quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

III Domingo Da Quaresma Do Ano "B",03/03/2024

JESUS É O NOVO TEMPLO DE DEUS NO QUAL ENCONTRAMOS A SALVAÇÃO  

III DOMINGO DA QUARESMA ANO “B”

Primeira Leitura: Êx 20,1-17

Naqueles dias, 1 Deus pronunciou todas estas palavras: 2 ”Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito, da casa da escravidão. 3 Não terás outros deuses além de mim. 4 Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que existe em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou do que existe nas águas, debaixo da terra. 5 Não te prostrarás diante destes deuses nem lhes prestarás culto, pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento. Castigo a culpa dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam, 6 mas uso da misericórdia por mil gerações com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos. 7 Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não deixará sem castigo quem pronunciar seu nome em vão. 8 Lembra-te de santificar o dia de sábado. 9 Trabalharás durante seis dias e farás todos os teus trabalhos, 10 mas o sétimo dia é sábado dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado, nem o estrangeiro que vive em tuas cidades. 11 Porque o Senhor fez em seis dias o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm; mas no sétimo dia descansou. Por isso o Senhor abençoou o dia do sábado e o santificou. 12 Honra teu pai e tua mãe, para que vivas longos anos na terra que o Senhor teu Deus te dará. 13 Não matarás. 14 Não cometerás adultério. 15 Não furtarás. 16 Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo. 17 Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença”.

Segunda Leitura: 1Cor 1,22-25

Irmãos: 22 Os judeus pedem sinais milagrosos, os gregos procuram sabedoria; 23 nós, porém, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos. 24 Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. 25 Pois o que é dito insensatez de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.

Evangelho: Jo 2,13-25

13Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém.14No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados.  15Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. 16E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” 17Seus discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz: “O zelo por tua casa me consumirá”.  18Então os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agir assim?” 19Ele respondeu: “Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei”. 20Os judeus disseram: “Quarenta e seus anos foram precisos para a construção deste santuário e tu o levantarás em três dias?” 21Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo. 22Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele. 23Jesus estava em Jerusalém durante a festa da Páscoa. Vendo os sinais que realizava, muitos creram no seu nome. 24Mas Jesus não lhes dava crédito, pois ele conhecia a todos; 25e não precisava do testemunho de ninguém acerca do ser humano, porque ele conhecia o homem por dentro.

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  O relato da “purificação do Templo” (sinóticos) ou da “substituição do Templo” (evangelho de João) se encontra também nos evangelhos sinóticos (cf. Mc 11,15-19; Mt 21,10-17; Lc 19,45-48). Mas o quarto evangelho (Evangelho de João) tem suas próprias acentuações. Os sinóticos colocam este episódio na última semana da atividade de Jesus em Jerusalém, antes de sua crucificação. O quarto Evangelho (evangelho de João) coloca o mesmo episódio logo no início da vida pública de Jesus. Isto quer nos dizer que para o quarto evangelho este episódio é um gesto programático que, como tal, deve figurar ao princípio da atividade de Jesus (compare Lc 4,16-30).          

O episódio é introduzido mediante a afirmação sobre a proximidade da festa judaica da Páscoa: “Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém”.  A expressão “a Páscoa dos judeus” não é usual, pois no Antigo Testamento se falava sempre de “Páscoa do Senhor(Ex 12,11-48; Lv 23,5; Nm 9,10.14). Esta expressão já mostra para os leitores que a Páscoa nas mãos do clero (autoridades religiosas em Jerusalém) não é mais a festa da libertação da escravidão, mas uma Páscoa em benefício dos “judeus” (“Páscoa dos judeus”), dos chefes religiosos que, para manter seu poder, tentarão de todas as formas impedir o êxodo de Jesus. Para Jesus, o próprio culto é uma forma de injustiça, um meio de exploração do povo.

Os cordeiros, que deviam apresentar determinadas carcaterísticas e ser sem defeitos (Ex 12,5), eram comprados no mercado situado aos pés do monte das Oliveiras, de propriedade da família do sumo sacerdote, o poderoso Ananias, que detinha também o aluguel dos abatedouros de Jerusalém: mais que o cordeiro, a verdadeira vítima sacrifical era o pobre peregrino, obrigado a compar este tipo de animal para o sacrifício (não tinha como trazer de tão longe um cordeiro para ser sacrificado em Jerusalém). A festa da Páscoa era, então, ocasião de enriquecimento por parte do clero e de exploração do povo, vítima e cúmplice de um sistema de poder que se considerava procedente de Deus e, portanto, imutável e indiscutível. O profeta Amos denuncia todo este tipo de sacrifício como inútil diante de Deus (cf. Am 5,21-23). 

Esta forma de mencionar a festa principal dos judeus (Páscoa dos judeus) indica a distância e a separação entre o objetivo da festa e a prática atual dos chefes judeus da época. A Páscoa era uma festa de libertação. Ela evocava o passo da escravidão à libertação (cf. Ex 12,17;13,10). Em tempos de opressão, o pensamento da libertação se acentuava mais. Mas ao desviar-se do próprio objetivo da festa (não é mais uma festa de libertação), surgia inevitavelmente a idéia de uma nova libertação, o novo êxodo.

Nesse ambiente Jesus comparece, como verdadeiro santuário de Deus (Jo 1,14) e verdadeiro Cordeiro Pascal (Jo 1,29: Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo), e imediatamente, surge o conflito. De fato, o Messias, o próprio Cordeiro de Deus, tendo entrado no Templo, não encontra pessoas em oração e sim comércio e interesses: vendedores de bois e ovelhas e pombos e os cambistas instalados (Jo 2,14). 

A reação de Jesus é inesperada e violenta: “Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas” (Jo 2,15).

O “Chicote” era símbolo das dores que teriam acompanhado os tempos do Messias, representado com uma vara para fustigar os pecadores (Is 10,26). Jesus se apresenta com o chicote na mão, porém não para fustigar aqueles que eram considerados pelo sistema como pecadores, os excluidos do Templo, e sim aqueles que são a própria alma do santuário. A ação de Jesus é dirigida contra o sistema econômico do Templo (que explora o povo), considerado naquela época o maior banco de todo o Oriente Médio cujo valor era incalculável (veja 2Macabeus 3,6). Jesus expulsa “todos” do Templo, não somente os comerciantes, mas também aqueles que compram (cf. Mt 21,12; Mc 11,15).

A ação de Jesus, no evangelho de João, não está voltado para a purificação do lugar do culto (para os sinóticos, sim), e sim para a sua eliminação. Na nova Aliança inagurada por Jesus, não é mais o homem quem deve oferecer ao Senhor, mas o Pai que oferece o Filho para a salvação da humanidade (Jo 3,16).  Deus não pede sacrifício e sim a acolhida do seu amor (Os 6,6; Jr 7,22). As palavras e gestos de Jesus recordam os do profeta Jeremias, o profeta que ousou definir o santuário como “espelunca ou caverna de bandidos” e anunciava a sua destruição (Jr 7,11.14). O Templo (de Jerusalém), que é o símbolo e a síntese do sistema religioso, a partir de agora será “substituído” ou suplantado pela presença de Jesus. No Reino de Deus, que Jesus veio realizar, não há lugar para “nenhum Templo, porque o Senhor, Deus onipotente, e o Cordeiro são o seu Templo” (Ap 21,22). Não é por acaso que este episódio se coloca logo depois do primeiro sinal, no início da vida pública de Jesus, (Jo 2,1-11: a água foi trasnformada em vinho muito bom) que simboliza as núpcias de Deus com sua comunidade no tempo final. No evangelho de João, Jesus elimina o Templo.

E desde início de sua atividade Jesus é o “lugar santíssimo” de Deus. Jesus é Deus; Ele é a Palavra de Deus feita carne; Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; Ele é o Pão da Vida; Ele tem palavras de vida eterna; Ele é o Bom Pastor e Porta das Ovelhas; Ele é a Ressurreição e a Vida; Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida; Ele é a verdadeira Videira; Ele é “Meu Senhor e Meu Deus”. Jesus é tudo para qualquer homem que queira viver uma vida com sentido e uma vida que terminará na ressurreição. Ou na linguagem de são Paulo na segunda leitura de hoje: “...para os que são chamados, tanto judeus como gregos, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus” (1Cor 1,1,24). E como “hálitos de Deus” e seguidores de Jesus somos templos vivos de Deus (1Cor 3,16-17; 6,19) no Templo maior que é o próprio Cristo.

Podemos ordenar tudo isso nas seguintes reflexões:

1. O Que o Templo de Jerusalém representa Para Os Judeus?

No Templo, Jesus encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados. Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas”.          

Ao presenciar o ato de Jesus expulsar os vendedores, os judeus, com muita raiva, lançam a seguinte pergunta: “Que sinal nos mostras para agir assim?”

Para entender a raiva das autoridades em Jerusalém sobre o ato de Jesus de expulsar os vendilhões do Templo, precisamos saber a função do Templo de Jerusalém.       

Em primeiro lugar, o Templo de Jerusalém era considerado como lugar da presença de Deus. Era o único templo que os judeus tinham no mundo todo para prestar culto a Deus. A fé na presença de Deus em seu Templo é a razão do culto que aí é celebrado e das iniciativas dos fiéis. A certeza de que Deus habita no Templo se expressa, especialmente nos Salmos (cf. Sl 27,4;42,5;76,3;84 inteiro;122,1-4;132,13-14;134inteiro, etc.). Além disto, o Deuteronômio destaca a eleição do lugar que Deus escolheu entre todas as tribos para aí colocar seu nome (Dt 12,5). Como tal, o Templo era o centro do poder religioso onde os sumos sacerdotes controlavam a fé e a religiosidade de todos os judeus que iam ao Templo (para: rezar, levar as primícias dos animais e frutos da terra, oferecer sacrifícios diários para expiar os pecados, pagar os impostos, e participar das festas principais). O Templo de Jerusalém era, também, o centro de estudos religioso, teológico e jurídico do judaísmo.          

Em segundo lugar, o Templo de Jerusalém era o centro do poder econômico, pois funcionava como o maior banco, empresa importadora e casa de câmbio. Lá aconteciam o comércio dos animais sacrificados, o pagamento de imposto e dos votos e promessas, o câmbio de moeda estrangeira (a moeda estrangeira era considerada impura. Mas os cambistas ficavam com a moeda impura!) etc.     

Em terceiro lugar, o Templo era o centro político. O Templo era a sede do Sinédrio que tinha em suas mãos o governo político e religioso de Israel. O Sinédrio (composto de 70 membros pertencentes a três grupos: a aristocracia sacerdotal, a aristocracia leiga e os doutores da Lei) era presidido pelo sumo sacerdote desde o tempo de Anás (ano 4 a . C). Ao Sinédrio competia o poder ordinário, religioso e civil em tudo que se referia à Lei judaica(Mc 14,53), a responsabilidade, em parte, pela ordem pública(Jo 7,32;18,3.12), a administração do Templo, a legislação para toda a Judéia, inclusive explicitação das leis religiosas obrigatoriamente para todos os judeus e julgar as causas extraordinárias(funciona como o tribunal supremo).          

Estes três aspectos (religioso, econômico e político) estavam intimamente relacionados entre si e com toda a vida de Jerusalém e do país. Por isso, questionar um deles significava atacar os outros dois. 

2. Jesus Questiona O Que O Templo Representa       

Jesus foi educado a respeitar o Templo (Lc 2,22.41-42.46), subiu a Jerusalém para celebrar a Páscoa (Jo 2,13), pagou seu tributo ao Templo (Mt 17,23-26)etc..          

O evangelho diz que Jesus vai ao Templo por ocasião da festa da Páscoa (Jo 2,13). A Páscoa judaica é uma festa que celebra a libertação do povo de Deus do Egito: o fim da escravidão e a origem de Israel como povo de Deus, povo da Aliança. Por isso, é uma festa principal para os judeus. A Páscoa também era uma festa familiar, celebrada na casa de família, na qual a parte principal cabe ao pai (Ex 12,1-11).          

Ao ver os negociantes de bois, ovelhas e pombas e os cambistas no Templo Jesus faz um chicote para expulsá-los e diz: “Tirai tudo isto daqui;  não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio” (v.16).          

O que tem por trás do gesto de Jesus?       

Em primeiro lugar, a Páscoa que era uma festa familiar e festa de libertação se transforma numa festa da maior exploração. Os peregrinos que vêm de longe não podem trazer consigo os animais para ser sacrificados. Eles compram os animais no próprio Templo. E dono dos animais são os latifundiários pertencentes à elite religiosa. A Páscoa para eles é o momento de lucro, pois eles aumentam o preço dos animais exageradamente. E os peregrinos não têm outra opção a não ser comprar esses animais apesar do preço alto. A Páscoa não é mais um momento de celebrar e de reviver a libertação, mas se torna uma festa de exploração. As elites religiosas exploram o povo por meio do culto. O “deus” do Templo, para estas elites religiosas, é o dinheiro. Mas a relação com Deus como Pai não se estabelece por meio de dinheiro. A religião se transforma num instrumento que acoberta a injustiça e exploração. Por isso já não é mais “a casa de meu Pai”, e sim um mercado. Como se vive a religião hoje em dia?        

Em segundo lugar, quem pode comprar os animais maiores (como boi, ovelhas) são os ricos. Surge aqui outra mentalidade. O sacrifício se torna como que uma moeda pela qual compra-se de Deus a salvação. A salvação não mais depende de dois lados simultaneamente (de Deus que oferece sua graça e do homem que corresponde à graça a ele oferecida), mas somente do homem que a compra. Isto quer dizer que quem não for capaz de comprar a salvação, ficará fora dela. E os pobres e miseráveis?                 

A salvação não se compra nem com dinheiro, nem com promessas, nem com devoções, pois Deus não é um comerciante, mas é um Pai e Mãe ao mesmo tempo. Pai ou mãe faz tudo pelos filhos não pelo merecimento, mas porque quer o bem deles(querer ou sem querer, em determinados lugares ou paróquias usa-se a expressão “pagar a missa”, por ocasião de aniversário, casamento, sétimo dia etc.. Basta colocar outra intenção, quem marcou primeiro a intenção ficará bravo: “Esta missa é minha. Por que colocou outra intenção?” Será que o valor da missa pode ser medido pelo valor pago em dinheiro? E o dito famoso dos vendedores da graça de Deus: “Quanto mais você der, mais você receberá de Deus”? E como está a vida de quem não tem nada para dar, nunca receberá nada de Deus a partir deste “critério”?). O que se pede de cada crente é a convivência fraterna e uma vivência da fraternidade universal, pois Deus é o Pai de todos. Duas coisas se exigem do crente, por isto: viver a filiação divina pela participação na filiação divina de Jesus(viver como filhos(as) diante de Deus) e viver a fraternidade(viver como irmãos e irmãs diante dos outros). E tudo isto se vive dentro do amor gratuito cuja origem está em Deus, pois Deus nos ama gratuitamente.                        

No quarto Evangelho, o que nos chama atenção é o fato de Jesus se dirigir somente aos vendedores de pombas. Para eles é que Jesus diz: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio(v.16). Porque a pomba era o animal sacrificado nos holocaustos (Lv 1,14-17) e nos sacrifícios (Lv 12,8;15,14.29) oferecidos especialmente pelos pobres, por meio dos sacerdotes, para reconciliar-se com Deus e para purificar-se (Lv 5,7;14,22.30-31; cf. Lc 2,44: José levou um par de pombinhas). Os vendedores de pombas são os que, por dinheiro, oferecem aos pobres a reconciliação com Deus, e representam os sacerdotes do Templo que fazem comércio com a graça de Deus. Em outras palavras, a hierarquia sacerdotal explora especificamente os pobres, oferecendo-lhes por dinheiro para ganhar favores ou benefícios de Deus. Eles apresentam Deus como um comerciante, pois convertem a casa de Deus num mercado.          

Na verdade, os profetas já tinham denunciado um culto em união hipócrita com a injustiça e opressão do pobre por ação ou omissão (Is 1,11-17; Os 5,6-7;8,13; Am 5,21-24;Eclo 34,18-20;35,14-20) e propunham transformações.          

O gesto de Jesus de expulsar os comerciantes do Templo suscita duas reações. Os discípulos reagem pensando que Jesus seja um grande reformador da instituição. Somente após a ressurreição eles entenderão que Jesus não é um reformador do Templo, mas aquele que o substitui (v.22).          

E os que sentem o seu lucro ameaçado, os dirigente pedem de Jesus uma explicação da origem de sua autoridade: “Que sinal nos mostras para agires assim?”(v.18). O homem gosta de exibir poder. Deus não é assim. Se Jesus faz milagres, especialmente para os simples e pobres, é para mostrar que Deus está sempre ao lado deles, e não para exibir poder. O poder de Deus consiste em amar o ser humano sem medida (Jo 3,16).          

Diante da estrutura civil e religiosa dos judeus centrada no Estado do Templo, Jesus anuncia o fim dos templos: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (v.19; cf. Jo 4,20-21) para começar o novo culto “ao Pai em espírito e verdade” (Jo 4,23-24). Jesus mostra que a verdadeira habitação de Deus entre os seres humanos é Ele mesmo. Ele deve ser adorado “em espírito e verdade” (Jo 4,23). A pessoa de Jesus substitui o Templo, pois nele o Pai está presente (Cl 1,19). E as pedras vivas deste edifício espiritual são os que pertencem ao novo povo de Deus. Deus habita no próprio ser humano, e não em edifícios (2Cor 6,16). Cada cristão é ele próprio templo de Deus enquanto membro do Corpo de Cristo (1Cor 3,16). Assim quem desrespeita o ser humano está desrespeitando o próprio Deus e toda a pessoa humana, chamada a ser templo de Deus (1Cor 3,17).          

Jesus não é indiferente frente ao culto do templo. É necessário construir templos ou igrejas ou capelas para neles podemos celebrar o Senhor e a vida que vivemos. Mas a nossa oferenda cultual terá sua validade, se tudo isto for uma expressão do serviço fraternal, se não há separação entre o culto e a vida. O culto não vale pela observância de preceitos nem pela oferta de objetos. O culto verdadeiro consiste na mais profunda união do homem ao divino, na mais pura e incondicional entrega à vontade de Deus. O culto do cristão é um culto de Espírito (Jo 4,23). O templo não santifica o nosso culto, e sim o nosso culto santifica o lugar e a comunidade.                 

Por isso, a limpeza do templo é um gesto de profundo simbolismo. O homem deve limpar sempre a morada de Deus que é ele mesmo de todo tipo de “sujeira” através de uma conversão contínua todos os dias de sua vida.          

Infelizmente, o homem- templo, onde Deus habita, é uma grande idéia que o homem de hoje perdeu. Consequentemente, ele perdeu o respeito ao outro, ao corpo do homem, à liberdade do homem e aos direitos do homem. Onde Deus for excluído, entrará a ditadura, a opressão, o crime, as torturas e injustiça institucionalizada. Como é importante para os homens de hoje recordarem a sua dignidade nascida da realidade de Deus, de um Deus que habita em cada um, pois esta recordação fundamenta o respeito que devo a mim mesmo como templo de Deus e o respeito que eu devo aos outros que são também templo de Deus.        

O evangelho deste domingo, por isso, nos traz de volta a consciência de sermos templo de Deus e de respeitar novamente, como Deus sempre quer, aos outros como habitação de Deus. Além disto, este evangelho nos leva ao arrependimento de tudo que cometemos em relação à dignidade humana desrespeitada, que se expressou através de violência moral- verbal e física, difamação etc. E este arrependimento deve ser tornar em conversão sem fim, pois o homem velho dentro de nós sempre tenta nos levar ao passado pecador.

Palavras De Alguns Padres Da Igreja a Respeito Do Episódio No Evangelho de hoje. Fonte: Santo Tomás de Aquino: Catena Aurea, Exposição Contínua Sobre Os Evangelhos. Vo. 4: Evangelho de São João, Ed. Ecclesiãe, Campinas, SP, 2021 pp. 112ss).

·        Santo Agostinho: “Esse vendedores figuram aqueles que, na Igreja, buscam os próprios interesses e não aos de Jesus Cristo. Estes têm quanto há no mundo por venal, porque não almejam senão lucrar: assim pensava Simão, que desejou comprar o Espírito Santo para que pudesse, de seguida, vendê-lo (cf. At 8,18-24)”.

·      São Beda: “Aqueles que não distribuem gratuitamente as graças recebidas do Espírito Santo, como Deus ordena, mas buscam vendê-las, esses são vendedores de pombas”.

·      Santo Agostinho: “Aqueles que se servem das Escrituras para enganar a multidão, levados a tanto por um desejo de boa fama, estão como a vender bois e ovelhas, isto é, os próprios fiéis. E a quem os vendem senão ao Diabo? Porque todo aquele que se aparta da unidade da Igreja, de quem se torna presa senão daquele leão que ruge buscando a quem devorar (1Pd 5,8)?”

P. Vitus Gustama, SVD

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

02/03/2024-Sábado Da II Semana Da Quaresma

A MISERICÓRDIA DIVINA APAGA NOSSO PASSADO PECAMINOSO

Sábado da II Semana da Quaresma

 

Primeira Leitura: Mq 7,14-15.18-20

14 Apascenta o teu povo com o cajado da autoridade, o rebanho de tua propriedade, os habitantes dispersos pela mata e pelos campos cultivados; que eles desfrutem a terra de Basã e de Galaad, como nos velhos tempos. 15 E, como nos dias em que nos fizeste sair do Egito, faze-nos ver novos prodígios. 18 Qual Deus existe, como tu, que apagas a iniquidade e esqueces o pecado daqueles que são resto de tua propriedade? Ele não guarda rancor para sempre, o que ama é a misericórdia. 19 Voltará a compadecer-se de nós, esquecerá nossas iniquidades e lançará ao fundo do mar todos os nossos pecados. 20 Tu manterás fidelidade a Jacó e terás compaixão de Abraão, como juraste a nossos pais, desde tempos remotos.

Evangelho: Lc 15,1-3.11-32

Naquele tempo, 1os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar. 2Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus: “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles”. m3Então Jesus contou-lhes esta parábola: 11Um homem tinha dois filhos. 12O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles. 13Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada. 14Quando tinha gasto tudo o que possuía, houve uma grande fome naquela região, e ele começou a passar necessidade. 15Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para seu campo cuidar dos porcos. 16O rapaz queira matar a fome com a comida que os porcos comiam, mas nem isto lhe davam. 17Então caiu em si e disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome’. 18Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti; 19 não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’. 20Então ele partiu e voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos. 21O filho, então, lhe disse: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti. não mereço ser chamado teu filho’.  22Mas o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés. 23Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. 24Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a festa.25O filho mais velho estava no campo. Ao voltar, perto de casa, ouviu música e barulho de dança. 26Então chamou um dos criados e perguntou o que estava acontecendo. 27O criado respondeu: ‘É teu irmão que voltou. Teu pai matou o novilho gordo, porque o recuperou com saúde’. 28Mas ele ficou com raiva e não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. 29Ele, porém, respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. 30Quando chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho cevado’.  31Então o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado”’.

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Deus é Misericordioso Para Quem Se Converte

Qual Deus existe, como tu, que apagas a iniquidade e esqueces o pecado daqueles que são resto de tua propriedade? Ele não guarda rancor para sempre, o que ama é a misericórdia. Voltará a compadecer-se de nós, esquecerá nossas iniquidades e lançará ao fundo do mar todos os nossos pecados. São palavras do livro do profeta Miqueias. 

No texto da Primeira Leitura, o profeta Miqueias nos oferece uma oração humilde, cheia de confiança em Deus. O profeta coloca alguns traços com que retrata Deus: Deus é como o Pastor que vai recolhendo ou unindo as ovelhas de Israel que andam perdidas. Ele voltará a repetir o que fez na libertação de seu povo da escravidão do Egito. Ele não castigará seu povo por amor. Deus perdoa: “o que ama é a misericórdia”, “Voltará a compadecer-se”, “terás compaixão de Abraão como juraste a nossos pais, desde tempos remotos”, “lançará ao fundo do mar todos os nossos pecados”. É uma verdadeira amnistia que nos anuncia hoje. Este Deus se retrata também na parábola do filho pródigo no Evangelho de hoje. Da nossa parte resta a conversão, pois da parte de Deus sempre há a misericórdia. Por causa da sua misericórdia, não há pecado, por grave que seja, que Deus não possa perdoar. Todo dia novo Deus nos oferece as vinte e quatro horas novas para podermos começar tudo de novo. Tudo isso só poder ser a misericórdia. 

O amor de Deus pelo homem é um amor essencialmente misericordioso, pois é dado a alguém que se tornou indigno, pela soberba, pela desobediência, pela infidelidade, pela ingratidão, pelos pecados, pela maldade, pela rebelião. E Deus ama o homem a ponto de fazer-se homem em Jesus Cristo: ele veio para o nosso meio, viveu como nós e ofereceu sua vida por nós. Assim ele revela esse traço de Deus misericordioso.          

Jesus Cristo é, de certa forma, o Deus em ação através do qual Deus vem definitivamente ao nosso encontro amando-nos, perdoando-nos, afirmando-nos, libertando-nos das nossas misérias e dos nossos pecados, e dando-nos possibilidades novas, para que nossa amizade com ele não seja mais interrompida. Deus ama o homem a ponto de fazer com seu Filho se torne homem. Nesse gesto extremo do seu amor evidenciam-se duas verdades: a grande consideração de Deus pelo homem, Deus sempre está do lado do homem e contra o mal; e o amor infinito que ele derrama sobre o homem.

O Salmo Responsorial de hoje (Sl 102), uma bela canção à misericórdia de Deus, insiste: “O Senhor é compassivo e misericordioso... Não nos trata como exigem nossas faltas, nem nos pune em proporção às nossas culpas”. É um Salmo que hoje poderíamos rezar por nossa conta dizendo em primeira pessoa, a partir de nossa história concreta para esse Deus que nos convida à conversão. É uma entranhável meditação quaresmal e uma boa preparação para nossa confissão pascal.

Apascenta o teu povo com o cajado da autoridade, o rebanho de tua propriedade, os habitantes dispersos pela mata e pelos campos cultivados; que eles desfrutem a terra de Basã e de Galaad, como nos velhos tempos. E, como nos dias em que nos fizeste sair do Egito, faze-nos ver novos prodígios”. O profeta Miqueias vivia numa monarquia teocrática onde o poder do soberano devia estar ao serviço do povo, especialmente dos mais débeis e era responsável diante de Deus. Mas Miqueias contempla em sua sociedade que as autoridades frustram o desígnio de Deus que exige a justiça e a misericórdia para com os débeis. Miqueias é o primeiro profeta que anuncia a total destruição de Jerusalém.

Além disso, havia uma religião sem coração. Os contemporâneos do profeta Miqueias acreditavam que poderiam manter boas relações com Deus a base de manifestações externas de culto, com sacrifícios e oferendas. Como Amos, Oseias e Isaías, Miqueias exige, antes de tudo, uma religião do coração, uma entrega sincera a Deus, cumprindo seus preceitos, sobretudo, a justiça e misericórdia. 

Mas depois de constatar o arrependimento do povo pecador, o profeta Miqueias anuncia o futuro glorioso que espera Israel. Por isso, numa bela oração o profeta suplica a Deus que não abandone seu povo e sim que realize nele as promessas, de modo que Israel, agora triste e abatido, possa refazer sua vida.

A segunda parte da leitura (Mq 7,18-20) é como uma composição sálmica em que o profeta Miqueias exulta de gozo pensando no futuro perdão de Deus, como garantia das promessas: “Qual Deus existe, como tu, que apagas a iniquidade e esqueces o pecado daqueles que são resto de tua propriedade? Ele não guarda rancor para sempre, o que ama é a misericórdia. Voltará a compadecer-se de nós, esquecerá nossas iniquidades e lançará ao fundo do mar todos os nossos pecados. Tu manterás fidelidade a Jacó e terás compaixão de Abraão, como juraste a nossos pais, desde tempos remotos”.

O fundamento da esperança está na fé na misericórdia de Deus que é o puro dom de Deus capaz de tirar a iniquidade e perdoa o pecado. Somos chamados a voltar para a misericórdia de Deus não importa a gravidade e a quantidade de nossos pecados. Deus nos vê como somos e não como éramos. O crente deve crer na coerência de Deus, pois Ele é fiel para Si próprio. A parábola do filho pródigo ou melhor dizer a parábola do Pai misericordioso que lemos no evangelho de hoje nos apresenta a riqueza do amor e da misericórdia de Deus: o Pai está sempre disposto a acolher sem reservas todos os homens e mulheres que querem voltar à sua misericórdia. Só existe uma barreira que impede este amor misericordioso de Deus: nossa autossuficiência incapaz de nos salvar. Amar a Deus significa deixar-se amar por Ele. 

Estejamos conscientes de que o pecado sempre se apresenta primeiro como agradável, atraente e sedutor. O Maligno é suficientemente hábil para dissimular seu “jogo”. Basta estar nos seus braços ele não quer nos largar. Mas a misericórdia de Deus está a nossa disposição, pois Deus jamais parará de nos perdoar quando voltarmos para a Casa paterna onde o amor misericordioso circula livremente entre os seus membros.

A Bondade e a Misericórdia De Deus Apagam Nosso Passado Pecaminoso

O evangelho de hoje fala da misericórdia de Deus. É o tema que a Primeira Leitura enfatiza. Misericórdia é um dos temas preferidos do evangelista Lucas. No AT lemos: “Sejam santos porque Deus é santo(cf. Lv 20,7). O evangelista Mateus diz: “Sejam perfeitos como o Pai celeste é perfeito(Mt 5,48). E o evangelista Lucas diz: “Sejam misericordiosos como o Pai de vocês é misericordioso(Lc 6,36). Conforme o evangelista Lucas para ser santo, para ser perfeito só há um caminho: ser misericordioso. “Esse amor misericordioso é capaz de curvar-se ante o filho pródigo, ante a miséria humana e, sobretudo, ante a miséria moral, ante o pecado. A misericórdia se manifesta em seu aspecto verdadeiro e próprio quando valoriza, promove e explicita o bem em todas as formas de mal existente no mundo e no homem(João PauloII: Dives in misericordia, no.6). Sobre a importância da misericórdia, São Tiago nos alerta: “O julgamento será sem misericórdia para aquele que não pratica a misericórdia. A misericórdia, porém, desdenha o julgamento(Tg 2,13).

Em hebraico a palavra que se usa para a misericórdia é Rahamîns que deriva de Réhem. Réhem significa matriz, o útero da mulher. A matriz recebe, mantém e dá a vida, oferecendo ao feto, a cada segundo, tudo de que ele precisa para viver. A misericórdia divina, como o útero materno, deixa crescer e vir à luz e, ao mesmo tempo, permanece cuidando e alimentando maternalmente. O amar do Pai, a Palavra e Jesus Cristo são como o útero materno que alimenta, cuida, mantém e dá vida. 

O Deus que Lucas nos apresenta através do evangelho de hoje é um Deus de bondade e de misericórdia, que detesta o pecado, mas ama o pecador. Ele não pactua com o pecado, mas está ao lado do pecador e manifesta uma misericórdia infinita para com o pecador arrependido. O amor de Deus pelo homem é um amor essencialmente misericordioso, pois é dado a alguém que se tornou indigno, pela soberba, pela desobediência, pela ingratidão, pelos pecados, pela maldade, pela rebelião. E Deus ama o homem a ponto de fazer-se homem em Jesus Cristo: ele veio para o nosso meio, viveu como nós e ofereceu sua vida por nós. Ele nasceu nosso nascimento, viveu nossa vida, experimentou nosso medo, morreu nossa morte e ressuscitou nossa ressurreição.

Lucas dedica todo o capítulo 15 de seu evangelho às parábolas da misericórdia. Neste capitulo Jesus nos revela que Deus é o Pai misericordioso.  O insondável amor de Deus se reflete na conduta do pai da parábola. Deus não deixa de buscar e de acolher o que é seu.

A parábola do Pai misericordioso nos revela duas coisas: a miséria e a misericórdia; revela-nos o que há no coração do homem e o que há no coração de Deus; revela-nos a imensa escuridão no homem e a infinita luminosidade em Deus.            

O filho mais novo e mais velho da parábola, ambos não reconhecem de verdade o próprio Pai cheio de amor. Os dois não têm consciência de suas distorções. Ambos são como dois cegos que vão tropeçar: um cai na desordem; o outro, no excesso de ordem.  Um está seguro de saber o que quer: partir sem rumo. O outro tem certeza de estar no caminho certo: o dever. O mais velho fica em casa sem reconhecer o amor do Pai. O mais novo abandona a casa em busca de uma felicidade deixando a mesma em casa. Por trás desses dois filhos está Jesus Cristo, fiel à vontade de Deus em salvar a humanidade. Ele ama a humanidade até o fim (cf. Jo 13,1).             

Deixar a casa é muito mais do que um acontecimento limitado a tempo e lugar. Deixar a casa significa negar a realidade espiritual de que eu pertenço a Deus com todo o meu ser, que Deus me ampara num eterno abraço, que sou realmente moldado nas palmas das mãos de Deus e refugiado nas suas sombras. Deixar a casa significa ignorar a verdade de que Deus me moldou. Deixar a casa é viver como se eu não tivesse um lar e precisasse procurar muito à distância até encontrá-lo. Eu preciso estar consciente de que faço parte da família de Deus e eu devo viver como membro da família de Deus.          

A casa é o centro do meu ser, onde posso ouvir a voz de Deus que me diz: “Você é meu filho (a) muito amado (a), sobre você ponho todo o meu carinho” (cf. Mc 1,11). Eu tenho que ouvir esta voz diariamente, pois é a voz do amor que é eterno, perdura para sempre e se transforma em afeto quando é ouvida. Quando eu ouço essa voz amorosa de Deus, sei que estou em casa com Deus e por isso, nada tenho a temer, pois Deus é por mim (cf. Rm 8,31-39).        

O filho mais novo voltou para casa porque reconheceu o tamanho do amor do pai diante do tamanho da própria miséria. É ele próprio quem descobre o seu caos, a sua desordem. Através de um doloroso caminho, ele sai da ilusão sobre si mesmo e descobre sua verdade. No silêncio, ele escuta a voz do Pai e descobre o tesouro: o amor sem limite do Pai por ele, a fonte de sua existência. Pela primeira vez, ele toma conhecimento de um amor seguro, estável e sólido. Nesse momento iluminado, ele reconhece que pecou. Ele se arrependeu e por isso decidiu voltar para a casa: “Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’”. 

Na graça de Deus, cada um é capaz de se colocar a caminho de volta. Na graça de Deus, cada um é capaz de reencontrar o movimento da vida. Na graça de Deus ninguém fica trancado no passado. Em qualquer estado em que se encontre, há sempre a possibilidade de dar um passo em direção à vida. A graça de Deus nos devolve a alegria de viver dignamente. “Pela graça de Deus, sou o que sou, e a graça que ele me deu não tem sido inútil”, escreveu São Paulo (1Cor 15,10).          

Muitas vezes procuramos a felicidade fora de casa, nas nossas aventuras. Por isso, em vez de encontrarmos a felicidade, ganhamos a solidão, a desordem total ou caos total. “Ninguém está tão só do que aquele que vive sem Deus” (Santo Agostinho). No momento em que o filho mais novo recebeu o perdão, ele começou a conhecer, de modo muito íntimo, o seu pai. A experiência de perdão de Deus cria, com efeito, um vínculo todo particular entre Deus e aquele que recebe o perdão. Tão grande é a força do amor curativo de Deus, que o mal se transfigura em bem.             

Se Deus é misericordioso, cada um deve ser misericordioso para com os outros. O amor vivido é o único modo de convencer os outros que somos cristãos. Sempre que celebramos a festa da eucaristia, celebramos também o encontro do amor misericordioso de Deus com todos nós, seus filhos e filhas arrependidos de tudo que cometemos na vida. Façamos que cada eucaristia seja uma festa de nossa reconciliação com Deus.             

O filho mais velho está cheio de si mesmo e se engana. Por estar cheio de si não tem lugar no seu coração nem para seu pai nem para seu irmão. Ele se crê justo, e consequentemente, possui um coração de justiceiro, um coração duro e insensível. Ele simboliza nossa cegueira diante de nossa mais profunda distorção, nossa resistência para viver na luz, na graça de Deus. Aí que mora o perigo. Muitas vezes a tentação é denunciar o pecado alheio para fazer brilhar a sua própria virtude. Muitas vezes há tanto ressentimento entre os que se consideram justos e corretos; há tanto julgamento, condenação e preconceito entre os que se consideram santos e praticantes de religião! 

A parábola do filho pródigo ou do Pai misericordioso é o grande canto ao imenso amor divino que se mostra indulgente com o pecador, lição oportuníssima da quaresma. Por isso, Santo Agostinho dizia: “Imite aquele filho mais novo, porque talvez você seja como ele, que depois de mal gastar e perder todos os seus bens vivendo prodigamente, sentiu necessidade, apascentou porcos e, esgotado pela fome, suspirou e se lembrou de seu pai. E o que diz dele o Evangelho? ‘Ele caiu em si’ (voltou a si mesmo). Quem se tinha perdido para si mesmo, voltou a si mesmo: ‘Vou-me embora, vou voltar para meu pai...’”.  Para chegar à ressurreição da graça do Senhor temos de passar primeiro pela crucifixão de nossos pecados na penitência. O pecado é o motivo de tua tristeza. Deixa que a santidade seja motivo de tua alegria”, acrescentou Santo Agostinho. 

Na sua reflexão sobre a parábola do filho pródigo Madre Teresa de Calcutá nos disse que o filho pródigo nos ensina que não devemos: Pensar egoisticamente em nós mesmos; Alimentar a fome de prazeres desenfreados; Abusar do dom da liberdade; Tomar e consumir sem cautela bens efêmeros; Presumir da própria figura como se fosse imperecível; Confundir sonhos agradáveis com realidades. 

O Deus que Jesus quer nos transmitir nessa parábola é um Deus misericordioso, generoso em perdoar, paciente em esperar a volta de qualquer filho, próximo com um amor infinito para quem volta e para quem está com Ele.

Não podemos professar seriamente a nossa fé no Deus do amor e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, sem praticarmos, ao mesmo tempo, a sua misericórdia. Amor é misericordioso. Esta é uma afirmação central e o cume da fé e de toda a doutrina cristã acerca de virtudes. É através da misericórdia ativa e efetiva que provamos que estamos no bom caminho e que adoramos e honramos verdadeiramente a Deus misericordioso. Toda a experiência profunda de Deus, toda a consolação espiritual autêntica nos leva à prática eficaz da misericórdia. As nossas pequenas mortificações e exercícios ascéticos só têm valor na medida em que servirem de treino para o exercício da misericórdia e para a consequente prática da auto-renúncia. 

Para nós fica a pergunta: Será que tenho consciência deste Deus que é um Pai com um amor infinito? Será que eu percebo esse Deus como o filho mais velho O percebia: sem esperança nem alegria? Ou, eu O percebo como o filho mais novo O percebia: quer uma liberdade sem ordem? Será que eu sou intransigente e intolerante como o filho mais velho? A rigidez e a arrogância não deixaram o filho mais velho alegrar-se pela volta de seu irmão perdido. Será que eu tenho a mesma rigidez e a mesma arrogância que me tiram a alegria de viver e de conviver na fraternidade com os demais irmãos? quem pensa no outro se engrandece. Na experiência do filho mais novo percebemos que o pecado sempre se apresenta, primeiro, como agradável, atraente e sedutor. O Maligno é suficientemente hábil para dissimular seu jogo. Estejamos atentos e vigilantes!

P. Vitus Gustama,svd

Santo Agostinho dizia:

1.   O pecado é o motivo de tua tristeza. Deixa que a santidade seja motivo de tua alegria”. (In ps. 42,3)

2.   Para chegar à ressurreição da graça do Senhor temos de passar primeiro pela crucifixão de nossos pecados na penitência”. (De Trin. 4,3,6)

01/03/2024-Sextaf Da II Semna Da Quaresma

É PRECISO VOLTAR PARA DEUS PORQUE ELE NOS AMA E NOS ESPERA ATÉ O ÚLTIMO MINUTO DE NOSSA VIDA

Sexta-Feira da II Semana da Quaresma

Primeira Leitura: Gn 37,3-4.12-13a.17b-28

3 Israel amava mais a José do que a todos os outros filhos, porque lhe tinha nascido na velhice. E por isso mandou fazer para ele uma túnica de mangas longas. 4 Vendo os irmãos que o pai o amava mais do que a todos eles, odiavam-no e já não lhe podiam falar pacificamente. 12 Ora, como os irmãos de José tinham ido apascentar o rebanho do pai em Siquém, 13a disse Israel a José: “Teus irmãos devem estar com os rebanhos em Siquém. Vem, vou enviar-te a eles”. 17b Partiu, pois, José atrás de seus irmãos e encontrou-os em Dotaim. 18 Eles, porém, tendo-o visto ao longe, antes que se aproximasse, tramaram a sua morte. 19 Disseram entre si: “Aí vem o sonhador! 20 Vamos matá-lo e lançá-lo numa cisterna, depois diremos que um animal feroz o devorou. Assim veremos de que lhe servem os sonhos”. 21 Rúben, porém, ouvindo isto, disse-lhes: 22 “Não lhe tiremos a vida”! E acrescentou: “Não derrameis sangue, mas lançai-o naquela cisterna do deserto, e não o toqueis com as vossas mãos”. Dizia isto, porque queria livrá-lo das mãos deles e devolvê-lo ao pai. 23 Assim que José chegou perto dos irmãos, estes despojaram-no da túnica de mangas longas, pegaram nele 24 e lançaram-no numa cisterna que não tinha água. 25 Depois, sentaram-se para comer. Levantando os olhos, avistaram uma caravana de ismaelitas, que se aproximava, proveniente de Galaad. Os camelos iam carregados de especiarias, bálsamo e resina, que transportavam para o Egito. 26 E Judá disse aos irmãos: “Que proveito teríamos em matar nosso irmão e ocultar o seu sangue? 27 É melhor vendê-lo a esses ismaelitas e não manchar nossas mãos, pois ele é nosso irmão e nossa carne”. Concordaram os irmãos com o que dizia. 28 Ao passarem os comerciantes madianitas, tiraram José da cisterna, e por vinte moedas de prata o venderam aos ismaelitas: e estes o levaram para o Egito.

Evangelho: Mt 21,33-46

Naquele tempo, dirigindo-se Jesus aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos do povo, disse-lhes: 33“Escutai esta outra parábola: Certo proprietário plantou uma vinha, pôs uma cerca em volta, fez nela um lagar para esmagar as uvas e construiu uma torre de guarda. Depois arrendou-a a vinhateiros, e viajou para o estrangeiro. 34Quando chegou o tempo da colheita, o proprietário mandou seus empregados aos vinhateiros para receber seus frutos. 35Os vinhateiros, porém, agarraram os empregados, espancaram a um, mataram a outro, e ao terceiro apedrejaram. 36O proprietário mandou de novo outros empregados, em maior número do que os primeiros. Mas eles os trataram da mesma forma. 37Finalmente, o proprietário enviou-lhes o seu filho, pensando: ‘Ao meu filho eles vão respeitar’. 38Os vinhateiros, porém, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro. Vinde, vamos matá-lo e tomar posse da sua herança!’ 39Então agarraram o filho, jogaram-no para fora da vinha e o mataram. 40Pois bem, quando o dono da vinha voltar, que fará com esses vinhateiros?” 41Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: “Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo”.  42Então Jesus lhes disse: “Vós nunca lestes nas Escrituras: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; isto foi feito pelo Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos?” 43Por isso eu vos digo: o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos.  45Os sumos sacerdotes e fariseus ouviram as parábolas de Jesus, e compreenderam que estava falando deles. 46Procuraram prendê-lo, mas ficaram com medo das multidões, pois elas consideravam Jesus um profeta.

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As leitura de hoje nos apresentam explicitamente o destino de cruz e morte que espera Jesus ao final de seu caminho. Busca-se no AT uma figura entranhável: José, traído por seus próprios irmãos e futuramente será salvador da própria família quando ocorre a grande fome.

A narração na Primeira Leitura de hoje quer explicar simbolicamente a história da tribo de José e de sua preeminência sobre as demais tribos, e como nos planos de Deus, José estava destinado a ser a salvação do povo. E tudo tem que passar pela prova e pela mortificação. A Igreja também terá acesso à glória pelas provas, como Cristo, o Novo José, verificou com sua própria vida.

A história de José é uma história de novela edificante que expressa as infidelidades de Israel e sobretudo, do estilo que tem Deus de tirar o bem do mal. A história de José se repete em Jesus.

José é apresentado com as virtudes típicas do sábio: a humildade, a magnanimidade, a prudência, o domínio de si, o temor de Deus, etc. Deus é também aqui o Supremo Condutor dos acontecimentos. Além disso, a história de José tem a função de unir a história patriarcal com o Êxodo. 

A Inveja Intoxica As Relações e Mata a Convivência Fraterna

A história de José, filho do patriarca Jacó, que narra o ódio mortal entre irmãos é conectada com os relatos de Caim e Abel e de Jacó e Esaú. Este ódio mortal é o fruto de uma raiz interior que é a vaidade e o sonho da grandeza. Trata-se de uma história novelada e edificante que expressa as infidelidades de Israel, mas sobretudo, do estilo que tem Deus de tirar o bem do mal.

Os irmãos de José têm a inveja mortal de José porque “Israel (Jacó) amava mais a José do que a todos os outros filhos, porque lhe tinha nascido na velhice. E por isso mandou fazer para ele uma túnica de mangas longas. Vendo os irmãos que o pai o amava mais do que a todos eles, odiavam-no e já não lhe podiam falar pacificamente”.

Invejar é querer o que a outra pessoa tem; é sentir dor e raiva porque o outro conseguiu o que você ainda alcançou. A inveja é a tristeza pelo bem alheio. A inveja é uma profunda raiva produzida pela conquista dos outros. A inveja é um desejo de destruição, de ódio. As mortes, as violações, os calotes, os enganos, os maus-tratos nascem da inveja por ambicionar o que o outro tem. A inveja nos tira do foco e conduz a nossa força ou energia para o lado errado.

O invejoso vive amargurado porque não tolera que o outro tenha sucesso. Ou tenha algo mais do que ele. Qualquer invejoso tem uma grande dificuldade para celebrar o sucesso dos outros. As pessoas invejosas gostam de jogar uma palavra negativa atrás da outra. O invejoso vive fofocando e se metendo na vida de todo mundo. Sem perceber que quanto mais uma pessoa falar dos outros, mais quer falar de si mesma. Fovocar fala muito mais do próprio fofoqueiro do que de quem é fofocado. E quanto mais uma pessoa se intrometer na vida dos outros, menos coisa vai conseguir, pois ela não focaliza sua força para o ideal a ser alcançado. A inveja é uma emoção que intoxica nossas relações interpessoais, nossa forma de nos conectar com quem nos rodeia. Em vez disso, é preciso buscar dentro de nós mesmos as melhores oportunidades para crescer na vida.

Além do sentimento de inveja, os irmãos de José tinham ódio: “Vendo os irmãos que o pai o amava mais do que a todos eles, odiavam-no e já não lhe podiam falar pacificamente”. O ódio (Hebraico: Sânê`) é o sentimento de aversão que nos leva a desejarmos a desgraça para outrem e a fazermos-lhe o mal. o ódio de homens para homens ocorre frequentemente no AT (Gn 26,27; Jz 11,7; 2Sm 13,22;  1Rs 22,8, etc.). No NT Jesus ordena aos seus discípulos fazerem o bem para aqueles que os odeiam (Lc 6,27). Aquele que odeia seu irmã ainda está nas trevas (1Jo 3,15), pois a conseuqência normal do ódio é o homicídio.

A história de José, apesar da inveja dos irmãos que o venderam como escravo, tem um fio teológico que lhe dá sentido e unidade: a providência divina. Por José o povo eleito será salvo como ele próprio disse: “O mal que tínheis intenção de fazer-me, o desígnio de Deus o mudou em bem, a fim de cumprir o que se realiza hoje: salvar a vida a um povo numeroso” (Gn 50,20).

Existe a inveja dos irmãos de José, mas o caminho que traça o ódio é também caminho providente pelo qual Deus salva toda a família de José. Não é que Deus necessite e atue nisso. Mas apesar disso Deus atua para o bem do seu povo. Neste sentido Deus é também, aqui, o Supremo Condutor dos acontecimentos.

A tradição cristã sempre viu na história de José um símbolo da história de Jesus. O “predileto entre todos os irmãos” é tirado para fora, despojado de seus vestidos e vendido. A parábola do evangelho de hoje vai na mesma direção. Os lavradores homicidas se comportam como os irmãos de José. Por ter muitos pontos comuns nestas duas histórias, a liturgia as propõe juntas. Em ambos os casos, se narra a sorte de um personagem (José num caso e o primogênito do dono da vinha em outro) que, por inveja é eliminado: mediante sua venda como escravo (José) ou diretamente por assassinato (Jesus). Para seus irmãos, José era um sonhador, um iludido. Para os lavradores, o filho do dono era um obstáculo.

No caminho da Quaresma, os relatos bíblicos nos falam de Jesus. Também Jesus é um sonhador. Amado pelo Pai, Jesus sonha em criar para todos uma fraternidade na condição de filhos e filhas de Deus. Sonha com um mundo em que o Reinado de Deus acabe com a violência, a injustiça, a corrupção, a desumanidade. Mas Jesus não se limita em sonhar. Ele aceita visitar a vinha de seu Pai. Ao chegar a ela ele se dá conta de que não é bem recebido pelos lavradores.

Deus Sabe Tirar o Bem Do Nosso Mal

José era um dos preferidos de Jacó. Seus irmãos, por inveja, vendem José a um comerciante de escravos que foi levado para o Egito. No Egito José interpreta os sonhos de Faraó e passa a ser seu primeiro ministro. Durante sete anos de “vacas gordas” faz reservas de trigo em vista dos sete anos de secura que havia previsto.

Esta história quer já nos demonstrar que Deus se serve dos acontecimentos aparentemente desfavoráveis para levar a cabo seus projetos. Tudo parecia estar contra José, mas com Deus tudo girará em seu proveito. Mais uma vez, temos que confessar que Deus continua escrevendo reto nas linhas distorcidas. Deus é capaz de tirar bens de nossos males. Com Deus nem tudo é negativo e nem tudo fica sem saída. É preciso confiar em Deus apesar das impossibilidades da vida. José é definido como pessoa que teme a Deus.

A vida está cheia de surpresas. Aquele que é vendido e desprezado pela inveja, Deus o converte tudo em bem. “Senhor desfaz os planos das nações e os projetos que os povos se propõem. Mas os desígnios do Senhor são para sempre, e os pensamentos que ele traz no coração, de geração em geração, vão perdurar”. O Senhor pousa o olhar sobre os que o temem, e que confiam esperando em seu amor, para da morte libertar as suas vidas e alimentá-los quando é tempo de penúria”, diz o Salmo de Responsorial de hoje (Sl 32).

Esta história é um convite a crermos na providência de Deus, que como tantas vezes nos surpreende sempre, quase que diariamente. Quantas vezes na história de cada um, acontecimentos que pareciam catastróficos nos servem para indicar os caminhos de Deus e purificar de nossas ambições desenfreadas e de nossas invejas. Um fracasso, quando olhamos a partir da providência divina, pode se transformar em um bem para nós. Como para Jesus cuja morte parecia o fracasso total de todos os seus planos salvadores, mas foi precisamente o fato decisivo da redenção da humanidade. Deus sempre sabe tirar bem do mal. Paradoxalmente podemos dizer que o fracasso é sucesso se aprendermos com ele. “O sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder entusiasmo” (Wiston Churchil). Em cada fracasso que sofremos sempre há nova oportunidade, pois “o fracasso é a oportunidade de começar de novo com mais inteligência e redobrada vontade” (Henry Ford). Jamais podemos deixar de aprender até a morte inclusive de nossos fracassos, pois “cada fracasso ensina ao homem que tem algo a aprender” (Charles Dickens).

Deus Nos Ama Até o Fim Incondicionalmente

A parábola sobre os vinhateiros violentos (assassinos) fala da história da salvação (cf. Is 5, 2-5). Na história da salvação Deus se mostra paciente com o homem até o último minuto da vida do homem sobre a terra, pois Deus não exclui nenhum homem da salvação por amor (cf. Lc 23,39-43). Ser excluído é a opção do próprio homem, pois Deus não se cansa de perdoar o homem toda vez que este se arrepender. Diante do Deus que não se cansa de perdoar, também o homem não pode se cansar de se converter.

1. Um Deus Que Confia Na Minha Capacidade

A parábola lida neste dia tem muita coisa para nos dizer. Ela quer nos falar, primeiramente, da confiança que Deus deposita em cada um de nós. O Deus revelado por Jesus, nesta parábola, é Aquele que confia totalmente no homem, nos seus talentos, na sua liberdade responsável, na sua capacidade de ser melhor cada momento e assim por diante. Para isso, Deus possibilita tudo ou facilita tudo: “Certo proprietário plantou uma vinha, pôs uma cerca em volta, fez nela um lagar para esmagar as uvas e construiu uma torre de guarda”. Este Deus não fica policiando se o homem faz ou não faz sua missão, porque ele acredita na capacidade que cada homem tem. Por isso, o texto diz: “O proprietário arrendou uma vinha a vinhateiros e viajou para o estrangeiro” (Mt 21,33). Deus acredita na capacidade que cada homem tem para produzir algo de bom durante a vida. Para isso é que Ele criou cada homem e o colocou aqui neste mundo. Cada tarefa ou missão que o homem recebe é a tarefa ou missão dada por Deus. Sou o “gerente” de uma porção do Reino de Deus.

É bom cada um descobrir a própria missão dada por Deus. Merece cada um fazer esta pergunta: “Qual missão que recebi de Deus durante a minha vida neste mundo?”. “Será que acredito no Deus que acredita em mim?”. Deus não condena quem não pode fazer o que quer, mas quem não quer fazer o que pode”, dizia Santo Agostinho (Serm.54,2).                                                                                                        

O Deus revelado nesta parábola não acredita em cada um de nós para cumprir a missão, mas também dá-nos todos os meios para facilitar o cumprimento da missão dada. Por isso o texto diz: “O proprietário pôs uma cerca em volta da vinha, fez nela um lagar para esmagar as uvas e construiu uma torre de guarda. Depois, arrendou a vinha a vinhateiros” (Mt 21,33).

2. Um Deus Que Tem Paciência Até O Último Minuto Da Vida Do Homem Neste Mundo

A parábola fala também da paciência de Deus, em segundo lugar. Deus não se cansa em enviar seus mensageiros e suas mensagens todos os dias para os homens. Ele não vem logo para se vingar contra o homem mau ou contra quem que errou, poisDeus é amor” (1Jo 4,8.16). Ele dá avisos um após outro e todos os dias. Esse Deus confia totalmente no homem e por isso, ele acredita na recuperação do homem. Esta é uma das razões pela qual Deus tem paciência para com o homem.

Ser cristão é, por isso, ser recomeço permanente, pois Deus sempreoportunidade para cada um recomeçar sua caminhada e sua missão. Deustempo para cada um corrigir o corrigível, recuperar o recuperável para que sua vida faça um salto de qualidade com Deus.

Merece também cada um responder estas perguntas: Deus não se cansa em enviar seus mensageiros e suas mensagens todos os dias para o homem. Qual é a mensagem de Deus para mim hoje? qual recado que Deus quer dar hoje para minha família? Você encontrou algum mensageiro de Deus hoje seja durante a celebração, seja fora da celebração? Se esse Deus tem muita paciência para com você acreditando na sua recuperação, no seu novo começo, por qual razão você não acredita em si mesmo para você começar tudo de novo? Você tem paciência suficiente com os outros. O amor nos torna pacientes!

3. Um Deus Que Nos Ama Incondicionalmente

Finalmente, o proprietário enviou-lhes o seu filho, pensando: ‘Ao meu filho eles vão respeitar’. Os vinhateiros, porém, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro. Vinde, vamos matá-lo e tomar posse da sua herança!’ Então agarraram o filho, jogaram-no para fora da vinha e o mataram”. Por causa dos homens e por causa do Seu amor sem limites pelos homens Deus usa todos os recursos e todas as possibilidades para salvá-los. Os recursos se esgotaram (Mt 21,34-36). Agora resta apenas seu Filho. Deus é verdadeiramente “o pobre” por excelência, porque nos deu tudo. Até seu próprio Filho, o ultimo que restou. Em sua incurável paixão pelos homens Deus não ficou com nada, nem com o seu próprio Filho. Significa que Deus nos toma a sério e deixa o campo livre para que atuemos com plena responsabilidade. Mas Deus é impotente diante da liberdade do homem. O homem é responsável pela sua própria escolha. No momento em que o homem não respeitar as regras e as placas da vida que apontam para sua plena realização e para a eternidade, ele perderá sua liberdade e cairá em uma série de prisões e escravidões.

É um Deus que pretende atuar exclusivamente através do amor, pois este caminho é que leva o homem à sua plenitude, à eternidade. Cristo morreu perdoando o homem.

Cada um precisa entrar no silêncio sagrado para meditar sobre o amor de Deus por cada um e a resposta de cada um diante desse amor. Será que sou ingrato diante do amor de Deus? Será que sou irresponsável na minha atuação como pessoa amada de Deus? Será que eu vivo de acordo com o amor com que Deus me ama? Será que sou capaz de dar tudo por amor?  

Como Será Minha Vida No Encontro Derradeiro Com Deus?

A parábola também fala do juízo final de Deus. A vida tem seu fim. Se ela tem o fim, então todos os nossos atos diários pesam para este fim. Durante o curso desta vida Deus se mostra paciente para qualquer um de nós. Ele acredita no homem e inspira o homem com seu santo Espírito, mas respeita sua liberdade.  A liberdade é como uma faca que pode ajudar na suas tarefas, mas também pode cortar seus dedos, se não usá-la corretamente. “Uma liberdade sem controle, mais que liberais, faz libertinos”, dizia Santo Agostinho (Epist.157,16). Deus nos julgará quando ele tirar de nós a tarefa ou a missão que não quisemos cumprir. “O Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá muitos frutos”, assim Jesus concluiu a parábola. 

O que tem por trás da parábola no evangelho de hoje é a chamada do Senhor para a conversão. O esforço de conversão, que o Senhor nos pede, devemos exercitá-lo todos os dias de nossa vida. Mas em determinadas épocas e situações, como a Quaresma, recebemos graças especiais que devemos aproveitar. Para compreender melhor a malícia do pecado devemos contemplar o que Jesus Cristo sofreu por nós na cruz, pois a cruz é o fruto do pecado do homem e ao mesmo tempo, é uma prova do amor incondicional do Senhor por nós todos. Para compreender o peso do pecado devemos olhar para os inocentes, que são vítimas de injustiça ao longo da história da humanidade. Por isso, devemos estar atentos, pois a maldade pode morar dentro de nós. No momento em que ficarmos sem vigilância ela aparece com uma força destruidora até fatal. Todos os dias o Senhor nos chama à santidade, a sermos misericordiosos, a amar com obras, a estarmos vigilantes.  A falta de conversão debilita a vida da graça em nós e se torna difícil o exercício das virtudes. 

Quais são atos que pesam muito para a minha vida e para o fim da minha vida neste mundo?

P. Vitus Gustama,SVD

V Domingo Da Páscoa, 28/04/2024

PERMANECER EM CRISTO PARA PRODUZIR BONS FRUTO, POIS ELE É A VERDADEIRA VIDEIRA V DOMINGO DA PÁSCOA ANO “B” Primeira Leitura: At 9,26-31...