em teu lugar. 19 Elias partiu dali e encontrou Eliseu, filho de Safat, lavrando a terra com doze juntas de bois; e ele mesmo conduzia a última. Elias, ao passar perto de Eliseu, lançou sobre ele o seu manto. 20 Então Eliseu deixou os bois e correu atrás de Elias, dizendo: “Deixa-me primeiro ir beijar meu pai e minha mãe, depois te seguirei”. Elias respondeu: “Vai e volta! Pois o que te fiz eu?” 21 Ele retirou-se, tomou a junta de bois e os imolou. Com a madeira do arado e da canga assou a carne e deu de comer à sua gente. Depois levantou-se, seguiu Elias e pôs-se ao seu serviço.

Segunda Leitura: Gl 5,1.13-18

Irmãos: 1 É para a liberdade que Cristo nos libertou. Ficai pois firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão. 13 Sim, irmãos, fostes chamados para a liberdade. Porém, não façais dessa liberdade um pretexto para servirdes à carne. Pelo contrário, fazei-vos escravos uns dos outros, pela caridade. 14 Com efeito, toda a Lei se resume neste único mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. 15 Mas, se vos mordeis e vos devorais uns aos outros, cuidado para não serdes consumidos uns pelos outros. 16 Eu vos ordeno: Procedei segundo o Espírito. Assim, não satisfareis aos desejos da carne. 17 Pois a carne tem desejos contra o espírito, e o espírito tem desejos contra a carne. Há uma oposição entre carne e espírito, de modo que nem sempre fazeis o que gostaríeis de fazer. 18 Se, porém, sois conduzidos pelo Espírito, então não estais sob o jugo da Lei.

Evangelho: Lc 9,51-62

51 Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu. Então ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém 52 e enviou mensageiros à sua frente. Estes puseram-se a caminho e entraram num povoado de samaritanos, para preparar hospedagem para Jesus. 53 Mas os samaritanos não o receberam, pois Jesus dava a impressão de que ia a Jerusalém. 54 Vendo isso, os discípulos Tiago e João disseram: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?” 55 Jesus, porém, voltou-se e repreendeu-os. 56 E partiram para outro povoado. 57 Enquanto estavam caminhando, alguém na estrada disse a Jesus: “Eu te seguirei para onde quer que fores”.  58 Jesus lhe respondeu: “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”. 59 Jesus disse a outro: “Segue-me”.  Este respondeu: “Deixa-me primeiro ir enterrar meu pai”. 60 Jesus respondeu: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; mas tu, vai anunciar o Reino de Deus”. 61 Um outro ainda lhe disse: “Eu te seguirei, Senhor, mas deixa-me primeiro despedir-me dos meus familiares”. 62 Jesus, porém, respondeu-lhe: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus”.

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A partir do texto lido neste dia, Jesus começa sua viagem para Jerusalém (Lc 9,51-19,28). Nesta seção Jesus vai dando suas últimas lições para seus discípulos, pois em Jerusalém Ele será curificado e morto, porém no terceiro dia será ressuscitado. Tratam-se das lições do caminho. Depois de ter descrito quem é Jesus e qual é sua obra, na segunda parte do seu evangelho, Lucas apresenta Jesus no longo caminhar que terminará em Jerusalém onde ele será crucificada e morto e culminará em sua chegada ao céu. 

Ao falar da viagem de Jesus para Jerusalém, Lucas não se preocupa com a precisão geográfica. Ele se preocupa muito mais com a meta desta viagem que é Jerusalém e o significado desta viagem do que a precisão geográfica. Trata-se de um caminho geográfico-teológico. Para Lucas, a Páscoa de Jesus não foi questão de uns dias finais. Para Lucas, a Páscoa de Jesus começa a realizar-se neste caminhar para a meta. Por isso, é um caminho pascal. Do ponto de vista eclesial, este caminhar é um relato eminentemente catequético e parenético em que oferece várias perspectivas da moral cristã como condição para caminhar com Jesus, compartilhando seu caminho pascal. Para o evangelista Lucas a moral cristã tem caráter cristológico, pois é compartilhar o caminho de Jesus para a sua ascensão, e pascal, pois é começar a morrer para ressuscitar com Jesus.  Por isso, antes de chegar à meta final, Jesus anda de cidade a cidade sem repetir o caminho, ensinando. Trata-se de uma seção que fala da Lição do Caminho.          

Tudo isso quer nos dizer que toda esta seção está dominada pela perspectiva da páscoa, compreendida sob a luz do Messias sofredor e pela interesse de Jesus em preparar seus discípulos para a missão. Precisamente por isso, estão muito presentes as exigências do seguimento na vida cotidiana. Assim, este caminho até Jerusalém, que na época do evangelista servia como iniciação para o caminho cristão (At 9,2;18,25s;19,9.23;22,4;24,14-22), é também uma instrução catecumenal dirigida aos crentes de todos os tempos. A utilização da comparação do caminho permite descobrir a existência do crente e a vida da comunidade como uma experiência dinâmica e progressiva. Para conhecer Jesus é preciso caminhar atrás de Jesus e com Jesus. Os cristãos são chamados a fazer sempre um passo adiante com Cristo. Eles devem estar sempre a caminho, como o próprio Jesus. Somente caminhando é que podemos descobrir e encontrar novidades e surpresas da vida. Caminhar é também o momento de aprendizagem.                     

Por isso, esta seção da viagem a Jerusalém representa o núcleo central do evangelho de Lucas. O itinerário de Jesus até Jerusalém, cidade santa, recapitula o caminho de Israel no Antigo Testamento. Além disto, para Lucas Jerusalém representa a última etapa da missão de Jesus onde os acontecimentos pascais serão levados a cabo que desembocarão na salvação. E a missão da Igreja, certamente, partirá de onde a missão de Jesus termina: Jerusalém (At 1,8).          

Vamos aprofundar alguns pontos do texto do evangelho de hoje para nossa reflexão! 

Jesus Leva a Cabo Sua Missão Como Salvador          

Lemos no v. 51 como introdução: “Quando se completaram os dias de sua assunção, ele tomou resolutamente o caminho de Jerusalém...”(v.51).

Aparecem aqui alguns temas joaninos: o cumprimento dos tempos (cf. Jo 13,1), o “arrebatamento”/ascensão do mundo (João usa o termo “glorificação”: Jo 7,39; 12,16.22; 13,31,32; cf. Jo 12,32), e a vontade deliberada de Jesus de ir até o fim de seu destino: Jerusalém (Lc usa o termo “resolutamente”; cf. Jo 18,4;19,11). 

Neste versículo encontra-se a chave do conjunto da passagem onde se sublinha claramente o mistério pascal de Jesus: morte e ressurreição do Senhor. Estamos, por isso, perto do cumprimento do plano de Deus que inaugura uma nova etapa da história de salvação. Trata-se da partida (ascensão, arrebatamento) de Jesus ao Pai. Através do termo “partida” ou “ascensão/arrebatamento” entende-se que se fala seguramente da morte e ressurreição de Jesus, o conjunto do mistério pascal. “Arrebatamento” é um termo que a tradição bíblica do AT emprega em relação ao arrebatamento de Elias ao céu (cf. 2Rs 2,11). Lucas relaciona, então, a morte de Jesus com a tradição do arrebatamento de Elias.          

O caminho que Jesus trilha e que toma com uma vontade resoluta é o caminho da salvação. Ele fala da paixão e morte, mas termina com a afirmação sobre a ressurreição, como lemos no evangelho do domingo anterior nos anúncios da paixão. Ele mostra a vitória final apesar das dificuldades que devem-se superar. A vitória esperada cria força para atingi-la. Como se ele quisesse nos dizer: “Não tenham medo das dificuldades, vocês vão sair delas, pois estou com vocês e estou com o troféu na mão para lhes entregar lá no final da caminhada. Sejam perseverantes! Não desistam no meio do caminho. Vocês têm força suficiente para chegar à meta. Como eu, que tomei resolutamente o caminho de Jerusalém, me arrebatei, assim acontecerá também com vocês”. Ele mostra a vitória final, logo no início, para que possamos encarar os problemas e os sofrimentos encontrados no caminho rumo à vitória.

2. Exortação de Jesus sobre o perigo da violência e o convite a sermos irmãos (vv.52-56)          

O caminho natural  e mais curto dos peregrinos galileus para irem a Jerusalém era através da região dos samaritanos. Neste texto os samaritanos recusam a hospedagem para Jesus nessa região porque está a caminho do detestado Templo de Jerusalém (v.53). Esta é a segunda vez que Jesus é mal recebido neste evangelho. A primeira foi em sua terra natal (Lc 4,16-30). Em Jo 4,9 a samaritana nega até a água para Jesus beber. Mas precisamos saber muito além disto, lá no fundo histórico dos dois povos, as razões desta recusa. Quem eram os samaritanos?          

Samaria era habitada por uma população que em sua origem não era judaica em sentido estrito. Desde a época da invasão dos assírios em 722 a.C (cf. 2Rs 17,24) foram instalados nessa região migrantes não- judeus, de modo que as raças haviam-se misturado. Por essa mistura, os judeus consideravam os samaritanos como um povo impuro. Embora assumissem a religião javista, viviam separados dos judeus e cultuavam a Deus no Monte Garizim. Os samaritanos consideravam-se verdadeiros israelitas, pois eram fiéis à Lei e tinham seu próprio templo no monte Garizim. A samaritana fala até de “nosso pai Jacó” (Jo 4,12).          

O ódio entre os judeus e os samaritanos ficou cada vez mais crescente porque no ano 128 a.C o judeu João Hircano (134-104 a .C), que apoderou-se de Siquém, capital de Samaria, destruiu o templo samaritano do monte Garizim. Herodes, o Grande, o restaurou no ano 30 a.C e casou-se com uma samaritana. No ano 6 d.C, sob o procurador Copônio (6-9 d. C), os samaritanos, que quiseram vingar-se contra os judeus, profanaram gravemente o Templo de Jerusalém jogando nele, de noite, ossos humanos, exatamente num dia de Páscoa. Como se sabe para os judeus, o simples pisar sobre um túmulo tornava a pessoa impura, como tocar num morto. Dá para imaginar a fúria dos judeus contra os samaritanos por esse acontecimento. Com isto o ódio entre as duas nações se tornou cada vez maior e profundo. Por esta e tantas razões os judeus não consideravam nenhum samaritano como próximo. Para os judeus, eles eram piores que pagãos, de acordo com o ditado judaico: “Aquele que come pão de um samaritano, come carne de porco” (compare Jo 8,48: Jesus é chamado de samaritano). Além disto, era uma grande ofensa chamar outro judeu de “samaritano”.          

Mas é interessante observar que Jesus propõe os samaritanos como “modelos” para os judeus: como protótipo de amor ao próximo e, em síntese, do amor a Deus. É um amor que ultrapassa ou sobrepõe ao ódio nacionalista de raízes tão antigas (cf. Lc 10,25-37 sobre o Bom Samaritano que será lido no 15º Domingo do Tempo Comum “C”).          

Mas será que “os samaritanos” e “os judeus” já morreram? Quem são os samaritanos hoje? Será que temos entre nós o ódio racial e nacional? Será que entre nós há guerra fria entre os grupos, até dentro da própria Igreja/comunidade? Será que estamos ressuscitando o ódio que foi enterrado por Cristo pela sua morte e ressurreição? O ódio é a vingança do covarde” (George Bernard Shaw). Quanto menor é o coração, mais ódio carrega” (Victor Hugo)          

Ao saber que os samaritanos não aceitam a presença de Jesus no meio deles para uma hospedagem, os dois discípulos (Tiago e João), notadamente judeus e ambiciosos (cf. Mc 10,35-45), perguntam a Jesus para pedir uma vingança: “Senhor, queres que ordenemos  desça fogo do céu para consumi-los?” (v.54). A reação dos discípulos nos coloca novamente na tradição de Elias (cf. 2Rs 1,10-14). O relato reflete a viva hostilidade existente entre os judeus e os samaritanos. A reação dos dois discípulos foi espontânea e irrefletida, mesmo assim não há desculpas. Para eles castigar ou destruir os inimigos é a boa solução. Os discípulos pensam num messianismo espetacular e poderoso que não retrocede diante da morte de alguns. Eles não têm compreendido que a atitude de Jesus é sempre de misericórdia e não destruição (cf. Lc 6,36).          

Jesus não quer entrar na onda da violência. Em vez disto, Jesus quer afastar os seus de todo espírito de vingança. Jesus repreendeu-os severamente por ser uma atitude contrária a todos os ensinamentos que ele mesmo lhes havia transmitido (Lc 6,27-36). Responder com violência a uma atitude errada era desfazer toda a proposta nova da missão, que era anunciar um tempo favorável e de graça da parte de Deus (Lc 4,9). Certamente Samaria será também objeto da missão dos discípulos (At 1,8). “Para mim, a não-violência é um credo. Devo guiar-me por ela, esteja eu sozinho ou em companhia de outros. Uma vez que a propaganda em prol da não-violência é a missão de minha vida, devo entregar-me a ela seja qual for a atmosfera” (Mahatma Gandhi).          

Responder aos outros segundo a provocação é sempre uma tentação. Pagar aos outros de acordo com os erros cometidos é sempre uma tentação. É a situação dos discípulos de Jesus, que pela atitude ou modo de viver, negam aos ensinamentos recebidos de Jesus. O radicalismo na nossas atitudes é apenas protesto de intransigência de nossa pouca bondade. Somos chamados a viver o espírito do evangelho. O evangelho não tem fronteiras, nem línguas, nem etnias, nem cultura, nem cor etc. Só entende e vive o evangelho quem se dispõe a valorizar o outro, aquele que é diferente de mim, pois é uma grande riqueza, aquele que não me ama. Não somos chamados a fazer a guerra santa fora de nós, mas dentro de nós mesmos. A guerra santa deve ser interior no sentido de combater o mal que faz ninho no nosso coração. Somente assim, veremos os outros e a vida com os olhos de Deus que penetra até o fundo do coração. O único fogo que devemos pedir a Deus é o fogo do Espírito Santo para purificar o nosso coração de todo mal e maldade, de toda vingança e ódio. Este fogo é que Jesus prometeu e trouxe para todos nós. É o fogo que não queima, mas arde, ilumina e purifica. Este fogo deve cair sobre nós para operar a nossa conversão. A vingança coloca a pessoa no mesmo nível de quem cometeu a maldade. ”A não violência não é uma veste com a qual nos revestimos ou da qual nos despimos a gosto. Tem sua sede no coração e deve fazer parte inseparável de nosso ser. Jesus viveria e morria em vão se não conseguisse ensinar-nos a ordenar toda a nossa vida pela eterna lei do amor”(Gandhi, ibid.). 

3. Radicalidade da vocação cristã: As condições para seguir a Jesus (vv.57-62)          

Jesus que há começado o caminho que o leva até a morte (Lc 9,51) expressa em três diálogos sobre o risco e a urgência do seguimento. Nestes três diálogos Jesus exige daqueles que querem seguir uma renúncia radical. Devemos entender os três dentro do contexto do texto em que Jesus toma resolutamente o caminho de Jerusalém sem volta ou regresso. 

a). Seguir-te-ei para onde fores: “Eu te seguirei para onde quer que fores”. 

Nesta primeira cena, a iniciativa de seguir a Jesus incondicionalmente vem do homem. Neste primeiro diálogo, diante do pedido de segui-Lo, Jesus diz: “As raposas têm tocas e as aves do céu ninhos” (v.58). 

As tocas e os ninhos são referências a esconderijos ou lugares de proteção. Podem-se considerar como propriedade. Isto quer dizer que até os animais possuem propriedades. A este homem que pediu para segui-Lo Jesus enfatiza que a caminhada não tem retorno ao lar se quiser segui-Lo. Se quiser segui-Lo, esteja preparado para partilhar da mesma sorte. Ficar sem toca e sem ninho significava sem propriedade nenhuma, nem mesmo sobre uma pedra para repousar a cabeça e dormir. Não é porque lhe falte uma casa, pois ele a tem em Nazaré ou a dos outros amigos e discípulos. A sua verdadeira pobreza é a insegurança, a situação precária em que se encontra, sem proteção nenhuma, pois ele é rejeitado pela maioria: pelos conterrâneos, pelos samaritanos, pelos judeus em geral e é procurado pelo Herodes como perigoso. O discípulo que quer segui-Lo deve estar preparado para partilhar do mesmo destino. O seguidor de Jesus não deve contar com uma vida de luxo. É interessante observar que Lucas não nos apresenta nunca a Jesus numa casa sua ou de seus discípulos como lemos em Marcos(Mc 1,29;2,1).          

Quem sabe esta parte do texto serve de ponto de partida para nossa reflexão sobre a vida que levamos e vivemos. Que tipo de vida que vivemos como verdadeiros seguidores de Cristo: uma vida baseada sobre o evangelho ou sobre os nossos interesses pessoais? O que realmente estamos procurando ou vivendo nesta ou naquela congregação, nesta ou naquela igreja ou paróquia? O que pretendemos de verdade? 

b). “Deixa-me primeiro enterrar meu pai” (v.59)          

Nesta segunda cena é Jesus quem toma a iniciativa de chamar um homem para segui-Lo (v.59). Este homem se dispõe, mas tem problema no “ninho”, pois o pai faleceu e ele precisa voltar para casa para enterrá-lo que é o dever de todo judeu (2Rs 9,10;Jr 16,4): “Deixa-me primeiro enterrar meu pai” (v.59). No caso do enterro de um parente, os judeus devotos eram dispensados até das observâncias religiosas mais rígidas.          

Diante destes deveres sagrados a afirmação de Jesus choca a nossa sensibilidade humana: “Deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu, vai anunciar o reino de Deus” (v.59). Mas na verdade a sentença de Jesus abre uma perspectiva nova onde se traz uma maneira nova de julgar a vida e a morte. “Os mortos” aqui são os que não aceitam o Reino de Deus e os que são insensíveis à chamada de Jesus (cf. Lc 4, 28-30), pois de fato, o pai (morto) se encontra em sua casa, enquanto o filho está com Jesus ouvindo sua chamada. Mas o filho ainda tem tentação de voltar para trás (para seu “ninho”) diante da chamada de Jesus que ele precisa superar.          

Por isso, com esta afirmação paradoxal Jesus não pretende pôr em discussão os deveres sagrados da piedade familiar (cf. Lc 18,20), pois de fato os discípulos sepultarão o cadáver do Jesus crucificado (Lc 23,53-56; cf. 1Cor 9,5). Jesus quer nos chamar a sairmos de uma situação de morte, de nossos túmulos fechados e escuros para com ele podermos encontrar a verdadeira vida que é ele mesmo (Jo 11,25; cf. Jo 14,6) a qual ele nos traz (Jo 10,10). 

c). “Permite-me primeiro despedir-me dos que estão em casa” (v.61)          

Implicitamente nesta terceira cena, igual à primeira, é Jesus quem chamou o homem. Diante da chamada vem a sua resposta: “Eu Te seguirei, mas permite-me primeiro despedir-me dos que estão em minha casa” (v.61; compare 1Rs 19,19-21). Encontra-se aqui um sentimento de apego familiar que não raro tira o discípulo de seu lugar de missão. Se alguém quer realmente ser discípulo de Jesus, não pode abandonar Jesus simplesmente em função de saudosismos familiares. Este perigo é enfatizado de modo mais claro na parábola do banquete (Lc 14,15-24). Talvez sejam aqueles que ficaram muito encantados no início da vocação, mas os apegos continuam grandes motivo pelo qual eles tem saudade do passado.          

 Diante deste pedido Jesus afirma: “Quem olha para trás, enquanto põe a mão no arado, não serve para o Reino de Deus” (v.62). Quem é incapaz de abandonar, também  é incapaz de fazer uma opção radical pelo Reino. Além disto, o anúncio do Reino não admite demoras ou protelações, recordações nostálgicas ou adiamentos de qualquer espécie.          

Os três candidatos anônimos são exemplo do apego. Mas o resoluto (v.51) não permite o apego. Quando não se vive o desapego, é muito grande a tentação de olhar para trás e deixar-se conduzir pelo “mas”, pelo “se”, pelo “talvez”, pelo “porém”, que são barreiras na estrada rumo à libertação total, rumo à verdadeira vida. O “olhar para trás” põe em risco a eficiência do trabalho e pode causar o desânimo. Para nós cristãos o desânimo é sinônimo de traição.          

Ao contar logo do começo da viagem estas exigências radicais do seguimento, Lucas quer advertir aos discípulos sobre a seriedade do caminho que vão empreender com Jesus. 

É necessário compreender que o Evangelho de Jesus é exigente, mas não desumano, pois se situa na linha da liberdade e do amor. O seguimento de Cristo ainda que tenha a ruptura com o velho modo de viver é uma vocação à liberdade. A liberdade cristã consiste na vida assinalada pelo Espirito divino, pelo amor e pelo serviço fraterno irreconciliáveis com o egoísmo, com a libertinagem e com a vida sem Deus: “É para a liberdade que Cristo nos libertou”. Esta liberdade que Cristo nos conseguiu é um risco e um desafio como a própria vida. A liberdade em Cristo é para amar mais e melhor. “Ama e faz o que queres!”, dizia Santo Agostinho. Mas, primeiro ama a Deus e ao irmão. É a condição básica para ser livre.

P. Vitus Gustama,svd

Imaculado Coração De Maria,25/06/2022

IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA

Primeira Leitura: Is 61,9-11

9 A descendência do meu povo será conhecida entre as nações, e seus filhos se fixarão no meio dos povos; quem os vir há de reconhecê-los como descendentes abençoados por Deus. 10 Exulto de alegria no Senhor e minha alma regozija-se em meu Deus; ele me vestiu com as vestes da salvação, envolveu-me com o manto da justiça e adornou-me como um noivo com sua coroa, ou uma noiva com suas joias. 11 Assim como a terra faz brotar a planta e o jardim faz germinar a semente, assim o Senhor Deus fará germinar a justiça e a sua glória diante de todas as nações.

Evangelho: Lc 2,41-51        

41 Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. 42 Quando ele completou doze anos, subiram para a festa, como de costume. 43 Passados os dias da Páscoa, começaram a viagem de volta, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem. 44 Pensando que ele estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois começaram a pro­curá-lo entre os parentes e conhecidos. 45 Não o tendo encontrado, voltaram para Jerusalém à sua procura. 46 Três dias depois, o encontraram no Templo. Estava sentado no meio dos mestres, escutando e fazendo perguntas. 47 Todos os que ouviam o menino estavam maravilhados com sua inteligência e suas respostas. 48 Ao vê-lo, seus pais ficaram muito admirados e sua mãe lhe disse: “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura”. 49 Jesus respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?” 50 Eles, porém, não compreenderam as palavras que lhes dissera. 51 Jesus desceu então com seus pais para Nazaré, e era-lhes obediente. Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas.

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Neste dia celebramos a memória obrigatória do Imaculado Coração de Maria. A devoção ao coração de Maria foi propagada por São João Eudes no século XVII (remonta a 1643), devoto aos Corações de Jesus e Maria. Em 1942, Pio XII consagrou toda a humanidade ao coração de Maria, e fixou a celebração de sua festa no dia 22 de Agosto, oitava da Assunção, no intuito de pedir a paz. Esta festa é colocada no dia imediato à solenidade do Sagrado Coração de Jesus para voltar à origem histórica desta devoção. No século XVII, São João Eudes, em seus escritos, não separava os dois corações nos projetos litúrgicos. 

Ao falar do Coração de Maria entendemos: seu coração físico que bate no seu peito durante sua vida mortal e agora no céu; também o conjunto de afetos, qualidades e virtudes que constituem em sua “vida interior”; finalmente, sua própria pessoa, considerada em seu mais nobre aspecto: o amor. 

Em todos os tempos, na linguagem usual, a palavra “coração” foi tomada como símbolo da vida interior do homem e também da própria pessoa considerada em sua afetiva. Através do coração físico de Maria veneramos sua vida interior e sua própria pessoa pela suprema razão de sua dignidade imensa de Mãe de Deus. 

A maternidade divina de Maria é a raiz e a causa de todas as graças que adornam seu Coração. "De sua maternidade divina", diz Pio XII na Fulgens Corona, "como de uma fonte arcana e puríssima, parecem derivar todos os privilégios e graças que tão excelentemente adornaram sua alma e sua vida". Predestinada a tão elevada missão, a infinita sabedoria de Deus não poderia deixar de impedi-la com graças apropriadas que lhe permitissem assumi-la com dignidade. Graças tão excepcionais que São Tomás afirma que, como Mãe de Deus, a Santíssima Virgem tem uma certa dignidade infinita. 

E esta sublime maternidade, que coloca Maria acima de todas as criaturas, realizou-se no seu Imaculado Coração antes que nas suas puríssimas entranhas. "O Verbo que deu à luz segundo a carne, primeiro concebeu segundo a fé em seu Coração", afirmam os Santos Padres. Pela fé e pelo amor, pela pureza, submissão e humildade do seu Coração, Maria mereceu levar no seu seio o Filho de Deus. 

Se o coração de cada mãe já é uma cristalização admirável do amor de Deus, que será, então, o Coração de Maria destinado à maternidade mais augusta? Todos os adjetivos são curtos e incolores quando se trata de definir o Coração de Maria. 

Maria tem um verdadeiro coração de mãe. Mais precisamente, pode-se dizer que o coração de cada mãe é uma cópia, mais ou menos feliz, do coração de Maria. E gostamos de encontrar a plena confirmação desta verdade adivinhada por nosso instinto filial nas páginas do Evangelho. Em duas breves linhas, São Lucas e São João dão-nos o perfil inconfundivelmente maternal do Coração de Maria. 

São Lucas tem uma frase pela qual nunca podemos agradecer o suficiente. Duas vezes —após o relato da primeira infância de Jesus e mais tarde, ao encerrar o breve capítulo de sua adolescência— ele repete, ponderando: "E Maria guardou todas estas coisas em seu Coração". 

Além disso, o evangelho lido neste dia nos relatou que “Três dias depois, encontraram Jesus no Templo. Estava sentado no meio dos mestres, escutando e fazendo perguntas”. Muitos biblistas consideram os “três dias” como alusão aos três dias entre a Cruz e a Ressurreição. Três dias são dias de sofrimento pela ausência de Jesus; são três dias de escuridão. E o peso destes três dias se revela nas palavras da Mãe de Jesus: “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura” (Lc 2,48). 

Este relato nos mostra a importância da presença de Jesus e de sua palavra na nossa vida, sem os quais nossa vida se torna escura, sem sabermos para qual direção devemos caminhar. Não é por acaso que, na sua busca do terreno que não o satisfez, Santo Agostinho dizia na sua oração: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti” (Confissões 1,1). Unir-se com Deus, estar em comunhão com Deus é a condição para ter paz do coração. Estar em comunhão com Jesus e Sua Palavra significa também estar envolvido no mistério de Sua Paixão e Ressurreição. 

Por isso, podemos entender o significado da resposta de Jesus à Sua Mãe: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?”. Aqui Jesus usa a palavra “devo” para dizer que Jesus pertence a Deus que é o seu próprio Pai e ele deve estar com o Pai. Consequentemente, Jesus não está desobedecendo a Mari e José, mas na realidade mostra sua obediência filial ao Deus Pai. Implicitamente, Jesus quer que Maria e José se mantenham no Deus Pai, obedientes à Sua vontade. Essa obediência é que vai levar Jesus para a Cruz e a Ressurreição. 

Mas Lucas nos relatou que “Eles, porém, não compreenderam as palavras que lhes dissera. Jesus desceu então com seus pais para Nazaré, e era-lhes obediente. Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas”. As palavras de Jesus sempre são maiores do que nossa razão, nossa inteligência. Jamais podemos entender perfeitamente o sentido profundo da Palavra de Deus. A palavra de Jesus é grande demais para Maria. É tão grande a ponto de Maria só guardá-la no seu coração: “Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas”. Cedo ou tarde a Palavra de Deus vai nos iluminar para captar o sentido de cada coisa, de cada acontecimento na nossa vida.      

O coração de Maria esteve sempre cheio de Deus a ponto de o anjo do Senhor chamá-la de “cheia de graça” (cf. Lc 1,28). O seu coração imaculado é chamado santuário do Espírito Santo (LG 53), como rezamos na coleta, em virtude da sua maternidade divina e da inabitação contínua e plena do Espírito divino na sua alma. O Verbo que Maria deu à luz segundo a carne foi antes concebido segundo a fé no seu coração (Santo Agostinho). Foi em vista do seu Coração Imaculado, cheio de fé e de amor humilde, juntamente à benevolência totalmente gratuita e de uma complacência absolutamente pura de Deus que Maria mereceu trazer o Filho de Deus no seu seio virginal. 

O coração de Maria conservava as palavras de Jesus Cristo. Por isso, podemos dizer que seu peito foi um sacrário: “Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas”. O Coração de Maria é a projeção do Evangelho para nosso século. Maria viveu o Evangelho em seu mais puro e elevado espírito na interioridade de seu coração. Ela é a verdadeira discípula de Jesus que vive por causa da Palavra de Deus: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1,38).       

O cristão de nossos dias, que pretende adaptar sua vida às exigências do Evangelho, tem que penetrar com o máximo respeito no sagrado Coração de Maria e ver e aprender como ela viveu as exigências da Palavra de Deus. Maria sabe guardar a Palavra de Deus no seu coração para do seu coração sair frutos que Deus quer para o bem de toda a humanidade. Ao aderir à Palavra de Deus e ao guardar a Palavra de Deus no seu coração, Maria cresce progressivamente com a Palavra, mesmo que ela não compreenda seu significado no momento como aconteceu com a resposta de Jesus no Templo aos doze anos de idade, como relatou o evangelho lido neste dia. De Maria aprendemos que o coração é feito para guardar os tesouros da vida divina, para guardar a Palavra de Deus. Não guardemos no nosso coração aquilo que nos prejudica e destrói a vida alheia. Guardemos a Palavra redentora de Deus no nosso coração, para ela possa purificar nosso coração progressivamente a fim de um dia poder se tornar um coração imaculado semelhante ao Coração imaculado de Maria.       

Do coração de Maria brotam torrentes de graças de perdão, de misericórdia, de ajuda nas situações difíceis. Por isso, queremos pedir-lhe hoje que nos dê um coração puro, humano, compreensivo com os defeitos dos que convivem conosco. 

Quando se fala do coração imaculado fala-se do coração capaz de amar sem limites. Amor é capacidade de sair de si mesmo, de transferir-se para outro ser, de participar de outro ser e de entregar-se por um outro ser. Aquele que ama está totalmente no outro, conservando sua identidade. O amor não pode realizar-se na esfera de um sujeito isolado. O verdadeiro amor é sempre como uma experiência de derrota que se transforma em vitória; uma experiência de entrega que se transforma em enriquecimento; uma experiência de sair de si que se transforma no mais profundo encontro consigo mesmo; uma experiência de morte que se transforma em vida. O ponto final do amor é a vitória sobre a morte. O ponto final do egoísmo é a morte, e a ausência do amor é a ausência de Deus. “É preciso amar os homens não pela simpatia que nos inspiram nem pelas qualidades que apreciamos, mas porque Deus os ama” (Martin Luther King).       

Terminamos a nossa oração pedindo ao Senhor: “Ó Deus, que preparastes no Imaculado Coração de Maria uma digna morada para o vosso Filho e um santuário para o Espírito Santo, concedei-nos um coração limpo e dócil, para que, sempre submissos aos vossos preceitos, Vos amemos sobre todas as coisas e ajudemos os nossos irmãos em todas as suas necessidades”. Assim seja.

P. Vitus Gustama,svd

terça-feira, 14 de junho de 2022

Sagrado Coração De Jesus, Solenidade,24/06/2022

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

SOLENIDADE

Leitura: Ez 34,11-16

11 Assim diz o Senhor Deus: “Vede! Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas. 12 Como o pastor toma conta do rebanho, de dia, quando se encontra no meio das ovelhas dispersas, assim vou cuidar de minhas ovelhas e vou resgatá-las de todos os lugares em que forem dispersadas num dia de nuvens e escuridão. 13 Vou retirar minhas ovelhas do meio dos povos e recolhê-las do meio dos países para as conduzir à sua terra. Vou apascentar as ovelhas sobre os montes de Israel, nos vales dos riachos e em todas as regiões habitáveis do país. 14 Vou apascentá-las em boas pastagens e nos altos montes de Israel estará o seu abrigo, e pastarão em férteis pastagens sobre os montes de Israel. 15 Eu mesmo vou apascentar as minhas ovelhas e fazê-las repousar – oráculo do Senhor Deus. 16 Vou procurar a ovelha perdida, reconduzir a extraviada, enfaixar a da perna quebrada, fortalecer a doente, e vigiar a ovelha gorda e forte. Vou apascentá-la conforme o direito”. 

II Leitura: Rm 5,5b-11

Irmãos, 5b O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito que nos foi dado. 6 Com efeito, quando éramos ainda fracos, Cristo morreu pelos ímpios, no tempo marcado. 7 Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a morrer. 8 Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores. 9 Muito mais agora, que já estamos justificados pelo sangue de Cristo, seremos salvos da ira por ele. 10 Quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com ele pela morte do seu Filho; quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida! 11 Ainda mais: Nós nos gloriamos em Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo. É por ele que, já desde o tempo presente, recebemos a reconciliação. 

Evangelho: Lc 15,3-7

Naquele tempo, 3 Jesus contou-lhes esta parábola: 4 ”Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? 5 Quando a encontra, coloca-a nos ombros com alegria, 6 e, chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos, e diz: ‘Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!’ 7 Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão”.

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O Papa Pio XII nos deu o que poderíamos chamar de “Carta Magna" de devoção e amor ao coração de Cristo em sua encíclica Haurietis Aquas: Sobre O Culto Do Sagrado Coração De Jesus, de 15 de maio de 1956. “Inumeráveis são as riquezas celestiais que nas almas dos fiéis infunde o culto tributado ao sagrado coração, purificando-os, enchendo-os de consolações sobrenaturais, e excitando-os a alcançar toda sorte de virtudes” (Haurietis Aquas n.2). 

Para o Papa Pio XII o mistério do Sagrado coração de Jesus que nos redimiu é o mistério de amor divino: “O mistério da divina redenção é, antes de tudo e pela sua própria natureza, um mistério de amor: isto é, um mistério de amor justo da parte de Cristo para com seu Pai celeste, a quem o sacrifício da cruz, oferecido com coração amante e obediente, apresenta uma satisfação superabundante e infinita pelos pecados do gênero humano: Cristo, sofrendo por caridade e obediência, ofereceu a Deus alguma coisa de valor maior do que o exigia a compensação por todas as ofensas feitas a Deus pelo gênero humano. Além disso, o mistério da redenção é um mistério de amor misericordioso da augusta Trindade e do divino Redentor para com a humanidade inteira, visto que, sendo esta totalmente incapaz de oferecer a Deus uma satisfação condigna pelos seus próprios delitos mediante a imperscrutável riqueza de méritos que nos ganhou com a efusão do seu precioso sangue, Cristo pode restabelecer e aperfeiçoar aquele pacto de amizade entre Deus e os homens violado pela primeira vez no paraíso terrestre por culpa de Adão e depois, inúmeras vezes, pela infidelidade do povo escolhido” (Haurietis Aquas n.20).

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Neste dia, na Sexta-feira depois de Pentecostes, celebramos a festa do Sagrado Coração de Jesus ao que temos muita devoção. A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é devoção ao próprio Cristo. 

Devoção, em seu sentido primário, significa dar-se a si mesmo a alguém ou a algo. No contexto da verdadeira religião, devoção significa uma atitude da vontade, serena e constante, fruto de uma decisão refletida pela qual a pessoa se entrega em todo momento ao serviço de Deus. É uma oferenda de si mesmo a Deus, dedicando-se, permanentemente, a todas aquelas atividades referentes à honra de Deus. Qualquer devoto cumpre seus deveres referentes à sua devoção conscientemente e constantemente apesar das dificuldades encontradas. A palavra latina “devotio” (devoção) indica força, vontade decidida de fazer a vontade de Deus independentemente da situação encontrada. Por isso, devoção está longe de ficar no nível de sentimento.     

O que queremos dizer ao falar do Coração de Jesus ou de um coração humano? 

O coração representa o ser humano em sua totalidade; é o centro original da pessoa humana, o que lhe dá unidade. O coração é o centro de nosso ser, a fonte de nossa personalidade, o motivo principal de nossas atitudes e escolhas livres, o lugar da misteriosa ação de Deus. Apesar de poderem existir o bem e o mal nas suas profundezas, o coração continua sendo símbolo de amor. Por isso, a essência mais profunda da realidade pessoal é o amor. O homem foi criado para amar e ser amado. Fora disto ele perderia a razão de ser e de viver. “Ama e faze o que tu quiseres” (Santo gostinho).     

A devoção ao Coração de Jesus está totalmente de acordo com a essência do cristianismo que é religião de amor (cf. Jo 13,34-35), pois o cristianismo tem como objetivo o aumento de nosso amor a Deus e ao próximo (cf. Fl 1,9). O símbolo deste amor é o coração de Jesus que ama a todos sem medida. Jesus Cristo é a encarnação do amor de Deus por nós desde a eternidade: “Eu te amei com amor eterno, por isso conservei para ti o amor” (Jr 31,3). Em cada página dos evangelhos fala-se do amor de Jesus por nós. “Tudo o que Deus queria nos dizer de si mesmo e de seu amor, ele o depositou no coração de Jesus e o expressou através deste Coração. Através do Coração de Jesus lemos o eterno plano divino da salvação do mundo. E trata-se de um projeto de amor” (João Paulo II).     

A devoção ao Sagrado coração de Jesus quer nos chamar de volta à primordial razão de nosso ser: amar. “Quanto mais amas, mais alto tu sobes” (Santo Agostinho). Uma pessoa com coração é uma pessoa profunda, próxima, compreensiva, capaz de ir ao fundo das coisas e dos acontecimentos. Uma pessoa com coração não é dominada pelo sentimentalismo e sim é uma pessoa que alcançou uma unidade e uma coerência, um equilíbrio e uma maturidade. Ela nunca é fria, mas cordial, nunca é cega diante da realidade, mas realista, nunca é vingativa, mas pronta para perdoar e para reconciliar-se. Um coração cristão, a exemplo do de Jesus, é um coração de dimensão universal, um coração que supera o egoísmo, um coração magnânimo capaz de abraçar a todos. A espiritualidade do coração é uma verdadeira espiritualidade, pois inclui a oração, a conversão, a escuta do Espírito, o cuidado para o próximo, a compaixão, a solidariedade e a partilha. Não é por acaso que para o homem de antiguidade ter coração equivalia a ser uma personalidade íntegra.           

A devoção ao Sagrado Coração é devoção a Cristo mesmo. O próprio Cristo é o objeto de nossa adoração e para ele é que dirigimos nossa oração. 

A expressão do amor de Deus por nós, segundo o evangelhos deste dia, é que somos buscados e encontrados pelo Senhor, nosso Bom Pastor (Lc 15,3.7). Esta é a mensagem forte do Evangelho desta solenidade. Trata-se do amor incondicional de Deus por nós, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8). O amor de Deus aos homens se expressa aqui mediante uma parábola conhecida e sempre emotiva: a da ovelha perdida, angustiisamente buscada e que logo depois o pastor a coloca sobre seus ombors. “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida! Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão”. Não pode expressar-se melhor o amor solícito com que Deus nos ama. Podemos recorrer à memória da passagem do evangelho de João em que Cristo diz: “... a vontade do Pai que me enviou é que não percanenhum do que Ele me deu”, e, também: “Minhas ovelha escutam minha voz, e eu as conheço e elas me seguem, e e eu dou-lhes a vida eterna. Não perecerão para sempre e ninguém pode arrancá-las de minha mão” (Jo 10,27-28).           

Jesus teve um amor perfeito, seu coração é para nós o perfeito emblema de amor. Seu coração foi saturado de amor perfeito ao Pai e aos homens. Seu amor é totalmente humano porque nele nos encontramos com o mistério de um amor humano-divino. O amor de Deus se encarnou no amor humano de Jesus. Por isso, Jesus nos convida: “Aprendei de mim porque sou humilde e manso de coração”. Humilde indica uma docilidade interior que se expressa na docilidade com os demais. Manso indica uma atitude valente, mas não violenta, misericordiosa, tolerante, pronto para perdão, mas também exigente.         

O amor de Deus não é compatível com a indiferença diante do sofrimento alheio e diante da injustiça social. Mas nossas atividades, inclusive as práticas políticas e sociais devem ser animadas pelo amor cristão.           

A contemplação do mistério de amor de Deus por nós deve nos conduzir a uma resposta múltipla. Deve suscitar em nós sentimentos de fé, amor e adoração. No contexto religioso devoção indica serviço dedicado e vontade decidida de fazer a vontade de Deus. Sugere culto não somente do tipo litúrgico, mas de nossa vida inteira. Esta devoção se realiza aceitando o convite de Jesus a tomar nossa cruz e segui-lo.           

A comunhão sacramental não é somente participar no Corpo e no Sangue de Cristo; implica a participação na vida dos seus membros com um compromisso de amor e de serviço.           

Viver no amor é escolher Deus, permanecer em Deus, viver em comunhão com Deus. Quando mantemos essa relação com Deus, o Espírito reside em nós e opera, por nosso intermédio, obras grandiosas em favor do homem – obras que dão testemunho do amor de Deus.           

Tornar o amor de Deus uma realidade viva no mundo significa lutar objetivamente contra tudo o que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento e assim por diante. Será que eu pactuo (com o meu silêncio, indiferença, cumplicidade) com os sistemas que geram injustiça, ou será que eu me esforço ativamente por destruir tudo o que é uma negação do amor de Deus? Um coração grande na vida é aquele que escolhe aquilo que eleva, e liberta-se daquilo que rebaixa a humanidade. 

A devoção ao Sagrado coração de Jesus nos faz um questionamento: que resposta dar ao Cristo que nos amou até morrer crucificado?        

Santo Agostinho dizia: “O que amamos em Cristo? Seus membros crucificados, seu lado traspassado ou sua caridade? Quando ouvimos que sofreu por nós, o que amamos nele? É seu amor que amamos. Ele nos amou para que lhe retribuíssemos amor por amor, e para que possamos lhe retribuir amor por amor, visitou-nos pelo seu Espírito” (Sermão sobre Sl 127,8). 

A comunhão sacramental não é apenas participar no Corpo e no Sangue de Cristo; também implica participação na vida de seus membros com um compromisso de amor e serviço. Esta é a idéia expressa na oração pós-comunhão: "Que este sacramento da caridade nos inflame em vosso amor e, sempre voltados para o vosso Filho, aprendamos a reconhece-lo em cada irmão”. 

O latim usa a palavra “attrahere”, no sentido de ser atraídos para o coração aberto do Salvador, e se inspira nas mesmas palavras do Senhor: "E quando for levantado da terra, todos atrairei a mim" (Jo 12,32). Ser atraídos por Jesus, para seu coração, não significa ser retirados de nossos irmãos; é encontrá-los no Coração de Cristo, para amá-los "nas entranhas de Cristo Jesus" (Fl 1,8).        

Não podemos fazer a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, se não temos ainda o espírito de serviço fraterno, se ainda guardamos o ódio no nosso coração, se não somos capazes de perdoar, se não nos preocupamos com a salvação de todos. Uma pessoa que tem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus tem uma missão de levar a todos o amor de Cristo. Mas precisamos saber que ser uma pessoa amorosa é bastante diferente de ser o chamado “prestativo”. Os prestativos usam tão-somente as outras pessoas como oportunidade de praticar atos virtuosos, dos quais mantém registro cuidadoso. As pessoas que amam aprendem a mudar o foco de atenção e da preocupação de si para outras pessoas; elas se preocupam intensamente com as outras pessoas. Nosso cuidado e preocupação pelos outros devem ser autênticos, do contrário nosso amor nada significa. Não se aprende a viver sem antes aprender a amar. O amor humano quando é verdadeiro nos ajuda a saborear o amor divino. E o amor divino em nós nos faz mais compassivos, mais generosos, mais éticos e mais reconciliados; damos aquilo que recebemos, ensinamos aquilo que aprendemos. Ninguém pode viver este amor se não se forma na escola do Coração de Jesus. Somente se olharmos e contemplarmos o Coração de Cristo é que conseguiremos que o nosso coração se liberte do ódio e da indiferença. Somente assim saberemos reagir de modo cristão diante da ofensa e dos sofrimentos alheios e diante da dor humana.        

Pedimos ao Sagrado Coração de Jesus ao qual temos a devoção que nos conceda um coração bom capaz de compadecer-se para remediar os tormentos que acompanham e angustiam tantas pessoas neste mundo. O verdadeiro bálsamo é o amor, a caridade. Todos os demais consolos servem apenas para distrair um momento, e deixar mais tarde a amargura e o desespero.     

Será que as nossas comunidades, as nossas pastorais, os nossos grupos são espaços de acolhimento e de hospitalidade, oásis do amor de Deus, não só para os amigos e colegas, mas também para os pobres, os marginalizados, os sofredores que buscam em nós um sinal de amor, de ternura e de esperança?

P. Vitus Gustama,svd

domingo, 12 de junho de 2022

Solenidade Do Nascimento De João Batista,23/06/2022

SOLENIDADE DO NASCIMENTO DE SÃO JOÃO BATISTA

Primeira Leitura: Is 49, 1-6

1Nações marinhas, ouvi-me, povos distantes, prestai atenção: o Senhor chamou-me antes de eu nascer, desde o ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome; 2fez de minha palavra uma espada afiada, protegeu-me à sombra de sua mão e fez de mim uma flecha aguçada, escondida em sua aljava, 3e disse-me: “Tu és o meu Servo, Israel, em quem serei glorificado”. 4E eu disse: “Trabalhei em vão, gastei minhas forças sem fruto, inutilmente; entretanto o Senhor me fará justiça e o meu Deus me dará recompensa”. 5E agora diz-me o Senhor – ele que me preparou desde o nascimento para ser seu Servo – que eu recupere Jacó para ele e faça Israel unir-se a ele; aos olhos do Senhor esta é a minha glória. 6Disse ele: “Não basta seres meu Servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel: eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até aos confins da terra”.

Segunda Leitura: At, 13,22-26

Naqueles dias, Paulo disse: 22“Deus fez surgir Davi como rei e assim testemunhou a seu respeito: ‘Encontrei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que vai fazer em tudo a minha vontade’. 23Conforme prometera, da descendência de Davi Deus fez surgir para Israel um Salvador, que é Jesus. 24Antes que ele chegasse, João pregou um batismo de conversão para todo o povo de Israel. 25Estando para terminar sua missão, João declarou: ‘Eu não sou aquele que pensais que eu seja! Mas vede: depois de mim vem aquele, do qual nem mereço desamarrar as sandálias’. 26Irmãos, descendentes de Abraão, e todos vós que temeis a Deus, a nós foi enviada esta mensagem de salvação”.            

Evangelho: Lc 1,57-66.80 

57 Completou-se o tempo da gravidez de Isabel, e ela deu à luz um filho. 58 Os vizinhos e parentes ouviram dizer como o Senhor tinha sido misericordioso para com Isabel, e alegraram-se com ela. 59 No oitavo dia, foram circuncidar o menino, e queriam dar-lhe o nome de seu pai, Zacarias. 60 A mãe, porém disse: “Não! Ele vai chamar-se João”. 61 Os outros disseram: “Não existe nenhum parente teu com esse nome!” 62 Então fizeram sinais ao pai, perguntando como ele queria que o menino se chamasse. 63 Zacarias pediu uma tabuinha, e escreveu: “João é o seu nome”. E todos ficaram admirados. 64 No mesmo instante, a boca de Za­carias se abriu, sua língua se soltou, e ele começou a louvar a Deus. 65 Todos os vizinhos ficaram com medo, e a notícia espalhou-se por toda a região montanhosa da Ju­deia. 66 E todos os que ouviam a notícia ficavam pensando: “O que virá a ser este menino?” De fato, a mão do Senhor estava com ele. 80 E o menino crescia e se fortalecia em espírito. Ele vivia nos lugares desertos, até o dia em que se apresentou publicamente a Israel.

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João Batista, o Precursor Do Senhor

No dia 24 de Junho celebramos a Solenidade do Nascimento de João Batista. João Batista tem um lugar especial dentro da liturgia da Igreja. Seu nascimento tem o grau de solenidade, que é mais alto liturgicamente (na liturgia tem memória facultativa, memória obrigatória, festa e solenidade). Por isso, quando a solenidade de seu nascimento cair no domingo (como hoje) usa-se a liturgia de sua solenidade em vez da liturgia daquele domingo (que hoje seria XII Domingo do Tempo comum, Ano B). A Igreja celebra o dia de seu nascimento, coisa que não se faz com os santos. O dia de um santo/santa é celebrado no dia de sua morte considerado como o dia de nascimento para a glória ou para a vida de Deus. No caso de João Batista são celebrados o nascimento (24 de Junho) e seu martírio, sua decapitação (29 de Agosto). 

João Batista foi um personagem conhecido em seu tempo. O historiador Flavio Josefo não se esqueceu de citar João Batista na sua obra: “João cognominado Batista era um homem de grande piedade que exortava os judeus a abraçar a virtude, a praticar a justiça e a receber o batismo, depois de se terem tornado agradáveis a Deus, não se contentando em não cometer pecados, mas unindo a pureza do corpo à alma” (cf. Flávio Josefo: História dos Hebreus, livro XVIII, Cap.7 n.781). 

A festa do Nascimento de são João Batista historicamente é muito popular. O foklore com suas fogueiras, danças, comidas etc. é bem conhecido. A Igreja colocou esta celebração a seis meses exatos antes do nascimento de Jesus (Natal), aplicando o ciclo litúrgico a frase “já está no sexto mês aquela que é tida por esteril” (Lc 1,36). 

Para a fé cristã, João Batista é, nada mais e nada menos, o Precursor do Senhor. Seu nome o indica: “Deus se compadeceu” (João) ou “o Senhor manifestou sua benevolência”, enquanto que Jesus significa “Deus salva”. Comentou Santo Agostinho: “João é a voz; mas desde o princípio o Senhor era a Palavra. João era a voz por algum tempo; Palavra desde o princípio, Cristo é Palavra (Verbo) por toda a eternidade” (cf. Santo Agustinho, Obras Completas, Tomo VII, Sermões). Para a fé cristã, isto supõe o fim do Antigo Testamento e o prelúdio do Novo Testamento. 

Fixemos hoje na figura austera e heróica de João Batista: as características mais importantes de sua vida que podem nos ajudar em nosso próprio caminho de cristãos. 

Primeiro, assumindo as esperanças do povo, João Batista resume todo o Antigo Testamento. 

Joao batista sabe recorrer e pôr em destaque toda a esperança e anseio de salvação que estava no coração de seu povo. Sua palavra cegava ao interior das pessoas, suscitando provocação, inquietude, e fazendo que os olhos do povo se abriram para o futuro. Sua palavra sacudia as falsas seguranças do povo contra a fé autêntica. Sua palavra foi “espada cortante” e “flecha polida”. Foi como a palavra de Moisés, como a palavra dos profetas: “Convrtei-vos!”. 

Em segundo lugar, João Batista prepara o povo para a vinda de Jesus, o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. 

Sua missão foi a de fazer tomar consciência do pecado, preparando, desse modo, os corações dos homens para receber o anúncio do perdão. Ele põe em destaque a escravidão que mantinha o povo prisioneiro e os abria para acolher a Boa Notícia da libertação e da salvação. Provocando questões, ele preparava o povo para escutar um dia a resposta.

A missão de João Batista é a de Precursor, isto é, a missão de levar os homens até Jesus. Consequentemente, a missão do arauto é desaparecer, ficar em segundo plano quando chega aquele que foi anunciado. Um erro grave de qualquer precursor ou evangelizador ou pregador seria deixar que o confundissem com aquele que esperam, ainda que fosse por alguns minutos ou por pouco tempo. A missão de João Batista é a de facilitar e fazer possível o encontro do povo com Jesus, Salvador do mundo. Com simplicidade ele reconhecia a superioridade de Jesus ao dizer: “Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. De fato, eu não sou digno nem ao menos de tirar-lhe as sandálias” (Mt 3,11). Ou quando, ao final de sua missão, desaparece sem fazer ruído e o faz com gozo, porque “É necessário que Ele cresça e eu dimunuia” (Jo 3,30). 

Em terceiro lugar, João Batista é fiel e valente até o fim. 

João Batista leva a término sua missão com fidelidade. Escolhido “ nas entranhas maternas” e apesar das dificuldades e as próprias dúvidas, ele segue adiante. Toda sua vida tem a grandeza da missão bem cumprida, realizada sem ostentação. Ele deixa sua vida nessa missão. Seu anúncio do Reino que se aproxima choca com a resistência daqueles que construíram seu próprio reino neste mundo, mesmo sabendo que eles morrerão como qualquer criatura humana. João Batista é encarcerado e com seu próprio sangue selará  seu testemunho. E o faz com valentia. 

E nós? Celebrando a solenidade do nascimento de João Batista e olhando-nos em sua figura podemos lançar hoje umas perguntas sérias. Porque cada um de nós recebeu uma missão que não pode ser deixada em vão. O dom da fé que recebemos é ao mesmo tempo uma responsabilidade. Ser batizado não é somente para ser cristão sem fazer nada, e sim cada um é batizado para ser “sal da terra” (Mt 5,12) e “ luz do mundo” (Mt 5,14). Em qualquer lugar onde estivermos e para onde formos temos que ser reflexos de Cristo, “Luz do mundo” (Jo 8,12). 

Portanto, até que ponto, a exemplo de João Batista, sabemos nos aproximar das angústias e aspirações daqueles que estão ao nosso lodo ou dos que trabalham conosco? Muitas das vezes ficamos muito alienados dos que vivem e trabalham conosco. Muitas vezes nossa palavra é fria e impersoal, incapaz de fazer nenhum eco naqueles que a ouvem. Quanto mais barreiras criamos entre nós e os outros, mais difícil seremos contagiados por algo de bom e menos ainda pela autentica fé. Estamos conscientes de que nossa missão, como a de João Batista, é a de facilitar os demais para o encontro com Jesus? Somos capazes, em certos momentos de mantes, de manter uma atitude valente, constante e decidida a exemplo de João Batista? De que maneira levamos a término a missão a nós confiada? 

Deus É Misericordioso: O Impossível Se Torna Possível 

Completou-se o tempo da gravidez de Isabel, e ela deu à luz um filho”, assim lemos no Evangelho de hoje. Dar à luz um filho para uma mulher é um fato absolutamente normal, embora resulte na alegria para toda a família. Mas o nascimento de João Batista apresenta um aspecto diferente. Os pais eram idosos: a mulher, estéril; portanto, dentro dos limites humanos, uma concepção e um nascimento eram impossíveis. Mas diante de Deus não existem impossíveis e por isso os anciãos receberam o dom de um filho. 

Por isso, o nascimento de João Batista é visto como um ato de “misericórdia” do Senhor na vida de Isabel. Na bíblia “misericórdia” não indica apenas a compaixão para com uma pessoa indigna e desprezível (de fato, Zacarias e Isabel eram justos e retos), mas também se refere à generosidade e fidelidade de Deus. Deus quer mostrar como é grande o seu poder, e gratuito o seu amor. O seio estéril de Isabel representa a condição humana sem vida, sem esperança e sem futuro, insustentável, triste e sem vida. E Deus intervém para dar-lhe vida, movido pela misericórdia. 

Portanto, no nascimento de João Batista intervém dois fatores: por um lado, a realidade biológica dos pais que se amam (eram idosos e Isabel era estéril). E ao mesmo tempo, influi de uma maneira decisiva o poder de Deus que guia a história dos homens.

Tudo que se fala aqui é uma mensagem de esperança. Com Deus nada é perdido e nada é pequeno; com Deus tudo se torna possível. Será que somos pessoas de esperança? Aquele que tem fé, também tem esperança; aquele que tem esperança tem perseverança e aquele que tem perseverança tem paciência por que ele sabe em quem acredita (cf. 2Tm 1,12) e espera com fé sempre no Senhor. 

Por outro lado, o texto quer nos apresentar o lado escuro da fé. Zacarias serve a Deus no Templo. Mesmo assim tem dúvidas diante do anúncio de Deus sobre a gravidez de Isabel, sua esposa apesar de sua idade avançada. Vem a pergunta que serve de reflexão para cada um de nós diante da incredulidade de Zacarias: “Que sentido tinha, então, o rito que com tanta solenidade ele celebrava no Templo? Que sentido tem das missas das quais participamos quase todos os dias se continuamos a duvidar da misericórdia e do poder de Deus na nossa vida?”. 

Quando não acreditarmos na força de Deus, somos impedidos de falar dele e de louvar seu nome (ficamos mudos). A partir do momento em que acreditarmos, experimentarmos e vivermos a força de Deus, ninguém e nada nos impedirão de louvarmos Deus, fonte de nossa força. E faremos outros alegres pela nossa presença e pelo modo humano com que falamos com os demais. 

Através do nascimento milagroso de João Batista Deus quer dizer a cada um de nós: “Confie em mim!”. Deus nos pede que em cada dúvida, perplexidade e escuridão de nossa vida que saibamos nos entregar nas mãos misericordiosas de Deus e que sejamos fiéis aos seus mandamentos não por medo, mas por amor. Diante do amor de Deus devemos responder com o mesmo amor.  Através do anjo Deus diz a Zacarias: “Não tenhais medo, Zacarias!”. As mensagens e a Palavra de Deus são motivo de paz e de serenidade para quem as escuta com coração aberto e as vive no quotidiano. É verdade que em determinados casos e momentos pode custar aceitar a vontade de Deus, porém, no final da história sempre nos deixa a paz. Por isso, quando há medo e desconfiança temos que recorrer à voz e à Palavra de Deus que nos acalma. Para Deus não há nada, absolutamente nada impossível (cf. Lc 1,37). 

Por fim,sobre o nome “João”. Como era costume, os vizinhos e parentes dão por ato que o menino se chamaria como o pai (Tb 1,9). Mas João não poderia se chamar “Zacarias”. Com isso, João não dá simplesmente continuidade à estirpe (tronco de família), mas assinala o início da nova época. Terminou o tempo em que se recordam as promessas (“Zacarias” significa “Deus se recorda” ou “Deus recorda” as suas promessas). Terminou o tempo em que se recordam as promessas, chegou o tempo de ver em ação a bondade de Deus. A questão decisiva é, a partir dessa mudança de nome em não seguir o nome do pai: Qual é a vontade de Deus? Deus nem sempre escolhe o caminho da tradição, o velho costume, a trilha usada. Isabel escolhe o nome de João, pois conhecia, por espírito profético (Jo 1,41), a vontade de Deus. Os parentes julgavam tudo pelos usos e costumes. Isabel percebe o sopro de algo novo. Ela julga de maneira nova. E isto causa estranheza para os que estão totalmente enraizados nas coisas velhas. O Espírito interrompe por caminhos novos pois ele é aquele que renova a face da terra(cf. Ap 21,5), que nem sempre fáceis de compreensão. O Espírito nem sempre sopra segundo os planos dos homens, mas também até contra eles. A vontade e a Palavra de Deus colocam os homens escolhidos perante a necessidade de terem de abandonar a senda rotineira ou o curso normal de uma tradição(cf. Lc 5,39).  Essa atitude radical que destrói as linhas tradicionais de autoridade e continuidade, por certo está bem de acordo com a ação e mensagem de João. Mais tarde ele verá seus correligionários judeus como “raça de víboras”(Lc 3,7;Mt 3,7) que totalmente confiam em sua descendência de Abraão para protegê-los do próximo julgamento, quando na verdade nem a descendência de Abraão, nem a usual rotina do culto, mas apenas o arrependimento individual e boas ações podem salvar alguém da destruição(Lc 3,7-9 par.; Mc 1,4-5;12). 

O nascimento dos santos/consagrados constitui alegria para muitos, porque o santo é um dom de Deus à humanidade, é um bem para todos. Todo ato de misericórdia traz a alegria não só a quem o recebe, mas também aos que sabem reconhecê-lo e estão prontos a exaltá-lo. A misericórdia e a alegria são alguns dos temas preferidos e fortes de Lucas. A mensagem da salvação percorre espaços sempre mais vastos. Não basta, por isso, participar nos acontecimentos salvíficos e ouvir falar deles. Os acontecimentos devem ser acolhidos no coração e quem os acolhe deve sintonizar-se interiormente com eles e espalha para os outros.

João significa o Senhor manifestou sua benevolência; Zacarias= Deus se recordou; Isabel (elíseba, Hbr)= Deus é plenitude, perfeição.

P. Vitus Gustama,SVD

V Domingo Da Páscoa, 28/04/2024

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