NO PÃO PARTIDO E
REPARTIDO O CÉU SE TORNA PRESENTE
XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM “B”
Primeira Leitura: 2Rs 4,42-44
Naqueles dias, 42 veio também um homem de Baal-Salisa, trazendo em seu alforje para Eliseu, o homem de Deus, pães dos primeiros frutos da terra: eram vinte pães de cevada e trigo novo. E Eliseu disse: “Dá ao povo para que coma”. 43 Mas o seu servo respondeu: “Como vou distribuir tão pouco para cem pessoas?” Eliseu disse outra vez: “Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: ‘Comerão e ainda sobrará’”. 44 O homem distribuiu e ainda sobrou, conforme a palavra do Senhor.
Segunda Leitura: Ef 4,1-6
Irmãos: 1 Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a caminhardes de acordo com a vocação que recebestes; 2 com toda a humildade e mansidão, suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor. 3 Aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. 4 Há um só Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança à qual fostes chamados. 5 Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, 6 um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos.
Evangelho: Jo 6,1-15
Naquele
tempo, 1 Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia, também chamado de
Tiberíades. 2 Uma grande multidão o seguia, porque via os sinais que ele
operava a favor dos doentes. 3 Jesus subiu ao monte e sentou-se aí, com os seus
discípulos. 4 Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. 5 Levantando
os olhos e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus
disse a Filipe: “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?” 6 Disse
isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer. 7
Filipe respondeu: “Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de
pão a cada um”. 8 Um dos discípulos, André, o irmão de Simão Pedro, disse: 9
“Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é
isso para tanta gente?” 10 Jesus disse: “Fazei sentar as pessoas”. Havia
muita relva naquele lugar, e lá se sentaram, aproximadamente, cinco mil homens.
11 Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados,
tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes. 12 Quando todos ficaram
satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: “Recolhei os pedaços que sobraram,
para que nada se perca!” 13 Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com
as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido. 14 Vendo o
sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: “Este é
verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo”. 15 Mas, quando notou
que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo,
sozinho, para o monte.
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A partir deste domingo até alguns domingos posteriores, a liturgia interrompe a sequência da leitura do evangelho de Mc para refletir sobre o texto de Jo 6 que fala da multiplicação dos pães e do discurso sobre o Pão da Vida. A razão disto tudo é a brevidade do evangelho de Marcos que não chega a preencher todo o ano litúrgico B (Ano em que meditamos sobre o Evangelho de Marcos).
Ainda que o relato evangélico deste Domingo seja de João, mas é bom recordar que tem continuidade com o relato do evangelho do domingo passado (seção do Pão: Mc 6,30 a Mc 8,26).
Um Olhar Geral Para Os Textos Bíblicos Lidos Neste Domingo: Pão De Todos e Para Todos
Um dos princípios básicos da fé cristã é a "superabundância" de Deus para com o universo e, particularmente, para com o homem. Este princípio predomina como tema dos textos litúrgicos deste domingo. Na Primeira Leitura, para o profeta Eliseu os vinte pães que ele recebeu eram suficientes para alimentar cem homens, de maneira milagrosa. Jesus Cristo, por sua vez, no Evangelho, sacia a fome de cinco mil pessoas com apenas cinco pães e dois peixes e, além disso, “recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e o que sobrou dos peixes”. Por fim, na Segunda Leitura, a unidade da comunidade cristã (Igreja) é o fruto superabundante do pão eucarístico que chega a todos os cristãos onde quer que se encontrem.
Do ponto de vista da fé, a história da humanidade é a história da superabundância da graça de Deus. Deus foi superabundante em sua misericórdia em Noé, com o povo de Israel em Abraão, com a monarquia israelita em Davi, com a humanidade inteira em Jesus Cristo Redentor. A superabundância do pão nas leituras deste domingo é mais uma expressão do princípio daquilo que estamos falando.
Por isso, o primeiro ponto muito claro que não se pode esquecer é que a superabundância não provém do homem e sim de Deus. Tudo o que somos e temos, menos nossos pecados, tem sua origem em Deus da generosidade. E o homem é simplesmente um mediador, quando for necessário. Porque nem no caso do profeta Eliseu nem no caso de Jesus, Deus parte do zero: não cria/não faz o pão, mas o multiplica. Dentro do contexto das leituras de hoje, Deus pode partir de dois, de cinco ou de vinte (a quantidade não importa muito para Deus), porém há que partir de algo. É maravilhoso este querer de Deus. Ele quer partir daquilo que temos e somos, nem que seja muito pouco segundo os critérios humanos. De igual modo, é muito maravilhoso que Deus quer a mediação dos homens na hora de distribuir sua superabundância. Deus não o faz diretamente. Somos agraciados por Deus para ser mediador em distribuir suas abundâncias. Javé (Deus) se serviu da mediação do profeta Eliseu e Eliseu, por sua vez, da mediação de um homem de Baal-Salisa (Primeira Leitura). Jesus Cristo mediou a superabundância de Deus e, por sua vez, os Apóstolos mediaram entre Jesus e a multidão. Todo cristão, todo fiel, todo crente é mediador da generosidade de Deus para com os homens, pois ele é o fruto da generosidade de Deus no seu ser e na sua existência. Cada cristão é chamado à generosidade e à responsabilidade.
O segundo ponto bem claro para ser lembrado é sobre os destinatários da superabundância divina. A superabundância divina está destinada “ao povo” (Primeira Leitura), “para uma grande multidão, vinda de todos os povos” (Evangelho). Deus mostra sua superabundância não para uns privilegiados e sim para todos.
Absolutamente ninguém está excluído do "pão" divino por outros "pães" ou por presunção, pois o pão de Jesus (pão de cevada) é o pão dos pobres, das pessoas comuns. Esse pão divino é a sua Palavra de vida, que vivifica quem o recebe; é o pão da caridade (o cristão que pela sua caridade se torna pão para os outros) que satisfaz as necessidades vitais básicas de cada ser humano; é, sobretudo, o pão da Eucaristia, prefigurado na multiplicação dos pães como ensina o Novo Catecismo da Igreja Católica: “O milagre da multiplicação dos pães, quando o Senhor proferiu a bênção, partiu e distribuiu os pães a seus discípulos para alimentar a multidão, prefigura a superabundância deste único pão de sua Eucaristia” (n.1335). A superabundância divina é o supremo igualador do homem; suprime toda diferença, porque não há ninguém que não precise da generosidade de Deus. Por sua origem (em Deus), o homem é e deve continuar sendo generoso.
Sociologicamente falando, o pão é um fator de igualdade e de união. Há uma grande variedade de pão, e cada país tem suas formas próprias de fazer o pão, mas é pão para todos e o é por igual. Na mesa do rico ou do pobre, na mesa de qualquer nação ou povo há sempre pão; esse pão que é fruto da terra e do trabalho do homem.
A superabundância de pão é uma "memória" das maravilhas realizadas por Deus com os israelitas durante a peregrinação de quarenta anos pelo deserto em que lhes deu o maná, "o pão dos anjos" para comer. É necessário recordar, agradecer, ter a certeza de que Deus continua a fazer maravilhas ou prodígios também entre nós, dando-nos o pão da sua Palavra e da sua Eucaristia.
Um Olhar Específico Sobre o Texto Do Evangelho De Hoje
No texto do Evangelho do Domingo anterior (Mc 6,30-34), Jesus nos mostrava sua solicitude para com os apóstolos depois da primeira missão que lhes havia confiado. O Senhor, depois de escutar a explicação dos seus, leva-os para um lugar deserto para descansar. Mas a cena acaba nos mostrando Jesus instruindo a multidão que o seguia, pois “eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34). No marco desta solicitude de Jesus para com todos, o evangelista nos narra a multiplicação dos pães. No evangelista Marcos, esta solicitude beneficia à multidão que seguia a Jesus e o escutava (Mc 6,35-44). No evangelista João se trata dos que seguiam a Jesus pelos “sinais prodigiosos” que Jesus fazia (Cf. Jo 6,26-27). Um grupo segue a Jesus por motivo da fé (Marcos) e o outro (João) por motivo dos “milagres” (sinais). Mas tanto num caso como no outro, Jesus vela em favor dos que o seguem, não oferecendo-lhes somente o alimento de sua palavra e dos “sinais prodigiosos”, mas também em tudo aquilo que afetava a vida daquelas pessoas (fome, por exemplo) para que eles não ficassem sem atendimento. Jesus se preocupa com a vida da multidão carente do básico e se oferece como solução. Ele se compadece pela multidão. Jesus não se aproveita da multidão carente para ganhar algo (material, social etc.) e sim ele vem para servir a fim de que todos tenham vida abundantemente (Cf. Jo 10,10). De passagem, Jesus ensina os apóstolos a zelarem por todos como pastores do povo que lhes seria confiado: “Apascenta as minhas ovelhas” (Cf. Jo 21,15-17).
A multiplicação dos pães é um gesto profético que preanuncia a instituição da Eucaristia. No Evangelho de João este gesto se põe manifestamente, inclusive, no verbo que o evangelista utiliza para acompanhar o gesto de Jesus ao tomar os pães. O texto nos diz: “Jesus tomou os pães, deu graças” que é a mesma expressão usada na instituição da Eucaristia.
Na multiplicação dos pães se antecipa o que será a Eucaristia. É um dom de Jesus não somente para uns tantos e sim para todos aqueles que o seguem, para todos os que escutam suas palavras ou viram suas obras e põem sua esperança n´Ele. É dom que nos projeta para a abundância dos bens messiânicos no Reino futuro inaugurado por Jesus onde todos serão unidos na banquete eterno (Cf. Is 25,6-8). É o banquete celeste antecipado para nós todos já aqui na terra. É o céu aqui na terra. No humilde pão dos pobres (pão de cevada) que, nas mãos de Jesus se converte em alimento para todos há mesmos indícios que na água convertida no melhor vinho (Jo 2,1-12) que causa a alegria para todos, pois transforma a vida em festa mais alegre ainda.
O fragmento da Carta aos Efésios que lemos como a Segunda Leitura deste domingo é uma recordação e uma chamada a viver na unidade da vida cristã. Viver na unidade e na paz é a vocação para a qual todos os cristãos são chamados: “Aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança à qual fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos” (Ef 4,4-6).
Mensagem Do Evangelho
No Evangelho de João, como já sabemos, não se usa, nenhuma vez, o termo milagre, e sim “sinal”. O que ele chama de sinais são os gestos de Jesus. São chamados de Sinais porque remetem a algo mais profundo, ao significado. Somos convidados a descobrir o que tem por além de cada gesto de Jesus e de cada personagem. É um grande convite para irmos além daquilo que é cotidiano a fim de descobrir seu sentido para nossa vida.
O “Sinal dos pães”, que lemos no evangelho de hoje (Jo 6,1-15), é claramente um gesto profético. O lecionário assinala bem este elemento, propondo como Primeira Leitura, não a narração do maná (como o fará no próximo domingo), e sim a narração do milagre do profeta Eliseu. O paralelismo se acentua com o fato de que se trata de pães de cevada nos dois casos, isto é, pão simples, não refinado. É o alimento dos pobres. Os ricos comiam o pão de trigo. O evangelista João, por outro lado, destaca intencionalmente o desígnio de Jesus: “Ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer”, em paralelismo significativo com o começo da narração da Ceia de despedida: “Sabendo Jesus que chegara a sua hora... Sabendo que o Pai pusera em suas mãos” (Jo 13,1.3).
A multiplicação dos pães é o quarto sinal realizado por Jesus no Evangelho de João. Como sinal precisamos ir além do relato para descobrir seu sentido. Ao descobrir o sentido poderemos tirar mensagens para nos hoje. Por isso, vamos partir dos detalhes.
Entre os atos e o discurso de Jesus há uma espécie de intermédio que pretende centrar a questão sobre o verdadeiro alimento. Para subsistir, é preciso comer. O alimento é experiência de dependência. Alimentar-se significa depender de uma realidade externa de si. Eu sou solidário com o universo, pois eu dependo dele. Sem o universo da qual eu disponho, eu não posso viver. Em outras palavras, eu tenho uma dimensão cósmica dentro de mim. Esta dependência simboliza a relação da criatura com seu Criador. Eu existo por causa do Criador. Mas esta relação não é simplesmente uma relação por causa da lei da causa- efeito e sim uma relação constitutiva. O homem procura o alimento obedecendo à ordem do Criador (cf. Gn 1,28-29). Em Jo 6, são os discípulos que devem alimentar-se com um pão vindo do céu e viver assim a vida divina, a vida que não conhece o fim (eternidade).
O presente relato de João quer destacar o conhecimento sobre-humano de Jesus. Jesus aparece aqui como o Senhor. Desaparecem as marcas humanas como compaixão por uma multidão faminta que estava muito tempo sem comer (cf. Mc 6,34). Os sinóticos destacam mais a dimensão humanitária de Jesus do que sua dimensão divina. Toda a situação se desenvolve sob o controle de Jesus: ele sabe perfeitamente o que tem que fazer. Jesus tem a iniciativa em todo momento. Acentua-se a sua preocupação pelo homem para responder às suas necessidades mais profundas. O papel dos discípulos é reduzido.
Jesus em pessoa reparte para a multidão o alimento multiplicado que sai de suas mãos: “Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam”. Nos demais evangelhos requer a ajuda dos apóstolos para distribuir os alimentos para a multidão. Em João esta colaboração aparece mais escondida.
1. Jesus É a Nova Páscoa e Novo Moisés
O evangelho fala da multiplicação dos pães para alimentar o povo faminto. A fome é a enfermidade que causa muitas mortes: dezenas de milhares de crianças cada dia, dezenas de milhões de seres humanos cada ano. Mas a fome não é somente uma enfermidade, mas também a primeira escravidão. Jesus nos indica o caminho para sair dela.
O texto nos diz que a Páscoa, comemoração do êxodo de Israel do Egito, quando Deus alimentou o povo no deserto, estava para acontecer, mas Jesus saiu de Jerusalém “para outro lado do mar da Galileia” para uma região de pagãos, e o povo o seguiu. É chamada aqui “a Páscoa dos judeus” (v.4). É um detalhe importante. Lembremos que todo judeu devia ir a Jerusalém para celebrar a festa da Páscoa. Jesus saiu de Jerusalém porque Jerusalém se tornou lugar em que o povo é oprimido e explorado, se tornou um novo Egito. A Páscoa não é mais uma festa de liberdade e libertação e de vida, e sim uma ocasião para oprimir e explorar as pessoas (cf. Jo 2,13-22). Jesus provoca um “ novo êxodo ”, como fez Moisés do Egito para a terra prometida. Mas o Egito, lugar de opressão, agora é a Judéia. A Páscoa se torna vazia de sentido primordial. O fato de Jesus retirar-se para o outro lado do lago, em vez de ir para Jerusalém por causa da Páscoa, revela uma ruptura com as tradições dos antepassados que em vez de salvar, oprimem o povo. Jesus se torna, assim, uma nova Páscoa para o povo.
Jesus sobe à montanha, como Moisés no tempo do êxodo no deserto. A palavra “monte” aparece frequentemente na tradição sinótica e se relaciona com acontecimentos importantes (Sermão da Montanha em Mt 5,1; vocação dos doze em Mc 3,13; aparição depois da ressurreição em Mt 26,16). A menção da “montanha” aqui serve para destacar o contraste entre Moisés e Jesus. Moisés subiu e desceu várias vezes. Jesus sobe e senta com o povo. Ele é superior a Moisés. É com esse povo que ele celebrará a Páscoa que não tem fim, a festa da vida, a aliança eterna.
2. Jesus Alimenta O Povo Faminto E Ensina Todos A Serem Generosos
A conversa inicial entre Jesus e Filipe (v.5) lembra a que se passou entre Javé e Moisés, antes que Javé multiplicasse a carne que o povo pediu (cf. Nm 11,21-23). No tempo de deserto, o povo de Deus passou fome, e não só a carne, mas Deus também mandou o maná para o povo faminto (cf. Ex 16). Também neste quarto sinal realizado por Jesus a questão da sobrevivência aparece imediatamente. É preciso notar que Jesus se antecipa mais no relato de Jo do que nos sinóticos: o próprio Jesus dirige o diálogo inicial (vv.5-10) e distribui o pão (v.11); enquanto que nos sinóticos são os discípulos que tomam a iniciativa para lembrar Jesus de cuidar da multidão. Em Jo Jesus toma a iniciativa, pois se preocupa com a multidão e sabe o que vai fazer. Portanto, trata-se realmente de um relato que tem por objetivo revelar a pessoa de Jesus. Por isso também, a refeição proposta por Jesus tem por objetivo conduzir os discípulos até o mistério da pessoa de Jesus.
Jesus viu a multidão e disse a Filipe: “Onde vamos comprar pão para eles comerem?”. Segundo o texto Jesus interpela Filipe apenas para testar sua fé, pois Jesus sabe muito bem o que fazer. Além disto, através desta pergunta o texto quer nos dizer que a primeira preocupação de Jesus é com a sobrevivência do povo. Jesus provoca seus seguidores, representado por Filipe sobre como resolver a questão da fome do povo. Para Filipe a fome do povo não tem solução: “Duzentos denários de pão não seriam suficientes para que cada um recebesse um pedaço” (um denário é a diária de um lavrador: Mt 20,2, isto quer dizer que 200 dias de trabalho não são suficientes para alimentar tanta gente).
Surge André, o irmão de Pedro com uma solução: “Aqui há um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixes”. Ele representa a nova proposta diante da fome do povo. Pão de cevada e peixe eram a comida dos pobres (arroz e feijão para nós hoje). Os ricos comiam o pão de trigo. O menino e os pães cevadas lembram o profeta do pão, Eliseu, no AT (2Rs 4,42-44), que tinha por assistente o rapaz Giezi e permitiu a uma tropa de cem homens famintos saciar-se com uns vinte pãezinhos de cevada. Mas Jesus é maior que o profeta Eliseu. O menino neste relato tem generosidade de entregar seu pão e peixe. Ele não retém para si seu alimento nem pergunta de que ele se alimentará. O menino recorda, por isso, os pequenos que estão dispostos a servir e a partilhar os bens da vida, sem submetê-los à ganância.
Diante dos cinco pães e dois peixes, Jesus entra em ação e manda os discípulos acomodar/sentar as 5 mil pessoas na grama daquele lugar deserto. Naquele tempo somente as pessoas livres é que sentavam para tomar refeição. O gesto de sentar, portanto, funciona como tomada de consciência da própria dignidade e liberdade. Já vimos que o Templo de Jerusalém era chamado simplesmente de “o lugar”. O novo Templo em que Deus se encontra com a humanidade é lá onde acontecem a partilha dos bens da vida e a fruição da dignidade e da liberdade humanas. Jesus e o povo livre são o novo Templo. E isso vale para todos (Cf. 1Cor 3,16-17).
Jesus pega o pão do povo (pão de cevada) e faz a oração de agradecimento. O fato de que o pão abençoado por Jesus seja um pão de cevada, o pão dos pobres (detalhe que somente se encontra em Jo), reforça a idéia de que o banquete oferecido por Jesus satisfaz plenamente os “pobres de Javé” (os que confiam plenamente em Deus) com a plenitude do banquete messiânico. A refeição aponta para a refeição escatológica. Este elemento escatológico permite a João voltar, no discurso subsequente, às ideias de pão da vida e de pão da imortalidade.
Aqui ele não agradece ao menino que ofereceu os pães e sim a Deus. Esse detalhe é importante, pois coloca os bens que sustentam a vida dentro do projeto de Deus. Dando graças a Deus, Jesus está tirando os bens da vida das garras da ganância e do acúmulo para colocá-los no âmbito da partilha e da gratuidade.
Onde há partilha, não há fome. Onde há egoísmo, exploração, corrupção, há fome e miséria para a maioria. Dar graças a Deus significa reconhecer que algo que se possui é dom recebido de Deus; é reconhecer sua origem última em Deus. Tudo que temos e somos, a não ser nosso pecado, é de Deus. Ao partilhar o pouco ou muito que temos, nós, na verdade, estamos multiplicando o ato do Criador: dar-se pelo bem da humanidade. Ao partilhar o que temos, estamos, na verdade, prolongando a generosidade do Deus- Criador que criou tudo de graça para o ser humano. A proposta de Jesus, portanto, traz uma nova visão da economia: os bens que garantem e sustentam a vida não podem ser submetidos à ganância, pois Deus os destina a todos. A ganância é a vida sem coração. O ganancioso perde sua liberdade diante das coisas, pois as coisas o possuem ou mandam nele. Podemos ter as coisas, mas elas nunca podem nos possuir. Somos chamados a ser livres em Cristo.
A generosidade é um sinal de gratidão pelos benefícios recebidos de Deus e, ao mesmo tempo, manifesta a liberdade interior. O generoso não só dá as coisas para os necessitados, mas dá-se a si próprio por amor de Deus e do próximo, graças à sua liberdade interior. O generoso é livre interiormente porque ele não procura o seu próprio proveito, mas o daquele a quem favorece.
Por isso, a generosidade que se concretiza na partilha e na solidariedade não empobrece, mas é geradora de vida e de vida em abundância. Quando repartirmos com generosidade e amor aquilo que Deus colocou à nossa disposição, não ficaremos pobres, mas os bens repartidos tornam-se fonte de vida e de bênção para nós e para todos aqueles que deles são beneficiados.
Disso tudo aprendemos que se os bens da vida forem partilhados entre todos, todos ficarão satisfeitos e ainda sobrará muita coisa. Quando a vida é partilhada, todos a possuem plenamente, e ela transborda para todos. Deus pode multiplicar o pouco ou muito que temos, a partir daquilo que somos e temos, contudo que o ponhamos à sua disposição. Quando Deus e o homem colaboram numa obra salvífica, as forças de ambos não se somam mas se multiplicam. Aí está o milagre.
Outro detalhe que não se encontra nos sinóticos é que o próprio Jesus quem distribui os pães (e peixes) depois que foram abençoados. Isto quer dizer que este relato quer preparar os leitores e logo quer revelar-lhes que Jesus é o Pão da Vida. O discurso posterior retomará esta perspectiva onde Jesus se revelará como “Eu Sou”(Jo 6,35.48-50.51). E Jesus distribui os pães e peixes “quanto queriam”(v.11). Isto quer dizer que quando o Senhor dá, ele não é mesquinho; ele dá abundantemente.
3. Somos Chamados A Partilhar O Que Temos Para Os Outros
Jesus manda recolher os pães que sobraram. Quando o Senhor supre as necessidades do seu povo, há sempre abundância, mas não desperdício, pois desperdiçar alimento que não necessitamos, quando tantas pessoas vivem na miséria, é um insulto ao Doador divino. Além disto, o relato quer nos dizer que não importa com que abundância o Senhor distribui sua graça, ele sempre tem o suficiente para dar mais. O Senhor nunca fica mais pobre por sua generosidade. Como diz o Provérbio: ”Há quem seja pródigo(generoso) e aumenta sua riqueza, e há quem guarde sem medida e se empobrece”(Pr 11,23).Tudo isto quer dizer que o amor é sempre abundante. O amor dado e partilhado sempre multiplica seu número. Enquanto as coisas materiais vão diminuir sua quantidade cada vez que elas são divididas. O que Jesus quer dizer com isso é que sua comunidade não pode acumular, pois isso gera ganância. E o que é acumulado por alguns falta aos outros.
Os pães que sobraram encheram doze cestos. Convém recordar o relato de Eliseu: “Assim falou Javé: ‘comerão e ainda sobrará’...Eles comeram e ainda sobrou, segundo a palavra de Javé” (2Rs 4,43s). O que sobrou: doze cestos cheios. Doze é o número das tribos do antigo povo de Israel e também dos doze apóstolos que representam o novo povo de Deus: a Igreja. A abundância dos pães que sobraram quer enfatizar o aspecto escatológico desta refeição. Isto quer dizer que o Senhor não somente suprir as necessidades destas “ovelhas perdidas da casa de Israel”, mas também tem o suficiente para todos os povos(12= perfeição).
O Evangelho diz que Jesus se retira, pois a multidão queria fazê-lo rei. Mas Jesus negou ser rei que a multidão esperava. Antecipa-se, aqui, a afirmação que o próprio Jesus dirá para Pilatos: “Meu reino não é deste mundo”(Jo 18,36). Jesus como o enviado do Pai não tem pretensões políticas.
Na verdade, Jesus se retira para deixar seu gesto de amor compartilhado. Jesus saciou concretamente o povo faminto a partir de uma realidade terrestre. O pão que ele fornece não é somente o símbolo do pão sobrenatural: não é possível revelar o pão da vida eterna sem se engajar verdadeiramente nas tarefas da solidariedade humana. Os pobres e os miseráveis são o teste por excelência da qualidade de nossa caridade. Fica o gesto de amor de Jesus no ato de compartilhar o pão, e a nossa tarefa de continuar esse gesto ao longo da História, com todo os homens.
Na eucaristia
distribui-se o pão da vida eterna em abundância. Mas somente existe verdadeira
recepção desse pão da vida no despojamento e numa disponibilidade absoluta, que
faz de cada participante um irmão e uma irmã do próximo, especialmente dos
necessitados. Portanto, devemos nos perguntar: nós, cristãos, estamos dispostos
a isso deste mundo desgarrado? Os que têm, por pouco que seja, estão dispostos
a compartilhar? É pouco, na verdade, mas é preciso saber dar a partir da nossa
pobreza. Compartilhar o pão é palavra de vida. O Senhor pega o pouco alimento
que tinha, dá graças e o reparte. Não se diz que multiplica; contudo, dá para
todos, o amor que anima o gesto não tem
limite. Somos seguidores dele. O gesto dele deve ser também o nosso gesto. Os
seguidores de Cristo não podem partir em comunhão o pão eucarístico se não
estiverem dispostos a partilhar com os irmãos também o pão material.
P. Vitus Gustama,SVD
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