quinta-feira, 31 de março de 2022

Segunda-feira Da V Semana Da Quaresma,04/04/2022

JESUS E SEUS ENSINAMENTOS SÃO A LUZ DE NOSSA VIDA

Segunda-Feira da V Semana da Quaresma

Leitura: Dn 13,1-9. 15-17.19-30.33-62 (ou Dn 13,41c-62)

Naqueles dias: 1Na Balilônia vivia um homem chamado Joaquim. 2Estava casado com uma mulher chamada Susana, filha de Helcias, que era muito bonita e temente a Deus. 3Também os pais dela eram pessoas justas e tinham educado a filha de acordo com a lei de Moisés. 4Joaquim era muito rico e possuía um pomar junto à sua casa. Muitos judeus costumavam visitá-lo, pois era o mais respeitado de todos. 5Ora, naquele ano, tinham sido nomeados juízes dois anciãos do povo, a respeito dos quais o Senhor havia dito: 'Da Babilônia brotou a maldade de anciãos-juízes, que passavam por condutores do povo.' 6 Eles frequentavam a casa de Joaquim, e todos os que tinham alguma questão se dirigiam a eles. 7Ora, pelo meio-dia, quando o povo se dispersava, Susana costumava entrar e passear no pomar de seu marido. 8Os dois anciãos viam-na todos os dias entrar e passear, e acabaram por se apaixonar por ela. 9Ficaram desnorteados, a ponto de desviarem os olhos para não olharem para o céu, e se esqueceram dos seus justos julgamentos. 15Assim, enquanto os dois estavam à espera de uma ocasião favorável, certo dia, Susana entrou no pomar como de costume, acompanhada apenas por duas empregadas. E sentiu vontade de tomar banho, por causa do calor. 16Não havia ali ninguém, exceto os dois velhos que estavam escondidos, e a espreitavam. 17Então ela disse às empregadas: 'Por favor, ide buscar-me óleo e perfumes e trancai as portas do pomar, para que eu possa tomar banho'. 19Apenas as empregadas tinham saído, os dois velhos levantaram-se e correram para Susana, dizendo: 20'Olha, as portas do pomar estão trancadas e ninguém nos está vendo. Estamos apaixonados por ti: concorda conosco e entrega-te a nós! 21Caso contrário, deporemos contra ti, que um moço esteve aqui, e que foi por isso que mandaste embora as empregadas'. 22Gemeu Susana, dizendo: 'Estou cercada de todos os lados! Se eu fizer isto, espera-me a morte; e, se não o fizer, também não escaparei das vossas mãos; 23mas é melhor para mim, não o fazendo, cair nas vossas mãos do que pecar diante do Senhor!' 24Então ela pôs-se a gritar em alta voz, mas também os dois velhos gritaram contra ela. 25Um deles correu para as portas do pomar e as abriu. 26As pessoas da casa ouviram a gritaria no pomar e precipitaram-se pela porta do fundo, para ver o que estava acontecendo, 27Quando os velhos apresentaram sua versão dos fatos, os empregados ficaram muito constrangidos, porque jamais se dissera coisa semelhante a respeito de Susana. 28No dia seguinte, o povo veio reunir-se em casa de Joaquim, seu marido. Os dois anciãos vieram também, com a intenção criminosa de conseguir sua condenação à morte. Por isso, assim falaram ao povo reunido: 29'Mandai chamar Susana, filha de Helcias, mulher de Joaquim'! E foram chamá-la. 30Ela compareceu em companhia dos pais, dos filhos e de todos os seus parentes. 33Os que estavam com ela e todos os que a viam, choravam. 34Os dois velhos levantaram-se no meio do povo e puseram as mãos sobre a cabeça de Susana. 35Ela, entre lágrimas, olhou para o céu, pois seu coração tinha confiança no Senhor. 36 Entretanto, os dois anciãos deram este depoimento: 'Enquanto estávamos passeando a sós no pomar, esta mulher entrou com duas empregadas. Depois, fechou as portas do pomar e mandou as servas embora. 37Então, veio ter com ela um moço que estava escondido, e com ela se deitou. 38Nós, que estávamos num canto do pomar, vimos esta infâmia. Corremos para eles e os surpreendemos juntos. 39Quanto ao jovem, não conseguimos agarrá-lo, porque era mais forte do que nós e, abrindo as portas, fugiu. 40A ela, porém, agarramos, e perguntamos quem era aquele moço. Ela, porém, não quis dizer. Disto nós somos testemunhas'. 41A assembleia acreditou neles, pois eram anciãos do povo e juízes. E condenaram Susana à morte. 42Susana, porém, chorando, disse em voz alta: 'Ó Deus eterno, que conheces as coisas escondidas e sabes tudo de antemão, antes que aconteça! 43Tu sabes que é falso o testemunho que levantaram contra mim! Estou condenada a morrer, quando nada fiz do que estes maldosamente inventaram a meu respeito!' 44 O Senhor escutou sua voz. 45 Enquanto a levavam para a execução, Deus excitou o santo espírito de um adolescente, de nome Daniel. 46 E ele clamou em alta voz: 'Sou inocente do sangue desta mulher!' 47Todo o povo então voltou-se para ele e perguntou: 'Que palavra é esta, que acabas de dizer?' 48De pé, no meio deles, Daniel respondeu: 'Sois tão insensatos, filhos de Israel? Sem julgamento e sem conhecimento da causa verdadeira, vós condenais uma filha de Israel? 49 Voltai a repetir o julgamento, pois é falso o testemunho que levantaram contra ela!' 50Todo o povo voltou apressadamente, e outros anciãos disseram ao jovem: 'Senta-te no meio de nós e dá-nos o teu parecer, pois Deus te deu a honra da velhice.' 51Falou então Daniel: 'Mantende os dois separados, longe um do outro, e eu os julgarei.' 52Tendo sido separados, Daniel chamou um deles e lhe disse: 'Velho encarquilhado no mal! Agora aparecem os pecados que estavas habituado a praticar. 53 Fazias julgamentos injustos, condenando inocentes e absolvendo culpados, quando o Senhor ordena: 'Tu não farás morrer o inocente e o justo!' 54Pois bem, se é que viste, dize-me à sombra de que árvore os viste abraçados?'  Ele respondeu: 'É sombra de uma aroeira.' 55 Daniel replicou 'Mentiste com perfeição, contra a tua própria cabeça. Por isso o anjo de Deus, tendo recebido já a sentença divina, vai rachar-te pelo meio!' 56Mandando sair este, ordenou que trouxessem o outro: 'Raça de Canaã, e não de Judá, a beleza fascinou-te e a paixão perverteu o teu coração. 57 Era assim que procedíeis com as filhas de Israel, e elas por medo sujeitavam-se a vós. Mas uma filha de Judá não se submeteu a essa iniquidade. 58 Agora, pois, dize-me debaixo de que árvore os surpreendeste juntos?' Ele respondeu: 'Debaixo de uma azinheira.' 59 Daniel retrucou: 'Também tu mentiste com perfeição, contra a tua própria cabeça. Por isso o anjo de Deus já está à espera, com a espada na mão, para cortar-te ao meio e para te exterminar!' 60 Toda a assistência pôs-se a gritar com força, bendizendo a Deus, que salva os que nele esperam. 61 E voltaram-se contra os dois velhos, pois Daniel os tinha convencido, por suas próprias palavras, de que eram falsas testemunhas. E, agindo segundo a lei de Moisés, fizeram com eles aquilo que haviam tramado perversamente contra o próximo. 62 E assim os mataram, enquanto, naquele dia, era salva uma vida inocente. 

Evangelho: Jo 8,12-20

Naquele tempo: 12 Disse Jesus aos fariseus: 'Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não andará nas trevas, mas terá a luz da vida.' 13 Então os fariseus disseram: 'O teu testemunho não vale, porque estás dando testemunho de ti mesmo.' 14 Jesus respondeu: 'Ainda que eu dê testemunho de mim mesmo, o meu testemunho é válido, porque sei de onde venho e para onde vou. Mas vós não sabeis donde venho, nem para onde vou. 15 Vós julgais segundo a carne, eu não julgo ninguém, 16 e se eu julgo, o meu julgamento é verdadeiro, porque não estou só, mas comigo está o Pai, que me enviou. 17 Na vossa Lei está escrito que o testemunho de duas pessoas é verdadeiro. 18 Ora, eu dou testemunho de mim mesmo e também o Pai, que me enviou, dá testemunho de mim.' 19 Perguntaram então: 'Onde está o teu Pai?' Jesus respondeu: 'Vós não conheceis nem a mim, nem o meu Pai. Se me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai.' 20 Jesus disse estas coisas, enquanto estava ensinando no Templo, perto da sala do tesouro. E ninguém o prendeu, porque a hora dele ainda não havia chegado.

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A Primeira Leitura nos apresenta a coragem de Suzana em resistir ao mal, desta vez de natureza sexual, como tantas vezes no mundo de hoje, embora na nossa vida possa ser também, como repetidamente na Bíblia, a tentação de várias idolatrias a que este mundo nos convida. A fidelidade aos caminhos do bem pode custar-nos, mas é a única forma de continuar a ser bons discípulos de Jesus, fiel à sua missão, até à morte. 

Se na Primeira Leitura é o jovem Daniel que desmascara os falsos acusadores, no Evangelho é Jesus que está a caminho da morte para assumir sobre si o julgamento e a condenação que a humanidade merecia. O novo Daniel se deixa julgar e condenar, em um julgamento totalmente injusto, para salvar a humanidade. No Evangelho Jesus é apresentado como Luz do Mundo. A metáfora da luz é facilmente compreendida: é o oposto da escuridão e da cegueira e, em sentido simbólico, o oposto do ódio e da mentira, como enfatiza a Primeira Leitura. Na série de afirmações de Jesus - o repetido "Eu sou" do Evangelho de João - ouvimos o "Eu sou a luz do mundo: quem me segue não anda em trevas", que repetirá mesmo depois da cura do cego de nascença. Seus inimigos não o aceitam, com a desculpa de que é ele quem dá testemunho de si mesmo. Mas eles não podem detê-lo: "a sua hora ainda não havia chegado". 

Jesus é também para nós a verdadeira Luz. Quem mais quem menos, todos nós andamos nas sombras, se não na escuridão, porque nos falta amor, ou porque não somos fiéis à verdade, ou porque há muitas armadilhas em nossas vidas. Nesta próxima Páscoa Jesus quer nos curar de toda cegueira, quer nos iluminar profundamente. A vela que será acesa na Vigília Pascal e as velas pessoais com as quais participaremos da sua Luz, querem ser símbolo de uma luz mais profunda que Cristo comunica a todos nós.

Deus Sempre Está Do Lado Do Inocente 

Na Babilônia vivia um homem chamado Joaquim. Estava casado com uma mulher chamada Susana, filha de Helcias, que era muito bonita e temente a Deus. Também os pais dela eram pessoas justas e tinham educado a filha de acordo com a lei de Moisés”. Assim lemos na Primeira Leitura. 

A Primeira Leitura é tirada do Livro de Daniel capitulo 13. Dn 13-14 pertence à parte deuterocanônica do livro e só se encontra na versão grega. 

A história do livro de Daniel nos apresenta uma mulher inocente, que é acusada por dois anciãos viciados. Deus suscita Daniel para impedir que se leve a cabo a injusta sentença. “Assim, naquele dia, foi poupada uma vida inocente” (Dn 13,62).  “Daniel” significa “o Senhor, meu juiz”. O único que julga retamente, porque julga segundo o coração e não conforme as aparências é Deus: “Susana, entre lágrimas, olhou para o céu, pois seu coração tinha confiança no Senhor”. 

Os principais personagens no texto da Primeira Leitura de hoje são Susana que só aparece aqui no AT e dois anciãos. “Susana” significa “lírio” que é muito em consonância com sua pura conduta. 

O autor do livro de Daniel, ironicamente, destaca o contraste entre a má conduta dos anciãos que deveriam dar exemplo de virtude por sua idade e sua qualidade de juízes, e a virtude heroica da bela Susana que não aceitou a vergonhosa proposta dos dois anciãos para fazer uma relação íntima com ela. Susana sabia que se ela aceitasse a proposta vergonhosa dos dois anciãos, ela seria condenada à morte (cf. Lv 20,10; Dt 22,21-22; Jo 8,4-5).  Quando Susana não aceitou a proposta vergonhosa deles, os dois anciãos denunciaram Susana falsamente. 

Susana era conhecida por sua honestidade. Ela representa a alma pura, a fidelidade a Deus. Deus nunca deixa o inocente lutar sozinho. O inocente está sempre com Deus. Por isso, no fim da história a inocência vencerá diante da mentira e da falsidade. Deus permite a prova e as provações para o justo ou o inocente até ao extremo que, às vezes, tem-se impressão de que Deus se esqueça do justo. Mas o bem sempre triunfa. De fato, Susana saiu vitoriosa pela sua inocência e os falsos anciãos são condenados pela sua mentira e falsidade. 

Da história de Susana aprendemos que por mais que os outros falem as calunias contra você, é preciso prosseguir confiando no Bem Maior, em Deus cuja palavra final será um julgamento para todos. Por mais que os odiosos lhe demonstrem rancores, prossiga perdoando, pois o perdão é a expressão máxima do amor divino. Por mais que lhe ameacem os aparentes fracassos, prossiga apostando na vitória final de Deus. Por mais que os outros tentem destruí-lo, prossiga na construção da humanidade mais humana e fraterna, pois pertencemos à família do Papai do céu, Abbá. Por mais que os outros lhe demonstrem a arrogância, prossiga com sua humildade para se manter na simplicidade e na pureza. “A humildade é a única base sólida de todas as virtudes” (Confúcio). E “Quanto maiores somos em humildade, tanto mais próximos estamos da grandeza” (Rabindranath Tagore). 

Jesus É a Verdadeira Luz Do Mundo

 Eu sou a luz do mundo”. 

A metáfora da luz se entende facilmente: é o contrário da escuridão/obscuridade e da cegueira. E no sentido simbólico, é o contrário do ódio e da mentira. 

Todos nós temos a experiência da luz (menos um cego de nascença). A luz não só torna claro e mostra a beleza do universo, mas também ela é condição de sobrevivência. As plantas sem o sol morrem. Na escuridão ninguém pode produzir nada. A luz nos faz percebermos a beleza das cores. A luz serve para iluminar os objetos. A luz existe não para ser olhada diretamente, pois pode causar a cegueira. Não se deve olhar para a luz, mas para as coisas iluminadas ou caminho iluminado por ela. 

No AT, Deus é o Criador da luz. Ao criar a luz e dividir o tempo entre luz e trevas, Deus acabou com o primitivo estado de caos (Gn 1,3). A luz é criada por Deus, por isso, ela é um sinal que manifesta visivelmente alguma coisa de Deus. Em outras palavras, a luz é o reflexo da glória de Deus. O Sl 104,2 descreve a luz como vestimenta em que Deus se envolve. Como luz, quando Deus aparece, seu esplendor é semelhante ao dia e de suas mãos saem raios (Hab 3,3s). A luz é, então, a glória ou esplendor de Deus.        

No NT a luz é reflexo da divindade. A nuvem luminosa na transfiguração mostra a presença de Deus (Mt 17,5). Deus habita em luz inacessível (1Tm 6,16). Deus é luz (1Jo 1,5). E quem obedece aos seus mandamentos andam na luz (1Jo 1,7). A luz de Deus é vista em Jesus, que é a luz do mundo (Jo 3,19; 8,12; 9,5;12,35s.46). Jesus é a luz que ilumina todo homem (Jo 1,9) por meio da vida que ele tem dentro de si (Jo 1,4) e brilha para os homens (1Jo 2,8-10). Jesus é também a luz para guiar os pagãos (Lc 2,32). O cristão através de sua participação na luz e na vida de Deus por meio de Jesus transforma-se em instrumento de luz para aqueles que se acham nas trevas. 

Para o AT e para o judaísmo, a luz era símbolo da Lei e da sabedoria. De ambas se dizia que eram a luz dos homens. No mundo helenista a luz simbolizava o conhecimento de Deus. Os primeiros cristãos consideraram o evangelho como a luz. Com sua auto-apresentação ou auto-revelação “Eu sou a luz”, Jesus atribui à sua pessoa o que se havia dito da lei, de sabedoria, do conhecimento de Deus e do evangelho. Jesus ilumina o mistério da existência humana e procura e traz a salvação para os homens que a haviam esperado da lei. Para Jesus é necessário que o homem aproveite a luz do dia, isto é, a presença de Jesus. Sua ausência significa a irrupção/invasão do mundo das trevas, do mundo antidivino. E a fé em Jesus, Luz do mundo, possibilita o homem enxergar a vida da maneira que Deus a vê. 

Na série de afirmações de Jesus, o repetido “Eu sou” do evangelho de João, ouvimos hoje o “Eu sou a Luz do mundo: quem me segue não andará nas trevas” que repetirá também depois da cura do cego de nascimento. 

Esta declaração de Jesus alude à cerimônia da festa judaica das luzes. A Luz é a designação do Messias, por sua obra de libertação, de felicidade e de alegria. A frase “Eu sou a Luz do mundo” significa que Jesus é o Messias e toma o posto da Lei, sendo ao mesmo tempo, o resplendor da vida: “O que foi feito nele era a vida e a vida era a luz dos homens” afirma o Prólogo (Jo 1,4) e para toda a humanidade (Is 42,6s; 49,6.9). 

No capítulo 7 (Jo 7,37-39), Jesus se apresentava como a fonte da água/Espírito; agora se define como o guia: “Eu sou a Luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (8,12). Seguir a Jesus exige uma decisão pessoal para orientar a vida. Como guia para nosso caminhar pela vida, Jesus nos convida a segui-lo para caminhar sempre na claridade a fim de poder viver uma vida sempre iluminada. A pessoa de Jesus, seus ensinamentos, seus exemplos de vida são luz que ilumina toda nossa existência, tanto nas horas boas como nas horas de sofrimento ou de contradição. Seguir Jesus significa encontrar o Caminho que com segurança nos conduz ao Pai, ao Céu sem tropeços. 

Vós Sois a Luz Do Mundo 

Como discípulos seus, o Senhor nos convida também a sermos luz para o mundo; a levar a luz da esperança no meio das violências, desconfianças e medos de nossos irmãos; a levar a luz da fé no meio das obscuridades, dúvidas e interrogações; a levar a luz do amor no meio de tanta mentira, rancor e vingança.  Jesus afirma no Sermão da Montanha: “Vós sois a luz do mundo. Uma cidade construída sobre a montanha não fica escondida. Não se acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de uma caixa, mas sim no candelabro, onde ela brilha para todos os que estão em casa. Assim também brilhe a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,14-16).

O cristão através de sua participação na luz e na vida de Deus por meio de ensinamentos de Jesus transforma-se em instrumento de luz para aqueles que se acham nas trevas. A glória de Deus não se manifesta mais no texto da Lei nem no lugar do templo, mas no modo de agir ou de viver dos que seguem Jesus. Os discípulos são a luz do mundo à medida que são os reflexos autênticos da vida e do ensinamento de seu Mestre Jesus, e não como os vaga-lumes que só piscam de vez em quando. 

Mas os cristãos têm que estar conscientes de que não é para eles que os homens devem olhar, e sim para Deus de Bondade, fonte de todas as boas obras. Os discípulos devem permanecer discretos, pois se a luz bate diretamente nos olhos, somente prejudica, incomoda, irrita e cega. 

As palavras de Maria, a Mãe do Senhor, nas bodas de Cana: “Fazei tudo o que Ele vos mandar” (Jo 2,5) são o caminho para que Jesus seja Luz do mundo e para que nós iluminemos o mundo ao nosso redor com esta mesma Luz. A vida de Deus que habita em cada um de nós deve ser manifestada através de nossas boas obras. Mediante elas Deus continuará nos iluminando. Não podemos nos converter em ocasião de pecado, de escândalo, de tropeço para os demais. O Senhor nos diz que somos a luz do mundo. Para sermos a luz do mundo precisamos contemplar a verdadeira Luz que é Jesus Cristo. Ao contemplá-lo, seremos reflexos seus no mundo.

P. Vitus Gustama,svd

quarta-feira, 30 de março de 2022

V Domingo Da Quaresma "C",03/04/2022

A MISERICÓRDIA DE DEUS É SEMPRE MAIOR DO QUE A MISERIA HUMANA

V DOMINGO DA QUARESMA DO ANO “C” 

Leitura: Is 43,16-21

16 Isto diz o Senhor, que abriu uma passagem no mar e um caminho entre águas impetuosas; 17 que pôs a perder carros e cavalos, tropas e homens corajosos; pois estão todos mortos e não ressuscitarão, foram abafados como mecha de pano e apagaram-se: 18 “Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos. 19 Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as conheceis? Pois abrirei uma estrada no deserto e farei correr rios na terra seca. 20 Hão de glorificar-me os animais selvagens, os dragões e os avestruzes, porque fiz brotar água no deserto e rios na terra seca para dar de beber a meu povo, a meus escolhidos. 21 Este povo, eu o criei para mim e ele cantará meus louvores”.

II Leitura: Filipenses 3,8-14

Irmãos: 8 Na verdade, considero tudo como perda diante da vantagem suprema que consiste em conhecer a Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele eu perdi tudo. Considero tudo como lixo, para ganhar Cristo e ser encontrado unido a ele, 9 não com minha justiça provindo da Lei, mas com a justiça por meio da fé em Cristo, a justiça que vem de Deus, na base da fé. 10 Esta consiste em conhecer a Cristo, experimentar a força de sua ressurreição, ficar em comunhão com os seus sofrimentos, tornando-me semelhante a ele na sua morte, 11 para ver se alcanço a ressurreição dentre os mortos. 12 Não que já tenha recebido tudo isso ou que já seja perfeito. Mas corro para alcançá-lo, visto que já fui alcançado por Cristo Jesus. 13 Irmãos, eu não julgo já tê-lo alcançado. Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente. 14 Corro direto para a meta, rumo ao prêmio, que, do alto, Deus me chama a receber em Cristo Jesus. 

Evangelho: Jo 8,1-11

Naquele tempo, 1 Jesus foi para o monte das Oliveiras. 2De madrugada, voltou de novo ao Templo. Todo o povo se reuniu em volta dele. Sentando-se, começou a ensiná-los. 3 Entretanto, os mestres da Lei e os fariseus trouxeram uma mulher surpreendida em adultério. Colocando-a no meio deles, 4disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. 5Moisés, na Lei, mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?” 6 Perguntavam isso para experimentar Jesus e para terem motivo de o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão. 7 Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. 8 E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão. 9 E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos; e Jesus ficou sozinho, com a mulher que estava lá, no meio do povo. 10 Então Jesus se levantou e disse: “Mulher, onde estão eles?” Ninguém te condenou?”11 Ela respondeu: “Ninguém, Senhor”. Então Jesus lhe disse: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais”.

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Deus Nos Perdoa De Nossos Pecados Ao Voltarmos Para Deus

Antes de entrarmos na grande semana da nossa Redenção, o Quinto Domingo da Quaresma nos oferece, em suas leituras, aquela dimensão inédita e irrepetível do que é o plano de salvação sobre nós. Do livro de Isaías, da carta aos Filipenses e do Evangelho de João emanam os tons mais íntimos do plano de Deus que quer renovar todas as coisas, que perdoa até o fundo do ser do homem.

Em outras palavras, a tônica deste domingo é o poder libertador de Deus em relação ao nosso passado. Isaías, na Primeira Leitura, alerta os judeus para não ficarem presos ao modelo de libertação do Êxodo. Deus poderá fazer outro Êxodo hoje de modo diferente, mais surpreendente ainda: “Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos. Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis? “(Is 43, 18-19). E Paulo, na segunda leitura, liberta-se de seu passado judaizante para entregar-se a Cristo, disse: “Considero tudo como lixo para ganhar Cristo... esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente... “(Fl 3,8-13a). E no Evangelho, a adúltera é colocada maldosamente diante de Jesus à espera de que Ele cumpra a prescrição da lei de condená-la à morte. Para a misericórdia de Jesus, o passado não conta desde que tenha abertura do coração à misericórdia de Deus. E o Senhor provocou essa abertura com seu perdão. Ele mesmo criou o clima de confiança, do acolhimento, quando a vendo livre dos acusadores legalistas. Ele diz simplesmente: “Eu também não te condeno. Vai em paz, e não tornes a pecar”. Para cada cristão, Quaresma é um novo Êxodo, uma libertação do pecado, uma peregrinação para a Páscoa. 

O que tem por trás da Primeira Leitura de hoje? Durante o desterro na Babilônia, um discípulo de Isaías que firma com o nome de seu mestre empreende a tarefa de consolar o povo sem esperança. O povo está em crise. Deus, aparentemente, abandonou o povo de Israel. Os deuses da Babilônia aparentemente são vencedores. Surge, então, a pergunta no meio do povo que está em crise de esperança: Onde está o Senhor do Êxodo, Aquele que libertou o povo hebreu da escravidão do Egito? O profeta faz uma releitura das antigas tradições do povo referentes ao Êxodo, e em virtude da confiança que emana de sua fé, proclama uma nova salvação. Deus repetirá os prodígios do antigo Êxodo, tirará seu povo da terra do Exílio, o conduzirá pelo deserto e o introduzira, novamente em Judá para que construa Jerusalém. 

O tema do Êxodo aparece no fundo do oráculo profético, mas transformado. A passagem do Mar Vermelho se converte na travessia do deserto. O Mar Vermelho convertido em terra seca é substituído pelo deserto convertido em rios de água. A água da Rocha, do primitivo Êxodo, se converte no símbolo fundamental da nova salvação: do deserto fluirão rios que matarão a sede das pessoas sem esperança.

A expressão “Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as conheceis?” é dirigida também a todos nós hoje. O êxodo é uma realidade dinâmica e sempre presente. Toda vez que superarmos nossas fraquezas morais e éticas, faremos o novo êxodo para nossa vida rumo à Páscoa definitiva. Aquele que acredita na força da ressurreição da Páscoa do Senhor, encarará a dor da Sexta-Feira da Paixão. O amor na Quinta-Feira Santa deve ser o motor permanente de nossa luta de cada dia. O amor vencerá, pois o amor é o nome do próprio Deus: “Deus é amor” (1Jo 4,8.16). 

Deutero-Isaías, um profeta consolador, é um profeta atento aos sinais dos tempos: “Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as conheceis?”. Os sinais anunciam esperança e libertação. Mas a libertação dos desterrados não virá de Ciro, o persa, e sim de Deus do Êxodo, capaz de tirar água da rocha e fazer rios no deserto. 

Na Segunda Leitura, São Paulo escreveu: “Na verdade, considero tudo como perda diante da vantagem suprema que consiste em conhecer a Cristo Jesus, meu Senhor. Considero tudo como lixo, para ganhar Cristo e ser encontrado unido a ele”. 

São Paulo, a partir de seu encontro com Cristo ressuscitado no caminho de Damasco, opera em sua vida uma profunda transformação e não deseja outra coisa que ganhar Cristo. Em comparação com o conhecimento de Cristo, tudo que ele ganhou na vida anteriormente parece-lhe uma perda e toda vantagem passada, um inconveniente. Se antes, se gloriou de ser um filho da Lei e de sua própria justiça, agora tudo isso lhe parece lixo. 

Para são Paulo não há outra justiça que a justiça que vem de Deus como uma graça para todos os crentes. Nesta justiça está a salvação e não nas obras da Lei. Sobre este tema, são Paulo escreveu extensamente em suas duas grandes Cartas: aos Romanos e aos Gálatas. Aqui se contenta com assinalar os pontos principais de sua doutrina: o homem se justifica ao receber a justiça que vem de Deus, abrindo-se pela fé a esta justiça. O termo “justiça” (cedaqah, hebraico) é muito complexo biblicamente. O significado básico do termo talvez apareça melhor quando é aplicado a pesos e medidas: um caminho certo leva para a direção certa; um peso justo quando se supõe que seja. A justiça bíblica como conduta reta sempre opõe ao pecado, à impiedade, etc. Procurar justiça é paralelo, em poesia, a “procurar Deus”, pois através da boa conduta ou conduta reta que Deus é encontrado (Is 51,1; Sf 2,3). 

São Paulo espere receber, como fruto desta justificação pela fé, um “conhecimento” de Cristo. Não se trata aqui de um conhecimento meramente teórico, e sim de uma experiência profunda e de uma comunhão de vida com o Senhor ressuscitado; trata-se de uma co-realização da páscoa de Jesus, isto é, do trânsito de Jesus pela morte à vida.  Morte e ressurreição são momentos inseparáveis tanto na vida de Cristo como na vida de seus discípulos. No entanto, a “justificação” de Deus não reduz o homem a uma situação de mera passividade. Porque o fato de ter sido agraciado com a justiça que vem de Deus é o fundamento de um imperativo ético e a condição de seu possível cumprimento: radicalmente justificados pela graça de Deus, podemos e devemos fazer obras de justiça verdadeira até alcançar a plena salvação. Daí que são Paulo dirige seu conselho para os Filipenses: “Operai a vossa salvação com temor e tremor” (Fl 2,12). São Paulo nos recorda que estamos ainda em caminho para conseguir a meta e o ideal de todo cristão: “Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente. Corro direto para a meta, rumo ao prêmio, que, do alto, Deus me chama a receber em Cristo Jesus”. 

Misericórdia Divina Diante Da Miséria Humana 

O evangelho de hoje nos relata que os escribas e os fariseus trouxeram a Jesus uma mulher que havia sido apanhada cometendo adultério. Eles a colocaram no meio e disseram: “Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés, na sua lei, manda apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?”. 

Com a pergunta feita, os escribas e os fariseus preparam uma armadilha para pegar Jesus. Se ele propusesse a clemência ou contra o apedrejamento, entraria em conflito com a Lei de Moisés (Ex 20,14; cf. também Dt 22,13-30 sobre a lei sobre o casamento); se ele aprovasse o apedrejamento, contradiria sua própria pregação que acentua a misericórdia do Pai e o amor incondicional aos irmãos (Lc 6,27-38) e entraria em conflito com a autoridade romana. Além disso, invocando o flagrante e trazendo a mulher, os adversários põem Jesus contra a parede: ele tem que se pronunciar. A cilada é radical, pois não se trata de uma discussão acadêmica, mas da vida ou da morte da pessoa real.          

O que nos chama a atenção é que os fariseus não interrogam a mulher (sua transgressão é evidente), mas Jesus. Eles querem saber a reação de Jesus. Jesus e a mulher estão “no meio” (conforme o costume do interrogatório judicial, cf. At 4,7). “Mestre, está mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres. O que dizes?”, perguntaram os escribas e os fariseus a Jesus. Trata-se, evidentemente, de uma prova contra Jesus. A adúltera é um pretexto: se Jesus a condenar, sua bondade ficará desacreditada; se a absolver, vai contra a Lei, que manda apedrejá-la. É um beco sem saída, uma armadilha perfeita para eles contra Jesus.           

Jesus, porém, não se deixa pegar pela armadilha: não nega a Lei, mas também não condena a mulher. Diante dessa cena, diante da pressão da multidão, Jesus fica calado. Se Deus parece calar-se, acontece isso porque já nos disse tudo: não tem mais nada a acrescentar. Deus só deseja que escutemos com maior atenção a palavra que nunca chegamos a compreender perfeitamente. No ritmo acelerado de nossa sociedade habituamo-nos a um gasto colossal de palavras. Mas a Palavra de Deus não se gasta e é perpétua. Por isso, quem é capaz de entender o silêncio de um amigo, também nunca há de compreender suas palavras.         

Diante da Lei que se impõe matando, Jesus eleva a experiência mais profunda do perdão. Já não necessita de livros, escreve sobre o pó: Deus e sua graça superam todas as leis e sentenças do mundo. Por isso, em vez de responder, Jesus se inclina e escreve com o dedo no chão. Jesus quer adiar a resposta. “Escrever no chão” desde a Antiguidade pensa-se que se trata de uma ação simbólica semelhante à dos profetas, evocando o versículo de Jeremias: “Os que me viram (Javé) serão inscritos no chão” (Jr 17,13; cf. Jó 13,26). Escrever na poeira/chão significava fazer esquecer, sobretudo os nomes dos que não valem nada.         

Jesus não usa o dedo para condenar, mas para escrever no chão. Gesto inocente: o que se escreve no chão apaga-se rapidamente. Jesus deixa bem claro que somos todos pecadores. Por isso, pressionado pelos interlocutores, Jesus pronuncia uma palavra que não é formalmente um julgamento a respeito dos adversários, mas que os remete ao tribunal de sua própria consciência, para estabelecer aí a verdade. De certa forma, trata-se de passar do legal para o moral, fazendo funcionar a Lei não como repertório de interditos, mas como reveladora dos corações. Por isso, ele disse: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire-lhe a primeira pedra” (v.7).  Com isso, Jesus põe os juízes, que aparecem como presbíteros diante do testemunho da própria consciência. Jesus não pode (nem quer) provar a inocência da mulher nem querer levantar perguntas capciosas aos acusadores. Isto significa que Jesus veio situar-se num nível mais elevado, em que a graça de Deus nos revela culpados, não para condenar a mulher pecadora, nem para nos angustiar, e sim para nos elevar, colocando-nos num patamar de gratuidade. Jesus se revela, assim, como messias da graça que oferece a vida ao pecador (mulher), situando os acusadores diante do espelho da própria consciência, para começar, dessa maneira, um caminho de reconciliação aberta a Deus e a todos. O que Jesus busca e oferece é a graça superior de Deus e transparência interior de cada um dos personagens desse drama, que devem olhar para si mesmos, descobrindo e aceitando ali, a partir do mais profundo mistério da graça de Deus, sua resposta diante da vida.          

O efeito destas palavras é marcante. Ao ouvirem isso, todos foram-se embora um após outro, a começar pelos mais velhos. Este comportamento demonstra que, segundo as palavras de Jesus, eles não estão sem pecado (cf. Sl 14,1-3;53,2-4; Rm 3,9-12.23). Eles são acusados por sua própria consciência. O detalhe “a começar pelos mais velhos” poderia referir-se à sua mais ampla experiência da fraqueza humana (cf. o episódio de Susana e os anciãos em Dn 13). A palavra de Jesus inibiu esses homens de cometer um ato de violência, e eles renunciam livremente: sua confissão implícita pode ser entendida como um início de sua própria libertação do mal. Com isso, a cilada se soltou e a controvérsia terminou. Concretamente podemos dizer que Jesus é situado duplamente: em relação aos fariseus, a cilada é desfeita e em relação à mulher adúltera, a absolvição foi feita. Diante do pecado que é mais pesado que as pedras em que eles estão pegando, Jesus, vindo de fora, está só, enquanto a mulher está diante dele.         

A cena evangélica tem sua “ironia” divina. Aquele que é sem pecado (Is 8,46), Aquele que é a santidade participada sem limite e eternamente do Pai encontra-se com a pecadora numa atitude de perdão, de acolhimento. Aqueles, que vinham eles mesmos carregados de pecados, querem a condenação, sendo frustrados precisamente pelo choque com a inocência de Jesus, que os desafia.         

O homem de bem quando vê uma qualidade nos outros, ele a imita; quando ele vê um defeito nos outros, ele corrige em si próprio, disse Confúcio, o sábio chinês. Por isso, o rigor de nosso julgamento sobre o nosso próximo mostra que desconhecemos a nossa própria fragilidade e os nossos defeitos e a nossa condição de pecadores diante de Deus. Certas atitudes de rigor em relação ao irmão dificilmente conseguem encobrir alguma fraqueza ou miséria própria não aceita, não confessada. Aí está Jesus escrevendo no chão, seja revelando a cada um, sua miséria, seja simplesmente desconversando uma acusação vinda de más intenções.         

Agora restaram apenas dois, como dizia Sto. Agostinho, a mísera (a adúltera) e a misericórdia (Jesus). Ela está diante de Jesus misericordioso em sua pobre humanidade, com sua culpa e vergonha. Mas Jesus a tira de seus apuros e de sua insegurança, não falando da culpa, nem pronunciando contra a mulher uma palavra de acusação; mas referindo-se apenas à conduta dos acusadores. “Eles não se condenaram?”. Na resposta da mulher sente-se claramente o seu alívio e libertação: “Ninguém me condenou, Senhor”. E prossegue a resposta de Jesus que resolve em sentido positivo toda a situação problemática da mulher: “Também não te condeno. Vai em paz e de agora em diante não peques mais”.      

Também não te condeno. Vai em paz e de agora em diante não peques mais!” Trata-se, na verdade, de uma palavra poderosa de pleno perdão do pecado. Estas palavras finais de Jesus são dirigidas à mulher e aos pretensos juízes. Uns e outros devem reconciliar-se e iniciar uma vida com gratuidade, criando condições novas de convivência. Jesus fica ali para receber novamente a todos. Jesus não quer condenar, mas libertar. Com sua decisão, Ele restitui a vida à mulher, dando-lhe uma nova coragem para viver, uma nova oportunidade para recomeçar. O que importa de verdade para a mulher é este novo começo. Jesus abre para a mulher um novo futuro: “Eis que abro para ti uma porta que ninguém poderá fechar” (Ap 3,8a). Esta porta é o próprio Cristo. A experiência da aceitação por Deus em Cristo possibilita um novo começo. A fé é a coragem de aceitar que, em Cristo, Deus nos aceita. Esta fé traz consigo uma conversão. A certeza que nós temos, não se baseia em “algo”, mas sim em “alguém”: CRISTO JESUS.          

Todos nós necessitamos que alguém nos diga: “Eu também não te condena: vai, e doravante não peques mais!” Tal é a palavra criadora de Jesus. Jesus nos torna capazes de aceitar nosso pecado para que iniciemos juntos uma existência reconciliada.

Essa passagem da morte à vida é real, até para os escribas e os fariseus: também a eles Jesus não condena, enquanto os leva a tomar consciência de seu pecado. São assim orientados para a esperança do perdão de Deus.         

Por isso, o Evangelho de Jesus Cristo é a Boa Nova que Ele mesmo é. A mensagem encarnou-se na Páscoa. É isto que constitui a salvação dessa mulher adúltera: “Vai e não peques mais”. Ela pode ir embora porque se encontrou com Cristo: nunca mais dele se esquecerá. O encontro durou apenas alguns momentos, mas nestes poucos momentos muita coisa aconteceu. Esse homem, Jesus, aceitava-a tal como ela era, exatamente no momento em que estava realmente perdida.         

Diante desse episódio podemos lançar uma pergunta: Por que escolher uma mulher para o papel que ela tem, e por que uma adúltera? Na tradição profética, o adultério é a metáfora por excelência da infidelidade do povo eleito ao Deus único, o Deus da aliança. A mulher torna-se, assim, figura de Israel, ao qual Jesus vem anunciar o perdão escatológico de Deus. A ausência do amante, nesse episódio, aponta para os baalim, os deuses estrangeiros, que nem sequer devem ser mencionados, e o marido é o Esposo único, Deus, o invisível.         

Uma confirmação dessa leitura poderia ser tirada da repetição “no meio” (vv.3.9). O termo aparece duas vezes em seguida em Dt 22,21.24, no contexto das leis sobre o adultério: “tirarás o mal do teu meio”, isto é, do meio do povo.    

O texto permanece aberto, sem nada dizer sobre o que aconteceu depois com a mulher, como na parábola do filho pródigo/pai misericordioso, nada é dito da decisão final do filho mais velho/Israel (Lc 15,32). O leitor é igualmente convidado a perder seu medo, a não se fechar em seu passado, às vezes um outro círculo mortal, e a andar na liberdade dos filhos de Deus (leia consecutivamente Sl 103,10-14 e Sl 32,1.13)      

Há duas classes de homens: uns pecadores que se julgam justos e os outros, justos que se creem pecadores. Em que grupo você está. A raiz do mal e da injustiça está dentro de cada um de nós; dentro de mim.  Se não reconheço isto, nada melhorará dentro e fora de mim. 

A eucaristia é o sacramento do amor que levou Cristo a entregar seu Corpo por nós e a derramar seu Sangue para a remissão dos pecados. Na comunhão do Corpo e do Sangue do Senhor acontece a transfusão de vida e do espírito do Senhor para que sejamos instrumentos de amor e de misericórdia; para que sejamos vida para os demais. Que a vida do Senhor seja nossa vida e sua missão seja nossa missão. A alma de toda missão é o amor fraterno. 

Outras Mensagens

1.    Quem dentre vós não tiver pecado, atire-lhe a primeira pedra”. “As pedras nas mãos são fáceis de ser encontradas também em nossas vidas. Hoje são as pedras do whatsapp, do twitter, das mensagens preconceituosas, das fake News, que bloqueiam o futuro das pessoas por meio da crítica sem piedade, do desprezo que destrói, da indiferença que congela as relações.... A arrogância também tem raízes em nosso interior; manifesta-se no nosso pensar e agir cotidianos. A arrogância é a base de nossas intransigências, dos nossos preconceitos, dos nossos dogmatismos, de nossas críticas amargas, dos comentários maldosos. A arrogância mora no nosso desprezo e nas nossas ironias. Ela nos paralisa (Pe. Adroaldo Palaoro: Retiro Quaresmal 2022, ed. Loyola,2021 p.84). 

2.    Não para condenar, mas para salvar. Dois ensinamentos fundamentais podem ser encontrados na atitude de JC em relação aos fariseus e à mulher infeliz pega em adultério: O primeiro ensinamento é que nenhum de nós tem licença para CONDENAR NINGUÉM. Por uma razão muito simples: porque somos todos pecadores. Nenhum de nós está sem pecado; nenhum de nós pode lançar a pedra da condenação. Devemos sempre nos lembrar dessa simples realidade porque sempre temos as pedras prestes a ser jogada em qualquer um. O segundo ensinamento é que a vontade de Deus não é condenar o homem pecador (esse homem pecador que todos nós somos), mas salvá-lo. Esta é a missão de JC: buscar aquele que está perdido para trazê-lo à vida de Deus. Por isso ele diz: "Nem eu também te condeno" e acrescenta "não peques mais de agora em diante". O QUE IMPORTA É O FUTURO. O perdão de Deus é vida, vida renovada para o homem. É condenar o pecado, mas salvar o pecador. Condenar o pecado - condenar tudo o que atenta contra a dignidade humana - é um dever, e muitas vezes um dever árduo.

3.    Jesus, mais do que juiz, comporta-se como um amigo que aconselha, com seriedade, mas com delicadeza, a quem vê humilhado aos seus pés. Os fariseus, por outro lado, tornam-se juízes de condenação: aplicam a lei sem descobrir seu espírito, que é salvar o culpado e recuperá-lo para a sociedade. Jesus também é juiz: mas de salvação. Juiz libertador que confronta o homem com o pecado que o escraviza, de modo que, tomando consciência de sua escravidão, ele a rompe e se liberta. No silêncio humilde da mulher, ela descobre sua profunda dor e arrependimento, descobre aquela humilhação e vergonha da dignidade perdida, que é seu próprio castigo. É por isso que ele procura salvá-la, não tanto das pedras, mas de si mesma, de sua paixão descontrolada, de sua imaturidade emocional, de seu egoísmo cego.

4.    A pedagogia salvífica de Jesus inverte os termos. Que o julgamento seja feito, sim, mas dentro da consciência de cada um. Julgamento que discerne e separa o que temos das trevas e da luz. Abandone a escuridão, "o velho", levante-se e ande na luz. Julgamento que, como o do evangelho, sempre termina com um homem que se levanta, se põe de pé e começa a andar.

5.    Também não te condeno. Vai em paz e de agora em diante não peques mais!” O pecado não é bom. O pecado nos faz danos, nos rebaixa e nos acorrenta. O pecado nos destrói e não permite que sejamos nós mesmos. Não voltemos a pecar, tenhamos piedade de nós mesmos e pensemos também no dano que podemos causar aos outros. O pecado é uma bomba explosiva. Não pequemos novamente.

6.    A Quaresma, tempo de conversão e de celebração do perdão de Deus, exige de nós hoje que sejamos portadores desse mesmo perdão. Porque quem se sente perdoado sabe perdoar com igual generosidade. E seu perdão tem pelo menos dois efeitos.

O perdão, em primeiro lugar, liberta a pessoa que falhou ou ofendeu. Condenar alguém é negar-lhe qualquer possibilidade de mudança, qualquer possibilidade de alcançar um futuro diferente para si mesmo e em seu relacionamento com os outros. O perdão, por outro lado, sempre deixa uma porta aberta para que aqueles que realmente o desejam possam mudar, avançar.

O perdão, em segundo lugar, liberta aquele que perdoa. Quando perdoamos, estamos desistindo de participar desse jogo de oposição, confronto ou conflito cada vez maior, que é ruim para todos e não é bom para ninguém. Aquele que perdoa se liberta do turbilhão da bola de neve cada vez mais rápida, mais poderosa e mais perigosa.

P. Vitus Gustama,svd

segunda-feira, 28 de março de 2022

Sábado Da IV Semana Da Quaresma,02/04/2022

O JUSTO É PERSEGUIDO E MORTO POR AQUELES QUE VIVEM NA INJUSTIÇA E NA DESONESTIDADE

Sábado da IV Semana da Quaresma

Primeira Leitura: Jr 11,18-20

18 Senhor, avisaste-me e eu entendi; fizeste-me saber as intrigas deles. 19 Eu era como manso cordeiro levado ao sacrifício, e não sabia que tramavam contra mim: “Vamos cortar a árvore em toda a sua força, eli­miná-lo do mundo dos vivos, para seu nome não ser mais lembrado”. 20 E tu, Senhor dos exércitos, que julgas com justiça e perscrutas os afetos do coração, concede que eu veja a vingança que tomarás contra eles, pois eu te confiei a minha causa.

Evangelho: Jo 7,40-53

Naquele tempo, 40ao ouvirem as palavras de Jesus, algumas pessoas diziam: “Este é, verdadeiramente, o Profeta”. 41Outros diziam: “Ele é o Messias”. Mas alguns objetavam: “Porventura o Messias virá da Galileia? 42Não diz a Escritura que o Messias será da descendência de Davi e virá de Belém, povoado de onde era Davi?” 43Assim, houve divisão no meio do povo por causa de Jesus. 44Alguns queriam prendê-lo, mas ninguém pôs as mãos nele. 45Então, os guardas do Templo voltaram para os sumos sacerdotes e os fariseus, e estes lhes perguntaram: “Por que não o trouxestes?”  46Os guardas responderam: “Ninguém jamais falou como este homem”. 47Então os fariseus disseram-lhes: “Também vós vos deixastes enganar? 48Por acaso algum dos chefes ou dos fariseus acreditou nele? 49Mas esta gente que não conhece a Lei, é maldita!” 50Nicodemos, porém, um dos fariseus, aquele que se tinha encontrado com Jesus anteriormente, disse: 51“Será que a nossa Lei julga alguém, antes de o ouvir e saber o que ele fez?” 52Eles responderam: “Também tu és galileu, porventura? Vai estudar e verás que da Galileia não surge profeta”. 53E cada um voltou para sua casa.

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Na Primeira Leitura o profeta Jeremias usa a imagem do cordeiro manso levado ao matadouro. Ao cumprir sua missão e chamar o povo à conversão, o profeta se vê rejeitado e traído por seus próprios irmãos. Jeremias, seis séculos antes de Cristo, viveu o mesmo destino que Jesus. Ele também foi perseguido por ter sido fiel à Palavra de Deus. É a imagem de Jesus que, como um cordeiro, morrerá para tirar o pecado do mundo. A imagem do "cordeiro" sugere a inocência daquela pequena vítima que não merece ser sacrificada. Esta imagem sugere a liturgia do cordeiro pascal, cujo sacrifício é útil a todo o povo. Todo homem que sofre como inocente é uma imagem do Cristo sofredor. 

Jeremias aparece hoje como uma figura de Jesus, um homem justo perseguido por sua condição de profeta corajoso, que em nome de Deus anuncia e denuncia um povo que não quer ouvir suas palavras.

O Justo Perseguido É Sacrificado, Como Cordeiro Manso, Pelos Injustos

Eu era como manso cordeiro levado ao sacrifício, e não sabia que tramavam contra mim”, confessou o profeta Jeremias. 

Sabemos que o profeta Jeremias nos deixou um diário de seu drama interior chamado “Confissões de Jeremias” que se encontram entre o capítulo 10 e o capitulo 20 de seu livro. Merece uma leitura especial: Jr 11,8-12,3 (Jeremias “inimigo do povo”); Jr 7,14-18 (Ironia de seus adversários: Onde está a palavra do Senhor? Que se cumpra!” - Jr 17,5); Jr 18,18-23 (a perseguição); Jr 20,7-9.14-18 (a crise de vocação). Nestas páginas o testemunho de uma personalidade sensível se funde com o desespero por uma situação impossível. Jeremias é um homem sentimental e aberto aos demais, no entanto é condenado a ser um solitário, um isolado pelos seus compatriotas. Ele é rodeado somente pelo ódio (Jr 15,17; 16,12), amaldiçoado (Jr 20,10), perseguido (Jr 26,11), golpeado e torturado (Jr 20,1-2), sob a ameaça de morte (Jr 18,18). É um idealista que sente o horror pela corrupção de seu povo (Jr 9,1), que sente a mesma indignação de Deus (Jr 5,14; 6,11; 15,17), que com uma imensa dor interior anuncia a ruína iminente (Jr 4,19-21; 8,18-23; 14,17-18). O profeta Jeremias experimenta profundamente a perseguição que, por causa de sua perseguição, os adversários, inclusive seus familiares e amigos, tramam contra ele. Esta perseguição move Jeremias a perguntar a Deus: Por que os maus vivem cheios de “bênçãos”? A resposta de Deus desconcerta o profeta: verá coisas piores. 

A fidelidade à vocação é uma conquista cotidiana, que passa por dúvidas e crises e que às vezes, pesa como uma maldição, sobretudo se experimenta o silêncio de Deus (Jr 15,15.18; 20,7; veja Sl 21/22,2; Mt 27,46; Mc 15,34). A tentação de renunciar é muito forte. Este é o Getsêmani de Jeremias. Mas a Palavra de Deus é como um incêndio que devora os ossos e que o homem é incapaz de aplacar e de extinguir, nem o próprio Jeremias. 

Nesta primeira leitura (Jr 11,18-20) o profeta Jeremias utiliza a imagem do cordeiro manso levado ao matadouro para falar de sua própria inocência e mansidão. Para manter a fidelidade à aliança com Deus o profeta Jeremias denuncia os crimes, as corrupções e as traições cometidos pelo seu próprio povo. Em outras palavras, Jeremias chama o seu povo à conversão, a voltar ao Deus da Aliança. Para Jeremias o verdadeiro conhecimento do Senhor não está no culto e sim na justiça (Jr 22,16).

Infelizmente, como consequência, Jeremias é odiado pelo bem que faz. Ele é uma vítima inocente comparada a um cordeiro manso. “Toda vez que um justo grita, um carrasco vem calar. Quem não presta fica vivo, quem é bom, mandam matar” (Cecília Meireles). Pelo fato de cumprir sua missão e chamar o povo à conversão, o profeta Jeremias foi recusado e traído por seus próprios irmãos. 

A sorte ou o destino do profeta Jeremias que viveu seis séculos antes de Jesus é a mesma sorte, o mesmo destino de Jesus. Jesus é também perseguido por ser fiel à Palavra de Deus, por considerar a vontade de Deus como seu alimento (Jo 4,34). O cordeiro manso que o profeta Jeremias usa é imagem de Jesus que, como Cordeiro, morrerá para tirar o pecado do mundo (Jo 1,29). O profeta Jeremias aparece hoje como figura de Jesus, um justo perseguido por sua condição de profeta valente, que da parte de Deus anuncia e denuncia um povo que não quer ouvir sua palavra. 

A imagem do “cordeiro” nos sugere a inocência dessa pequena vitima que não merece ser sacrificada. Essa imagem nos sugere a liturgia do Cordeiro pascal cujo sacrifício é útil para o povo inteiro. 

Jeremias aparece hoje como figura de Jesus, um Justo perseguido por sua condição de profeta valente, que da parte de Deus anuncia e denuncia um povo que não quer ouvir a Palavra de Deus. Jesus é sinal de contradição (Cf. Lc 2,34): uns O aceitam, outros O recusam. Nestes dias para nós cristãos a figura mais impressionante é a de Jesus que caminha com decisão, ainda que com sofrimento, para o sacrifício da cruz. Jesus é perseguido, condenado a morte por aqueles que se escandalizam de sua mensagem. Será também “como manso cordeiro levado ao sacrifício”. Confia em Deus, o profeta Jeremias pede: “Eu te confiei a minha causa”. Jesus na Cruz grita: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito(Lc 23,46). Mas Jesus mostra uma fortaleza e um estilo diferente. Jeremias pediu a Deus para vingar-se de seus inimigos. Jesus morre pedindo a Deus que perdoe seus executores (cf. Lc 23,34).

No profeta Jeremias descobrimos: consciência de sua situação, assunção de sua responsabilidade e missão, confiança no Senhor a Quem se deve totalmente, convicção de que ao final resplandecerá a luz da verdade apesar de qualquer tipo de dor no cumprimento da missão. Este é um bom caminho a seguir. 

Quem É Jesus a Quem Sigo? 

Ao ouvirem as palavras de Jesus, algumas pessoas diziam: ‘Este é, verdadeiramente, o Profeta’. Outros diziam: ‘Ele é o Messias’”.

No evangelho de hoje lemos como a pessoa de Jesus e sua maneira de viver provocam discussões e posturas diversas. A vida dos homens se decide de acordo com sua atitude vivencial com Jesus. 

Uns dizem que é o Messias, outros dizem que é o profeta. Jesus é o sinal de contradição no mundo: divide os homens com sua simples presença entre os homens (cf. Lc 2,34-35). Jesus continua sendo um mistério para seus contemporâneos. Porém suas obras pelo bem da humanidade ninguém pode negar. Jesus vive somente em função do bem e é perseguido e morto pelo bem que fez (cf. At 10,37-41). 

Os escribas e os fariseus eram a mais alta autoridade doutrinal, os melhores especialistas em discussões sobre a Sagrada Escritura. Segundo eles, em Jesus não se cumprem todas as condições necessárias. Por isso, Ele não é o Messias, apesar das evidências. Segundo eles o Messias não vem da Galileia e sim de Belém (Jo 7,52).  Mas os fatos não negam, mesmo que alguém tente argumentar. Os fatos falam por si. 

O pior cego é aquele que não reconhece a própria cegueira a fim de poder pedir a ajuda. Daí nós concluímos que a condição essencial para conhecer a Deus é a humildade. Há que saber renunciar aos nossos próprios pontos de vista, deixar-nos conduzir pela luz da sabedoria divina. A crença bíblica não basta para descobrir verdadeiramente quem é Deus em Jesus Cristo. A vida e seus acontecimentos são outra “Escritura” que Deus nos deixou para que leiamos cada dia uma página para saber o recado de Deus para nós e sobre nós. O conhecimento de Deus não é questão de intelectualidade. O Espírito é que nos sensibiliza para nos abrirmos à verdade de Deus, ao seu amor, à vida nova que Ele quer nos comunicar, à luz com que Ele quer iluminar nossa escuridão. 

Nicodemos, o fariseu notável que pertencia ao círculo dos membros do Sinédrio (Sinédrio ou Sanhedrin era uma assembleia de juízes judeus que constituía a corte e legislativo supremos da antiga Isarael) e que havia visitado Jesus de noite (Jo 3,1-21), mostra sua preocupação pela justiça: “Será que a nossa Lei julga alguém, antes de ouvi-lo e saber o que ele fez?”. Ele pensa que a Lei deve ser usada como instrumento de justiça. No entanto, ele é reprovado pelos colegas ao chamá-lo de “galileu” (chamar alguém de “galileu” na época era um palavrão): “Também tu és galileu, porventura? Vai estudar e verás que da Galileia não surge profeta”. No lugar de responder Nicodemos, eles o insultam, tratando-o como um ignorante. Para eles, segundo a Lei na qual eles se apoiam e não em Deus, profetas jamais sairiam da Galileia, enquanto que Deus sopra para onde quer e através de qualquer pessoa e em qualquer lugar. Basta cada um ficar atento para captar a passagem de Deus em cada momento na vida de qualquer homem.

Os escribas e os fariseus se sentem seguros na Lei a ponto de chamar “maldito” quem não conhece a Lei. Em nome desta Lei, eles vão crucificar e matar Jesus Cristo. Nas mãos dos escribas e dos fariseus a Lei não é um instrumento de justiça e sim de vingança. Eles confundem o conhecimento da Lei com o conhecimento de Deus. Para eles, os que estão fora da Lei são considerados desviados, malditos. Mas na verdade, os próprios fariseus e os escribas estão fora do conhecimento de Deus. Conhecer Jesus consiste em se preocupar com o bem do homem e sua salvação. Quem não se preocupa com o bem do homem e com a sua salvação, ele se separa de Deus, o Pai, que quer a vida para todos os homens, seus filhos.

Os simples têm, ao contrário, facilidade de captar a mensagem de Jesus e de considerar Jesus como Messias ou Profeta: “Este é, verdadeiramente, o Profeta. Ele é o Messias”. Jesus dirá mais tarde: “Minhas ovelhas escutam minha voz”. “Escutar” e “crer” são quase sinônimos no evangelho de João. 

A condição essencial para conhecer Deus é a humildade e a simplicidade. A simplicidade é a condição fundamental para conhecer o projeto de Jesus sobre o homem. Há que saber desprender-se de si mesmo, renunciar a seus próprios pontos de vista, de suas “regrinhas” (como os escribas e os fariseus presos na própria Lei que acabam não conhecendo o verdadeiro Deus) e deixar-se conduzir pelo Espírito divino. 

Encontrar o sentido da vida é independente da idade, do sexo, da capacidade intelectual e do grau de instrução da pessoa, pois a vida é simples. Nós é que não sabemos nos comportar diante desse dom de Deus. Em Jesus encontramos o sentido, pois Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Por causa de Jesus milhares de homens mudaram de vida, abandonaram seus hábitos negativos. Por causa dele muitos dedicam sua vida para o bem do próximo. O modo de viver de Jesus em se preocupar com os pequenos, com os necessitados, com os excluídos, com os abandonados fascinam qualquer pessoa. Ele trabalha sem esperar nada de recompensa. Ele quer ver todo mundo na sua dignidade como um ser humano e acima de tudo, como filho e filha de Deus.

Deus permanece escondido atrás das aparências humanas. Cada um tem que descobrir esse Deus diariamente. “Se dizes ‘já basta’, tu estás perdido; aumenta sempre, progride sempre, avança sempre, não te pares no caminho, não voltas para trás, não te desvies!” dizia Santo Agostinho. 

Vale a pena cada um se perguntar: “Quem é Jesus para mim? O que significa ele na minha vida? Será que seus ensinamentos provocam uma profunda reflexão para mim? Será que ele ocupa o centro de minha vida? Será que escuto a voz de Jesus como meu pastor?” Eu me preocupo com a regra ou com o bem do homem e sua salvação? Será que eu uso também as regras para dominar os demais ou eu uso a caridade? Temos que caminhar com Jesus Cristo e fazer nossa sua salvação. Será que posso dizer que sou também uma vítima inocente no ambiente em que vivo? Eu me mantenho justo apesar das perseguições? Eu continuo praticando o bem apesar do ódio daqueles cujo negócio é afetado?

Percebemos das leituras de hoje que até para fazer o bem encontramos dificuldades, inclusive a violência da parte daqueles que defendem seus próprios interesses mesmo que sejam errados eticamente. Mas todo homem que sofre inocentemente e injustamente é uma imagem de Cristo sofredor. Todo sofrimento fruto da colaboração para salvar o mundo, para edificar a humanidade, para defender os sem voz e sem vez é o sofrimento do próprio Cristo. Todos esses sofredores estão no coração de Deus: “A vida dos justos está nas mãos de Deus, nenhum tormento os atingirá... Os que confiam em Deus compreenderão a verdade e os que são fieis permanecerão junto a ele no amor, pois graça e misericórdia são para seus santos e sua visita é para seus eleitos” (Sb 3,1.9). Será que estamos no coração de Deus?

P. Vitus Gustama,svd

Sexta-feira Da IV Semana Da Quaresma,01/04/2022

A VIDA DO JUSTO ESTÁ NAS MÃOS DE DEUS QUE TEM A ÚLTIMA PALAVRA SOBRE O HOMEM

Sexta-Feira da IV Semana da Quaresma


Leitura: Sb 2,1. 12-22

1ª Dizem entre si os ímpios, em seus falsos raciocínios: 12 “Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina. 13 Ele declara possuir o conhecimento de Deus e chama-se ‘filho de Deus’. 14 Tornou-se uma censura aos nossos pensamentos e só o vê-lo nos é insuportável; 15 sua vida é muito diferente da dos outros, e seus caminhos são imutáveis. 16Somos comparados por ele à moeda falsa e foge de nossos caminhos como de impurezas; proclama feliz a sorte final dos justos e gloria-se de ter a Deus por pai. 17 Vejamos, pois, se é verdade o que ele diz, e comprovaremos o que vai acontecer com ele. 18 Se, de fato, o justo é ‘filho de Deus’, Deus o defenderá e o livrará das mãos dos seus inimigos. 19 Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua serenidade e provar a sua paciência; 20 vamos condená-lo à morte vergonhosa, porque, de acordo com suas palavras, virá alguém em seu socorro”. 21 Tais são os pensamentos dos ímpios, mas enganam-se; pois a malícia os torna cegos, 22 não conhecem os segredos de Deus, não esperam recompensa para a santidade e não dão valor ao prêmio reservado às vidas puras.

Evangelho: Jo 7,1-2.10.25-30     

Naquele tempo, 1Jesus andava percorrendo a Galileia. Evitava andar pela Judeia, porque os judeus procuravam matá-lo. 2Entretanto, aproximava-se a festa judaica das Tendas. 10Quando seus irmãos já tinham subido, então também ele subiu para a festa, não publicamente mas sim como que às escondidas. 25Alguns habitantes de Jerusalém disseram então: “Não é este a quem procuram matar? 26Eis que fala em público e nada lhe dizem. Será que, na verdade, as autoridades reconheceram que ele é o Messias? 27Mas este, nós sabemos donde é. O Cristo, quando vier, ninguém saberá donde ele é”. 28Em alta voz, Jesus ensinava no Templo, dizendo: “Vós me conheceis e sabeis de onde sou; eu não vim por mim mesmo, mas o que me enviou é fidedigno. A esse, não o conheceis, 29mas eu o conheço, porque venho da parte dele, e ele foi quem me enviou”. 30Então, queriam prendê-lo, mas ninguém pôs a mão nele, porque ainda não tinha chegado a sua hora.

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Na Primeira Leitura, o autor do livro de Sabedoria nos apresenta sobre como as forças do mal, encarnadas nos ímpios, querem sufocar a força de Deus que se manifesta na vida dos justos. É o conflito de sempre, que passa pelo próprio coração do homem. Esta passagem fala diretamente aos judeus fiéis de Alexandria que são perseguidos e desprezados por judeus renegados e pagãos. A Igreja vê neste texto um anúncio da paixão de Cristo, o homem bom e justo por excelência. 

Esta passagem do AT (Primeira Leitura) parece uma análise, de antemão, do que acontecerá durante a Paixão.

"Se ele é o Filho de Deus...", assim lemos na Primeira Leitura. Ao pé da cruz se repetirão estas palavras: "Se tu és o Filho de Deus..."

E estas palavras continuamente ressoam em nós: "Se eu sou justo..., bom..., honesto e honrado... por que Deus permite isso?

Aproximando-se a Semana Santa, seria conveniente que nos dedicássemos mais à contemplação do Cristo sofredor. À medida que a Semana Santa se aproxima, seria conveniente se eu tentasse entrar mais na contemplação do Cristo sofredor: o que ele sofreu, Aquele que tudo previu, Aquele que sentiu a cerca apertar, quinze dias antes de sua morte. 

Viver Como Justo É Estar Com Deus Da Vida Eternamente

Dizem entre si os ímpios, em seus falsos raciocínios: ‘Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina. Ele declara possuir o conhecimento de Deus e chama-se ‘filho de Deus’. Tornou-se uma censura aos nossos pensamentos e só o vê-lo nos é insuportável; sua vida é muito diferente da dos outros, e seus caminhos são imutáveis. Somos comparados por ele à moeda falsa e foge de nossos caminhos como de impurezas; proclama feliz a sorte final dos justos e gloria-se de ter a Deus por pai”. Assim lemos alguns versículos da Primeira Leitura tirada do Livro de Sabedoria. 

Na primeira leitura, o autor do livro de Sabedoria nos apresenta como as forças do mal, encarnadas nos ímpios, querem afogar a força de Deus que se manifesta na vida dos justos. É o conflito de sempre, que atravessa o coração do homem. Este fragmento do livro de Sabedoria é dirigido diretamente aos judeus fiéis de Alexandria que são perseguidos e desprezados pelos judeus renegados e pelos pagãos. A Igreja vê neste texto um anúncio da paixão de Cristo, o homem bom por excelência.

Esta passagem do livro de Sabedoria parece uma análise antecipada do que acontecerá durante a Paixão. À medida que a Semana Santa se aproxima, seria conveniente dedicar-nos mais à contemplação do Cristo sofredor: o que ele sofreu ao ver o cerco vai se apertando antes de sua morte. É uma experiência de estar cercada pelo ódio, de ser encurralada pelo desejo profundo de matar Jesus, da parte dos seus inimigos. 

O autor do livro de Sabedoria nos apresenta neste fragmento (Sb 2,1-20) um dos mais belos de todo o livro por seu estilo e vigor, os sentimentos dos ímpios a respeito da vida presente (Sb 2,1-5), sua atitude diante dos prazeres da vida (Sb 2,6-9) e sua conduta frente o justo (Sb 2,10-20). Os ímpios aos quais o autor refere aqui poderiam ser também judeus apóstatas que influenciados pelo ateísmo e materialismo abandonaram a Lei e as tradições patrísticas.

A vida é curta assim começam a dizer os ímpios. Esta frase repetimos também para nós mesmos e para os outros. As primeiras palavras de um verso de Horácio (Odes, Livro I 11,8) diz: “Carpe diem quam minimum credula postera”, “Aproveita o dia (de hoje), confiada o menos possível no de amanhã”. No Evangelho conhecemos um grupo que vive desta maneira: os saduceus. Os saduceus não acreditam na ressurreição. Para eles a vida termina aqui. Consequentemente, eles vivem em função do puro prazer e vivem sem moral. Para os saduceus, a religião só vale dentro do templo. Fora dele cada um pode fazer o que quiser. 

Dada a brevidade da vida e o vazio que existe no pensamento dos ímpios pela certeza da morte, não há outra conclusão lógica que desfrutar dos prazeres da vida presente até o máximo possível: “Aproveitemo-nos das boas coisas que existem! Vivamente gozemos das criaturas durante nossa juventude! Inebriemo-nos de vinhos preciosos e de perfumes, e não deixemos passar a flor da primavera!” (Sb 2,6-7). São Paulo vê nesta conclusão como uma negação da ressurreição dos mortos (cf. 1Cor 15,32). A juventude é o tempo mais propício para gozar da vida com toda intensidade. O vinho de que se fala simboliza os prazeres da mesa. Os perfumes podem referir-se ao costume oriental de misturá-lo com o vinho ou para perfumar o corpo que os orientais introduzem nos judeus. 

O autor do Livro dos Provérbios afirma que “as entranhas dos malvados são cruéis” (Pr 12,10). Com efeito eles são cruéis e desumanos com os justos, pois a presença dos justos é uma censura para a leviandade dos ímpios: “Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina”, lemos na Primeira Leitura de hoje. 

Os grandes libertinos são frequentemente os mais cruéis perseguidores. As primeiras vítimas da crueldade dos libertinos, dos ímpios são os débeis, os justos, as viúvas, os anciãos que não podem sair em defesa própria por falta de recursos materiais e humanos. A impiedade, a libertinagem e o materialismo matam os sentimentos de compaixão, de solidariedade e de caridade que todo coração nobre tem e sente. Quando estes sentimentos faltarem, a única lei que vai funcionar é a lei da força. E o débil fica sem direito a viver e parece destinado a perecer sob a opressão dos tiranos, dos libertinos. A impiedade do coração e a entrega aos prazeres materiais nublam a inteligência e lhe impede de ver a luz das verdades ultra terrenas ou sobrenaturais. Assim os ímpios não descobriram os misteriosos desígnios de Deus. 

Mas os justos se gloriam de possuir o verdadeiro conhecimento de Deus e ser membros do povo eleito. A consciência e o profundo convencimento que têm desta realidade é o que mantém os justos firmes em sua fé ainda que estejam cercados pelas dificuldades, pois a esperança dos justos está em Deus que tem palavra final para a vida humana. 

Chama a atenção o parecido de Sb 2,10-20 com o Sl 22 e o poema do Servo de Javé (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-9; 52,13-53,12) e a semelhança de atitude dos ímpios a respeito dos justos que aqui se refere (alusão) à conduta de Cristo observada por parte de seus inimigos. Um bom número dos Padres da Igreja (São Hipólito, Orígenes, Santo Atanásio, São Cipriano, Santo Ambrósio, São Cirilo, Santo Agostinho) interpretou a perícope em sentido literal do Messias, vendo no justo que sofre uma profecia da Paixão de Cristo. Cremos que, em sentido literal histórico, o autor sagrado se refere aos israelitas justos que sofreram perseguições por parte dos pagãos e dos judeus apóstatas. Mas tendo em conta que o Espírito Santo é o Autor principal da Sagrada Escritura, não é difícil descobrir um sentido típico em relação ao Messias, pois o que o Livro da Sabedoria diz dos israelitas justos se verifica e de maneira eminente em Jesus Cristo. Jesus Cristo é o Justo por antonomásia (perífrase). 

Em outras palavras, esse justo é um personagem típico, que pode representar grupos e indivíduos: o povo de Israel entre os pagãos, os israelitas fieis entre seus patriotas apóstatas, os justos perseguidos que rezam nos Salmos. Sobretudo, representa Jesus, o Filho de Deus, o Inocente que morrendo, ressuscita dando a vida para todos. 

Somos Chamados a Ser Justos Como Jesus

Jesus subiu a Jerusalém para a festa dos Tabernáculos. É a festa judaica de maior concorrência, que celebrava o final da colheita e preparava a próxima sementeira. As solenidades no templo se prolongavam durante oito dias: “Quando seus irmãos já tinham subido, então também ele subiu para a festa, não publicamente, mas sim como que às escondidas” (Jo 7,10). Por si mesmo, Jesus não busca conflitos. Mas o conflito sempre vem porque Jesus permanece fiel à missão recebida do Pai para devolver a dignidade do homem e para salvá-lo. Mesmo assim, Ele é cercado de ódio dos adversários. O ódio mortal. 

O texto do Livro de Sabedoria lido neste dia nos apresenta como as forças do mal, encarnadas nos ímpios, querem e tentam sufocar a força de Deus que se manifesta ou que se encarna na vida dos justos. “Ímpio” é aquele que não respeita os valores comumente admitidos ou é aquele que revela impiedade, ou aquele que tem desprezo pela religião. Os ímpios, com seus atos, geram a morte. Sua visão materialista da vida os incapacita a valorizarem o que ultrapassa a razão: “... a malícia os torna cegos, não conhecem segredos de Deus, não esperam recompensa para a santidade e não dão valor ao prêmio reservado às vidas puras” (Sb 2,21-22).  

“Malícia” é aptidão ou inclinação para fazer o mal; má índole; malignidade, maldade; ou habilidade para enganar, despistar. Todo ímpio tem malicia. Os ímpios se deixam levar por uma existência sem sentido. Eles vivem somente em função dos prazeres, pois para eles não há outra vida além desta vida. Eles detestam a censura permanente que a vida do justo constitui para sua vida depravada. Quem vive somente em função dos prazeres é porque não tem prazer de viver. A vaidade torna qualquer um cego.        

O justo, ao contrário, se gloria de ter Deus como Pai, e Deus como Pai não faz mal a ninguém, somente faz o bem. O justo tem uma escala de valores e por isso, constitui uma acusação contra as convicções mundanas dos ímpios. Por ser uma censura viva para seu modo de viver, o justo é eliminado pelos ímpios. Mas “a vida dos justos está nas mãos de Deus e nenhum tormento os atingirá” (Sb 3,1).        

Para que o mundo não se torne surdo, Deus precisa permanentemente dos justos, dos honestos, dos verdadeiros, dos coerentes e assim por diante. Jesus Cristo é o Justo por excelência e é o protótipo do justo, pois seu alimento é fazer a vontade de Deus: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra” (Jo 4,34). Por Jesus ser justo em tudo, os seus adversários querem silenciá-lo para sempre. Todas as acusações dos adversários contra Jesus nascem do ódio e da raiva mórbida. 

No evangelho de João a ameaça sobre a morte de Jesus é constante. À medida que ficamos próximos da Semana santa será importante que dediquemos mais tempo para contemplar o Cristo sofre por nossa causa: Ele está cercado de morte, fruto de um ódio fatal de seus adversários. Trata-se de uma experiência de estar rodeado e encurralado de ódio. É sempre ter gente que está contra e busca nos prejudicar ou acabar com nossa vida por vivermos uma vida digna, honesta e justa, como acabaram com a vida terrestre de Jesus. Ao pé da cruz alguém vai fazer a gozação contra Jesus: “Se tu és Filho de Deus...!”. Estas palavras continuam ressonando: “Se tu és justo, bom, religioso, frequentador da Igreja e tens vida honesta e correta, por que Deus permite as coisas ruins na tua vida?”. Jesus enfrenta tudo na serenidade porque Ele se sabe amado por Deus apesar do sofrimento. No mesmo momento em que é odiado, acusado, isolado, Jesus se sabe amado. Jesus é um homem cheio de paz ainda que esteja rodeado de homens rancorosos, porque vive sua relação profunda com o Pai.        

Não sejamos os justos cansados por causa do mal que é, aparentemente, onipresente e onipotente. O mal e a maldade não têm futuro. Jesus Cristo veio manifestar o amor de Deus que nos espera como um Pai amoroso para nos receber nas moradas eternas depois de termos caminhado por esta vida fazendo o bem a todos. Para os justos, a exemplo de Jesus, a morte não tem a última palavra e sim a vida. A vida dos justos está nas mãos de Deus. Nossa passagem por este mundo nos conduzirá para a possessão dos bens eternos na medida em que abandonarmos nossos egoísmos e amarmos com lealdade nosso próximo na mesma forma que Deus nos ama (cf. Jo 15,12). Deus está sempre próximo daqueles que sabem amar e vivem fieis. 

A Palavra de Deus foi e é proclamada sobre nós para que ela se converta em nossa salvação. E ao entrar em comunhão de vida com Jesus na Eucaristia é porque queremos entregar todo nosso ser para o bem, para a salvação de todos. O mal não tem futuro algum. Acaba destruindo-se a si mesmo. É essa a profunda convicção de Jesus. Por isso, ele não pede ao Pai nenhum poder destruidor; não pede legiões de anjos que o protejam. Tampouco o crucificado devolve o mal pelo mal, nem insulto por insulto, nem profere ameaças (1Pd 2,23). Um poder desarmado e vulnerável pode ser também um poder que desarma. O poder de Deus é o poder do amor que se encarna na vida de Jesus. É esse poder do amor o que lhe permite exclamar: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34), pois ele sabe que o mal não tem futuro, somente o bem. 

Jesus nos ensina que temos que nos apegar a Deus para manter nossa paz e serenidade apesar da realidade dura que nos cerca, e não ao caminho que temos para ir até Ele. Não podemos nos escravizar a uma maneira como a única maneira para chegar até Deus, pois nos colocaremos como superiores e fiscalizadores dos outros. Temos que estar abertos para qualquer forma que Deus queira para se apresentar ou para se revelar. Deus sempre quer nos surpreender em todos os momentos. “Se dizes ‘já basta’, estás perdidos. Aumenta sempre, progride sempre, avança sempre, não pares no caminho, não voltas atrás, não te desvies”, dizia Santo Agostinho.

P. Vitus Gustama,svd

V Domingo Da Páscoa, 28/04/2024

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