quinta-feira, 30 de março de 2023

10/04/2023-Segundaf Na Oitava Da Páscoa

SER CRISTÃO É SER ANUNCIADOR DA VIDA, DA ALEGRIA E DA ESPERANÇA

Segunda-Feira Na Oitava  Da Páscoa

Primeira Leitura: At 2,14.22-32

No dia de Pentecostes, 14 Pedro de pé, junto com os onze apóstolos, levantou a voz e falou à multidão: 22 “Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem aprovado por Deus, junto de vós, pelos milagres, prodígios e sinais que Deus realizou, por meio dele, entre vós. Tudo isto vós bem o sabeis. 23 Deus, em seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue pelas mãos dos ímpios, e vós o matastes, pregando-o numa cruz. 24 Mas Deus ressuscitou a Jesus, libertando-o das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse. 25 Pois Davi dele diz: ‘Eu via sempre o Senhor diante de mim, pois está à minha direita para eu não vacilar. 26 Alegrou-se por isso meu coração e exultou minha língua e até minha carne repousará na esperança. 27 Porque não deixarás minha alma na região dos mortos nem permitirás que teu Santo experimente corrupção. 28 Deste-me a conhecer os caminhos da vida e a tua presença me encherá de alegria’. 29 Irmãos, seja-me permitido dizer com franqueza que o patriarca Davi morreu e foi sepultado e seu sepulcro está entre nós até hoje. 30Mas, sendo profeta, sabia que Deus lhe jurara solenemente que um de seus descendentes ocuparia o trono. 31 É, portanto, a ressurreição de Cristo que previu e anunciou com as palavras: ‘Ele não foi abandonado na região dos mortos e sua carne não conheceu a corrupção’. 32 Com efeito, Deus ressuscitou este mesmo Jesus e disto todos nós somos testemunhas”.

Evangelho: Mt 28,8-15

Naquele tempo, 8as mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos. 9De repente, Jesus foi ao encontro delas, e disse: “Alegrai-vos!” As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés. 10Então Jesus disse a elas: “Não tenhais medo. Ide anunciar a meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão”. 11Quando as mulheres partiram, alguns guardas do túmulo foram à cidade, e comunicaram aos sumos sacerdotes tudo o que havia acontecido. 12Os sumos sacerdotes reuniram-se com os anciãos, e deram uma grande soma de dinheiro aos soldados, 13dizendo-lhes: “Dizei que os discípulos dele foram durante a noite e roubaram o corpo, enquanto vós dormíeis. 14Se o governador ficar sabendo disso, nós o convenceremos. Não vos preocupeis”. 15Os soldados pegaram o dinheiro, e agiram de acordo com as instruções recebidas. E assim, o boato espalhou-se entre os judeus, até o dia de hoje.

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Jesus Ressuscitou e Está Conosco

Através do livro dos Atos dos Apóstolos, são Lucas nos relata os trinta primeiros anos da Igreja até o ano 63 d.C. Nos cinco primeiros capítulos veremos o nascimento da Igreja em Jerusalém. Nos capítulos seis a onze contemplaremos a expansão da Igreja até Samaria e Síria. Finalmente, a partir do capitulo doze, graças à atividade missionaria de São Paulo, o Evangelho se estende por todo o Oriente Médio e Grécia. 

Mas atrás dos “atos” dos Apóstolos há somente um “ator” principal é o Senhor vivente, glorificado, ressuscitado que atua por sua Igreja. O dinamismo extraordinário da Igreja dos primeiros tempos provem por inteiro da convicção, da Fé, que animava os primeiros cristãos: Jesus ressuscitou, Jesus está vivo, Jesus está presente entre nós. 

Por esta razão o livro dos Atos dos Apóstolos é lido como prolongamento da Páscoa. Durante os cinquenta dias do tempo pascal descobrimos que a ressurreição de Jesus Cristo não é apenas um maravilhoso fato do passado e sim que esta Ressurreição é um mistério atual que perdura sempre, um dinamismo vital que atua continuamente no nosso hoje. 

No dia de Pentecostes, Pedro de pé, junto com os onze apóstolos, levantou a voz e falou à multidão”. 

Pedro põe-se de pé”. Esta expressão é uma expressão com alto conteúdo simbólico. Ela mostra a transformação de um estado de prostração e de temor num salto decisivo para frente. Esta expressão mostra que as situações são encaradas a partir de agora por mais difíceis que elas sejam, pois a força do Ressuscitado entrou na vida de Pedro e na dos outros Apóstolos. O Espirito do Ressuscitado é o que dá a força e inspira as palavras e as atitudes oportunas. 

Anteriormente, há poucos dias, Pedro, assustado diante dos guardas e criadas do palácio de Pilatos, jura não conhecer Jesus Cristo. Mas agora, depois do acontecimento de Pentecostes, Pedro começa a dar uma série de testemunhos diante do povo e logo diante das autoridades sem nenhum medo, que lemos ao longo desta semana. Pedro e os demais apóstolos cresceram muito na fé por causa da ressurreição de Jesus e o envio de seu Espirito em Pentecostes.

Esta primeira pregação de Pedro é uma catequese clara e contundente sobre a pessoa de Jesus dirigida precisamente aos habitantes de Jerusalém, os que haviam estado diretamente implicados na morte de Jesus: “Vós matastes Jesus, pregando-o numa cruz. Mas Deus ressuscitou a Jesus, libertando-o das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse”. Com valentia, Pedro proclama a ressurreição de Jesus diante do povo no dia de Pentecostes. Pedro quer recordar os israelitas o que eles fizeram com Jesus de Nazaré. Apesar do juízo injusto, a morte ignominiosa e a difamação pública de seu nome, Deus quis realizar seus desígnios em Jesus. Pela ressurreição a autenticidade da prática de Jesus é confirmada.

Quantas pessoas na história e atualmente, homens e mulheres, que seguindo o exemplo de Jesus estão dispostas a dar sua vida pelos necessitados em nome Jesus ressuscitado. A fé madura nos permite abrirmos mãos de nossos privilégios em função da salvação de outros irmãos que se encontram em séria necessidade de viver dignamente. 

Viver Na Alegria Da Ressurreição Para Poder Dar Testemunho Do Amor Deus Por nós 

Estamos na festa da ressurreição. Através da ressurreição de Jesus, Deus quer nos dizer que quem ama, acaba sempre vencendo, como Jesus; e que não fomos feitos para as lágrimas com tristeza sem fim, pois somos chamados à vida ressuscitada. Que a morte não destrói nossa vocação de vida plena, pois Jesus venceu a morte. A ressurreição é a morte da própria morte (cf. 1Cor 15,55). Que a em Jesus Cristo não é absurda. Que o testemunho da comunidade primitiva é verdadeiro. Quem ama, como Jesus amou, sabe e tem certeza de que sempre há futuro. Que nós temos um futuro com Deus desde que vivamos de acordo com os ensinamentos de Jesus. Que a palavra chave para nossa vida não é a morte e sim a ressurreição; não é a violência ou ódio e sim o amor que nunca morre, poisDeus é amor” (1Jo 4,8.16). Que andar atrás de Jesus significa ter um futuro garantido. Deus sempre prepara o melhor no fim para quem caminhar atrás de Jesus apesar das cruzes encontradas no caminho.  

Hoje através do evangelho lido neste dia escutamos a voz do ressuscitado. São três palavras de futuro que vão ser repetidas com acentos diversos durante os próximos dias: 

1. “Alegrai-Vos”.

A alegria é um sinal de harmonia interior, de equilíbrio e saúde psicológica. “A alegria é sinal inequívoco de que a vida triunfa” (Henri Bérgson). Isto nos indica também que a falta de alegria é sinal de que a vida está bloqueada.  A alegria é um “sim” espontâneo para a vida que brota de dentro de nós; é um sim para aquilo que somos. 

“Alegrai-vos!”. O convite de Jesus à alegria não é um conselho e sim uma ordem para ser cumprida. Na verdade, toda a mensagem de Jesus é uma mensagem de alegria. A alegria do Evangelho é o próprio Jesus crucificado-ressuscitado em que Deus se mostra como Aquele que nos ama apesar de tudo. A alegria do homem é a alegria de Deus. 

No meio de nossas tristezas, o Ressuscitado nos chama à alegria. A nossa alegria consiste em ter certeza de que com Jesus tudo termina na vitória, na ressurreição apesar de tudo. Temos muita necessidade de estar conscientes desta certeza. A alegria tem uma relação com o amor. Nossa alegria correra como um riacho enquanto não deixarmos secar sua fonte, que é o amor. 

Alegria! Este é o grito que atravessa os séculos e cruza continentes e fronteiras. Alegria, porque Jesus crucificado ressuscitou e o homem começa a ter um futuro seguro em e com Deus. Alegria para as crianças que acabam de nascer para começar sua jornada de vida, e para os anciãos que se perguntam para onde vão seus anos; alegria para os que rezam na paz das igrejas e para os que cantam nas discotecas; alegria para os solitários que consomem sua vida no silêncio e para os que gritam seu gozo na cidade. 

2. “Não Tenhais Medo”. 

Sentir medo não é errado porque somos criaturas expostas a perigos e ameaças. Os nossos medos são um sinal de alarme que podem nos ajudar a evitarmos o perigo. O imprudente suprime o medo e se atira inutilmente ao perigo. O covarde teme tudo, se paralisa e não se atreve a correr nenhum risco. O homem sadio sabe usar seus medos para agir prudentemente. Aqueles que, para educar e governar, despertam o medo, não educam nem governam; submetem. 

Não há nada que nos paralise mais do que o medo. Muitas vezes somos dominados pelo medo. Quem pode nos transmitir a confiança da qual necessitamos? Somente o Ressuscitado: “No mundo vocês terão tribulações, mas tenha coragem: eu venci o mundo” (Jo 16,33b). Quando colocarmos nosso medo nas mãos de Jesus Ressuscitado, nos tornaremos mais prudentes do que paralisados: “Sejam prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas” (Mt 10,16). A prudência é a capacidade de ver, de compenetrar-se e de ajustar-se à realidade. Segundo sua origem latina a palavra “prudência” (prudens-entis) significa precavido, competente. A prudência oferece a possibilidade de discernir o correto do incorreto, o bom do mau, o verdadeiro do falso, do sensato do insensato, para guiar o bom rumo de nossas ações. O homem sábio é sempre guiado pela prudência. 

3. “Ide Anunciar...”. 

A ressurreição inaugura uma urgência. Acomodados em nossas seguranças de sempre significa que cavamos nossa própria tumba. Quando nos pomos em caminho, a força do Ressuscitado nos restaura. 

O evangelho nos relatou que diante do Ressuscitado as mulheres se prostraram reconhecendo a divindade em Jesus. Prostrar-se significa adorar. Jesus transformou essas mulheres em anunciadoras da Boa Notícia da ressurreição. Isto significa que a adoração e a missão, a oração e o anúncio são uma moeda de dois lados, sempre andam de mãos dadas. Aquele que adora a Deus deve ser ao mesmo tempo um anunciador e parceiro da Palavra de Deus, do bem, seja através de palavras, seja através do modo de viver, seja através das boas obras. Sejamos missionários da vida ressuscitada e vitoriosa. Não tenhamos medo das cruzes, pois a vitória já está anunciada antecipadamente. Estar consciente disso significa não faltará força para lutar até o fim em nome da vida que é o próprio Deus (Jo 11,25; 14,6).                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

P. Vitus Gustama,svd

Domingo Da Páscoa,09/04/2023

CORRER AO ENCONTRO DO SENHOR RESSUSCITADO

DOMINGO DA PÁSCOA

Primeira Leitura: At 10,34a.37-43

Naqueles dias, 34aPedro tomou a palavra e disse: 37“Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo pregado por João: 38como Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder. Ele andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio; porque Deus estava com ele. 39E nós somos testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles o mataram, pregando-o numa cruz. 40Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia, concedendo-lhe manifestar-se 41não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia escolhido: a nós, que comemos e bebemos com Jesus, depois que ressuscitou dos mortos. 42E Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu Juiz dos vivos e dos mortos. 43Todos os profetas dão testemunho dele: ‘Todo aquele que crê em Jesus recebe, em seu nome, o perdão dos pecados’”.

Segunda Leitura: Cl 3,1-4

Irmãos: 1Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, 2onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. 3Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. 4Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória. 

Evangelho: Jo 20,1-10

1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido tirada do túmulo. 2 Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”. 3 Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. 4 Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. 5 Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou. 6 Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão 7 e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. 8 Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou. 9 De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos.

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O Capítulo 20 de João tem quatro episódios que algum teólogo intitula: “Em busca dos sinais do Ressuscitado”. O primeiro episódio (vv.1-10) tem como personagens Maria Madalena e depois, Pedro e João. O segundo episódio (vv.11-18) faz-nos contemplar Maria Madalena que gradualmente reconhece Jesus. Neste episódio Maria Madalena é apresentada como o personagem mais interessado na busca dos sinais e, através dos sinais, da própria presença do Senhor. O terceiro episódio (vv.19-23) é o episódio da manifestação de Jesus aos apóstolos: Jesus entre os seus. E por fim, Jesus e Tomé (vv.24-29). Tomé nos apresenta a tendência do homem a fechar-se ao mistério. Em outras palavras, ele representa aqueles que têm dificuldade de ver os sinais da presença do Senhor no mundo (os céticos). 

Para o Domingo de Páscoa o texto fala do primeiro episódio cujos personagens são Maria Madalena, Pedro e João. 

1. O Primeiro Dia É O “Dia Do Senhor” 

O texto começa com estas palavras: “No primeiro dia da semana quando estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo...” (v.1). O primeiro dia é o dia da ressurreição do Senhor. Na tradição cristã este dia é chamado “Domingo” palavra que vem do latim “dies dominicus” ou “Dies Domini”, “dia do Senhor”. “Senhor” é um título pós-pascal. 

No contexto pascal, a expressão “primeiro dia” sugere que começou um tempo novo nascido da morte e ressurreição de Jesus para o mundo (2Cor 5,17). O dia que para os judeus era o primeiro depois do Sábado tornou-se para os cristãos “o primeiro dia da semana”.  Ele passou a ser chamado “dia do Senhor” (dies dominicus), domingo, porque nesse dia o Senhor ressuscitou. Por essa razão os cristãos se reúnem nesse dia para “partir o pão” (Eucaristia), o memorial da morte e ressurreição do Senhor (cf. 1Cor 16,2; At 20,7;Ap 1,10).  Jesus é a luz do novo dia que não termina jamais. Jesus é o Senhor que ilumina o mistério da vida. Cristo detém a chave do segredo da vida e deixa sua luz brilhar nas trevas. Nele o mistério da vida é tornado luminoso. O que é a vida, seu significado, sua finalidade, como apreciá-la e torná-la autêntica, dar-lhe um sentido, é tudo isto que Jesus pode nos ensinar, pois ele veio para nos fazer viver plenamente (Jo 10,10). Por isso, com muita certeza, São Paulo diz: “Se confessas, com tua boca que Jesus é o Senhor e crês em teu coração que Deus o ressuscitou dos mortos, tu serás salvo” (Rm 10,9). 

Portanto, não podemos considerar o Dia do Senhor (Domingo) como um peso. Ao contrário, ele é como uma explosão de vida que merece ser celebrada, pois, de fato, o nosso futuro está garantido pela ressurreição do Senhor. É claro que temos problemas! Mas ao mesmo tempo temos a certeza de nossa vida que terminará com a vitória. Quem nos garante isto é Jesus ressuscitado: “No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33), e “...aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt 10,22). E o próprio Jesus foi perseverante até o fim. E o prêmio desta perseverança é a ressurreição, a vida que não acabará jamais. 

2. Com Jesus Ressuscitado Somos Chamados A Sair Das Trevas         

Maria Madalena foi ao túmulo quando ainda estava escuro (em grego skotia: a treva). A escuridão, aqui, é um símbolo do estado interior de Maria, das trevas que a habitam e a envolvem. Com a morte de Jesus, que era a luz de sua vida, ela perdeu o sentido e a alegria de viver. Tudo se torna escuro para ela. Apesar da escuridão do seu interior, em Maria Madalena ainda sobrevive o amor que ela tem por Jesus. Ninguém jamais pode tirar esse amor do seu coração, pois ele é mais forte que a morte. Esse amor a leva ao encontro do Senhor. E quem fez nascer esse amor no coração de Maria Madalena, o amor absolutamente novo, puro e belo, depois que ela foi pisada e desprezada por tantos homens, certamente foi Jesus. Foi Jesus quem devolveu a dignidade a Maria Madalena depois que a libertou “de sete demônios” (Mc 16,9; Lc 8,2). O encontro com Jesus tinha sido para ela o novo começo de sua vida, a nova luz que ilumina tudo na sua vida, a nova fonte de sua verdadeira felicidade.           

Maria Madalena foi ao túmulo quando ainda estava escuro. No Evangelho de João, onde claro e escuro têm seus papéis, a escuridão dura até que alguém acredite em Jesus ressuscitado, Luz do mundo (Jo 8,12). Este termo, “escuridão/treva”, aparece em Jo oito vezes. “As trevas” em Jo não significam mera ausência de luz. Este termo apresenta dois aspectos: Primeiro, as trevas são consideradas como entidade ativa e perversa que pretende extinguir a luz da vida (Jo 1,5) e assim impedir a visão do projeto de Deus sobre o homem. Portanto, define-se como ideologia contrária ao desígnio criador. As trevas produzem no homem a cegueira (ocultamento do desígnio de Deus), impedindo-lhe de se realizar. Segundo, as trevas são consideradas como âmbito de obscuridade ou cegueira criada por sua ação, onde o homem se encontra privado da experiência da vida e não conhece o desígnio de Deus sobre ele. As trevas sugerem que os personagens ainda não têm a luz plena. Maria vai ao túmulo, possuída pela falsa concepção da morte, e não se dá conta de que o dia começou. Maria crê que a morte triunfou. Não é por acaso que o termo “túmulo” é mencionado nove vezes nesta perícope, mostrando que a ideia de Jesus morto domina na comunidade.          

O único meio que se encontrou para não sermos atingidos por esta escuridão total de nosso coração ou de nosso ser é aceitar Jesus, Luz do mundo (Jo 8,12), para que, por nossa vez, nos tornemos uma verdadeira luz para o mundo (Mt 5,14-16). Quem acredita em Jesus, Luz do mundo, não teme a escuridão, pois ele será sempre iluminado: “Ainda que eu caminhe por um vale tenebroso (escuro), nenhum mal temerei, pois estais junto comigo” (Sl 23(22),4). 

3. Quem Ama Corre Mais E Chega Primeiro         

Quando chegou ao túmulo, a reação de Maria é de alarme quando viu que a pedra tinha sido “retirada”. E ela ficou mais espantada ainda ao encontrar o túmulo vazio. A tristeza de Maria ficou maior porque além da morte do seu Mestre, o corpo do mesmo desapareceu. O sepulcro vazio, por isso, não foi para Maria Madalena motivo de fé e de esperança, mas de um sofrimento maior. Maria Madalena ficou totalmente desolada e perdida. Mas se ela soubesse ver com os olhos da fé os sinais que viu com seus olhos carnais no túmulo, saberia ou pelo menos deduziria que Jesus não tinha sido feito prisioneiro da morte como todos os que morreram antes dele. A pedra retirada é um sinal de que não existe mais um abismo intransponível entre Jesus e o mundo dos vivos, entre Jesus e seus seguidores. Existe ainda alguma pedra na sua vida que o faz continuar vendo tudo escuro? O poder da ressurreição retira “qualquer pedra” na nossa vida. Mas será que você acredita no poder da ressurreição?          

A reação imediata de Maria Madalena, sem mesmo entrar no túmulo, é correr para comunicar aos discípulos sobre o fato: Pedro e o discípulo amado. A comunidade sente-se perdida sem Jesus. Há atitude de busca mas buscam um Senhor morto. Jesus representava a força da comunidade; crendo que passou a ser debilidade e impotência, a comunidade se vê por sua vez sem forças e sem amparo.          

Os dois discípulos têm a mesma reação diante da notícia que lhes dá Maria: dirigem-se ao túmulo. Os dois correm juntos, mostrando sua adesão a Jesus e o seu interesse pelo ocorrido. Durante a corrida, porém, o discípulo amado correu mais rápido e chegou primeiro do que Pedro no túmulo. 

Corre mais depressa o que tem a experiência do amor de Jesus e sempre chega primeiro. O amor é sem asas, mas pode voar, sem pernas, mas pode andar e correr, sem olhos, mas pode ver tudo. O amor é a força sem limite, por isso nunca cansa. Uma pessoa apaixonada está cheia de forças. Onde há amor, há força para tudo. 

Amar é sair de si para encontrar o outro. É dialogar. É estender a mão. É abraçar para fazer as pazes. É doar a vida, o coração e a felicidade aos outros. Páscoa é alegria. Somente encontra a alegria aquele que sabe amar os outros. Nossos lares são como túmulos cerrados a cimento, quando não se amam; quando não há respeito, ajuda mútua e fé. Túmulos cerrados são as igrejas quando não se vive o que se reza e se canta.

Páscoa é a saída rápida. É êxodo, partida. Para onde? É sair para encontrar os outros. Se permanecermos fechados, trancados dentro de nós mesmos, vamos morrer. Páscoa é reencontro com a vida. Somente sabe viver, encontrando a vida, aquele que ama. Jesus morreu e ressuscitou porque nos ama verdadeiramente. 

4. Quem Ama Acredita Que No Impossível Há O Possível          

Apesar de chegar primeiro, o discípulo amado não entrou no túmulo, mas esperou a chegada de Pedro. No texto de Jo, a precedência de Pedro é mantida (cf. Jo 21). Pedro é o primeiro a entrar no túmulo (v.6) e a observar os panos (vv.6-7). Ele viu os panos e ficou calado. Jo não diz nada da reação de Pedro. O discípulo amado também entrou. “Ele viu e acreditou” (v.8). Quem tem amor no coração sempre vê no impossível o possível, no incrível o crível. À luz de seu laço profundo com Jesus, o discípulo amado reconhece o mistério da presença por meio da ausência. Mesmo antes do contato com o Ressuscitado, ele foi capaz de superar o abismo: na ausência do corpo, o que ele viu dos panos funerários teve para ele valor de sinal. Além disso, o amor que penetrava o discípulo amado deixou entrar nele a luz com que ele pode ver tudo naturalmente e claramente. Para ele, o túmulo não está nem vazio, nem cheio. Ele se transformou em linguagem. Atento, ele capta no vazio do túmulo que Cristo vencera o que pertencia ao tempo; em outras palavras, Jesus venceu a morte, ele ressuscitou. Este discípulo também vai reconhecer a presença do Senhor Ressuscitado na sua aparição aos discípulos (cf. Jo 21,7) 

5. A Ressurreição É Uma Novidade Para O Mundo E Renova Tudo No Homem 

Com o fato da ressurreição de Cristo entrou uma novidade total na história humana, pois nunca aconteceu isso antes nem depois dele, em nosso mundo fechado pelo círculo da morte. Jesus rompeu esse círculo e deu esperança a todos nós. Ao vencer a morte, Jesus revoluciona todos os anseios e sonhos do mundo. Por isso, a Páscoa é a festa de alegria porque a nossa vida está assegurada; esta vida que aqui vivemos não nos será tirada com a morte; a morte será apenas um fenômeno biológico, mas que não poderá destruir o nosso verdadeiro ser. A partir da ressurreição do Senhor, não vivemos mais para morrer, mas morremos para viver; a vida não pertence mais à morte mas sim a morte pertence à vida. A morte não é total: atinge apenas o corpo do homem. O mundo precisa saber que não somos condenados a um fim sem sentido. Não há Boa Notícia mais radicalmente importante do que a certeza da vitória da vida. Por isso, Jesus nos diz: “Tenha coragem! Eu venci o mundo” Temos a garantia de que Deus não vai deixar que se perca nada do que é bom: nossos esforços, nossos sacrifícios, nossas lutas, nossas boas ações, nossos afetos, as pessoas que amamos, tudo isso fica guardando e seguro nas mãos de Deus da ressurreição. Se a morte não tem a última palavra, toda a nossa vida pode estar, sem medo, a serviço daquilo que traz mais vida para todos. Seja qual for o resultado, nada estará perdido. Por isso, compreendemos por que São Paulo escarnece da morte e triunfante lhe pergunta: “ Ó morte, onde está a tua vitória ? Ó morte, onde está o espantalho com que amedrontavas os homens?” (1Cor 15,55). O homem que crê em Jesus Cristo é destinado à ressurreição para participar, com a totalidade de sua realidade complexa, na vida eterna de Deus. 

6. Jesus Está Conosco Permanentemente 

 “Jesus ressuscitou” significa também que Cristo vive. Esta é a grande verdade da nossa fé. Cristo vive quer dizer que ele não é uma figura que passou, que existiu num tempo, deixando-nos uma lembrança. Cristo vive quer dizer: ele está conosco. Ele não nos abandona. Isto significa que o cristão, cada um de nós, nunca é um homem solitário mas solidário porque ele vive com Deus e Deus com ele. Por isso, o centro da fé cristã não consiste na celebração da memória de um herói morto, mas da presença de um Vivo e Vivente no qual se decifrou para todos nós o sentido último da vida.

Se Cristo está vivo, então todas as coisas da vida devem refletir isto; todas as coisas devem se voltar para Jesus Cristo. Quando Jesus Cristo é o centro, as pessoas tornam-se melhores; as pessoas tornam-se mais humanas, buscam o crescimento e têm vontade de conseguir todas as coisas no crescimento e na maturidade de Cristo. 

O texto diz que Maria Madalena não consegue ver o significado daquilo que está acontecendo, por isso corre e vai avisar Pedro e o discípulo amado. Pedro e o discípulo amado também correm. Mas o discípulo amado corre mais rápido e chega primeiro.  Pedro entra no túmulo e Jo não relata a reação de Pedro. O discípulo amado entra e conclui imediatamente que não roubaram o Senhor: “E viu e acreditou” (Jo 20,8).      

Na Igreja que vai em busca dos sinais da presença do Senhor há diversos temperamentos, diversas mentalidades: há o afeto de Maria, a intuição de João e a lentidão de Pedro. Portanto, existem na Igreja diversos dons espirituais dos quais se originam diversas disposições: alguns mais velozes, outros mais lentos; mas todos se ajudam mutuamente, respeitando-se reciprocamente, para juntos procurarem os sinais da presença de Deus e comunicá-los entre si, apesar da diversidade de reações diante do mistério. É uma colaboração na diversidade: cada qual comunica ao outro o pouco que viu e encontrou, e juntos reconstroem a orientação da existência cristã, ali onde os sinais da presença do Senhor, diante das dificuldades ou das situações perturbadoras, parecem ter desaparecido. Se na Igreja primitiva Madalena não tivesse agido dessa forma, comunicando o que sabia, e se as pessoas não se tivessem ajudado umas às outras, o túmulo teria ficado ali e ninguém teria ido até lá; teria sido inútil a ressurreição de Jesus. Somente a busca comum e a ajuda uns dos outros levam finalmente a encontrar-se juntos, reunidos no conhecimento dos sinais do Senhor.                

Celebrar a Páscoa é afirmar: “Não sou mais aquele homem do túmulo, intransigente, morto, insuportável, nervoso. Agora uma nova luz entrou em mim e renasci, por isso. Quero remover aquela pedra que me está impedindo de ser comunicativo, caridoso; a pedra que me impede de pedir e de dar o perdão”.

P. Vitus Gustama,svd

Sábado Santo,08/04/2023-Páscoa

ELE ESTÁ CONOSCO

SÁBADO SANTO Ano “A”

Mt 28,1-10

Segundo o Missal Romano, a Vigília Pascal é “mãe de todas as noites” e celebra o acontecimento fundamental, o cume da história da salvação que é a Ressurreição do Senhor. A noite pascal, em seu verdadeiro sentido, é a festa nupcial da Igreja. Todas as imagens de núpcias e bodas, cheias de promessas, que nos acompanham ao longo da liturgia anual, alcançam hoje toda a sua plenitude. A solenidade desta noite começou na sepultura. Mas agora sabemos que o sepulcro está vazio; apareceu o anjo para anunciar a ressurreição do Senhor. Por essa razão, a Semana Santa sem a celebração pascal é algo mutilado e quase sem sentido e pode conduzir a um cristianismo equivocado. Seria ficar-se apenas na dor e morte, se Jesus não ressuscitasse e quando Ele não trouxesse a vida e a renovação para a humanidade (cf. 1Cor 15,12-19).       

A Páscoa é a grande festa cristã, pois Jesus ressuscitou e nos deu a nova vida, a nova esperança de viver com sentido, e para o homem de hoje que está carente da alegria e da esperança encontra a fonte de sua vida em Jesus Ressuscitado. A partir de tudo isto, resta-nos uma coisa a fazer: obedecer ao encargo do anjo para anunciar a ressurreição aos que a buscam, aos que dela duvidam, aos que nela não creem. Para todos precisamos dizer com São Paulo: “Se, pois, ressuscitastes com Cristo, procurais as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Pensais nas coisas do alto, e não nas coisas da terra, pois morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus: quando Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, então, vós também com ele sereis manifestados em glória” (Cl 3,1-4).  

A Páscoa cristã é a festa das festas, e o cristão é aquele que afirma: o Senhor ressuscitou verdadeiramente. O cristianismo nasce e progride desta proclamação fundamental: Jesus Cristo, que foi crucificado, ressuscitou verdadeiramente. Da ressurreição de Cristo deriva todo o resto da mensagem cristã. Sem a vitória de Cristo sobre a morte, toda a pregação seria inútil e a nossa fé seria vazia de conteúdo (cf. 1Cor 15,14-17). A ressurreição do Senhor é uma realidade central da fé cristã. A importância deste milagre é tão grande que os Apóstolos são, antes de mais nada, testemunhas da ressurreição de Jesus (cf. At 1,22;2,32;3,15). O núcleo de toda a pregação é este: Cristo vive e vive no meio de nós (cf. Jo 1,14; Mt 28,20). A páscoa da ressurreição é a grande festa cristã. Este mistério é tão importante e central é que o celebramos ao longo de todos os domingos e festas do ano litúrgico e inclusivamente na Eucaristia diária. Certamente cada eucaristia que se celebra, celebra-se e proclama-se ao mesmo tempo a ressurreição do Senhor e a nossa também. A eucaristia dominical é a páscoa semanal. A eucaristia diária é a páscoa diária.

Sem dúvida nenhuma, a Páscoa é, por isso, o próprio conteúdo da fé cristã, é o coração da vida da Igreja porque ela nos revela quem é Deus, quem é Jesus Cristo e quem somos nós. A ressurreição nos mostra que o Deus revelado por Cristo é Aquele que ama e quer a vida. A Páscoa nos revela que Jesus, morto e ressuscitado, é Aquele que converge toda a história da humanidade. E ao mesmo tempo revela que a fidelidade é o caminho certo para chegar à Páscoa eterna com Deus. A Páscoa também nos revela que somos chamados a ressuscitar com Jesus, a superar com ele o drama da morte para podermos permanecer com ele na vida que não tem fim.    

Precisamos nos conformar com a vida de Cristo para que como ele e com ele também nós possamos ressuscitar. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando meu coração de pedra se transforma em coração cheio de amor e de compreensão. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando eu sou capaz de perdoar. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando ninguém nem nada podem tirar de mim a alegria por ter encontrado o sentido da vida em Jesus Ressuscitado que abre para mim o futuro de Deus. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando encaro a violência e todo tipo de agressão com a paz e o diálogo. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando sinto grande amor a todos os irmãos independentemente de sua crença e ideologia. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando vejo no pobre necessitado o rosto do meu Senhor, como dizia Madre Teresa de Calcutá: “Por não podermos ver a Cristo, não podemos exprimir-lhe o nosso amor; mas o nosso próximo, nós o vemos e podemos fazer por ele aquilo que gostaríamos de fazer por Cristo, se fosse visível”.

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Ao amanhecer do primeiro dia da semana...”, assim lemos no texto do Evangelho desta noite. Esta frase de introdução do texto do evangelho deste dia é carregada de símbolos e alusões. Esta frase nos indica que com o Senhor ressuscitado começa uma nova semana da história humana, pois encerrou-se a primeira. Hoje é o primeiro dia, o dia novo, o dia que separa o antes e o depois, os dois tempos do processo da fé. O antes é o tempo da morte e da tumba. O depois é a vida nova e renovada, a vida glorificada.

O relato do evangelista Mateus nos expressa como nos discípulos aconteceu uma profunda mudança por causa dessa novidade.

A partir da ressurreição do Senhor os discípulos descobriram que não seguiam a um morto e sim a Alguém vivente. E para nós aqui neste momento, não é a recordação de um homem bom que nos une em cada celebração ou encontro. E sim é uma Presença, a Presença divina. O Senhor está aqui agora, no meio de nós. Que cada um sinta e experimente a presença do Senhor que está no meio de nós aqui e agora, pois “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu Nome, Eu estou ai” (Mt 18,20). O Senhor que nos une e reúne aqui. E estamos unidos e reunidos em nome do Senhor. 

Acreditar no Senhor ressuscitado significa estar preparado para as novidades de Deus diariamente. As duas mulheres que foram ao túmulo de Jesus encontraram a novidade de Deus. 

A primeira novidade é o terremoto: “De repente, houve um grande tremor de terra”. O terremoto assusta e sempre tem vítimas quando for de uma escala maior. Mas os “terremotos” de Deus e de sua manifestação na nossa vida são diferentes. Eles podem nos assustar, mas atrás deles há anjos que nos anunciam a vida nova para quem se encontra enlutado ou triste pela perda de algo valioso na sua vida. Com o Senhor a vida não só vale a pena, mas também valem as penas da vida, pois elas também tem sentido para a construção de nossa vida, pois atrás delas há anjos de Deus. 

Não fujamos dos terremotos de nossa vida, pois eles anunciam uma nova vida, uma nova visão sobre a vida. Se realmente buscamos o Senhor de coração, mesmo que encontremos os terremotos da vida no caminho, mas sempre aparecem os mensageiros de Deus para nos ajudar na nossa caminhada e na nossa busca dos valores eternos. E um dia não somente os mensageiros que nos ajudam, mas o próprio Senhor vai nos inspirar através de Sua presença na nossa vida, como as duas mulheres, depois que se encontraram com o anjo do Senhor, elas se encontraram pessoalmente com o próprio Senhor Ressuscitado. Sob as sombras desta vida se encontra a Luz de Deus. Quando você está em comunhão plena com Deus, nem mesmo os maiores danos do mundo podem tirar sua alegria e paz. 

A segunda novidade do Senhor é esta: se realmente acreditamos no Senhor, podemos ter certeza de que para onde formos em nome dele, Ele sempre nos precede, como o Senhor falou para as mulheres: “Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão”. Primeiro, “que se dirijam para Galileia”. Segundo, “Lá eles me verão”. 

a. “Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. É um convite para caminhar. A vida é uma viagem e cada um pode decidir o seu destino. Deus tem seu destino: Galileia. Galileia é o lugar onde se encontram os necessitados.

Podemos dirigir a vida para o vértice ou para o abismo, para a paz ou para o desespero, para a felicidade ou para o sofrimento. Todos somos habitados por forças positivas e por forças negativas, podemos fazer o bem ou o mal, reforçamos com nosso comportamento a cultura da morte ou fazemos brotar a vida.  Dentro de nós está o céu ou o inferno. Dentro de nós há santo e traidor. Temos dias em que a vida pesa, nos atira para baixo. Porém, todos nós contamos com um poço de possibilidades criadoras, de onde mana uma água fresca na qual podemos lavar nossos cansaços, curar nossas feridas e aliviar as feridas dos outros no espirito do Senhor Ressuscitado.  

A mistura dessas duas realidade faz com que cada pessoa seja ela mesma. O interagir da parte vulnerada e o potencial de possibilidades dão identidade à pessoa e permitem-lhe descobrir qual é o sentido de sua vida e qual é sua tarefa ou missão na história. A vida nada vale se não for uma ininterrupta superação de problemas. Cada problema que aguarda solução em suas mãos é um dever religioso que a vida lhe impõe. Nossa experiências dolorosas não foram feitas para nos destruir, mas para incinerar nossas impurezas e nos apressar na nossa volta para Deus, o nosso verdadeiro lar. Ninguém está mais “ansioso” pela nossa libertação do que o próprio Deus. Quem não tem dificuldade não cresce. Por isso, viver não é copiar nem imitar nem deixar-se levar pela corrente ou moda nem se deixar levar pelos outros que se interessam em nos explorar e em nos usar para a própria vantagem.

“Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. A vida é um caminho. A herança ou nascimento biológico nos dá o ser, mas não nos dá o modo de ser. Moldar o próprio futuro supõe coragem, superação, perseverança como as duas mulheres do evangelho de hoje que com coragem foram ao túmulo sozinhas. 

Para vencer deve-se persistir. Como diz um ditado velho: “Deus ajuda a quem cedo madruga”. Deve-se amar a vida, pois o Senhor ama nossa vida e ressuscitou para continuar a nos amar. Por isso, deve-se viver a vida com ânimo e com expectativa para ser capaz de enfrentar todos os problemas e dificuldades como o Senhor ressuscitado encarou a cruz e a morte. Viver é amar tudo o que somos e tudo o que nos acontece, pois Deus está conosco (Mt 28,20). É amar inclusive a parte sombria, negativa do nosso coração. Com o Senhor Ressuscitado, podemos derrotar nossas inclinações e tendências negativas e escolher a vida. Mas para viver profundamente tem que estar livre. Quem é livre não teme. O livre respeita, se responsabiliza por seus atos, cumpre com seus deveres e obrigações. Liberdade é superação da violência. Liberdade é pertencer à vida. Viver verdadeiramente no Senhor é se colocar no caminho para chegar a ser alguém, para que floresçamos em plenitude.

b. Lá, na Galileia, eles me verão”. Para onde você for, diga para você mesmo: “O Senhor já está lá, me esperando!”. Se você acreditar profundamente que o Senhor está esperando por você para onde você for, não há nenhum obstáculo capaz de impedi-lo de ter o encontro com o Senhor, de ter uma alegria de um encontro profundo, de uma novidade de um encontro inspirador para onde você for. Quando acredita que o Senhor está onde você for, você se renova. 

Normalmente os renovadores são otimistas: vivem profundamente no presente, pensando no futuro para o qual olham com confiança convencidos de que sempre haverá novas oportunidades, pois acreditam que o Senhor está presente na vida deles. 

Nós somos seres históricos, nascemos como projeto de existência; a vida nos é oferecida como a tarefa apaixonante de chegar a ser pessoas, que para nós cristãos de chegar a ser outro Cristo para os demais. Todo ser humano é dotado da capacidade de se transformar interiormente, de modificar sua maneira de pensar e de viver. A vida é uma viagem e cada um pode decidir o seu destino.

Mas se deixarmos de acreditar na Presença divina em qualquer lugar e em qualquer encontro, voltaremos para a vida antes: dia de silêncio do túmulo, de passividade esmagados pelo peso dos acontecimentos, temerosos e medrosos do futuro, e viveremos o cristianismo do costume, da falta de criatividades e iniciativas, sem renovação. 

Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!” é a voz de Deus para as duas mulheres através do anjo. É a terceira novidade para as duas mulheres. 

Esta voz de Deus quer dizer às duas mulheres: “Vocês são chamadas a viver. Não precisam caminhar ao túmulo, não escolham o caminho da morte e sim o da vida, pois aquele que vocês estão buscando está vivo e por isso, Ele está com vocês. Vocês tem que voltar a viver sua vida para encontra o Vivente. Não é por acaso que mais adiante, as duas mulheres vão se encontrar pessoalmente com o Senhor Ressuscitado.

Somente vive quem olha para frente, quem pensa e cria, quem transforma e quem se encarna em sua comunidade, em sua família, em seu grupo para dar soluções concretas para seus problemas a partir das condições que se tem. Embora fracasse, o homem que continua se empenhando, que não se deixa derrotar interiormente é uma pessoa verdadeiramente vitoriosa. 

A ressurreição de Jesus nos revela que Deus ama a vida vivida no amor de Deus. Por isso, Crer na ressurreição implica defender a vida, especialmente a dos mais indefesos; implica respeitar a vida alheia como a própria; implica lutar pelo que é certo, honesto e justo, pois estes predicados como outros semelhantes é que garantem a verdadeira vida. Os nossos verdadeiros patrimônios não são os nossos bens materiais, pois um dia eles podem ser roubados por outras pessoas e passarão para outras mãos assim que partirmos desta vida. Os nossos verdadeiros patrimônios são a honestidade, a justiça, o bem que praticamos, a caridade vivida, a verdade que defendemos, pois ninguém poderá roubá-los de nós. São estes valores que nos fazem mais humanos e nos dignificam plenamente como seres humanos. Além disso, crer na ressurreição implica estender a mão para levantar quem se encontra sob o peso dos problemas desta vida e estender mão para quem espera nossa ajuda. Não tenha medo de gastar a vida, pois a vida dada é a vida recebida. Procurar o Senhor ressuscitado implica comprometer-se com aqueles que vêem o seu direito à vida permanentemente violentado e violado. Acreditar na ressurreição significa afirmar a vida contra a morte. Crer na ressurreição implica termos a esperança de um destino humano aberto para o futuro novo. Quando este futuro novo for negado, a pessoa se fecha a si mesma e chega às margens do desespero. A ressurreição nos leva a certeza de que a vida jamais acabará e de que o triunfo da vida não é mais ameaçado pela morte. Quem crê na ressurreição não é permitido viver triste. Somos destinados e chamados a viver plenamente com Deus, alegres na esperança com os irmãos da mesma peregrinação.

Páscoa é sempre passagem, é dar o passo, é o passo sempre para frente. Na Páscoa contemplamos e celebramos o passo de um Deus torturado e executado numa cruz a um Deus ressuscitado e vivo entre nós. Não há outro caminho à maturidade e à realização como seres humanos sem aprendermos a suportar os golpes da vida. O êxito é aprender a ir de fracasso em fracasso sem se desesperar, pois Deus está conosco. O êxito na vida vem do saber afrontar as inevitáveis faltas de êxito do viver de cada dia com o Senhor que venceu a morte. Isto se chama Páscoa. FELIZ PÁSCOA para você. Assim seja!

P. Vitus Gustama,svd

quarta-feira, 29 de março de 2023

Sexta-Feira Santa,07/04/2023

A CRUZ E O CRISTÃO      

SEXTA-FEIRA SANTA

Hoje é a Sexta-feira Santa. A Sexta-feira Santa nos faz lembrar da Paixão de Jesus. E a Paixão de Jesus leva a nossa memória à cruz de Jesus. Mas qual é a nossa memória sobre a cruz de Jesus. O que nos faz lembrar da cruz de Jesus? Será que tem sentido de celebrar a Paixão de Jesus na cruz, uma experiência tão dolorosa, enquanto Jesus já ressuscitou?  Será que um católico tem prazer de falar da dor? O que aprendemos da cruz de Jesus?

É bom perguntar. Mas é melhor ir atrás de respostas. Pode ser que tenhamos respostas mais cedo ou ao longo de nossa existência terrena. Pode ser que uma experiência bem marcante suscite uma resposta ou sentido para outra experiência que escapou de nossa atenção ou de nossa reflexão. As nossas perguntas sobre Deus faz parte da providência divina. Perguntar é o início de uma sabedoria desde que corramos atrás de respostas para nossas perguntas. Perguntar nos faz encontrar o sentido que faz da nossa vida a Vida, saciando a nossa fome e sede. “Escalei o pico da fama e não encontrei nenhum abrigo em sua estéril altura. Meu Guia, antes que o dia se apague, conduze-me ao vale da tranquilidade, onde a colheita da vida amadurece em dourada sabedoria. Tu me guiaste pelos ruidosos caminhos do dia até a minha solidão no entardecer. Agora fico esperando que a tranqüilidade da noite me revele o que ela significa” (Rabindranath Tagore). Realmente precisamos de muita tranquilidade divina (silêncio) para encontrar as respostas para as nossas perguntas. “A doutrina sobre Cristo começa no silêncio... Falar de Cristo significa calar, calar sobre Cristo significa falar. Um falar correto da Igreja resultante de um correto calar é o anúncio de Cristo” (D. Bonhoefer). 

Sem dúvida nenhuma, Deus não aceita a sociedade na qual uns homens desprezam os outros, outros praticam a injustiça contra os outros, exploram, roubam, maltratam, atropelam e matam os outros. As cruzes que os homens levantam para seus irmãos são abomináveis aos olhos de Deus. É preciso lutar contra elas, pois Deus as detesta. A imagem do Crucificado já não é a provação do sofrimento, e sim a rebeldia contra ele. A cruz é o sinal profético da mais sagrada rebeldia contra o sofrimento humano. 

Por isso, seguir o Crucificado leva a lutar para que nesta terra haja mais conhecimento do Deus de amor, mais respeito pela dignidade humana, mais solidariedade com os crucificados da história, mais fraternidade entre os seres humanos independentemente de sua pertença religiosa ou de não- pertença de nenhuma delas. Seguir Jesus crucificado que ressuscitou supõe afastar-se da adoração do prazer, do possuir e do orgulho ou da arrogância. Trata-se de optar e compartilhar, em vez de competir; o ser, em lugar do ter.... Pregar a cruz de Jesus significa que o Deus de amor é o Pai de todos. É o caminho para a fraternidade universal. E isso não se consegue sem sofrimento. A cruz de Jesus nos ensina a não fecharmos os nossos olhos para a realidade negativa do mundo, mas sim a transformar a realidade com os olhos bem abertos. A sabedoria da cruz de Cristo nos ensina que o objetivo do amor de Deus são os homens frágeis e pecadores que somos nós.

1. A cruz a partir de Jesus (Deus)          

Precisamos estar conscientes de que Deus não queria a cruz para seu Filho amado, como qualquer pai ou mãe neste mundo não queria o sofrimento para seus filhos. Com certeza, Jesus também não queria a cruz (cf. Lc 22,42; Mt 26,39; Mc 14,36). Mas por que, então, Jesus sofreu tanto na cruz? Coloco aqui apenas duas de tantas razões. 

a). A Cruz É A Consequência De Um Amor Apaixonado De Deus          

Ao olhar para a cruz de Jesus sabemos o quanto Deus nos amou. O nosso Deus é realmente um Deus apaixonado pelo ser humano: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único para que o mundo seja salvo” (Jo 3,16). O nosso Deus é, realmente, amor (1Jo 4,8.16). “Não importa se Deus existe; importa saber que Deus é amor” (S. Kierkegaard). E a Bíblia dá a garantia disso mesmo: que Deus é amor.         

E o meio para que o amor de Deus chegue até a humanidade é a encarnação de Deus em Jesus Cristo. Jesus é a manifestação tangível do amor do Pai (1Jo 4,9). Jesus é o amor de Deus feito carne. Por causa do amor, Deus é capaz de abaixar-se só para salvar a humanidade. Deus abaixa-se tanto em Jesus Cristo por amor até aceitar morrer como se fosse malfeitor e bandido em solidariedade com todos os inocentes, os injustiçados e os maltratados da história. Em Jesus encontramos um Deus de bondade que corre atrás da ovelha perdida (cf. Mt 18,12-14). Em Jesus encontramos um Deus que fortalece os fracos, ergue os decaídos e defende os indefesos. Toda a atividade de Deus em Jesus é uma atividade amorosa. Se cria, cria por amor; se governa as coisas, o faz no amor; quando julga, julga com amor. Tudo quanto faz é expressão de sua natureza, e sua natureza é amar. Deus ama não para completar-se, mas para completar; não para realizar-se, mas para realizar. Deus, amando, não procura sequer a sua glória, mas esta glória nada mais é do que amar o homem gratuitamente.      

A dor de Jesus não se encerra jamais sobre si mesmo, ao contrário, está totalmente aberta ao próximo. Por isso, o profeta Isaías citado por Mateus, resumiu: “Ele tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças” (Mt 8,17). Tão profundamente sentiu a dor humana, que dedicou sua vida para servir a todos, para aliviar suas penas e para ensinar-lhes o caminho da superação e o caminho da fraternidade (Lc 4,18-19). Sua existência esteve totalmente orientada no sentido de aliviar a dor alheia. Serve a Deus servindo a seu próximo. Não fechava seu coração para ninguém. Ele fazia cada um ver o amor de Deus que Deus lhe tinha e seu próprio valor humano. Enquanto outros encontram razões para condenar, ele as encontra para salvar.          

A partir da cruz de Jesus sabemos que somos amados de Deus. Amados por Deus, qualquer que seja a obscuridade e a insignificância da nossa situação atual. Somos amados de Deus é uma mensagem transformante; é uma mensagem que abre todos os nossos horizontes. Embora eu me sinta abandonado, solitário e perdido num mundo violento e sem rumo, eu sou amado por Deus. A minha história, por escura que seja, se torna uma história da salvação porque Deus me ama.  Deus se dá para mim, e ele dá para mim aquilo que ele tem de mais caro: seu Filho único, Jesus Cristo. Mas esta entrega é perene, e não é apenas um ato passado. Deus nos ama permanentemente no decorrer humano da nossa vida através de sua providência e através da eucaristia celebrada e participada.          

A vida é uma mistura de alegria, felicidade e esperança, e também de tristeza, mágoa e dor. Cada um de nós carrega sempre esse pequeno fardo. Mas quando nos damos conta do amor que Nosso Senhor tem por nós, quando compreendemos que a sua vida nos revelou o amor que Deus tem por nós, então temos de ficar cheios de esperança, de alegria e de paz. Por isso, sei que a resposta se encontra olhando para Cristo crucificado. Madre Teresa de Calcutá disse: “Se olhamos para a Cruz de Jesus sabemos muito bem como ele nos amou. Quando olhamos para a Eucaristia, sabemos muito bem como ele nos ama”.          

O homem, para acontecer sua realização plena, é convidado a caminhar na direção do Deus de amor. O resto equivale a se perder. Basta o homem deixar-se levar por Deus de amor, ele terá uma força transformadora na sua vida. E com esta força o homem será capaz de apresentar-se com o aspecto mais compassivo, mais humano e mais misericordioso, e falar com o estilo mais humano e viver com outro calor humano.

b). A Cruz É O Fruto De Uma Obediência(Fidelidade) Incondicional Ao Projeto De Deus        

Obediência vem do latim “ob-audire” que significa auscultar, prestar atenção, tender o ouvido, acolher, perceber, saber, compreender, interpretar. Por isso, indica um encontro, um relacionamento, um diálogo entre um “eu” e um “tu”. Este termo revela o caráter dialogal da obediência.  Obedecer é criar relações; é atender ao convite de outrem. Obedecer é fazer próprias as necessidades do(s) outro(s). A obediência é a resposta a uma solicitação ou proposta que vem de fora, do outrem. E não há obediência sem fidelidade ao projeto assumido.  Eu sou fiel porque eu obedeço livre e conscientemente a um valor. Ao obedecer a este valor, eu me mostro fiel ao mesmo que assumo com liberdade. Neste sentido e no sentido do próprio termo, a obediência não tem nada a ver com coisa imposta, pois a imposição tira a liberdade e cria o medo. A imposição aterroriza qualquer subordinado, e, consequentemente, cria um relacionamento falso. E na imposição não há diálogo, há apenas ordem para ser obedecida e cumprida. Na imposição não há amor, somente medo e terror.          

A obediência de Jesus não foi nada de imposição, mas antes uma obediência livre, aberta e sobretudo, uma obediência baseada no amor e voltada unicamente ao cumprimento da vontade do Pai que é a salvação dos homens por amor. Jesus assumiu a cruz em sinal de fidelidade ao amor. Como disse o Papa João Paulo II, Jesus provou “a verdade do amor, mediante a verdade do sofrimento” (Salvifici Doloris,18).         

A cruz de Jesus exprime que Deus ama os homens, e que o próprio Jesus se diz e se dá como amor e como salvação até ao extremo: a morte na cruz. Todo amor é vulnerável. Na cruz, Deus passa diante da humanidade a prova do amor, para que depois possamos também acreditar em seu poder, o poder triunfante de sua ressurreição. Assim, a ressurreição de Jesus se transforma para os que sofrem em uma bandeira de esperança. A onipotência que Deus possui e revela em Cristo é a onipotência do amor doído até o fim sem voltar para trás. Por isso, o Calvário é a revelação da fidelidade de Jesus ao amor e revelação do seu amor num mundo de males e sofrimento. Deus é amor, e o amor torna apto ao sofrimento, e a capacidade de sofrimento se consuma na entrega e na imolação.          

Nós existimos, então, porque Deus nos amou, somos porque Deus nos ama, fomos redimidos e santificados porque Cristo se ofereceu por nós por amor. O amor, por isso, é o fundamento e o princípio de nosso ser e deve sê-lo também do nosso agir, e de nossa obediência a Deus que se traduz no amor ao próximo. 

2. A Cruz De Jesus A Partir Do Homem: Uma Rebeldia Contra O Sofrimento         

Popularmente, a cruz, com frequência, tem sido tomado apenas como símbolo da dor humana. Às vezes se tem usado para induzir os homens a não se rebelarem, mas sim a negociar com a dor; tem sido motivo para justificar o sofrimento e ainda como pretexto para certas formas de repressão. Com esta concepção, a cruz foi afastada grosseiramente de sua referência a Jesus. A cruz de Jesus não tem nada a ver com atitudes de passividade e resignação diante da dor. Isso seria uma cruz sem Cristo. Adultera-se a cruz quando se faz dela um instrumento de resignação diante dos males que afligem este mundo. Quem procura Cristo sem a cruz acaba encontrando a cruz sem o Cristo. Mas quem procura o Cristo, como consciência desta busca, encontra a cruz cujo ponto alto é a ressurreição. A cruz é a consequência da opção por Cristo. E a consequência maior desta opção é encontrar o Cristo ressuscitado e com Cristo encontrar-se-á a páscoa.          

A cruz – e a teologia atual a tem sublinhado com insistência cada vez maior – é um produto terrível do pecado, se a encaramos da perspectiva humana. Da cruz sabemos que o preço do pecado é a morte. Jesus morreu porque o ser humano não tolera a defesa do pobre, nem o desvelamento da hipocrisia, nem a denúncia da injustiça, nem a ruptura das convenções e privilégios sociais e religiosos. Jesus morreu porque era bom e não compactou nem se cansou, mas se colocou, do lado dos oprimidos, dos indefesos, dos abandonados, dos marginalizados e empobrecidos por um sistema que explora, sem retroceder diante das consequências; porque foi fiel a sua missão, dando-se sem reservas, sem guardar nada para si, nem sequer o mais valioso: sua própria vida.          

Se não entendemos desta maneira, a morte de Jesus fica sem sentido para nós. Ele morre pelo choque concreto e real com os limites implacáveis da realidade, com a força do mal e do pecado. Jesus morre condenado pela religião e pela política, como tantos profetas de ontem e de hoje; como, de certo modo, todo aquele que luta, de verdade e sem compromissos escusos, pelo amor, a verdade, a paz e a justiça.          

Jesus luta para criar o bem e vê, não obstante, como o mal continua proliferando; dá-se com todo o amor aos outros e sentir-se, não obstante, desconhecido, mal compreendido (como muitas vezes acontece com qualquer um de nós) e, às vezes, esmagado exatamente por aqueles a quem se ama. Se, contudo, Jesus persevera até o final, este é o selo do seu amor, essa é a cifra de sua salvação. Graças a ele. O ser humano pode assumir na esperança esse fracasso constitutivo da história e entregar-se ao amor, apesar de toda a incompreensão e ingratidão.          

Ao olhar para a cruz de Jesus cada um pode perceber duas revelações: a cruz de Jesus quer revelar o tamanho de seu amor por cada um de nós, e ao mesmo tempo quer revelar o tamanho da injustiça praticada por cada um de nós diante de um irmão com quem Jesus se identifica (cf. Mt 25,40.45). Da cruz Jesus diz, como um canto diz: Olha para a cruz. Ninguém te ama como Eu.

3. Nós Pregamos Cristo Crucificado Que Ressuscitou          

A teologia atual insiste em que o NT foi elaborado com a base na experiência pascal: o Crucificado está vivo. Tudo se esclarece a partir da luz da ressurreição. Nunca poderemos olhar para a cruz sem nos lembrarmos da ressurreição. Sexta-Feira Santa não tem qualquer significado sem o Domingo da Páscoa. A morte e a vida estavam entrelaçadas em conflito no Calvário. A vida ganhou, porque o amor era mais forte que a morte. Somente a partir dessa perspectiva se pensa, se corrige e se assume o símbolo da cruz. A redenção é antes de tudo uma vitória. Cristo é o vencedor da morte. Ele não veio para glorificar a dor, mas sim para dar um fim a seu reinado.          

Em alguns ambientes tem-se insistido mais em falar exclusivamente da ressurreição. Eles pretendem tirar da cruz o seu aspecto escuro. Falam de ressurreição sem mencionar a crucificação. Falam da cruz sem o Cristo. Ou falam do Cristo sem a cruz. Assim, acabam se esquecendo do presente trágico da exploração, da injustiça, da honestidade, da corrupção, da violência e da dor reinantes em qualquer lugar. Não se pode esquecer de que Jesus morreu porque o ser humano não tolera a defesa do pobre, nem o desvelamento da hipocrisia, nem a denúncia da injustiça, nem a ruptura das convenções e privilégios sociais e religiosos. Jesus ao optar pelos desprezados e deserdados, está acusando quem fundamenta sua prosperidade ou sua superioridade no desprezo e na exploração dos demais. A desumanidade do homem para com o seu semelhante através da história produziu pobreza, fome, sofrimento e morte. Entendida desse modo, a imagem do Crucificado já não é a provação do sofrimento, mas sim a rebeldia contra ele. A cruz é o sinal profético da mais sagrada rebeldia contra o sofrimento humano. Deus não aceita a sociedade na qual uns homens desprezam e atropelam outros. As cruzes que os homens levantam para seus irmãos são abomináveis aos olhos de Deus. É preciso denunciá-las e lutar contra elas, pois Deus as detesta.          

Por isso, seguir o Crucificado leva a lutar para que nesta terra haja mais conhecimento do Deus de amor, mais respeito pela dignidade humana, mais solidariedade com os crucificados da história, mais fraternidade entre os seres humanos independentemente de sua pertença religiosa ou de não- pertença de nenhuma delas. Seguir Jesus crucificado que ressuscitou supõe afastar-se da adoração do prazer, do possuir e do orgulho ou da arrogância. Trata-se de optar e compartilhar, em vez de competir; o ser, em lugar do ter.... Pregar a cruz de Jesus significa que o Deus de amor é o Pai de todos. É o caminho para a fraternidade universal. E isso não se consegue sem sofrimento. A cruz de Jesus nos ensina a não fecharmos os nossos olhos para a realidade negativa do mundo, mas sim a transformar a realidade com os olhos bem abertos. A sabedoria da cruz de Cristo nos ensina que o objetivo do amor de Deus são os homens frágeis e pecadores que somos nós.          

Pregar e optar pela cruz de Cristo significa animar-se para assumir livremente a própria existência, limitada, dolorosa e mortal, sem amargura, renunciando a tudo o que seja desprezo ou exploração do irmão. Mas não basta carregar a cruz. A novidade cristã é carregá-la como Cristo a carregou. Jesus, então, nos ensina a sofrer e a morrer de modo diferente: não ao modo da resignação, mas sim na fidelidade a uma causa repleta de esperança. Para poder carregar a cruz de Cristo é preciso amar Cristo (Mt 10,37).         

 Quando o sofrimento ou a morte é fruto da entrega por amor ao próximo e ao que o próximo tem de indefeso e inválido, então, se participa plenamente da esperança da ressurreição. Se Deus esteve na cruz de Jesus, se compartilha dessa forma os horrores da história, então é possível acreditar em seu poder de ressurreição, ao menos para os crucificados da história. A ressurreição diz em última análise aos crucificados que sua esperança é sólida, que está bem fundamentada. E para viver e anunciar hoje a ressurreição de Jesus é preciso estar de verdade junto da cruz de Jesus e junto das inumeráveis cruzes atuais, que também são de Jesus. Viver e pregar Jesus crucificado que ressuscitou significa que a vida que ressuscitou fala muito mais alto do que a morte; que o amor fala muito mais alto que o ódio. Sem a ressurreição, o amor não seria verdadeiramente poderoso; mas sem a cruz, o poder não seria amor. Da união do amor e do poder divinos surge nossa redenção.          

É tão profundo o seu significado até desde a nossa infância, como católicos, aprendemos a fazer o sinal da Cruz sobre a nossa testa, os nossos lábios e o nosso coração, dizendo: “Pelo Sinal da Santa Cruz, livrai-nos Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos” que em seguida fazemos o sinal da cruz, fazendo uma linha vertical (eu e Deus) e uma linha horizontal (eu e o próximo). O significado profundo da cruz se reflete nas nossas celebrações e oração que sempre se começa e terminam com o sinal da cruz. A cruz é muito importante para nós cristãos, por isso encontramos a cruz de Jesus em qualquer lugar no ambiente católico(cristão): nos altares, no culto, nos edifícios sagrados etc., como sinal externo da fé que professamos. 

4. Nossas Cruzes E A Nossa Cruz Existencial Sob A Cruz De Cristo: Um Chamado À Conversão Contínua           

Todos nós carregamos alguma cruz na nossa vida. Há cruzes de todos os tipos. Há cruzes em todos os caminhos. Para encará-la cada um tem seu próprio modo. Para alguns, a cruz pode ser vivida como tribulação, para os outros ela pode ser vivida como libertação. Há cruzes com Cristo, mas há também cruzes sem Cristo. Cada cruz, então, tem uma história e cada história tem uma cruz. A cruz sem Cristo é a cruz-condenação. É a cruz de quem deseja ser um deus. É a cruz que não tem finalidade em si mesmo. É a cruz sem fé, sem amor, sem sentido da vida, sem renúncia por amor. É a cruz de quem deseja viver numa liberdade sem responsabilidade. Jesus Cristo, que foi crucificado, transformou a cruz de castigo em bênção.          

A mãe de Jesus acompanhava o filho Jesus que estava carregando a cruz silenciosamente. A cruz do filho é a cruz da mãe. Ela também carrega esta cruz silenciosamente. A ressurreição do filho é a ressurreição da mãe. Na Mãe de Jesus podemos ver tantas mães do mundo. Sem dúvida, muitas mães carregam silenciosamente a cruz ao saber que seu filho se droga ou se perde no mundo da criminalidade. Crucificadas, essas mães acompanham a cruz de seu(s) filho(s) com o amor incondicional como a Mãe de Jesus que se encontrou ao pé da cruz com o amor incondicional.         

Todos nós somos convidados a refletir tais situações e outros tipos de cruz sob a cruz de Jesus ressuscitado que transformou a cruz em momento de transfiguração cujo ápice é a sua ressurreição. A partir de Cristo e somente com Cristo podemos sofrer, mas nunca sofreremos em vão. Sem Cristo é que sofreremos em vão. Este tipo de sofrimento tortura e angustia e não liberta.          

Além das cruzes que encontramos na vida, ou por nossa própria culpa ou como consequência de uma opção pelos valores cristãos, carregamos também a cruz existencial. Gostaríamos de viver eternamente nesta terra, e livres de qualquer contratempo, por um lado, mas os nossos limites como criaturas não nos deixam sermos o que gostaríamos de ser, por outro lado. Temos desejo infinito por vida ou pela vida, mas somos obrigados a aceitar um fato brutal de que temos que morrer. A vida em si, em sua estrutura, hospeda a morte. Jesus, o homem verdadeiro e o Deus verdadeiro, participou da estrutura humana. Ele morreu não somente porque os homens O mataram, mas também porque ele é o homem que morreu como todos nós morremos. Mas para que esta estrutura de uma criatura limitada se torne em uma transfiguração, precisamos ser despojados como Cristo para que o Deus da vida, o Absoluto, o Eterno, o Infinito possa hospedar na nossa estrutura mortal para transformá-la em uma estrutura imortal. Somente com isto teremos outra concepção sobre a morte: morrer não é mais um fim de tudo (acabou tudo), e sim uma peregrinação para a fonte da vida, para o Deus vivo que nos espera. Esta consciência e a fé nesta certeza nos leva a dizermos que o homem nunca morre e sim uma criatura que nasce duas vezes: nasce quando deixa o seio materno para entrar num mundo maior onde ele se junta com outros companheiros de viagem rumo para o outro nascimento que é a entrada na vida eterna.        

Cristo carregou uma cruz mas nunca foi cruz para os outros nem colocou cruzes nos caminhos dos outros. Quando contrariarmos a vontade de Deus por causa do pecado que faz ninho dentro de nós, nos tornaremos cruzes para os outros e colocaremos cruzes em seus caminhos. Quando os outros contrariarem a vontade de Deus, tornar-se-ão cruzes para nós e colocarão cruzes em nossos caminhos. Assim, os outros são cruzes para nós e nós somos cruzes para os outros. Cristo quer que não sejamos cruzes para ninguém mas imitadores de seu amor apaixonado.          

Por isso, pregar a cruz a partir de Cristo significa ter consciência do pecado que faz ninho no nosso coração que causa tantas cruzes na própria vida de quem o comete e na vida dos outros com quem convive. A presença do pecado como uma força destruidora cria muitas cruzes na convivência humana, pois nunca somente vivemos, mas sempre convivemos. Cada ato nosso, seja positivo ou negativo, sempre tem consequência direto ou indiretamente para a vida dos outros. Esta consciência de ser nosso coração a hospedagem também do pecado, nos leva a um ato de acabar com as muitas cruzes que criamos através do trabalho contínuo de arrancar o ninho do pecado dentro de nós através da conversão contínua. Não podemos esquecer que a cruz de Jesus é uma revolta contra a dignidade humana violada, contra aquilo que deveria ter evitado para não criar tantos sofrimentos na própria vida e na vida alheia. Pregar a cruz de Cristo significa convocar as pessoas para um amor e para um perdão incondicionais, para a capacidade de não permitir que o ódio e suas múltiplas manifestações reinem o coração humano onde Deus deposita seus segredos. Sem esta atitude não haverá a paz e a ressurreição; não haverá a passagem do homem velho para o homem novo criado para o céu. Que sejamos uma ressurreição e não a cruz para os outros. Que sejamos solução e não problema para os outros.                  

Mas o sofrimento, considerado em si mesmo, não é salvador. A cruz, sozinha, nada tem de salvadora. A cruz pela cruz não passa de uma maldição. Salvadora é a vida toda de Jesus. E a razão é simples: a vida de Jesus constitui a superação do pecado, da situação de não- salvação. Pecado, não- salvação consistem na ruptura da relação com Deus, que implica o desenvolvimento de relações de dominação entre os seres humanos, de relações mentirosas com o próprio ser interior, de um relacionamento irresponsável face ao meio ambiente etc. A salvação, entendida como superação do pecado e como saída da situação não-salvação consiste na abertura ao dom de Deus, na responsabilidade assumida em relação ao mundo da natureza e na sinceridade no encontro com a própria verdade interior. A vida vivida por Jesus foi uma vida salvadora.          

Por isso, podemos entender por que a cruz, considerada em si mesma, não tem valor salvífico. Ela passou a ser salvadora por causa da vida de Jesus. Na adoração da cruz, não é a ela sozinha que devemos adorar (o que seria idolatria). Adoramos o imenso amor de Deus, manifestado na entrega de Jesus, no amor-serviço. Por isso, ele disse: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Verifique seu coração se dentro dele existe o amor verdadeiro? Onde existe o amor verdadeiro, lá está Deus, lá está a paixão, mas lá se encontra a semente da ressurreição. Esta é a nossa esperança.

P. Vitus Gustama,svd

V Domingo Da Páscoa, 28/04/2024

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