quinta-feira, 11 de abril de 2024

III Domingo Da Páscoa, 14/04/2024

SER TESTEMUNHA DA VIDA RESSUSCITADA

III Domingo da Páscoa Do Ano “B

 

Primeira Leitura: At 3,13-15.17-19

Naqueles dias, Pedro se dirigiu ao povo, dizendo: 13 “O Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó, o Deus de nossos antepassados glorificou o seu servo Jesus. Vós o entregastes e o rejeitastes diante de Pilatos, que estava decidido a soltá-lo. 14 Vós rejeitastes o Santo e o Justo, e pedistes a libertação para um assassino. 15 Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos, e disso nós somos testemunhas. 17 E agora, meus irmãos, eu sei que vós agistes por ignorância, assim como vossos chefes. 18 Deus, porém, cumpriu desse modo o que havia anunciado pela boca de todos os profetas: que o seu Cristo haveria de sofrer. 19 Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos, para que vossos pecados sejam perdoados”. 

Segunda Leitura: 1Jo 2,1-5a

1 Meus filhinhos, escrevo isto para que não pequeis. No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o Justo. 2 Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro. 3 Para saber que o conhecemos, vejamos se guardamos os seus mandamentos. 4 Quem diz: “Eu conheço a Deus”, mas não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele. 5a Naquele, porém, que guarda a sua palavra, o amor de Deus é plenamente realizado.

Evangelho: Lc 24,35-48

Naquele tempo, 35os dois discípulos contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. 36Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: “A paz esteja convosco!” 37Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma. 38Mas Jesus disse: “Por que estais preocupados, e por que tendes dúvidas no coração? 39Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”. 40E, dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés. 41Mas eles ainda não podiam acreditar, porque estavam muito alegres e surpresos. Então Jesus disse: “Tendes aqui alguma coisa para comer?” 42Deram-lhe um pedaço de peixe assado. 43Ele o tomou e comeu diante deles. 44Depois disse-lhes: “São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. 45Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, 46e lhes disse: “Assim está escrito: ‘O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, 47e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém’. 48Vós sereis testemunhas de tudo isso”.

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Visão Geral Sobre a Liturgia Da Palavra Deste Domingo

A primeira Leitura de hoje tirada dos Atos (At 3,13-15.17-19) faz parte de um importante discurso de Pedro dirigido a todo o povo reunido no Templo depois da cura de um coxo na porta Formosa (At 3,1-10).

Neste importante discurso Pedro mostra que o Deus dos patriarcas é o mesmo Deus que ressuscitou Jesus Cristo que por ignorância foi rejeitado e assassinado. Os Apóstolos são testemunhas da ressurreição de Jesus. Por ignorância eles mataram o Autor da Vida. Ele é o Autor da vida, pois sem Ele nada foi feito (cf. Jo 1,1ss). Por causa dessa ignorância é que no evangelho de Lucas Jesus rezou: “Pai perdoai-os porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Com este discurso Pedro quer convidar todo o povo a se arrepender.

O povo eleito matou o Autor da vida por ignorância”. Quantas vezes nós agimos e reagimos por ignorância. Com isso, acabamos matando aquilo ou aquele que poderia nos dar vida, esperança, sabedoria. Não é virtude falar o que pensamos. A virtude é pensar várias vezes antes de falarmos uma vez. É muito perigosa uma pessoa que tem preguiça de pensar, de analisar, de observar, de pesquisar, pois ela é capaz de destruir a própria vida e a vida dos outros por ignorância. Quem fala demais tem uma grande possibilidade de cometer muitos pecados. É o pecado de língua segundo a Carta de São Tiago. Jamais podemos matar a esperança dos outros agindo como ignorantes. Jamais podemos matar aquilo que dá vida para os demais por falta de sabedoria e respeito pela vida. Temos que ser testemunhas da vida de Deus em nós. 

São João na Segunda Leitura (1Jo 2,1-5ª) insiste sobre a necessidade de reconhecer nossa realidade de pecadores (1Jo 1,8.10). São João nos convida a vivermos de acordo com os mandamentos do Senhor que consiste na vivência do amor fraterno. Podemos, segundo são João, nos arrepender, pois temos Jesus como “advogado” nosso junto ao Pai. É que nos defende pelo nosso arrependimento. Perdão dos pecados não é para continuar a pecar e sim para começar a viver de acordo com a vontade de Deus. qual é a vontade de Deus? É salvar e procurar salvar de qualquer maneira.

O reconhecimento de nossos pecados, falhas, fraquezas, defeitos é condição indispensável para acolher a bênção, a salvação de Deus para nossa vida. Sem esse reconhecimento nada vai dar certo na nossa vida; ficaremos confusos e desorientados na vida. Quando não quisermos reconhecer nossos pecados, defeitos, falhas, fraquezas, nós nos tornaremos inúteis para o Reino de Deus e para os outros nesta vida. Ao reconhecer os próprios limites, pecados, falhas, fraquezas, defeitos, o homem experimentará a misericórdia, a liberdade, benção sobre bênção na vida apesar das dificuldades. O reconhecimento da fraqueza manifesta ou expressa nossa força interior. Confissão do pecado é o momento de crescimento na santidade.

Se nos reconhecermos pecadores, se voltarmos a viver reunidos como irmãos numa comunidade, com certeza, Jesus vai aparecer no meio de nós para dar o Shalom ou Paz, como relata o evangelho de hoje (Lc 24,35-48). O shalom pode ser traduzido com “Tudo de bom”. A comunidade reunido com uma só alma e um só coração é condição indispensável para ter uma paz e para que todo mundo fique desarmado. Quem usa alguma arma é uma pessoa insegura, pois a arma é um tipo de bengala. Só pessoa inseguras usam bengala.         

A passagem do evangelho de hoje é a continuação do texto do evangelho que fala da experiência dos dois discípulos de Emaús (Lc 24,13-35. É bom ler este texto para entender a passagem do evangelho de hoje). 

A chegada de Jesus no meio dos Onze e os demais discípulos é comentada por Lucas nos seguintes termos: Cheios de medo pela surpresa, os onze e seus companheiros acreditaram ter visto um fantasma. Ao contrário de João, Lucas distingue entre os onze e os demais discípulos. Lucas enfatiza os Onze (cf. Lucas 24, 33). Por outro lado, Lucas não fala do medo do exterior como fez João (veja Jo 20,19ss), mas do medo na presença de Jesus. Lucas, então, está interessado no problema da identidade do Senhor Ressuscitado. Quem é o Ressuscitado? Este é o mesmo Jesus antes de morrer? O Ressuscitado e Jesus são a mesma pessoa? Pelo prólogo do seu evangelho sabemos que Lucas é um escritor crítico. Vale a pena ler Lc. 1, 1-4. Neste prólogo Lucas fala de testemunhas oculares, de investigação cuidadosa, da solidez do que foi recebido. Na segunda de suas obras, Atos dos Apóstolos, a condição indispensável para preencher a vaga de Judas entre os doze é ter vivido com Jesus do início ao fim, ou seja, ter sido testemunha ocular de sua vida. Só sob esta condição se pode testemunhar a ressurreição de Jesus, isto é, se pode garantir criticamente que o Ressuscitado e Jesus são a mesma pessoa (cf. At 1, 21-22). Se Lucas enfatiza os Onze (doze em Atos) é porque só eles preenchem esta condição e são, portanto, os únicos que oferecem a garantia crítica inquestionável de poder acreditar que o Senhor Ressuscitado e Jesus são a mesma pessoa porque O viram. Graças a eles podemos hoje, mais de vinte séculos depois, acreditar pacificamente no Senhor ressuscitado. Para Lucas, o autor que levantou e abordou este problema, devemos a certeza inabalável da nossa fé no Senhor Ressuscitado. Ao tratar o problema, Lucas lançou o fundamento sobre o qual repousa a nossa fé. 

Segundo o texto do Evangelho de hoje, quando os dois discípulos estavam contando para a comunidade reunida em Jerusalém sobre sua experiência de encontro pessoal com Jesus ressuscitado, Este, repentinamente, apareceu no meio da comunidade para dar-lhe a paz (shalom).                     

Através deste relato Lc quer enfatizar alguns temas importantes como: Primeiro, a identidade de Jesus ressuscitado que tem objetivo apologético: Jesus não é um fantasma ou um espírito incorpóreo, pois os primeiros discípulos O viram e comeram com Ele (cf. At 1,4; 10,41), como já foi menciando anteriormente. Segundo, o entendimento das Escrituras. Terceiro,  a missão futura dos discípulos.  Em outras palavras, nesta aparição de Jesus (no texto do evangelho de hoje) são superadas as dúvidas e as dificuldades a respeito da ressurreição de Jesus. 

VAMOS REFLETIR SOBRE ALGUNS PONTOS PARA NOSSA REFLEXÃO SOBRE O TEXTO DO EVANGELHO. 

1. Para crescer na fé é preciso fazer experiência pessoal com Jesus e o testemunho dos outros.        

O v.35 faz conexão com o episódio de Emaús que precede o texto de hoje. Este versículo encerra o relato de Emaús com a notícia de que os dois discípulos “contaram o que lhes tinha acontecido no caminho e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão”. Agora os Onze entram na plenitude da mensagem graças ao testemunho dos dois discípulos no relato de Emaús. Mesmo assim, eles necessitam da experiência pessoal do encontro com Jesus ressuscitado.        

Esta experiência pessoal é o fundamento da fé dos crentes de todos os tempos, embora o testemunho dos outros, que têm crido antes, seja indispensável. As duas coisas são indispensáveis para um crente: o encontro pessoal com Jesus ressuscitado e o testemunho dos outros cuja fé tem alcançado sua maturidade. Aquele que começa a acreditar em Jesus será fortalecido pelo testemunho dos outros e pela própria experiência pessoal com Jesus Cristo. Assim todos crescerão juntos na fé em Jesus e formarão uma comunidade de fé. Conseqüentemente serão testemunhas do Senhor ressuscitado. 

2. Reunião Fraternal E A Presença De Jesus Ressuscitado 

A cena que o evangelista Lucas nos apresenta no evangelho de hoje tem muitos pontos de ligação com o evangelho do domingo passado (domingo anterior). O ponto que está em destaque é que no marco de uma reunião fraternal dos discípulos, Jesus se manifesta vivo e lhes convence sobre a realidade de sua ressurreição ao comer um pedaço de peixe assado e lhes confia a missão de anunciar a boa notícia sobre o perdão dos pecados: “Em nome de Cristo serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações começando por Jerusalém”, disse Jesus. 

Lucas insiste que nossa reunião fraternal provoca de imediato uma primeira presença de Cristo porque “onde dois ou três reunidos em meu nome ali eu estou no meio deles”, disse Jesus Cristo (Mt 18,20). Qualquer reunião que favoreça a fraternidade, Jesus está presente. E esta presença de Cristo não tem outra finalidade que a de fazer-nos entrar em contato com Cristo para que nós, uma vez terminada a celebração eucaristia e de volta para nossa vida cotidiana, sejamos entre os homens sinais vivos de Cristo, presenças dinâmicas e vivificantes da força de nosso Salvador, cumprindo assim as palavras com que termina o evangelho de hoje: “Vós sereis testemunhas de tudo isso”. 

3. Shalom/ A Paz É Que Dá Segurança E Não As Armas          

Enquanto os dois discípulos de Emaús estão relatando o encontro com o Ressuscitado, Jesus aparece no meio deles e os saúda com estas palavras: “A paz esteja convosco!”.   

O tema da paz percorre todo o Evangelho de Lucas. A paz no Evangelho de Lucas é a expressão máxima da vida, pois ela é a superação da morte, o grande medo e o grande conflito para um ser humano. Shalom é aquela paz que responde aos anseios mais profundos do coração humano, pois na palavra shalom se enfatizam a harmonia com tudo e com todos: com Deus, com o próximo, comigo mesmo e com a natureza. Ela representa aquilo que, às vezes, dizemos ao nos despedirmos dos amigos: “Tudo de bom, para você!” ou shalom. Só os que sofreram pela violência, os que carregam no corpo a lembrança da dor da perda de uma pessoa querida por causa da violência, os que vivem o medo da violência, sabem como é forte o anseio pela paz, e como a paz pode parecer distante.          

A paz esteja convosco!”. Eis aqui o grande presente do céu, o presente do Ressuscitado, o maior bem que se pode desejar à Terra. Os romanos desejavam a boa saúde; os gregos, a alegria; os hebreus, o shalom. Cristo não somente deseja, mas a paz. Quando Jesus nasceu, os anjos cantaram o hino da paz: “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens por ele amados”(Lc 2,14). Mais tarde, Jesus reservou uma das bem-aventuranças aos edificadores da paz: “Bem aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”(Mt 5,9). E antes de morrer Jesus deixou a sua paz para os seus discípulos: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou...”(Jo 14,27). E depois da ressurreição Jesus deu a paz para os discípulos reunidos como uma comunidade: “A paz esteja convosco!”.

Portanto, Shalom é muito mais do que uma simples paz. Shalom é uma harmonia total com Deus, com o próximo, com a natureza e consigo próprio. Por isso, a paz no Evangelho de Lucas é a expressão máxima da vida, pois ela é a superação da morte, o grande medo e o grande conflito para um ser humano. Shalom é aquela paz que responde aos anseios mais profundos do coração humano. Ela representa aquilo que, às vezes, dizemos ao nos despedirmos dos amigos: “Tudo de bom, para você !” ou shalom.          

Todos buscam a paz. Cada um a quer em seu coração; cada família a deseja em seu seio; cada sociedade a procura entre os membros. E com razão: sem paz não há felicidade nem progresso.          

Santo Agostinho dizia: “A paz é a tranqüilidade da ordem”. Onde houver ordem, onde as coisas estiverem dispostas de acordo com um fim, quando as pessoas ocuparem seus lugares e fizerem aquilo que devem, ali haverá paz. Para que haja paz, é necessário haver ordem: cada elemento deve ocupar seu lugar e cumprir sua função. Onde hover ordem, haverá progresso. Ao contrário, quando houver a desordem, surge imediatamente a intranquilidade. Além disso, a busca desordenada de riquezas, honras e prazeres não traz a paz, nem pode proporcioná-la. Neste sentido, a paz consiste em praticar as virtudes e lutar contra os vícios.          

Além da tranqüilidade da ordem, outro segredo para alcançar a paz verdadeira é adequar nossa vontade à vontade de Deus. O bispo Fulton J. Sheen dizia: “Se um homem criado à imagem e semelhança de Deus, deseja, com todas as suas palavras, obras, e orações, fazer com que seu ideal coincida com a vontade do Criador, não terá contrariada sua natureza e, portanto, alcançará a paz. Mas o homem que contradiz seu fim aqui na Terra, por meio de uma vida antiespiritual, que deixa seus sentidos buscarem os próprios fins, prescindindo do objetivo máximo de toda a sua natureza, esse homem necessariamente sofrerá a dor da ansiedade, os temores e as desordens mentais”. Por isso, quem procura o Deus da paz, encontrará a paz de Deus. Como aconselhou São Doroteu: “Jamais afaste Deus do seu coração: pense sempre que você o tem presente e vive diante dele”. É a paz que dá a segurança e não as armas. Quem estiver com arma, porque está sem segurança e sem paz. 

4. A Identidade De Jesus          

Mas como é difícil acreditar na vitória do Deus vivo sobre a morte, o Deus que aparece no meio dos discípulos de Jesus com a saudação da paz. Por ser uma coisa inédita e por não ter aprofundado sua reflexão sobre o anúncio da ressurreição feito por Jesus antes de sua morte, os discípulos, em vez de ficarem alegres, “tomados de espanto e temor, pensavam ver um espírito”(v.37). O termo “espírito” aqui eqüivale a fantasma.          

Mas Jesus ressuscitado não é um fantasma ou um espírito incorpóreo ou produto de alucinação coletiva; não é fruto de fantasia de alguns. Jesus ressuscitado é uma pessoa em plena posse de suas faculdades e na plenitude de sua vida. Por isso, diante da reação suspeita dos discípulos, Jesus os convida a olharem, tocarem, constatarem e Jesus lhes mostra as mãos, os pés e come um pedaço de peixe assado: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho” (v.39).          

Lucas pode muito bem ter escrito esta cena com um objetivo apologético. O interesse primordial de Lucas é a identidade de Jesus ressuscitado (“Sou eu mesmo!” É o famoso “Ego eimi”, sou eu, que lembra a auto-afirmação soberana do Deus bíblico [cf. Ex 3,14], tão frequente em Jo [cf. Jo 6,35;8,12;10,7;10,11;11,25;14,6;15,1]), de modo que o fato de os discípulos terem reconhecido o aspecto corporal de Jesus ao comer o peixe (Lc 24,42-43) não é muito diferente de os dois discípulos de Emaús terem reconhecido Jesus ao partir o pão (Lc 24,31.35). Tendo sido afastada toda ambiguidade por sua morte, Jesus pode proclamar plenamente o “Eu sou”, dando enfim sua própria resposta à pergunta sobre sua identidade e sendo superadas as dificuldades dos discípulos a respeito da ressurreição de Jesus. Jesus continua a ser “Eu sou”, a ser uma presença para todos os discípulos em qualquer situação em que se encontrarem. Uma parte importante da identidade de Jesus ressuscitado é a continuidade da mesma existência corporal de seu ministério, mas ao mesmo tempo Lucas reconhece que no corpo de Jesus havia diferentes propriedades, uma vez que ele não podia ser visto por todos.          

Por que Lucas acentua tanto a ressurreição do corpo de Jesus nesta cena? Para entender a esta questão é necessário saber que Lucas é o único autor de origem gentia do Novo Testamento e escreve especialmente para gentio-cristãos, para o mundo grego. No mundo grego o corpo era cárcere da alma, era algo desprezível. A vida toda não passava de uma luta para libertar-se da matéria e do corpo, uma vez que estes eram considerados desprezíveis. O corpo era peso para a alma. Esta depreciação do corpo tem como consequência inevitável a negação da ressurreição do corpo ou da carne. Para o mundo grego é muito difícil crer na ressurreição.          

Na verdade, não estamos longe de tudo isso. No nosso tempo, muitas pessoas dão lugar mais importante para a alma do que para o corpo. Fala-se frequentemente da salvação das almas, esquecendo-se do corpo ou a integridade de um ser humano. Algumas consequências da desvalorização do corpo são estas: a redução da prática religiosa ao espiritual; a salvação restringida às almas; o descompromisso com o social e o político; o trabalho braçal visto como tarefa de pessoas inferiores; a visão negativista da mulher como “sedutora” e não como companheira igual ao homem.         

Além disso, no nosso tempo, há grupos que se dizem religiosos querem tirar do cristianismo a ressurreição. Se tirarmos a ressurreição do cristianismo, eliminaremos certamente a essência do cristianismo, o coração do corpo humano. O que seria nossa vida sem a fé na ressurreição e como seríamos? Ficaríamos perdidos e viveríamos de todas as fantasias em vez de enfrentar a vida e a morte.          

De todos os Evangelhos, só Lucas relata que Jesus ressuscitado come um pedaço de peixe grelhado perante os discípulos porque Jesus ressuscitado não é um fantasma. Ele tem corpo e voz. É um ser ressuscitado. No texto Jesus diz: ”olhem e toquem!” Isto quer dizer que ele provoca os sentidos: o olhar e o tato são convocados para comprovar esse fato. Com isso, Lucas quer nos dizer que a ressurreição é uma realidade concreta. A partir da fé na ressurreição do Senhor, estamos certíssimos de que teremos também a ressurreição; nossa vida está assegurada. A morte nunca será capaz de destruir o nosso verdadeiro ser. Por isso, no Credo professamos dizendo “ Creio na ressurreição da carne; na vida eterna”. Não cremos somente na imortalidade da alma, mas também na ressurreição da carne. Nosso corpo vai ressuscitar, sim, de uma forma gloriosa semelhante ao corpo glorioso de Jesus. 

Por isso, diante da reação suspeita e negativa dos discípulos, Jesus os convida a olhar, tocar, constatar. E Jesus lhes mostra as mãos, os pés e come um pedaço de peixe assado: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”(v.39). As mãos e os pés, sinais dos pregos fazem antes de tudo perceber a identidade do Ressuscitado com o Crucificado.

O corpo, que está presente é aquele mesmo que está ausente do sepulcro. Os sinais da vitória da morte aparentemente agora saõ sinais de sua derrota. O verdadeiro mistério é que o Ressuscitado é o Crucificado.

“Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai-me!”. Esta expressão quer nos relembrar e alertar, em primeiro lugar, que a violência, que o mal não tem futuro. O mal termina com o mal. Mas o bem, o amor, mesmo que o homem tenha tentativa de enterrá-lo, ele ressuscita. Acreditemos no bem, na honestidade, na bondade, no amor, pois eles nos grantem um futuro salvífico. Em segundo lugar, a expressão Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai-me!” quer nos dizer que o amor é capaz de tudo, até o impossível. Jesus se deixa crucificar porque Ele nos ama até o fim (Jo 13,1; cf. Jo 3,16). As marcas dos pregos nos seus pés e mãos são marcas de amor incondicional de Jesus Cristo por cada um de nós. 

Além disso, a expressão “Vede minhas mãos e meus pés. Apalpai-me!”, se refere à experiência pessoal. Jesus convida cada um a fazer o contato pessoal com ele. Esta experiência pessoal é o fundamento da fé dos cristãos de todos os tempos. Não basta falar de Jesus Cristo; é preciso falar com Ele. Não se chega até Jesus somente através de deduções lógicas ou através de construções de caráter intelectual; mas chega-se ao encontro com o Senhor ressuscitado inserindo-nos nesse contexto em que Jesus Se revela,  na experiência pessoal com Jesus, no encontro comunitário, no diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na escuta comunitária da Palavra de Deus, no amor partilhado em gestos de fraternidade e de serviço… É nesse “caminho” que vamos encontrando Cristo vivo, atuante, presente na nossa vida e na vida do mundo. Assim todos crescerão juntos na fé em Jesus e formarão uma comunidade de fé que se reza e se ajuda mutuamente. Conseqüentemente serão testemunhas do Senhor ressuscitado.

O Entendimento Das Escrituras

Depois disse-lhes: “São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”.Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, e lhes disse: “Assim está escrito: ‘O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia(Lc 24,44-46). 

O texto de hoje vai um passo além. "Tudo o que foi escrito sobre mim tinha que se tornar realidade" Este “tudo” é especificado um pouco mais tarde: paixão, ressurreição, anúncio universal de conversão e perdão dos pecados. Ao problema da identidade de Jesus Ressuscitado, Lucas acrescenta agora o problema da hermenêutica: Como ler o Antigo Testamento? O “ter que” não é da ordem da predeterminação mental nem da necessidade física. É da ordem de captar e aprofundar o significado dos acontecimentos e da história. Lucas introduz um senso de propósito na história. 

E esse propósito é formulado com a expressão “tem que”. Ele concebe toda a história anterior à ressurreição como um processo que culmina neste Senhor Ressuscitado e a partir daí se expande para o mundo inteiro (não apenas para os judeus) em termos de novidade (conversão) e graça (perdão dos pecados). Estamos realmente no tempo da Páscoa. 

5. Sobre O Testemunho E A Missão          

Consequentemente, outra característica comum nas narrativas da ressurreição é o envio à missão ou ser testemunha. A missão ou testemunho é vinculado à ressurreição: “Vós sereis testemunhas de tudo isso”.  As palavras “testemunhar”, “testemunho” e “testemunha” se encontram 167 vezes no Novo Testamento, e são próximos de outras palavras que conhecemos: “mártir”, “matírio”. Essas palavras vem da linguajar jurídico que significa “declaração acerco de um fato”, “anúncio de uma verdade”.

Para os apóstolos, ser testemunha de Cristo significa proclamar sua ressurreição, garantia de sua divindade. A este tesetmunho todos são chamados. Isto quer dizer que o Ressuscitado não é propriedade de ninguém. Ninguém tem o direito de reter Jesus só para si. Ninguém tem o direito de guardar Jesus só para si. Cada cristão tem missão de fazê-lo conhecer por todos ou testemunhá-lo. 

Em grego testemunhar ou ser testemunha significa confirmar com a vida o que foi visto e ouvido. Ser testemunha significa um compromisso concreto e vivencial pelo qual ele viveu, morreu e ressuscitou. Quem acredita em Jesus tem como conseqüência ser missionário de Jesus ou ser testemunha da vida de Jesus. Ser testemunha significa proclamar não apenas por palavras, mas por gestos concretos o nosso compromisso com a vida plena de todos. Testemunhar Jesus é provar com a própria vida que é ele o sentido profundo de nossa vida e da vida do mundo e a garantia nossa tanto no presente como no futuro (cf. Jo 14,6). Não se trata de testemunhar Jesus Ressuscitado temporariamente. Temos que ser perseverantes no nosso testemunho em qualquer circunstância. Na escolha de um caminho de vida, não basta o entusiasmo do primeiro momento nem as afirmações exaltadas de amor a Jesus. A salvação para cada um de nós e para melhorar o mundo, depende da nossa perseverança na vivência dos ensinamentos de Cristo. É preciso ressaltar sempre esta característica distintiva do martírio cristão: ele é exclusivamente um ato de amor, para com Deus e para com os homens, incluídos os perseguidores.        

Uma característica comum nas narrativas da ressurreição é o envio à missão. A missão é vinculada à ressurreição. Jesus diz para os discípulos: “Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Isto quer dizer que o Ressuscitado não é propriedade de ninguém. Cada cristão tem missão de fazê-lo conhecer por todos ou testemunhá-lo. Em grego testemunhar ou ser testemunha significa confirmar com a vida (mártir) e até com o sangue o que foi visto e ouvido. Ser testemunha significa um compromisso concreto e vivencial pelo projeto que Jesus anunciou, pelo qual ele viveu, morreu e ressuscitou. Quem acredita em Jesus tem como consequência ser missionário de Jesus ou ser testemunha da vida de Jesus. E “ser testemunhas da ressurreição” quer dizer que Deus quer a vitória da vida para todos em todas as circunstâncias. Ser testemunha significa proclamar não apenas por palavras, mas por gestos concretos o nosso compromisso com a vida plena de todos. Palavras e documentos já temos muitos. Falta ação concreta e efetiva. Falta testemunho de vida. 

6. JESUS ESTÁ PRESENTE NA REFEIÇAO FRATERNAL 

É interessante observar que na cena dos dois discípulos de Emaús Jesus foi reconhecido na refeição fraternal. Para Jesus a refeição é sinal de fraternidade, é expressão de amizade e ocasião para nos comunicar sua mensagem. Todas as alianças no AT terminam com a refeição.                 

Comendo com os publicanos e pecadores, Jesus nos revela para quem ele veio. Numa refeição com um fariseu famoso, Jesus acolheu uma pecadora e a defendeu. Em outra refeição com Zaqueu Jesus nos revelou que entrou também a salvação naquela casa pela conversão de Zaqueu. E numa refeição singular, a Última Ceia com os seus, Jesus nos adianta sua entrega, perpetua essa entrega num sacramento para nossa vida como peregrinos. 

A Eucaristia é o momento da fraternidade e da igualdade, pois todos se alimentam do mesmo Corpo do Senhor. Comungar o Pão Eucarístico, o próprio Corpo do Senhor significa ser pão para os demais. O cristão é chamado a ser pão, a ser alimento, em ser vida para os outros a exemplo de Cristo Jesus. Ser pão significa que já não posso mais viver para mim e sim para os demais. Significa que tenho que estar inteiramente disponível a tempo completo. Significa que eu devo cultivar a ternura e a bondade porque assim é o pão, terno e bom. Significa que devo estar sempre disposto ao sacrifício como o pão que se deixa triturar. Significa que devo viver sempre no amor capaz de morrer para dar vida, como o pão.

Quando a comunhão é entendida somente como “minha comunhão”, assunto privado entre Jesus e minha alma, o Corpo de Cristo que é a Igreja se desintegra: cada um come seu próprio pão, e este já não é o pão que partimos (cf. 1Cor 11,17-22). A comunhão somente é autentica quando não se privatiza e não se apropria. Comungar com Cristo significa também comungar com os irmãos, mais ainda, com todos os homens: recebemos o Corpo que se entrega por nós e por todos os homens. Quem comunga se compromete com Cristo e com os que são de Cristo, como um só homem, no sacrifício de Cristo, na salvação do mundo.

P. Vitus Gustama,svd

 

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