quarta-feira, 8 de junho de 2022

Solenidade De Corpus Christi,16/06/2022

SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO

Primeira Leitura: Gn 14,18-20

Naqueles dias, 18 Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho e, como sacerdote do Deus Altíssimo, 19 abençoou Abrão, dizendo: “Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, criador do céu e da terra! 20 Bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou teus inimigos em tuas mãos!” E Abrão entregou-lhe o dízimo de tudo. 

Segunda Leitura: 1Cor 11,23-26

Irmãos: 23 O que eu recebi do Senhor foi isso que eu vos transmiti: Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão 24 e, depois de dar graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória”. 25 Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança, em meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em minha memória”. 26 Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha. 

Evangelho: Lc 9,11b-17

Naquele tempo, 11b Jesus acolheu as multidões, falava-lhes sobre o Reino de Deus e curava todos os que precisavam. 12 A tarde vinha chegando. Os doze apóstolos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Despede a multidão, para que possa ir aos povoados e campos vizinhos procurar hospedagem e comida, pois estamos num lugar deserto”. 13 Mas Jesus disse: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Eles responderam: “Só temos cinco pães e dois peixes. A não ser que fôssemos comprar comida para toda essa gente”. 14 Estavam ali mais ou menos cinco mil homens. Mas Jesus disse aos discípulos: “Mandai o povo sentar-se em grupos de cinquenta”. 15 Os discípulos assim fizeram, e todos se sentaram. 16 Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos para o céu, abençoou-os, partiu-os e os deu aos discípulos para distribuí-los à multidão. 17 Todos comeram e ficaram satisfeitos. E ainda foram recolhidos doze cestos dos pedaços que sobraram.

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Celebramos neste dia a solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, “Corpus Christi”, “Corpo de Cristo”. O Corpo de Cristo é, em primeiro lugar, a carne e o sangue que Ele dá “para a vida do mundo”, isto é, toda sua existência concreta: seu Corpo morto para destruir a morte, e seu Corpo Ressuscitado para manifestar a ressurreição. 

Em segundo lugar, o Corpo de Cristo significa o “pão que partimos”, “o Pão que comungamos”, o “pão de vida”: “Quem comer deste pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 6,51). 

Por ultimo, o Corpo de Cristo significa a Igreja, o povo que Deus reúne em Jesus Cristo, o descendente de Abraão e o herdeiro das promessas. Por nossa incorporação a Cristo, significada e realizada na recepção de seu Corpo Eucarístico, todos nós somos os herdeiros das promessas e constituímos o verdadeiro Povo de Deus (Gl 3,16. 28-29). Todos nós somos Corpo de Cristo, pois todos comemos do mesmo Pão que é o Corpo de Cristo morto e ressuscitado; todos nós somos um mesmo Povo de Deus, a Igreja, peregrina em Cristo até o Reino de Deus, alimentados por Cristo com Sua própria carne: “Eu sou o pão da vida. Vossos pais, no deserto, comeram o maná e morreram. Este é o pão que desceu do céu, para que não morra todo aquele que dele comer” (Jo 6,48-50). Somente em Cristo e por Cristo constituímos um Povo, um Corpo, uma Igreja comprometida com Cristo em sua morte e ressurreição para dar vida ao mundo. A Cabeça deste Corpo é o próprio Cristo (cf. Cl 1,18). 

Quando a comunhão é entendida somente como “minha comunhão”, assunto privado entre Jesus e minha alma, o Corpo de Cristo que é a Igreja se desintegra: cada um come seu próprio pão, e este já não é o pão que partimos (cf. 1Cor 11,17-22). A comunhão somente é autentica quando não se privatiza e não se apropria. Comungar com Cristo significa também comungar com os irmãos, mais ainda, com todos os homens: recebemos o Corpo que se entrega por nós e por todos os homens. Quem comunga se compromete com Cristo e com os que são de Cristo, como um só homem, no sacrifício de Cristo, na salvação do mundo.

Somos Chamados a Partilhar O Que Somos e Temos Com Os Necessitados 

Nesta solenidade de Corpus Christi lemos o texto do evangelho de Lucas que fala da multiplicação dos pães. O evangelista Lucas liga a multiplicação dos pães com a volta dos Doze enviados por Jesus a proclamar o Reino de Deus (cf. Lc 9,1-6). A intenção de Jesus é retirar-se com seus apóstolos para um lugar tranquilo. As multidões, porém, descobrem a intenção de Jesus e o seguem. Jesus as acolhe e anuncia-lhes o Reino de Deus e cura os doentes. Jesus é seus apóstolos são tão humanos a ponto de abandonar o interesse pessoal em função do bem comum, em função da salvação da multidão carente de tudo. 

Quando o dia começa a escurecer, os apóstolos se preocupam com a sorte da multidão e falam para Jesus: “Despede a multidão, para que vão às aldeias e campos vizinhos procurar pousada e alimento, pois estamos em lugar deserto” (Lc 9,12). Em Lc a preocupação dos apóstolos não é apenas com o alimento, mas também com o alojamento da multidão. Mas Jesus ordena aos apóstolos que eles mesmo alimentem as multidão. A resposta dos apóstolos: “Só temos cinco pães e dois peixes. A não ser que fôssemos comprar comida para toda essa gente”. Sem fazer outra pergunta, diante das multidões, ”Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos para o céu, abençoou-os, partiu-os e os deu aos discípulos para distribuí-los à multidão”. 

O gesto de Jesus na multiplicação dos pães e dos peixes é o gesto eucarístico que une o divino ao humano, que leva o humano ao divino, e que traz o divino ao humano. O céu e a terra, o divino e o humano se encontram no momento de partilha do que se tem e de que se é. Quando o divino e o humano se encontram, a abundância de vida se torna realidade e a exclusão e a discriminação são excluídas. 

O Evangelho de Lucas nos ajuda a tomarmos a consciência deste maravilhoso dom, pois a multiplicação dos pães que se repartem para as multidões é reflexo da Eucaristia onde a comunidade cristã assume um compromisso solidário no compartir o pão, a vida e o amor. O pão é repartido aos pobres de Deus e aos necessitados do mundo, mas com o espirito fraterno. 

Não podemos realizar o milagre de multiplicar os pães, mas podemos repartir o nosso com os demais com amor e carinho a partir das possibilidades que cada um tem e até de sua pobreza. Se fizermos isso, haverá entre nós tanto alimento, tanta habitação, tanto emprego, tanta cultura, tanta dignidade, tanto calor familiar e tanta mão amiga. 

Na comunidade em que o fraco, o abandonado, o necessitado, o excluído é amparado, o humilde é amado, o sábio é respeitosamente ouvido e o culpado é perdoado, lá a celebração da Eucaristia não precisa falar só do homem, mas o próprio Deus pode se revelar como o dom de vida para todos.

A experiência da bondade humana parece ser a condição indispensável para nós percebermos a bondade de Deus. A partir desta afirmação vem a pergunta: Você é revelação de Deus? Outros lhe revelam Deus? 

O evangelista Lucas quer transmitir algo mais nesta multiplicação. Não somente Cristo distribui os dons da bondade do Pai do Céu. O próprio Cristo manda seus discípulos os distribuírem. No plano humano como no plano divino, o mistério do Cristo é aquele que, fazendo o bem, torna visível a presença de Deus. Por isso, que coisa mais divina poder ser distribuidor dos dons de Deus, administrador dos mistérios de Deus, como escreveu São Paulo: “Irmãos: Que todo o mundo nos considere como servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4,1). Todo discípulos de Cristo, cada cristão e cristã é distribuidor, distribuidora da própria graça divina. Não nos esqueçamos disso!!! 

A partir disso, vem a pergunta: O que é que você distribui na convivência com os demais: ódio, indiferença, crítica, descontentamento? Ou a bondade, o bem, os dons, os talentos? O que é que você recebeu de Deus? O que você tem: apenas 5 pães e dois peixes diante de tanta necessidade? Mas você já entregou a Cristo o pouco que você tem para que ele possa multiplicá-lo em função do bem comum? 

O filho de Deus, Jesus Cristo foi o SIM de Deus para sempre (2Cor 1,19-20). Jesus foi entregue por nós. Em cada sacramento, de modos diversos, celebramos sempre esta palavra definitiva da autoentrega de Deus a nós, e da entrega de Cristo por nós. 

Na Eucaristia, Deus se encontra com nossa vida mortal, tão desejosa da eterna imortalidade. Na Eucaristia Deus pronuncia sobre nós Sua Palavra de Vida, reveste-nos da ressurreição de Cristo e deixa a nós estes angustiados pela morte, comer da sua imortalidade num convívio sagrado partindo e repartindo o que se tem e o que se é, como Cristo, Pão da Vida é partido e repartido nos nossos altares. Na Eucaristia, neste Corpo ferido e neste Sangue derramado, temos perenemente presente sua última palavra: O SIM de Jesus ao Pai, por nós e o SIM de Deus a nós, por causa de Jesus. 

Consequentemente, comer a carne e beber o sangue de Jesus significa incorporar-se, fusionar. É entrar em comunhão de amor e de destino de Jesus. Tomar o Corpo e o sangue, além disso, é reconhecer a vida do Espírito na carne e no sangue da humanidade, pois a Igreja é o Corpo místico de Jesus (cf. 1Cor 3,16-17). É a humanidade que sofre, que busca, que dá a luz ao mundo com dor; a humanidade que se alegra, que canta e dança. É a humanidade de ricos e de pobres, humanidade de pecadores e de santos. É a humanidade dos rápidos e dos atrasados em descobrir a graça de Deus. É a humanidade da humanidade.                 

A eucaristia proporciona uma comunhão real de vida e de destino com a pessoa de Jesus. Seu Corpo nos faz participarmos na ressurreição, nos faz vivermos por Cristo que é vida para sempre, nos faz convivermos como irmãos, nos leva a vivermos na igualdade e na fraternidade, na partilha e na generosidade.

A celebração eucarística, o mistério mais sagrado que a Igreja guarda como seu tesouro será cada vez menos compreendida, se esta celebração não for feita por uma comunidade viva que se preocupa com a bondade e o bem de todos e para todos. É na convivência fraterna, na experiência da generosidade de quem estima e me quer bem, que o mistério da Eucaristia tem sua plena realização. A missa se torna um espetáculo e um mito se a comunidade cristã não experimenta a beleza humana da bondade divinamente inspirada. Pouco adianta pregarmos o divino, se negarmos o humano. 

A Comunhão Com Cristo, Pão Da Vida, Nos Leva a Vivermos Na Fraternidade 

A eucaristia é uma ceia fraterna na qual todos são tratados como irmãos e irmãs. A ceia fraterna não pode ser entendida sem comunhão fraterna, sem convivência com o Senhor e com os demais comensais ou com as demais pessoas. É certo que a Eucaristia constrói ou edifica a Igreja, mas a constrói ou edifica como comunidade que compartilha. Compartilhar é mais do que repartir o que temos, é mudar nossa forma de pensar e de viver para fazer possível uma convivência fraterna e solidária. Como dizia João Paulo II: “Nossa união com Cristo na Eucaristia deve manifestar-se, no dia de hoje, em nossa existência: em nossas atividades, em nossa conduta, em nosso estilo de vida e na relação com os demais”. Não é possível celebrar ou participar da Eucaristia sem a vivencia do amor fraterno, da caridade mútua e da solidariedade. Um escritor francês disse: “Não se pode crer impunemente”, isto é, não se pode crer sem que tenha consequências em nossa vida. Não se pode comungar o Corpo de Cristo sem que tenha consequências em nossa vida. Compartir o pão com os irmãos, especialmente com os necessitados é comungar com Cristo. Não tomaremos a sério a comunhão se não tomarmos a sério a vida, a justiça, a fraternidade e a honestidade.

Comer o Corpo e beber o Sangue do Senhor significa comer e beber o amor à vida e todo o que se refere à vida: liberdade, justiça, participação, fraternidade, igualdade. Uma Eucaristia que fica reduzida a um mero ato litúrgico é uma traição à última Ceia de Jesus da qual nasceu a Igreja. Trata-se de uma Igreja de irmãos, de apóstolos (enviados), de testemunhas, de mártires. Comer e beber a carne e o sangue de Jesus significa alimentar-se e alimentar uma humanidade necessitada de Jesus, Pão da Vida, necessitada do amor fraterno. É uma humanidade que para poder ser chamada de cristã precisa fazer desaparecer a injustiça, o ódio, a vingança, a discriminação, o racismo e assim por diante. Comungar com Cristo é comungar com sua causa. Todos somos chamados a seguir a Jesus Cristo, a ter fé nele, a caminhar pelo seu caminho. Todos nós sabemos que em Cristo temos o Caminho, a Verdade e a Vida. Na última Ceia Jesus nos recomendou: “Fazei isto em minha memória”. Toda Eucaristia é memorial que faz presente a entrega à morte do Mestre. Na Eucaristia, é o amor no Filho que se entregou para que possamos ter a vida eterna. Quem descobre o amor de um Deus que amou tanto os homens (cf. Jo 3,16), experimenta a chamada para difundir entre os homens este mesmo amor. Não se pode comungar com o gesto supremo de amor e ao mesmo tempo continua odiando, desprezando os outros.

“Fazei Isto Em Minha Memória!”: Missa e Missão (1Cor 11,24b.25b; Lc 22,19) 

Fazei isto em minha memória”. ”Fazei”. Com este verbo entendemos que a eucaristia é um agir, um acontecer de maneira misteriosa e sacramental em que Deus está agindo presentemente para entrar em contato com os fiéis no aqui e agora. O contato entre Deus e os fiéis se faz em e por Jesus Cristo através de seu Corpo e Sangue comungados pelos fiéis. O agir de Jesus foi um abandono total à vontade de Deus. Por sua vez, o agir de Cristo é para os fiéis uma missão. Viver o fazer de Cristo significa realizar tudo que Deus pede de cada um de nós a exemplo de Cristo; significa acabar com toda a soberba e aversão contra Deus e os irmãos. Viver o fazer de Cristo significa “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Comungar o corpo de Cristo para viver o seu agir é um compromisso permanente. 

Nós celebramos a Eucaristia por seu encargo para recordar e colocar em prática o que Jesus fez e disse a fim de que possamos também fazer a mesma coisa. Jesus entregou sua vida por amor para que todos fossem salvos. Em cada Eucaristia celebramos o amor de Deus, que nos amou até a morte. Por isso, precisamos fazer do amor de Deus um modelo para nosso amor ao próximo. 

Por isso, devemos compreender que a missa não se termina com a missa, e sim com a missão. Isto quer dizer que não vamos à missa para ir à missa. Mas que a missa, é de uma parte, a expressão de nossa fé, de nossa esperança e de nossa caridade, de nossa unidade e de nossa comunhão. 

Por isso, a comunhão não é o fim. A missão é. “Ite, missa est!”, “Ide, vós sois enviados!”, dizia o sacerdote quando a missa era celebrada em latim. A eucaristia é sempre uma missão. A vida vivida eucaristicamente é sempre uma vida de missões. Na Eucaristia somos solicitados a deixar  a mesa para procurar os outros e os nossos amigos para descobrirmos com eles que Jesus está verdadeiramente vivo e ao mesmo tempo nos chama para que juntos no tornemos um novo povo, o povo da ressurreição. Somos chamados e enviados para que formemos um corpo de amor, moldar o novo povo da ressurreição. Nossa experiência da comunhão com o Senhor nos envia aos nossos irmãos e irmãs para partilharmos com eles nossas histórias e construirmos ao seu lado um corpo de amor. O movimento que brota da eucaristia é o movimento da comunhão à comunidade e da comunidade à missão e da missão à eucaristia, formando um círculo sem fim.

Mas de outra parte, a missa é sempre um imperativo, uma exigência para fazer operativa nossa fé, nossa esperança, nossa caridade, nossa unidade e nossa comunhão. Por isso, quando finaliza o rito, começa a realidade na vida; quando termina a reunião eclesial, deve começar nosso compromisso cristão; quando termina a missa, deve começar a missão. Se não a missa careceria de sentido. “Fazei isto em minha memória!”, Jesus nos relembra.

Os primeiros cristãos tomavam muito a sério o que celebravam na Eucaristia, por isso, viviam como irmãos e não havia entre eles pobres, nem marginalizados porque tudo o punham em comum. A celebração da Ceia do Senhor era para eles um memorial indelével do amor de Deus e um estímulo irresistível da solidariedade com os irmãos.  Por isso, celebrar e participar da Eucaristia, da missa é para aumentar nosso amor, nossa solidariedade, nossa unidade e nossos esforços pela justiça. Trabalhar pela justiça é o modo de amar aos irmãos, porque a justiça é o passo prévio para o amor, ou o primeiro passo do amor. 

Hoje é o Dia do Pão por excelência em que poderíamos muito bem nos perguntar seriamente qual é o pão que perseguimos e que efeito produz em nós disso tudo, e o que significa para nós comungar o Corpo do Senhor, o Pão da Vida? Hoje é um dia especialmente apto para revisarmos nossas comunhões, para ver até que ponto essas comunhões são um rito, carente de virtualidade, que nos deixa estáticos e sem nenhum tipo de compromisso pessoal com Deus e com os irmãos.

P. Vitus Gustama,svd

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