domingo, 28 de abril de 2024

30/04/2024-Terçaf Da V Semana Da Quaresma

A PAZ QUE CRISTO QUER NOS DAR E DEIXAR

Terça-Feira da V Semana da Páscoa

Primeira Leitura: At 14,19-28

Naqueles dias, 19 de Antioquia e Icônio chegaram judeus que convenceram as multidões. Então apedrejaram Paulo e arrastaram-no para fora da cidade, pensando que ele estivesse morto. 20 Mas, enquanto os discípulos o rodeavam, Paulo levantou-se e entrou na cidade. No dia seguinte, partiu para Derbe com Barnabé. 21 Depois de terem pregado o Evangelho naquela cidade e feito muitos discípulos, voltaram para Listra, Icônio e Antioquia. 22 Encorajando os discípulos, eles os exortavam a permanecer firmes na fé, dizendo-lhes: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus”. 23 Os apóstolos designaram presbíteros para cada comunidade. Com orações e jejuns, eles os confiavam ao Senhor, em quem haviam acreditado. 24 Em seguida, atravessando a Pisídia, chegaram à Panfília. 25 Anunciaram a palavra em Perge, e depois desceram para Atália. 26 Dali embarcaram para Antioquia, de onde tinham saído, entregues à graça de Deus, para o trabalho que haviam realizado. 27 Chegando ali, reuniram a comunidade. Contaram-lhe tudo o que Deus fizera por meio deles e como havia aberto a porta da fé para os pagãos. 28 E passaram então algum tempo com os discípulos.

Evangelho: Jo 14,27-31ª

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 27“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. 28 Ouvistes que eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós’. Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu. 29Disse-vos isto, agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis. 30Já não falarei muito convosco, pois o chefe deste mundo vem. Ele não tem poder sobre mim, 31amas, para que o mundo reconheça que eu amo o Pai, eu procedo conforme o Pai me ordenou”.

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Exortação Para Ser Perseverante Na Fé Em Todos Os Momentos

É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus(At 14,22).

O texto da Primeira Leitura é a conclusão da Primeira viagem missionária de São Paulo. Essa viagem durou três anos aproximadamente entre os anos 45 e 48. Aconteceu quinze anos depois da morte e ressurreição de Jesus. Foi uma primeira experiência da evangelização em terra pagã.

Lemos na Primeira Leitura do dia anterior que Paulo e Barnabé, depois que um paralítico de nascença foi curado, foram tratados como se fossem deuses. Mas na Primeira Leitura de hoje Paulo é apedrejado até quase morto. Paulo e seus companheiros experimentam que o Reino de Deus padece violência e que não é fácil pregá-lo neste mundo. Mas não se deixam atemorizar. Eles continuam a evangelizar. Eles não querem desistir de tudo que é digno para o ser humano: sua salvação. Eles saíram de Listra para pregar em outras cidades. Eles são incansáveis em levar adiante a Palavra de Deus. A Palavra de Deus não pode ficar muda nem presa. A Palavra de Deus está no sangue deles que não tem como não pregar. A Palavra de Deus já faz parte inseparável de sua vida.

Para os seus discípulos, Paulo dá o seguinte conselho: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus”.  A aflição é um dos temas essenciais de São Paulo. A fé não suprime a tribulação. O sofrimento acompanha o cristão, como qualquer ser humano, mas seu sofrimento pode ter sentido, pois o cristão sabe que é um passo, um momento doloroso que conduz ao Reino, à felicidade total junto a Deus quando é consequência da evangelização ou de algo digno de lutar. De fato, Deus age conosco, em nossas provações, como agiu em seu Filho unigênito, Jesus Cristo. Deus manifesta Sua presença sem nos poupar da dor, para que, lutando com nossa fé contra o mal, possamos como Ele testemunhar que a vida é mais forte do que a morte.  Devemos crer na ressurreição, isto é, na vida gloriosa em Deus, não somente para o outro mundo, mas também nos momentos de dor, de aflição, de luto, e de morte nas passagens mais importantes de nossa vida.  Andar com o Bem Supremo (Deus) não tem como não encarar o mal e os maus nesta vida. Mais tarde São Paulo vai escrever para Timóteo: “Todos os que quiserem viver piedosamente, em Jesus Cristo, terão de sofrer a perseguição” (2Tm 3,12).

Nossas experiências dolorosas sempre escondem uma sabedoria que necessitamos decifrá-la. Elas tornam possível entendermos  os sofrimentos de nossos semelhantes ou de nossos próximos. Com isso, passamos a ser bons curadores ou bons conselheiros uns dos outros porque já vivenciamos a dor. No entanto, a cura  só é possível depois que a dor foi reconhecida, abraçada internamente e depois libertada pela pessoa ferida. A dor exige paciência, mas nos promete prazeres futuros. Temos muitas lições a aprender na vida e, sem dúvida, cada uma delas virá acompanhada de uma pontada de dor. 

Com este conselho Paulo fortalecia o ânimo dos discípulos, alentando-os a estarem perseverantes na fé. A fé não é um tesouro que um dia se recebe e fica como tal até a morte. A fé é uma vida que pode consolidar-se ou debilitar-se, que pode crescer ou morrer. Paulo está consciente disso e por isso, ele alerta: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus”. Quando Deus nos chama é porque Ele sabe como cuida de nós, apesar das dificuldades. Por isso, é precisa ter muita fé em Deus que nos ama. 

A fé é entrega pessoal, o submetimento total a Deus do entendimento para crer, da vontade para praticar somente o bem, e do coração para amar. Trata-se não somente de crer em algo e sim de crer em Alguém, de crer em Deus. Temos fé perfeita quando existe a entrega da vontade a Deus para viver somente de acordo com a vontade de Deus, pois a vontade de Deus é salvadora. A fé está sempre unida à esperança e à caridade, pois a fé é garantia do que se espera (Hb 11,1) e se expressa em obras de amor (Gl 5,6). Por isso, a fé perfeita é fruto da verdadeira conversão. Mas por si só, o homem não pode converter-se. Ele precisa do auxílio de Deus: “Faze-me voltar e voltarei, porque Tu és Javé, meu Deus” (Jr 31,18). Nesta volta (conversão) Deus “abre o coração” (At 16,14) ao homem.

“A fé nasce no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e sobre o qual podemos apoiar-nos para construir solidamente a vida. Transformados por este amor, recebemos olhos novos e experimentamos que há nele uma grande promessa de plenitude e se nos abre a visão do futuro. A fé, que recebemos de Deus como dom sobrenatural, aparece-nos como luz para a estrada orientando os nossos passos no tempo” (Papa Francisco: Carta Encíclica: Lumen Fidei n.4). 

Viver Na Colegialidade

Os apóstolos designaram presbíteros para cada comunidade. Com orações e jejuns, eles os confiavam ao Senhor, em quem haviam acreditado”.

Na constituição de um grupo de anciãos (presbíteros) percebemos o sinal da colegialidade em que os apóstolos designam anciãos para conduzir a comunidade local cuja tarefa é assegurar a fidelidade da comunidade. Os anciãos designados são símbolo da unidade, construtores da unidade (cf. Cl 2,19).

Aqui vemos a relação entre a Igreja local (comunidades presididas pelos anciãos/presbíteros) e a Igreja universal (conduzida pelos apóstolos). Na prática judaica, ao contrário, cada comunidade da Diáspora elege um grupo de anciãos para governa-la, sobretudo no plano material (cf. At 11,30).

O bispo e sua diocese são sinais da unificação universal para a condição de viver a colegialidade. O vigário/pároco e sua paróquia realizam a mesma exigência vivendo o presbitério em união plena com o bispo local com seus sacerdotes.

A constituição dos presbíteros nos mostra que a própria fé não pode ser vivida somente individualmente. É necessário vive-la em Igreja, com os outros. Será que eu compartilho minha fé com outras pessoas? Que sentido tem para mim a Igreja? Como eu participo da comunidade local?

A Paz Que Cristo Quer Nos Dar

Continuamos a acompanhar o “discurso” de despedida de Jesus de seus discípulos (Jo 13-17). Ao se despedir de seus discípulos, Jesus lhes dá a sua paz: “Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz; não vo-la dou como o faz o mundo. Que o vosso coração não se perturbe nem se intimide” (v.27).

Paz (Shalom, em hebraico, ou eirene, em grego) é uma fórmula ancestral e tradicional de saudação e de despedida entre os orientais até o dia de hoje. Os judeus na atualidade se saúdam com “Shalom” (paz), ou se perguntam: “mi shelomkha?” (Como está?) que literalmente pode ser traduzido “como está tua paz?”. Ao se despedir se desejam shalom u-berakhah (paz e bênção).      

Paz (Shalom) que é a saudação habitual entre os judeus tem uma grande densidade de significado, pois este termo não significa apenas a ausência de conflitos ou a tranquilidade da alma, mas também a saúde, a prosperidade, a felicidade em plenitude. A palavra “Shalom” talvez possa ser traduzida com uma expressão que todos nós desejamos aos outros: “Tudo de bom”. “All the best” para os da língua inglesa. Desejar a paz significa desejar tudo de bom para o próximo. Desejar “Shalom” é desejar a alguém uma harmonia com tudo, com todos e com o Todo por excelência que é o próprio Deus: com Deus, com o próximo, consigo próprio (comigo mesmo) e com a natureza.           

Ao se despedir dos discípulos, Jesus não lhes deseja a paz, mas ele lhes a paz: “Eu vos deixo a paz”, e insiste: “Eu vos dou a minha paz”. Jesus não deseja a paz para os discípulos e sim ele  e deixa a paz para eles.

Que tipo de paz que Jesus quer oferecer aos discípulos e a todos nós? Não se trata de um simples augúrio de paz, mas de um verdadeiro dom. A paz é um dom, vem do alto: não surge da decisão do homem. Por isso, não pode reduzir-se ao nível de sentimento. Trata-se de uma palavra que salva, que vai à raiz, lá onde está a origem da verdadeira paz (a origem do mal). A paz de Jesus tem como efeito banir/expulsar do coração dos discípulos todo e qualquer resquício/resíduo de perturbação ou de temor que leva ao imobilismo. Possuindo o dom da paz de Jesus, todos os seguidores de Cristo devem manter-se imperturbáveis, sem se deixar intimidar diante das dificuldades. Assim pensada, a paz de Jesus consiste numa força divina que não deixa os discípulos rompam a comunhão com Jesus. É Jesus mesmo, presente na vida dos discípulos, sustentando lhe a caminhada, sempre disposto a seguir adiante com alegria, rumo à casa do Pai, apesar das adversidades que deverão enfrentar. Dizendo “vai em paz”, Jesus cura a hemorroíssa (Lc 8,48) e perdoa os pecados à pecadora (Lc 7,50). A paz de Jesus nasce da vitória sobre o pecado e suas consequências. A paz de Jesus funda-se no amor fraterno e na justiça. A paz de Jesus, por isso, rejeita toda espécie de idolatria que coloca criatura no lugar de Deus e submete o ser humano a um regime de opressão. João enfatiza que Jesus é o mediador da paz; é neste sentido que Jesus a qualifica de “minha”. Os verbos estão no presente, sublinhando, assim, a realidade atual e a duração indefinida do dom. O Filho dispõe a paz que, segundo a Bíblia, só Deus pode conceder. A paz caracteriza os tempos messiânicos (Sl 72,7). O Messias tem por nome “o Príncipe da Paz” (Is 9,5s). A aliança escatológica é uma “aliança de paz” (Is 66,12). Todo o NT se mostra herdeiro dessa tradição para acentuar a reconciliação com Deus (At 10,36; Rm 5,1; Ef 2,14-17; Cl 1,20 etc.).          

Mas não dou a paz como o mundo a dá”, disse Jesus. E m que consiste a paz do mundo? A paz que o mundo oferece prescinde de Deus e se funda num projeto contrário ao dele. Aí, se encontram a injustiça, a concentração de bens à custa da exploração alheia, o desrespeito pelo ser humano. É o império do egoísmo que idolatra pessoas e coisas, e transforma os indivíduos em seus escravos. Por isso, é uma paz que conduz à morte eterna. Segundo o mundo, para ter paz todos tem que se preparar para a guerra. “Si vis pacem, para bellum!” (Ditado latino). “Se desejas a paz, prepara-te para a guerra”. “Devemos amar a paz sem odiar os que fazem a guerra”, dizia Santo Agostinho (Serm. 357,1).          

Quando o homem esquece o seu destino eterno, e o horizonte de sua vida se limita à existência terrena, contenta-se com uma paz fictícia, com uma tranquilidade exterior. Jesus qualifica este tipo de paz como a paz que o mundo dá. Recuperar a paz perdida é uma das melhores manifestações de nossa caridade para com os que estão à nossa volta. Onde houver amor também haverá a paz. Com efeito, a verdadeira paz é o fruto do amor a Deus e ao próximo. 

Deus em quem acreditamos é um Deus da paz; não quer a desordem, a rebelião ou tumulto. Deus está pela ordem como estada normal das coisas, e esta ordem equivale à paz. É o mesmo Deus que na cena da criação põe ordem no caos inicial (Gn 1,1ss), dando a entender que “criar” é em primeiro término ordenar o caos inicial, separando o céu da terra etc. para evitar a confusão. A paz, entendido neste sentido, se apresenta como estado normal das coisas onde cada uma ocupa seu devido lugar. Quando cada elemento ocupar seu próprio lugar haverá a ordem e consequentemente haverá a paz. “A paz é a tranquilidade da ordem”, dizia Santo Agostinho.

PARA REFLETIR:

·       “A fraternidade é uma dimensão essencial do homem, sendo ele um ser relacional. A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura. E convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender habitualmente no seio da família, graças, sobretudo, às funções responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe. A família é a fonte de toda a fraternidade, sendo por isso mesmo também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor” (Papa Francisco: Mensagem Para a Celebração Do XLVII Dia Mundial Da Paz De 2014).

·       Depois do Pai-Nosso se dá a paz. Que grande sacramento se esconde nesse rito. Deixa que teu beijo seja a expressão de teu amor. Não sejas Judas, que beijou Cristo com os lábios, mas já o havia traído em seu coração (Santo Agostinho: Serm. Dennis 6,3).

P. Vitus Gustama,svd

sábado, 27 de abril de 2024

29/04/2024-Segundaf Da V Semana Da Páscoa

CORAÇÃO QUE AMA SE TORNA A MORADA DIVINA

Segunda-Feira da V Semana da Páscoa

Primeira Leitura: At 14,5-18

Naqueles dias, em Icônio, 5 pagãos e judeus, tendo à frente seus chefes, estavam dispostos a ultrajar e apedrejar Paulo e Barnabé. 6 Ao saberem disso, Paulo e Barnabé fugiram e foram para Listra e Derbe, cidades de Licaônia, e seus arredores. 7 Aí começaram a anunciar o Evangelho. 8 Em Listra, havia um homem paralítico das pernas, que era coxo de nascença e nunca fora capaz de andar. 9 Ele escutava o discurso de Paulo. E este, fixando nele o olhar e notando que tinha fé para ser curado, 10 disse em alta voz: “Levanta-te direito sobre os teus pés”. O homem deu um salto e começou a caminhar. 11 Vendo o que Paulo acabara de fazer, a multidão exclamou em dialeto licaônico: “Os deuses desceram entre nós em forma de gente!” 12 Chamavam a Barnabé Júpiter e a Paulo Mercúrio, porque era Paulo quem falava. 13 Os sacerdotes de Júpiter, cujo templo ficava defronte à cidade, levaram à porta touros ornados de grinaldas e queriam, com a multidão, oferecer sacrifícios. 14 Ao saberem disso, os apóstolos Barnabé e Paulo rasgaram as vestes e foram para o meio da multidão, gritando: 15 “Homens, que estais fazendo? Nós também somos homens mortais como vós, e vos estamos anunciando que precisais deixar esses ídolos inúteis para vos converterdes ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe. 16 Nas gerações passadas, Deus permitiu que todas as nações seguissem o próprio caminho. 17 No entanto, ele não deixou de dar testemunho de si mesmo através de seus benefícios, mandando do céu chuvas e colheitas, dando alimento e alegrando vossos corações”. 18 E assim falando, com muito custo, conseguiram que a multidão desistisse de lhes oferecer um sacrifício.

Evangelho: Jo 14,21-26

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 21“Quem acolheu os meus mandamentos e os observa, esse me ama. Ora, quem me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele”. 22 Judas – não o Iscariotes – disse-lhe: “Senhor, como se explica que te manifestarás a nós e não ao mundo?” 23 Jesus respondeu-lhe: “Se alguém me ama, guardará minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada. 24 Quem não me ama não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou. 25 Isso é o que vos disse enquanto estava convosco. 26 Mas o Defensor, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito”.

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Deus Ama a Todos, Pois Todos São Seus Filhos

“´Levanta-te direito sobre os teus pés´. O homem deu um salto e começou a caminhar”. Lemos este episódio na Primeira Leitura de hoje.

Levanta-te!”, ordenou Paulo para um paralítico de nascença. Paulo realiza as mesmas maravilhas como Pedro e Jesus. O mesmo tipo de milagre que Pedro havia feito em favor de um mendigo paralítico (um judeu) perto da porta do Templo. E com a mesma ordem: “Levanta-te!”. Mas aqui o beneficiado não é mais um judeu e sim um pagão. Este detalhe é muito importante. 

As bênçãos de Deus não são monopólio de uma religião, de uma crença ou de uma Igreja. Os que vão ser salvos não somente os que se encontram dentro de uma igreja ou templo ou somente os adeptos de uma religião ou crença, pois Deus salva quem ama e respeita os outros, quem se preocupa com o bem comum, quem não é egoísta, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8.16). Os que serão salvos não são aqueles que somente decoram sua Sagrada Escritura (Bíblia, Alcorão etc.), mas praticam a maldade contra seu próximo. O próximo é também templo do Espírito Santo (1Cor 3,16-17). O próximo é também o filho de Deus, e por isso, é preciso respeitar sua dignidade de ser filho de Deus e amá-lo como irmão. Por causa do amor fraterno os que estão dentro de uma religião ou crença podem estar fora da salvação, se o amor fraterno estiver ausente entre eles. E os que estão fora da religião ou crença podem ser salvos por Deus por causa do seu amor pelo próximo (cf. Mt 25,31-46). Ninguém é capaz de encurtar a mão de Deus. Ninguém pode prender Deus num templo ou igreja, numa religião ou crença, pois Deus é o Espirito que sopra para onde quer e por quem quiser de acordo com Sua santa vontade. Estejamos atentos por onde o Espirito de Deus sopra. O Sopro de Deus é vida e vivifica. Onde a vida é respeitada, protegida, amada, defendida, lá o Sopro de Deus se manifesta. Deus está onde o amor fraterno circula livremente entre as pessoas. Onde houver o amor fraterno, não haverá fome, nem exclusão, nem discriminação, nem exploração.

Tomemos Cuidado com os Ídolos

Homens, que estais fazendo? Nós também somos homens mortais como vós, e vos estamos anunciando que precisais deixar esses ídolos inúteis para vos converterdes ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe”. Esta foi a reação de Paulo e Barnabé quando o povo de Listra, onde aconteceu a cura do paralítico de nascença, começou a idolatrar esses dois Apóstolos do Senhor.

Santo Tomás de Aquino trata da idolatria como uma espécie do gênero de superstição que é um vício oposto à virtude da religião e consiste em dar honra divina (culto) para coisas que não são Deus ou a Deus mesmo de maneira equivocada (cf. Summa Theol., II-II, q.xciv). É isso que aconteceu com o povo de Listra. A idolatria é uma verdadeira aberração na ordem religiosa e moral já que nela se inverte por completo a ordem dos valores: o Absoluto, Deus, se relativiza, e o relativo (criatura) se absolutiza. O que não é Deus ou o que é inferior a Deus se considera como se fosse deus ou algo divino. O erro está em atribuir às coisas o poder de Deus. Então, elas nos dominam e nos destroem e destroem os outros.

A idolatria não é coisa passada, própria dos homens de tempos escuros e de civilizações primitivas. Os ídolos estão sempre com os homens em qualquer época e lugar. Os ídolos não são de ontem nem de hoje. Os ídolos são puras criações do egoísmo, do medo, da insegurança, da soberba do homem que não encontrou ainda seu centro ou seu norte.

Todas as realidades "feitas pela mão do homem," tudo o que o homem pensa que pode fazer tudo pelo seu próprio poder e força; tudo aquilo que o homem quer ganhar para sua vida em vez de largá-lo em função de sua salvação, tudo isso é ídolo. O problema não consiste em descobrir se eu tenho ou não os ídolos, que eu ponho do meu lado cuidadosamente para minha comodidade e minha satisfação. O problema principal é identificar os meus ídolos a fim de pedir a Deus que me livre deles.

Somos confrontados diariamente para fazer a escolha entre Deus e os ídolos: dinheiro, fama, poder, sexo etc. e esta escolha deve ser renovada constantemente. Todos os nossos hábitos e escolhas determinam nosso destino. No hábito e na escolha diariamente está escondido meu destino. Verifiquemos se nossos hábitos e escolhas são dignas de serem vividos ou urgentemente devemos larga-los antes eles determinem nosso futuro destrutivo.

Aquele Que Ama Se Transforma Em Morada De Deus Neste Mundo

O texto do evangelho de hoje faz parte da conversa de Jesus com os seus discípulos na véspera de sua morte, na Última Ceia, e faz parte do longo discurso de despedida de Jesus de seus discípulos (Jo 13-17).

A morte de Jesus vai ser um ir ao encontro do Pai celeste. Esse modo novo de ver situação, especialmente da morte, deve constituir para os discípulos motivos de alegria e não de medo, pois Jesus Cristo não vai abandoná-los. O Santo Espírito vai acompanhá-los no mundo, uma nova forma da presença de Jesus no meio deles. E este Espírito Santo vai facilitar os discípulos na compreensão das palavras de Jesus, que até então sem condições para encontrar seu sentido. Jesus é o próprio Evangelho e o Mensageiro de Deus, o Profeta e a Palavra de Deus e é Deus (cf. Jo 1,13). Em Jesus e por Ele tudo ficou dito, tudo o que Deus tinha que nos dizer. Mas nem tudo ficou compreendido. Por isso, a nova presença de Jesus no Santo Espírito vai ajudar os discípulos a compreenderem tudo que foi dito por Jesus e sobre Jesus.

Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”, Jesus disse no evangelho de hoje. O teste mais adequado para verificar a realidade do amor a Cristo é a obediência, a observância concreta dos mandamentos (Jo 14,15.21), que são resumidos ou reduzidos ao mandamento do amor fraterno (Jo 13,34-35; 15,12). Este amor é a epifania ou a manifestação de Deus, pois Ele é amor (1Jo 4,8.16); é o lugar do dom do espírito (Jo 14,15), do encontro com a Trindade (Jo 14,21.23); da manifestação de Cristo. O amor é a resposta definitiva à pergunta de Filipe (Jo 14,9-11). A disponibilidade para o amor torna-se a razão da diferença entre os discípulos e o mundo. Sem amor, o homem continua carnal e por isso, é incapaz da autêntica expreciência de Deus (Jo 14,24). Quem ama nunca morrerá, a exemplo da própria experiência de Cristo que ressuscitou.

Jesus nos convida a uma comunhão vital: nossa fé e nosso amor a Jesus nos introduzem num admirável intercâmbio. Se tivermos fé e amor, o próprio Deus fará Sua morada em nós e nos converteremos em templos de Deus e de Seu Espírito. O amor nos une a Deus e aos irmãos, nossos próximos. A fé no Deus, que nos ama, nos leva a lutarmos até o fim pelo bem de todos por amor, a exemplo de Jesus. A evidência que nos comprova de que amamos Jesus é viver seus ensinamentos que se resumem no amor fraterno (cf. Jo 15,12).

Deus faz sua morada em nós em virtude de uma dupla exigência: guardar sua palavra e amá-lo de verdade no próximo (amor fraterno). Deus está presente em cada um de nós na medida em que ama o próximo. A morada de Deus, a casa de Deus, sua residência já não é um templo, Deus não mora na parede das igrejas, e sim que sou eu mesmo morada de Deus na medida em que vivencio o amor fraterno, na medida em que sou fiel à palavra de Jesus. Em outras palavras, o amor cria comunhão e comunidade tanto no nível humano como no nível divino. Com efeito, sem o amor não haveria nenhuma comunhão com os outros e consequentemente com Deus, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).

Mas esta presença de Deus no homem não é estática; é a presença de seu Espírito, seu dinamismo de amor e vida que faz o homem participar de Seu próprio amor. Se Deus faz sua morada no coração de quem ama, isto significa que Deus se afasta de mim quando houver em mim o desamor, a injustiça, o ódio, a exploração dos irmãos, a falta de perdão e assim por diante.

Por isso, não basta ficar-me no nível de ideias, de sentimentalismo, de pensamentos e sim que esse novo pensamento, essas novas ideias tenham que provocar em mim uma mudança de vida. Não basta abrir a mente, tenho que abrir também a porta de meu coração, de minha vida vivendo o amor fraterno para tornar-me morada de Deus. O homem que ama é um homem divinizado. “Sem amor o rico se torna pobre; com amor o pobre se torna rico” (Santo Agostinho). A prática cristã do amor é o sinal mais claro e evidente de nossa pertença à Igreja de Jesus. Quem ama como Jesus amou, entra no recinto do amor de Deus Pai e mergulha no mistério salvador de Deus: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”. Amar a Jesus é deixar-se guiar por suas palavras e inspirar-se em seu modo de viver. Ele vive por amor e para o amor. É um amor universal que não exclui ninguém. Quem se entrega a este projeto de amor será transformado em morada de Deus.

A afirmação de Jesus é, na verdade, um convite ao progresso interior que nos torna semelhantes a Deus pela fidelidade à palavra, e faz reconhecer, nesta fidelidade, a morada das pessoas divinas. O amor fraterno nos aproxima de Deus. A partir do momento em que alguém amar, ele será a nova morada de Deus.

Se em Jo 14,3 Jesus disse que iria preparar para os fiéis uma morada no céu, agora neste texto (vv.22-23) fica claro que a morada do Pai e de Jesus no meio de nós começa aqui e agora, na medida em que observamos o mandamento de Jesus: mandamento do amor fraterno. Se no passado Deus se manifestava em lugares e fenômenos naturais, agora fica muito claro que as pessoas que amam como Jesus são manifestação da presença de Deus. Assim, a separação entre o homem e Deus é superada, e a busca do Pai, tema essencial do Discurso é satisfeita pelo próprio Pai. O nosso Deus não é o Deus distante, mas aquele que se aproxima do homem e vive com ele, formando uma comunidade com os homens, objeto do seu amor.

Por isso, buscar a Deus não exige ir encontrá-lo fora de próprio homem, mas deixar-se encontrar e amar por Ele. A “morada” de Deus está em nós mesmos e entre nós, se estivermos unidos a Jesus e ao Pai na fidelidade e na prática do mandamento do amor. A resposta ao amor a Jesus se expressa no amor aos outros homens (guardar minha palavra). E o Pai e Jesus respondem à fidelidade do discípulo dando-lhe a experiência de sua companhia e seu contato pessoal. 

Toda vez que alguém, ao escutar a mensagem do amor, a repete para si mesmo e a põe em prática, insere-se na família de Deus e passa a ser, com Jesus, uma manifestação de Deus ao mundo. A comunidade cristã e o “mundo”, então, distinguem-se entre si pela presença ou ausência do amor. O amor se torna a razão de diferença entre os discípulos e o mundo, entre o cristão e não cristão. Sem amor, o homem continua carnal, incapaz da autêntica experiência de Deus. Deus escolhe para sempre viver no coração que ama. E “Se Deus é por nós, quem será contra nós? “(Rm 8,31b)

Jesus também nos convida a permanecermos atentos ao Espírito, nosso verdadeiro Mestre, a memória de Cristo, a memória para os cristãos. Como memória de Cristo o Espírito vai nos revelando a profundidade de Deus que nos conecta com Cristo: “O Defensor, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito”. Esse Espírito tem uma função de “pedagogo” de nossa fé porque ele é quem nos prepara para o encontro com Cristo e com o Pai e ele é quem suscita nossa fé e nosso amor. Ele desperta a memória da Igreja.

P. Vitus Gustama,svd

quinta-feira, 25 de abril de 2024

V Domingo Da Páscoa, 28/04/2024

PERMANECER EM CRISTO PARA PRODUZIR BONS FRUTO, POIS ELE É A VERDADEIRA VIDEIRA

V DOMINGO DA PÁSCOA ANO “B”

Primeira Leitura: At 9,26-31

Naqueles dias, 26 Saulo chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos. Mas todos tinham medo dele, pois não acreditavam que ele fosse discípulo. 27 Então Barnabé tomou Saulo consigo, levou-o aos apóstolos e contou-lhes como Saulo tinha visto o Senhor no caminho, como o Senhor lhe havia falado e como Saulo havia pregado, em nome de Jesus, publicamente, na cidade de Damasco. 28 Daí em diante, Saulo permaneceu com eles em Jerusalém e pregava com firmeza em nome do Senhor. 29 Falava também e discutia com os judeus de língua grega, mas eles procuravam matá-lo. 30 Quando ficaram sabendo disso, os irmãos levaram Saulo para Cesareia, e daí o mandaram para Tarso. 31 A Igreja, porém, vivia em paz em toda a Judeia, Galileia e Samaria. Ela consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo.

Segunda Leitura: 1Jo 3,18-24

18 Filhinhos, não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade! 19 Aí está o critério para saber que somos da verdade e para sossegar diante dele o nosso coração, 20 pois, se o nosso coração nos acusa, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas. 21 Caríssimos, se o nosso coração não nos acusa, temos confiança diante de Deus. 22 E qualquer coisa que pedimos recebemos dele, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que é do seu agrado. 23 Este é o seu mandamento: que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, de acordo com o mandamento que ele nos deu. 24 Quem guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com ele. Que ele permanece conosco, sabemo-lo pelo Espírito que ele nos deu.

Evangelho: Jo 15,1-8

Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: 1“Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. 2Todo ramo que em mim não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais frutos ainda. 3Vós já estais limpos por causa da palavra que eu vos falei. 4Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim. 5Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanece em mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. 6Quem não permanecer em mim, será lançado fora como um ramo e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados. 7Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vos será dado. 8Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos.

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O texto se encontra no complexo literário de Jo 13-17 que fala da despedida de Jesus de seus discípulos. A última mensagem de Jesus para os seus discípulos se precede com a cena da última ceia com o lava-pés que culmina com o anúncio da traição (Jo 13,1-20).  Em outros capítulos (Jo 14-17) relatam-se os diálogos da despedida de Jesus que termina com a oração de Jesus ao Pai. Na verdade não há mais que um discurso de despedida a não ser somente nos capítulos 13,31-14,31. A continuação lógica de Jo 14,31 é Jo 18,1. Jo 15-17 tem sido introduzido neste espaço pelo evangelista-redator para incluir no evangelho o material precioso que até agora não havia encaixado dentro do esquema do evangelista.          

Na presença dos seus amigos íntimos, Jesus começa a transmitir sua mensagem final (Jo 13,31-17,26). Como qualquer grande líder que reúne seus seguidores na véspera de sua morte para dar-lhes instruções quando ele partir, também Jesus, antes de sua morte, faz a mesma coisa. Mas ele lhes garante que sua morte não é um fim, pois ele vai para seu Pai. Aqui, nestes capítulos, Jesus repetidamente promete que ele vai voltar para os discípulos através de sua ressurreição e do dom do Espírito Santo. Esta volta vai trazer-lhes paz e alegria, e que os discípulos vão entrar também na comunhão de sua vida através do Espírito, que é o dom de Jesus ressuscitado.        

O contexto mais imediato do nosso texto é Jo 15,1-17. A primeira parte (vv.1-8) se concentra em matéria alegórica, a videira e os ramos, com a linguagem direta, que apresenta Jesus como o EU SOU. Nesta parte acentua-se a exigência de permanecer em Jesus para produzir frutos. A segunda parte (vv.9-17) fala do amor como objeto da revelação. Aprofunda-se nesta parte o mistério do amor de Deus em Jesus Cristo e a missão dos cristãos de frutificar na prática do amor fraterno (esta parte falaremos no próximo domingo). Nesta segunda parte, a imagem da videira não aparece mais a não ser apenas a expressão “produzir fruto”. Quando se fala de “produzir fruto” no seu sentido literal, fala-se inevitavelmente do tronco (árvore ou videira neste contexto).          

Quando Jesus se autoproclama como a “verdadeira videira”, porque existe outra videira falsa. Quem é que representa essa videira falsa? (mais adiante falaremos). A verdadeira videira é a imagem que evoca vida, seiva, fruto abundante ou ramos cheios de frutos de qualidade. Para entender esta autoproclamação de Jesus, como a verdadeira videira, devemos ter na nossa mente alguns textos do AT que contém a contraposição à afirmação de Jesus.      

Para qualquer judeu da Palestina, a videira é muito familiar, pois ela é um dos pilares econômicos do país. Ela é sinônimo de paz e felicidade. No livro dos Cânticos, a vinha pode designar a esposa (cf. Ct 1,14;2,15;6,11;7,9.13;8,12). Mas sobretudo, é símbolo da comunidade.  A vinha é uma imagem do povo de Israel em relação ao Deus da Aliança. Alguns textos vão comprovar esta afirmação. Ou seja, a videira ou vinha era o símbolo de Israel como povo eleito (povo de Israel) de quem Deus cuida com muito amor. A vinha Israel deve sua existência a Deus que a arrancou do Egito e plantou num espaço novo em que pôde crescer e prosperar (Sl 79/80,9-12). Mas o povo eleito  se descreve quase sempre como um povo infiel (cf. Is 5,1ss; Jr 2,21; Ez 17,6-10; Os 10,1). No AT a imagem da videira nunca é aplicada ao Messias. A conduta de Israel se mostra decepcionante, que por seus próprios pecados ou por causa de seus maus pastores (cf. Is 3,14; Jr 12,10).          

Oséias, o mais antigo dos profetas, descreve Israel como uma vinha viçosa ou florescentes que produz muito fruto (Os 10,1), mas tem um coração infiel(Oséias compara o povo da aliança como uma esposa infiel e Deus como um marido fiel que vai atrás da esposa para salvá-la). Assim essa vinha que tem muitas folhas,  se torna uma vinha inútil, pois não se encontra nenhum fruto. O profeta Isaías faz um poema ou um cântico sobre Israel onde ele o descreve como uma vinha ingrata (Is 5,1-7). O cântico se transforma, assim, em uma queixa e um julgamento. O profeta Jeremias fala da degeneração da vinha de qualidade: torna-se em vinha bastarda (Jr. 2,21; cf. também Jr 5,10;12,10-11; Sl 80,9-12;Ez 17,5ss). A conduta de Israel se mostra decepcionante seja por seus próprios pecados, seja por causa de seus maus pastores. 

O que Israel não foi capaz de dar bons frutos a Deus por sua infidelidade (pecados), Jesus se mostra fiel até o fim, pois a vontade de Deus é o próprio alimento de Jesus (Jo 4,34). Neste discurso (discurso de despedida) Jesus se compara a uma verdadeira videira, pois d´Ele emana a força vital para os que permanecem unidos a ela. “Verdadeira” se contrapõe ao antigo povo e a qualquer outra pretensão salvífica. “Eu sou a verdadeira videira” é proclamação de uma ruptura: não mais Israel, mas Cristo e os discípulos (seguidores) que permanecem n´Ele são o verdadeiro povo de Deus. Proclamando-se “verdadeira videira”, Jesus declara que o verdadeiro povo fiel a Deus é representado por Ele (videira) e pelos discípulos (ramos) que lhe dão adesão. Nisto podemos já entrever o motivo do juízo, alinhado com os profetas e com a própria tradição sinótica: Israel é julgado e o Reino é passado aos gentios.          

O nosso texto deste domingo tem seu pano de fundo nos textos acima citados. Mas o evangelista Jo modifica alguns termos, como em vez de falar de “vinha” (plantação de uvas), fala-se da “videira”(pé de uva) para enfatizar a união profunda entre tronco e ramos e a consequência da desunião do tronco é a morte para o ramo. Por isso, a palavra chave para o texto de hoje é “permanecer” que tem como consequência “produzir fruto”.          

Que tipo de ramos somos nós? Será que sabemos produzir uvas de qualidade ou apenas uvas ácidas, como aconteceu com o povo de Israel?          

Eu sou a verdadeira videira e vós, os ramos”, diz Jesus. Esta imagem serve para sublinhar a comunicação e circulação de vida divina que existe entre Jesus e aqueles que nele crêem. Meditar estas palavras sobre a videira e os ramos significa encontrar a relação que nos liga, na sua dimensão mais profunda, a Ele. É uma relação mais profunda até do que aquela que existe entre pastor e o rebanho, sobre a qual meditamos no domingo anterior. No evangelho deste domingo descobrimos onde é que reside a força interior de nossa religião (2Tm 3,17). É em Jesus. 

Permanecei em mim, como eu em vós” (Jo 15,4). Aqui está a mensagem fundamental do texto. O verbo grego MÉNO (permanecer) tem um significado muito profundo na teologia joanina. Este verbo “méno (permanecer) é usado por João para exprimir a relação de imanência entre o Pai e o Filho e os discípulos de Jesus. O Pai é a origem e a fonte (“agricultor”) daquela vida que Jesus dá aos seus discípulos. A vida cristã é permanecer pela fé e pelo amor a Jesus. Esse “permanecer em Jesus” é uma exigência essencial da vida cristã. Sem a imanência em Jesus pela fé e pelo amor, o discípulo é morto (Jo 15,4b)      

Alguns Elementos Deste Texto Sobre Os Quais Precisamos Meditar E Descobrir Suas Mensagens Para Nós Hoje. Está aberta, porém, a possibilidade para outras pessoas verem de outro ângulo. O Evangelho é sempre um tesouro para ser descoberto por todos e de todos os lados.

1. Jesus É A Verdadeira Videira       

O que Israel não foi capaz de dar a Deus, Jesus lho dá. Jesus é a videira fiel, porque correspondeu aos cuidados e à expectativa de Deus e produziu o vinho bom da fidelidade à aliança.  Por si mesmo, a imagem de “verdadeira videira” evoca vida, seiva, fruto. Jesus é a nova videira, a autêntica, capaz de produzir a vida para quem não a tem; o amor para quem se sente mal amado; a justiça para quem é injustiçado; o otimismo e a esperança para quem se sente frustrado e desesperado; o Caminho para quem se sente perdido; a  Luz para quem se sente desorientado e se encontra na escuridão nesta vida; o alimento para quem é faminto; a água viva para quem está com sede e a vida para quem está desanimado. Em Jesus, então, descobrimos a força sem fim para enfrentar qualquer tipo de situação nesta vida.  Jesus dá seu fruto, dando sua vida, derramando seu sangue, prova suprema de seu amor por nós. E o vinho, fruto da videira, será, no mistério eucarístico, o sinal sacramental deste sangue derramado para a remissão dos pecados e para selar a Nova Aliança e será o meio de comungar do amor de Jesus. Nele encontramos, realmente e somente nele, o sentido de nossa vida e de nossa luta de cada dia. Ele é realmente a videira verdadeira.

 2. Nós Somos  Os Ramos Da Videira Verdadeira          

Jesus nos diz: “Eu sou a verdadeira videira e vós, os ramos”. O ramo é uma extensão e um prolongamento do tronco (da videira). Do tronco é que vem a seiva (linfa) para o ramo que o nutre, a umidade do solo e tudo aquilo que ele transforma depois em uva sob os raios do sol. Se não é alimentado pela videira, nada pode ele produzir.        

Onde se situa essa relação, quando aplicada a nós, homens para que possamos produzir frutos ? Quais são condições para produzirmos mais frutos? 

A) Para Produzirmos Frutos Necessitamos Permanecer No Tronco Que É Cristo                 

O verbo “permanecer” aparece 118 vezes no NT, principalmente nos escritos joaninos (no evangelho de Jo 40 vezes, 1Jo 24 vezes e 2Jo 3 vezes; em Lc 20 vezes: 13 deles em At; 1Cor 8 vezes; Hb 6 vezes; e em outros escritos neotestamentários o verbo aparece esporadicamente). Neste Evangelho o verbo “permanecer” aparece sete vezes para exprimir a união entre o tronco e os ramos, ou seja, entre Jesus e os fiéis.

A expressão permanecer tem em Jo uma conotação do definitivo, do perene no relacionamento com Jesus fundado na fé, um relacionamento de confiança e fidelidade recíproca que existe entre Jesus e seus seguidores. Com esta permanência, os seguidores terão condições de produzir frutos. O sentido é o da mútua união de Deus (ou Jesus, ou o Paráclito) nos seus e deles em Deus. Não se trata de uma mera “união moral” entre os fiéis e Jesus/Deus. Da parte de Deus (em Jesus) trata-se da presença salvífica; e, na medida em que abrimos espaço para a presença de Deus no meio de nós e em nós, também nós “permanecemos” no âmbito dele. E da parte dos fiéis (nós), esse permanecer significa concretamente o continuar na profissão de fé em Jesus e a comunhão do amor fraterno (Evangelho do domingo posterior). Somente em contato com Jesus temos vida e força interior, capacidade e constância para transformar a dura realidade e vencer o mal dentro e fora de nós.          

Permanecer em Cristo significa também não abandonar os compromissos assumidos (no batismo, no matrimônio etc.), não se afastar da fonte que é Cristo, como o filho pródigo, entregando-se a uma vida de pecado consciente e intencionado.          

Permanecer em Cristo significa também permanecer no seu amor (Jo 15,9): no amor que ele tem por nós, mais que no amor que nós temos por Ele; significa, pois, permitir-Lhe que nos ame, que nos faça passar a sua “seiva” que é o Seu Espírito, evitando pôr entre Ele e nós a insuperável barreira da auto-suficiência e da indiferença.         

A intensidade deste “permanecer” recíproca é mostrada no versículo 4b. Aqui Jesus exorta a todos os seguidores: “Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim”(v.4b). Os opostos “produzir frutos” e “ser estéril” exprimem salvação ou perdição final. A separação de Jesus significa esterilidade absoluta. Um cristão que não permanece unido a Cristo, resseca, não dá fruto. Ele pode até ter uma vida brilhante, cheia de saúde, de idéias, exibir energia, negócios, filhos e ser, aos olhos de Deus, lenha seca, sem vida, um coração vazio. Quem pertence aparentemente ao grupo cristão, mas não mantém ligação com Jesus, é um membro morto. Só atrapalha mais do que ajuda. Tudo, quando se afasta do tronco que é Jesus Cristo, tende a morrer. Pessoas afastadas dos outros e de Deus murcha, seca e morre.          

Se permanecermos em comunhão com Jesus e “suas palavras permanecerem em nós”, receberemos tudo o que em seu nome convém pedir. O Evangelho de João usa de modo surpreendente o termo “permanecer”(equivalente a “morar”) para expressar a presença das palavras de Jesus em nossa vida(15,4). Suas palavras são equivalentes à sua pessoa. Se quisermos saber se Cristo está em nós, cabe verificar se suas palavras desempenham um papel efetivo(e afetivo) em nossa vida. Segundo Jesus, se nos deixarmos levar por Sua Palavra e pela fé, estaremos limpos e incluídos na produção da videira. Neste caso o permanecer e o produzir frutos são duas coisas inseparáveis. Não existe produção de frutos sem a permanência em Jesus e não existe uma comunidade duradoura de Jesus que fique por todo o tempo sem produzir frutos. Precisamos ser como o ramo unido ao tronco. O ramo não encontra sentido longe de quem o alimenta e sustenta. A unidade é o caminho para superar as crises e as adversidades.       

Tudo isto nos faz perguntar: “Que frutos eu tenho produzido? Se tudo está errado, preciso parar urgentemente porque talvez eu esteja desligado do tronco(Jesus), por isso não tenho recebido a seiva suficiente para ser bom seguidor, o que me tornar em ramo seco. 

B) Para Podermos Produzir Frutos Precisamos Ser Podados          

A videira é uma planta que precisa de muitos cuidados. Todos os anos ela deve ser podada para que a seiva se concentre em poucos ramos, fortes e vivos. Qualquer agricultor bom não tem medo de podar uma videira, porque ele sabe que com isso, a videira vai produzir muito mais frutos. Ele não fica acariciando as folhas verdes da videira.  Uma videira, embora viçosa, se não for podada no tempo certo com muito desvelo, depois de alguns anos, não produz mais nada que preste. Além disso, os ramos secos são tirados.         

Jesus diz: “Todo ramo que dá fruto, o Pai o limpa, para que dê mais fruto ainda”(v. 2). Ao falar em “dar fruto”, Jesus usa a expressão que nos recorda inevitavelmente o grão de trigo que se morrer, dará muito fruto(Jo 12,24). Mas não é a morte ou a poda o que se assemelha à videira, mas a vida e o fruto abundante que por elas se alcançam.          

A poda é uma limpeza profunda. E limpo é aquele que encontra a sua identidade no seu vínculo com o Senhor e no serviço aos demais e aquele que fala de acordo com  seu agir e agir como fala. Por meio disso a Palavra nos limpa, nos transforma por dentro e nos torna diferentes: “Vós já estais limpos por causa da palavra que eu vos falei”(v. 3). Acreditar na Palavra é dar fruto. O Evangelho, que é a Palavra de Deus em Jesus Cristo, é então como uma poda. Ele golpeia a cobiça, tudo aquilo que nos dispersa em tantos projetos vãos e desejos terrenos; ao invés, fortifica as energias sadias e espirituais; concentra-nos sobre os valores verdadeiros, colocando em crise os valores falsos. Precisamos fazer várias podas na nossa vida se quisermos crescer como bons cristãos: poda das riquezas armazenadas, do boato e fofoca, da soberba, do poder temporal e influências mundanas, da ganância, da preguiça, do egoísmo, da mentira, da hipocrisia, assim por diante. Sem estas podas sobra-nos lenha seca e falta-nos seiva jovem e vida nova do Espírito.

3. Promessa Para Quem Permanece Em Jesus         

Permanecer em Cristo não só serve para que possamos nos assemelhar à vida de Cristo mas muito mais do que isso. Ele promete: “Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vos será dado”(v. 7). Estas palavra nos leva ao cerne do que é rezar. Rezar significa estar em perfeita sintonia com Jesus e seu plano, fazendo-lhe a vontade. Se fizermos assim, nenhuma prece vai ficar sem resposta, receberemos tudo o que em seu nome convém pedir e nenhum esforço será inútil.         

Vamos nos perguntar: Sou um ramo vivo ou seco? Se eu ficar atrapalhando a vida dos outros em vez de ajudá-los, talvez seja um sinal de que estou virando um ramo seco. Será que ainda não permaneço em Cristo, por isso as minhas orações, aparentemente não são atendidas? Qual parte da minha vida que preciso podar para que eu seja mais feliz e útil para mim mesmo e para os outros ?

P. Vitus Gustama,svd

27/04/2024-Sábado Da IV Semana Da Páscoa

PERMANECER EM CRISTO PARA ESTAR COM O PAI ETERNAMENTE NO CÉU

Sábado da IV Semana da Páscoa

Primeira Leitura: At 13,44-52

44 No sábado seguinte, quase toda a cidade se reuniu para ouvir a palavra de Deus. 45 Ao verem aquela multidão, os judeus ficaram cheios de inveja e, com blasfêmias, opunham-se ao que Paulo dizia. 46 Então, com muita coragem, Paulo e Barnabé declararam: “Era preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vós. Mas, como a rejeitais e vos considerais indignos da vida eterna, sabei que nos vamos dirigir aos pagãos. 47 Porque esta é a ordem que o Senhor nos deu: ‘Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra’”. 48 Os pagãos ficaram muito contentes, quando ouviram isso, e glorificaram a Palavra do Senhor. Todos os que eram destinados à vida eterna, abraçaram a fé. 49 Desse modo, a palavra do Senhor espalhava-se por toda a região. 50 Mas os judeus instigaram as mulheres ricas e religiosas, assim como os homens influentes da cidade, provocaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé e expulsaram-nos do seu território. 51 Então os apóstolos sacudiram contra eles a poeira dos pés, e foram para a cidade de Icônio. 52 Os discípulos, porém, ficaram cheios de alegria e do Espírito Santo.

Evangelho: Jo 14,7-14

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 7“Se vós me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. E desde agora o conheceis e o vistes”. 8Disse Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” 9Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces Filipe? Quem me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes: ‘Mostra-nos o Pai”? 10Não acreditas que eu estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim mesmo, mas é o Pai que, permanecendo em mim, realiza as suas obras. 11Acreditai-me: eu estou no Pai e o Pai está em mim. Acreditai, ao menos, por causa destas mesmas obras. 12Em verdade, em verdade vos digo, quem acredita em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas. Pois eu vou para o Pai, 13e o que pedirdes em meu nome, eu o realizarei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. 14Se pedirdes algo em meu nome, eu o realizarei.

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Estejamos Conscientes De Que a Inveja É Capaz De Destruir e Matar o Próximo

A Primeira Leitura fala da expansão da Igreja no território não judeu que já tem como início em At 10-11. Lucas registra não somente o sucesso da evangelização na terra pagã, mas muito mais do que isso: os pagãos dão uma certa preferência ao cristianismo. Isso causa a inveja nos judeus. A pregação da mensagem dá lugar, como em outras ocasiões, para a perseguição pela qual Paulo e Barnabé são obrigados a ir para outro lugar para levar a mensagem de Cristo. Mas não se trata de obra dos dois (Paulo e Barnabé) e sim da obra do Espirito que os enche de alegria e força para prosseguir na evangelização. 

O que se enfatiza no texto de hoje é a função da “Palavra”. Por quatro vezes ocorre a seguinte expressão: “A Palavra de Deus ou do Senhor”. O ponto de separação entre judeus e pagãos não passa mais pela Lei e sim pela Palavra de Deus, isto é, o anúncio de salvação feito pelos missionários. Ou seja, trata-se daquela vida plena e definitiva inaugurada por Jesus ressuscitado (At 13,48). 

Mas em qualquer lugar onde a mensagem de salvação de Cristo for proclamada ou anunciada, há sempre os que a aceitam e os que a recusam. Há recusa pacifica, mas há também recusa acompanhada pela perseguição e blasfêmias. 

No sábado seguinte, quase toda a cidade se reuniu para ouvir a palavra de Deus. Ao verem aquela multidão, os judeus ficaram cheios de inveja e, com blasfêmias, opunham-se ao que Paulo dizia”. Assim registrou Lucas sobre o sucesso de Paulo e Barnabé no trabalho missionário em Antioquia de Pisídia e a reação negativa da parte dos judeus por esse sucesso.

“Ao verem aquela multidão, os judeus ficaram cheios de inveja”. A inveja é a tristeza pelo bem alheio. O invejoso tem sempre os olhos fixos nos outros, sofrendo amargamente com a satisfação que nele têm, tendo sentimentos de aversão quando percebe que os outros estão bem ou estão numa situação cada vez melhor. A inveja é filha de uma soberba. O invejoso não tolera os sucessos dos outros, não admite que os outros possuam qualidades iguais ou superiores às suas. Ele sempre teme ser superado pelos outros. Ele sofre quando percebe que seu rival possui uma cota maior do que a sua. A inveja é uma profunda raiva produzida pela conquista dos outros. “O número dos que nos invejam confirma nossas capacidades” (Oscar Wilde). A inveja é um desejo de vingança, de destruição, de ódio. Muitas mortes aconteceram por inveja. A inveja tenta destruir os outros por meio da perseguição. A inveja é um sentimento destrutivo de alguém que pretende tirar o que você conseguiu. A inveja coloca qualquer um num plano de contínua insatisfação e de queixa permanente. A inveja nasce da sensação de que nunca o invejoso nunca vai ter o que o outro possui. “A inveja é uma declaração de inferioridade” (Napoleão Bonaparte). 

Quem tem uma alma grande sempre se preocupa com o bem de todos. Uma pessoa de bem sempre faz do sucesso do outro como inspiração para que ela consiga alcançar aquilo que uma pessoa sucedida alcançou. Uma pessoa de bem se esforça para aprender a atravessar o processo, a ter vontade e coragem, força e inteireza para percorrer o caminho de sucesso. Uma pessoa de bem admira. Um invejoso está sempre com o mau olhar no sucesso alheio. Uma pessoa de bem olha para aprender. Um invejoso olha para destruir o sucedido. 

A inveja dos judeus, da qual fala o texto, não deve ser entendida apenas num plano banal, isto é, o medo de perder os clientes que também dão uma contribuição finaceira à sinagoga, mas também num plano teológico no sentido de que os membros do antigo povo de Deus  temem perder os seus privilégios étnico-religiosos, o monopólio das promessas salvíficas, destinadas ao povo judeu. Por isso, pode-se entender o motivo pelo qual eles usam as “blasfêmeas” contra Paulo. As “blasfêmias” devem ser entendidas como recusa escandalizada de Jesus, um messias cruficado que para eles é um insulto a Deus (cf. At 26,11). 

Porém, a perseguição jamais pode parar o dinamismo espiritual que se origina da própria “Palavra de Deus” que traz vida e salvação para todos os homens. Por isso, Paulo e Bernabé não se cansam em anunciar a Palavra de Deus. 

Conhecer Jesus É Conhecer Deus

“Quem me viu, viu o Pai... Acreditai-me: eu estou no Pai e o Pai está em mim”. O texto do evangelho lido neste dia faz parte do discurso de despedida de Jesus de seus discípulos no evangelho de João (Jo 13-17). 

Quando Jesus disse aos discípulos: “Se vós me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. E desde agora o conheceis e o vistes”, logo Filipe pediu: Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!”. 

O pedido de Filipe para Jesus mostrar o Pai tem um tom de ousadia do ponto de vista judaico. Segundo a visão bíblica é impossível ver Deus e ao mesmo tempo o homem, que viu Deus, permanece vivo (Cf. Ex 33,20). Por isso é que, na Bíblia, todas as pessoas ficaram apavoradas diante de qualquer manifestação divina (teofania), pois há possibilidade de morrer.

Segundo a tradição religiosa e bíblica do AT há um abismo entre o inacessível “Deus onipotente e altíssimo” (Eclo 50,17) e “o homem, que é um verme, o ser humano, que é uma larva” (Jó 25,6). Mas, no NT, Jesus revela aos discípulos que Deus não está longe e sim perto, que não deve ser procurado, mas acolhido, e se manifesta n´Ele (Jo 14,7). Na verdade, logo no Prólogo de seu evangelho são João fala dessa proximidade de Deus ao dizer: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Mas Filipe distingue Jesus de Deus e por isso, ele intervém com o pedido que aparentemente ingênuo: “Senhor mostra-nos o Pai e nos basta” (Jo 14,8). 

Diante da pergunta de Filipe, Jesus responde que o Pai não é acessível ao olhar comum. O Pai é acessível através de uma contemplação (contemplar significa olhar, observar com atenção para descobrir seu significado). E a contemplação se apoia no sinal por excelência: o Filho, Jesus Cristo e suas obras, pois Jesus é a Palavra de Deus feita carne (cf. Jo 1,1-3.14; Mt 1,23). Jesus é tão unido ao Deus Pai a ponto de ser reflexo ou de ser manifestação total de Deus diante dos homens. Jesus e o Pai são um só (cf. Jo 14,10; 17,21-22). Para contemplar o Pai é preciso descobrir o mistério do Filho: descobrir sua relação com o Pai, seu papel mediador e a significação de suas obras. Todas as obras de Jesus apontam para Deus. Jesus está tão unido ao Pai a ponto de dizer: “Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14,10). Jesus enfatiza a absoluta sintonia entre Ele e o Pai, unidade que se manifesta na mesma ação criadora: “Acreditai-me: eu estou no Pai e o Pai está em mim. Acreditai, ao menos, por causa destas mesmas obras” (Jo 14,11). Tudo de Jesus fala do Pai ou leva o homem ao Pai. Entre Jesus e o Pai há uma total sintonia. O último critério de identificação e sintonia são as obras. E a obra da redenção feita por Jesus nos faz compreendermos Deus como um Pai cheio de amor, de ternura e de misericórdia para nós (cf. Jo 3,16).

E esta contemplação do Pai na pessoa e na obra do Filho deve ser estendida nas obras de cada cristão: “Quem acredita em mim, fará as obras que eu faço” (Jo 14,12). A vida e as obras de cada cristão devem levar os outros a contemplarem Deus, devem ter uma função de levar as pessoas para Deus. As obras boas que o cristão faz falam por si de Deus para o mundo. Desse modo cada cristão se converterá em sinal da presença do Pai no mundo que aponta sempre para Deus. Além disso, neste sentido pedir “em nome de Jesus” (Jo 14,14) equivale, efetivamente, a solicitar a presença de Cristo no atuar do cristão para que ele possa ser verdadeiramente sinal da presença de Deus no mundo.

 

Somente para aquele que não sabe qual é o destino de sua vida não existe um caminho certo e seguro. Mas se ao final de nossa existência terrena queremos estar com Cristo gozando da gloria do Pai, não há outro caminho a não ser o próprio Cristo. Nele nos é manifestado nosso Deus como Pai amoroso e misericordioso, próximo de nós e disposto a nos salvar e nos e a nos levar a participarmos de Sua vida eterna. Não somente as palavras de Jesus que nos fazem entendermos quem é Deus para nós, mas também suas obras nos fazem experimentarmos o amor que Deus tem para nós. Ir atrás das pegadas de Cristo é caminhar com Sua Igreja, Sua esposa que é a pegada de Seu amor e de Sua entrega que Ele deixou para a humanidade para que possa ir ao encontro definitivo com o Pai com segurança.

 

Não acreditas que eu estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim mesmo, mas é o Pai que, permanecendo em mim, realiza as suas obras”, disse Jesus a Filipe. Jesus era um homem de Nazaré de carne e de osso, que pisava o solo de Palestina, um homem que tinha amigos, relacionamentos humanos, que comia e bebia com seus amigos, que tinha cansaço, fome e sede. Mas era um homem equilibrado por excelência. Era um homem humilde (Mt 11,29). Era um homem sem ambição nem orgulho, pois toda vez que a multidão queria torná-lo rei, ele se afastava para estar em contato com o Pai no silencio e na oração prolongada (cf. Jo 6,15). Era um homem que se rebaixava diante de seus amigos para lavar-lhes seus pés (cf. Jo 13,1-20). Mas esse homem é, ao mesmo tempo, estava em comunhão plena com Deus, se identificava com Deus, que fazia tudo conforme a vontade de Deus: “Eu estou no Pai e o Pai está em mim”. Jesus era um homem cheio de Deus. As suas amizades com outras pessoas não atrapalhavam sua comunhão plena com Deus. Ao contrário, era tão profunda sua comunhão com Deus a ponto de ter sido tão profunda também sua amizade com o homem (cf. Jo 15,15). Por ter sido o homem de Deus, Jesus era um homem do povo e para o povo.

 

Ser cristão é ser outro Cristo no mundo. Se Cristo Jesus era um homem cheio de Deus, logo cada cristão deve ser uma pessoa cheia de Deus. Se Cristo Jesus foi o homem de Deus e por isso, era um homem do povo e para o povo, logo o cristão deve ser também um homem de Deus para que se torne um homem do povo e para o povo. Consequentemente, nenhum cristão pode ser uma pessoa egoísta e isolada. Cada cristão é de Cristo e o Cristo é do povo: “Vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1Cor 3,23).

 

Quem acredita em mim, fará as obras que eu faço e fará ainda maiores do que essas” (Jo 14,12). Não se trata das obras maiores do que as que Jesus fez. Mas trata-se da expansão de sua mensagem por todo o mundo. Jesus limitou sua atividade em Palestina com um pequeno número de discípulos. Agora, através das obras boas praticadas pelos cristãos espalhados pelo mundo Cristo se faz presente no mundo. Nossas obras se tornarão maiores, se as fizermos no espírito de Cristo e não de acordo com o nosso gosto. Toda obra no espírito de Jesus tem como objetivo edificar os outros na sua dignidade. É ser vida para os demais como Cristo é vida dada a todos nós.  Ao fazer as obras pelo bem de todos, o cristão poderá aplicar para si a frase de Jesus de outra maneira: “Eu estou em Cristo e Cristo está mim”. Ser cristão significa ser outro Cristo. Se o mundo não percebe na minha maneira de viver e de proceder que sou cristão é porque eu não estou mais em Cristo nem Cristo está em mim. Desta maneira Santo Agostinho tinha razão ao dizer: “De que vale ter o nome de cristão se tua vida não é cristã? Há muitos que se denominam médicos e não sabem curar. Muitos se dizem vigilantes noturnos não fazem mais que dormir a noite inteira. Assim também muitos se chamam cristãos, mas não o são em seus atos. Em sua vida, moral, fé, esperança e caridade são muito diferentes do que declara seu nome (In epist. Joan. 4,4).

 

Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!”, pediu Filipe a Jesus. Em outras palavras: Onde está Deus? No seu livro O Deus Em Quem Não Creio, Juan Arias dá algumas respostas. “Deus está na tua vida vazia. É tudo o que desejarias lá meter para a encher... Deus é o sol que desejarias ver brilhar quando as trevas irromperam nos teus olhos... Está naqueles olhos cheios de luz que, só ao olhá-los e amá-los, te tornaram mais criança, mais inocente, mais livre, mais poeta e mais concreto; mais terno e mais seguro; menos “tu” e mais “próximo”. Deus está nessa sede de limpeza que faz sentir a tua boca seca e pegajosa, depois de qualquer infecção do espírito ou da carne. Está à porta de cada desilusão; são essas mãos invisíveis em que não crês, mas que desejarias apertar, cheias de fidelidade, quentes de compreensão, eletrizadas por um afeto que resiste ao tempo...Deus está no palpitar intato de cada novo ser...Está no conjunto de sentimentos que vibram em todo o ser da mulher que acaba de ser mãe...Deus está ali; naquele cantinho mais secreto da tua vida, aonde ninguém chega, em que uma voz que não sabes donde vem, nem para onde vai, te diz o que não querias ouvir, te recorda o que desejarias ter esquecido, te profetiza o que nunca desejarias saber. Nessa voz que não ouves, mas que te desaprova. Nessa voz que não é tua, mas que nasce em ti e que nem o sono, nem o barulho, nem a bebida, nem a carne conseguem fazer calar...Está nesse abismo profundo da tua incredulidade...Está na paz do lago sereno das tuas lágrimas quando te reconcilias com a tua consciência e que te dá a sensação de renasceres...Deus está nessa força misteriosa que nos mantém vivos, que nos impede de enlouquecer, que nos evita o suicídio depois de certas provas dramáticas da vida, depois de certos desgostos mais cruéis e trágicos do que a morte...Deus está sobretudo onde reina o amor”.

 

Cristão, onde está teu Deus? Mostra-nos teu Deus é o pedido do mundo para cada cristão. Qual sua resposta?

 

P. Vitus Gustama,svd

30/04/2024-Terçaf Da V Semana Da Quaresma

A PAZ QUE CRISTO QUER NOS DAR E DEIXAR Terça-Feira da V Semana da Páscoa Primeira Leitura: At 14,19-28 Naqueles dias, 19 de Antioquia ...