sábado, 10 de julho de 2021

XVI Domingo Comum, 18/07/2021

PERMANECER EM CRISTO, NOSSO GRANDE PASTOR, NOS TORNA COMPASSIVOS

XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM “B”

Primeira Leitura: Jr 23,1-6

1“Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho de minha pastagem, diz o Senhor! 2Deste modo, isto diz o Senhor, Deus de Israel, aos pastores que apascentam o meu povo: Vós dispersastes o meu rebanho, e o afugentastes e não cuidastes dele; eis que irei verificar isso entre vós e castigar a malícia de vossas ações, diz o Senhor. 3 E eu reunirei o resto de minhas ovelhas de todos os países para onde foram expulsas, e as farei voltar a seus campos, e elas se reproduzirão e multiplicarão. 4Suscitarei para elas novos pastores que as apascentem; não sofrerão mais o medo e a angústia, nenhuma delas se perderá, diz o Senhor. 5 Eis que virão dias, diz o Senhor, em que farei nascer um descendente de Davi; reinará como rei e será sábio, fará valer a justiça e a retidão na terra. 6 Naqueles dias, Judá será salvo e Israel viverá tranquilo; este é o nome com que o chamarão: ‘Senhor, nossa Justiça’”. 

Segunda Leitura: Ef 2,13-18

Irmãos: 13 Agora, em Jesus Cristo, vós, que outrora estáveis longe, vos tornastes próximos, pelo sangue de Cristo. 14 Ele, de fato, é a nossa paz: do que era dividido, ele fez uma unidade. Em sua carne ele destruiu o muro de separação: a inimizade. 15 Ele aboliu a Lei com seus mandamentos e decretos. Ele quis, assim, a partir do judeu e do pagão, criar em si um só homem novo, estabelecendo a paz. 16 Quis reconciliá-los com Deus, ambos em um só corpo, por meio da cruz; assim ele destruiu em si mesmo a inimizade. 17 Ele veio anunciar a paz a vós, que estáveis longe, e a paz aos que estavam próximos. 18 É graças a ele que uns e outros, em um só Espírito, temos acesso junto ao Pai. 

Evangelho: Mc 6,30-34

Naquele tempo, 30os apóstolos reuniram-se com Jesus e contaram tudo o que haviam feito e ensinado. 31Ele lhes disse: “Vinde sozinhos para um lugar deserto e descansai um pouco”. Havia, de fato, tanta gente chegando e saindo que não tinham tempo nem para comer. 32Então foram sozinhos, de barco, para um lugar deserto e afastado. 33Muitos os viram partir e reconheceram que eram eles. Saindo de todas as cidades, correram a pé, e chegaram lá antes deles. 34Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas.

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As leituras deste Domingo nos colocaram o contraste: Jeremias, na Primeira Leitura, se queixa do modo de atuar dos pastores de seu povo. Como em outras páginas proféticas (Ezequiel, por exemplo), Deus denuncia que os falsos pastores se buscam e pregam a si mesmos, que buscam seu próprio interesse e não o das ovelhas, descuidando de seu dever: “Vós dispersastes o meu rebanho, e o afugentastes e não cuidastes dele” (Jr 23,2). Deus promete que suscitará um bom pastor (Primeira Leitura e Salmo Responsorial). Nós vemos em Cristo a imagem perfeita deste Pastor (Evangelho). 

Além do contraste, REUNIR é o conceito chave das leituras deste domingo. “Eu reunirei o resto de minhas ovelhas de todos os países para onde foram expulsas, e as farei voltar a seus campos, e elas se reproduzirão e multiplicarão”, diz Deus  na Primeira Leitura. Jesus vê a multidão com compaixão e exclama: “Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” (Evangelho), mas Ele, bom Pastor, as reúne em um só rebanho (Jo 10,16). 

Jesus, bom Pastor, reúne também em um só rebanho o que “estavam longe” (pagãos) e os que “estavam perto” (judeus) por meio de seu sangue derramado na Cruz (Segunda Leitura).

Unir” ou “reunir” é um termo teológico que tem como sinônimo salvação. O projeto de Deus é unir a humanidade numa só família na qual um cuida do outro, um protege o outro, onde o relacionamento se nivela, onde um se esforça para que o outro cresça e tenha voz e vez. A meta da vida humana é a união plena com o seu Criador. Este é o máximo que o homem pode ou possa alcançar. A comunidade que se deixa guiar pelo Espírito de Deus é a comunidade onde a ação de Deus modifica profundamente as relações humanas, levando à partilha, à relação, à união, à comunhão porque todos se amam ou se deixam conduzir pelo amor (cf. Jo 13,35).

Jesus veio para reunir na unidade todos os filhos de Deus como profetizava o profeta Ezequiel (Ez 37,21-28). Deus se apresenta como Aquele que procura a união: “Farei deles uma única nação...” (Ez 37,22). O próprio Deus é, em si mesmo, um mistério de unidade: Três constituídos em um: Santíssima Trindade. E o homem foi criado à imagem de Deus, e por isso ele deve viver essa imagem na convivência com os demais: união e unidade a exemplo da Santíssima Trindade. Essa imagem deve fazer os homens conviverem mais solidários com os demais, ajudarem-se mutuamente, protegerem-se, tratarem os outros como irmãos. Como imagem de Deus, o homem jamais pode ser causador do racismo, da discriminação, do separatismo ou de qualquer espécie de divisão, pois filhos do mesmo Pai celeste são amados pelo mesmo Pai incondicionalmente.

Qualquer homem que acredita em Deus deve aspirar à unidade: estar juntos, estar de acordo, estar no mesmo coração, estar em concórdia, amar e ser amado. Qualquer pai ou mãe quer ver seus filhos unidos. Qualquer filho ou filha quer ver seus pais unidos até a morte. A aspiração pela unidade subsiste como um anseio de felicidade. Cada Cristão deve ser fator da união, da comunhão, pois ele acredita no Deus da comunhão.

Antes tirar algumas mensagens, vamos falar um pouco do contexto do texto do Evangelho deste domingo! A seção que se desenvolve de Mc 6,30 a Mc 8,26 é chamada, comumente, “Seção do pão”, porque o pão é a nota dominante em torno da qual se orquestra toda a narrativa que culmina nos dois relatos da multiplicação (Mc 6,34-44; 8,1-10).

Há três temas desenvolvidos e interligados, dentro do tema do pão, nesta seção:

·      O pastor: o cabeça-messiânico  do novo povo de Deus, conduzido através do deserto.

·      O repouso.

·      O alimento

O tema sobre o pastor é o dominante. Ainda que não seja anunciado explicitamente, tudo concorre a colocar em destaque aquela imagem (pastor), a fazer olhar naquela direção. Além disso, a recordação do Êxodo (Ex 15,13) é evidente a referencia ao Salmo 23: “O Senhor é meu pastor, nada me falta. Em verdes pastagens ele me faz repousar. Para as águas tranquilas me conduz e restaura minhas forças; ele me guia por caminhos justos, por causa do seu nome. ... Diante de mim preparas a mesa...”.

O ponto de partida é a compaixão, a piedade para essa multidão “porque eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34). A solicitude de pastor-líder faz seu rebanho se manifesta assegurando: o ensinamento e a comida (multiplicação de pães). 

Os dois elementos (ensinamento/palavra e comida/pão), no entanto, constituem o alimento do povo de Deus. Jesus Cristo não alimenta a multidão somente com pão, mas também com sua Palavra que é alimento. Além disso, a palavra é capaz de reunir, de “fazer” um povo. Diga-se mais que antes de ser reunidos pela exigência do alimento, estes indivíduos são reunidos pela exigência da escuta da Palavra. 

É duplo: em primeiro lugar apresentar Jesus como o Pastor que reúne, instrui e nutre o novo povo. Em segundo lugar, a tarefa dos apóstolos como aqueles que estão associados ao ministério de Jesus (depois de ter sido formados por ele, se convertem em intermediários entre Ele e a multidão).

Mas aqui, a figura do pastor assume uma característica inédita. Na tradição do Antigo Testamento, com efeito, o pastor assegura para o rebanho o descanso, a pastagem, mas não desenvolve nenhuma atividade de ensinamento. Jesus, pelo contrário, tem algo a mais como pastor: alimenta seu povo com a doutrina: “Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6,34).

Vamos destacar alguns pontos do evangelho de hoje e tirar algumas mensagens, além daquilo que foi falado acima!

1. É Preciso Ter Tempo Para Estarmos A Sós Com Deus   

O Evangelho do Domingo anterior falava do envio dos Doze  como “apóstolos”(enviados) em pares (dois a dois) à missão com autoridade recebida de Jesus para dominar os espíritos impuros (Mc 6,7). O Evangelho deste Domingo relata a volta dos enviados dessa missão. Eles se reúnem ao redor de Jesus, contam-lhe o que fizeram e ensinaram.     

Ouvido o relato dos discípulos, sem dar-lhes nenhum sinal de aprovação, Jesus tem uma reação imediata: quer falar a sós com eles: “Vinde vós sozinhos à parte, a um lugar deserto, para descansar um pouco.” Nesta frase do evangelista Marcos tem um conteúdo teológico profundo.  

Vinde”/”venham” recorda o primeiro chamado ao seguimento (Mc 1,17). O lugar deserto/despovoado alude à ruptura com os valores da sociedade (Mc 1,35.45). A expressão à parte indica que Jesus pretende de novo sanar as incompreensões dos discípulos (cf. Mc 4,34), porque muitas vezes os discípulos não captaram o sentido das palavras de Jesus. Consequentemente, o Evangelho de Marcos contém a pedagogia de Jesus. Entendemos por pedagogia o processo de formação que permite às pessoas crescerem em sua consciência e liberdade, tornando-as autônomas e livres para tomar as melhores decisões. O verbo descansar é usado (em Is 14,3) para significar a libertação do cativeiro de Babilônia realizada por Deus. Marcos alude a essa passagem para indicar que Jesus quer libertá-los da ideologia que os domina, impedindo-lhes o seguimento e a liberdade como filhos de Deus.         

Antes de continuarmos a nossa reflexão, precisamos parar para tirar alguma lição do convite de Jesus para descansar. Este texto nos mostra, na verdade, o ritmo da vida cristã. A vida cristã é um ir contínuo à presença de Deus da presença de homens e um sair da presença de Deus para a presença de homens. Só na medida em que alguém descobrir e viver a oração/vida espiritual, poderá experimentar a obra de amor como serviço de Deus. E na medida em que ele adorar Deus no serviço ao próximo, sentirá o desejo insaciável de ir à parte, a um lugar deserto para estar só com o Cristo, só com Ele. Sem isto, a espiritualidade será trocada pelos espíritos do mundo e suas ideologias.          

Há sempre dois perigos no ritmo da vida de cada cristão. O primeiro perigo é o perigo de atividade constante/sem parar. Ninguém pode trabalhar sem descansar. E ninguém pode viver a vida cristã, se ele não tiver tempo para estar com Deus. O grande perigo de nossa vida é que não damos a Deus  nenhuma oportunidade para ele falar para nós porque não sabemos como ficar em silêncio e como aprender a parar nenhum minuto. Nós não damos a Deus tempo para ele nos reabastecer com sua força porque não temos tempo para esperá-lo e falar com ele. Temos que nos abrir ao que há de eterno nas coisas. Se alguém não for despojado, pobre no espírito, terá, inconscientemente, tendência a executar a obra que tem a fazer para a sua própria satisfação e não para a glória de Deus. Será virtuoso não porque ama a vontade de Deus, mas porque deseja admirar suas próprias virtudes ou obras. Ele se esquece da fonte dessas virtudes que é Deus, como alguém que bebe a água e se esquece de cuidar da fonte, por isso, acaba não tendo mais a água para sobreviver. Quanta carga pesada desta vida que temos que carregar, quando não tivermos contato com Deus que é o Senhor de tudo de bom nesta vida. Santo Agostinho dizia: “Em qualquer lugar para onde o homem se dirija, se não se apoiar em Deus, sempre encontrará dor”.          

O grande desafio à nossa felicidade é o desafio do demais: há coisas demais para fazer, distrações demais, barulho de mais. Achamos que precisamos fazer mais, ir a mais lugares, querer e realizar mais coisas. Enquanto o dia continua tendo vinte e quatro horas, e o ano com os seus doze meses.          

Parar é uma arte. Isto quer dizer que não se deve confundir ficar sem fazer nada com uma falta total de atividade. Parar significa permitir que a vida aconteça para que quando avançarmos, avancemos na direção que queremos e que, em vez de estarmos apenas sendo empurrados pelo ritmo das nossas vidas, estejamos escolhendo, a cada momento, o que é melhor para nós. Sem parar, além de recordarmos quem somos como objetivo de parar, vai ficar muito problemático ir adiante. Por isso, parar é uma manifestação de querer ir a frente e de querer melhorar a qualidade de vida e de convivência. Parar, mesmo por alguns minutos, faz com que percebamos os significados essenciais de nossa vida e recordemos constantemente o que é realmente importante para nós nesta vida, de modo a podermos manter nossas prioridades em ordem e em dia.           

O segundo perigo é o de afastarmo-nos de mais da realidade só para rezar. Devoção que não se coloca em ação/na prática não é devoção verdadeira. Oração que não se traduz na prática não é oração verdadeira. Nunca podemos procurar a amizade com Deus só para evitar a amizade com os homens, mas ao contrário, procuramos a amizade com Deus para melhorar nossa amizade com os homens. A vida cristã é o encontro recíproco com Deus no lugar deserto e servindo homens no lugar público.          

O senhor sempre nos convida para irmos com ele a um lugar à parte. Mas se vamos para lugar à parte para estar com Cristo apenas para nos livrarmos da companhia de pessoas que não nos agradam, não encontraremos nem a paz, estaremos num mero isolamento. Ir para lugar à parte não a fim de fugir dos homens, mas para encontrá-los em Deus. O simples fato de viver em soledade(solidão) não isola o homem, como simples fato de viver com outros nem sempre leva os homens à comunhão com os outros. Não vamos para o lugar à parte(estar com Jesus) com o intuito de fugir das pessoas e sim para aprender como encontrá-las. Não nos separamos delas, mas para encontrar o melhor modo de fazer-lhes bem. O silêncio é solidão em comunhão, e é assim que nos torna solidários com todos. Uma vida espiritual verdadeira nos faz alertas e conscientes em relação ao mundo à nossa volta, de forma que tudo o que é e acontece torna-se parte de nossa contemplação e meditação e convida-nos a uma resposta livre e sem medo.          

Portanto, temos duas grandes lições a aprender da primeira parte do Evangelho deste Domingo: A primeira, se cada Domingo somos enviados à missão, então, também nós voltamos sempre de novo para junto de Jesus, a fim de contar a ele o que fizemos e ensinamos durante uma semana que passou. O que é que tenho feito no campo da missão/evangelização ? Que tipo de participação que tenho na missão de Jesus ? Ou eu me preocupo apenas com meu próprio interesse ? Ao voltarmos dessa missão, com Jesus transformaremos nossa ação missionária em ação de graças. A segunda lição: cada cristão tem necessidade de ficar a sós com Jesus. Não é possível comunicar o que não se tem. É o grande ensinamento da necessidade do retiro, de aprofundar nossa vida espiritual.          

O desejo de Jesus de estar sozinho com os discípulos não se concretizou, porque a multidão chegou antes deles, no lugar para onde se dirigiam. Embora irrealizado, o desejo de Jesus não pode ser descartado, sem mais. O ativismo é um perigo que deve ser evitado. O ativismo, com o passar do tempo, poderá se mostrar prejudicial. O excesso de atividades levaria qualquer um de nós a se desviar do verdadeiro sentido de nossa missão neste mundo como cristãos. Um cristão que se envolve em muitas atividades, desempenha uma variedade muito grande de tarefas, às vezes/muitas vezes, faz tudo isso seguindo os próprios impulsos, as próprias ideias e se esquece de entrar em sintonia com a Palavra de Deus. Deste modo acaba por responder às necessidades e exigências segundo exclusivamente o que é sugerido pela lógica humana.         

Isto acontece porque não se aprende a ter a coragem de parar um pouco para meditar junto com Cristo, para rezar e para avaliar com ele o que se planeja e o que foi feito. Por isso, é bom ouvirmos novamente o convite de Jesus: “Vinde vós sozinhos à parte, a um lugar deserto, e descansai um pouco”. Cada um tem que responder!

2. Jesus Se Compadece Pela Multidão: É Preciso Ser Cristão Compassivo          

Assim que Jesus desembarcou, viu uma grande multidão e ficou tomado de compaixão por eles, pois estavam como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas”(v.34). A passagem é entranhável e digno de meditação. Jesus é o Bom Pastor: não se converte em pastor porque há um rebanho, não se aproveita dos que andam soltos e desorientados, como fala a Primeira Leitura de hoje (Jr 23,1-6). Jesus não é um demagogo. Por isso, tem compaixão da multidão, uma compaixão que o leva a morrer por todos para que todos tenham vida (Cf. Jo 10,10), pois veio para servir e não para ser servido (Mc 10,45). No início do seu Evangelho, Mc relatou também que Jesus teve o mesmo sentimento de compaixão em relação ao leproso (cf. Mc 1,41). 

O verbo “Compadecer-se” ou “Comover-se” se usava no judaísmo somente ao falar de Deus; e no NT, somente de Jesus. Compaixão é o amor entranhado de Deus pelos homens manifestado em Jesus. A compaixão é a característica divina. A compaixão não conhece marginalização alguma, pois o reinado de Deus não exclui ninguém da salvação. Compaixão é sentir com outrem, achegar-se ao seu lugar, assumir-lhe a experiência e a dor. A compaixão atinge o próprio centro da pessoa, nas próprias vísceras. Assim se comporta Deus, segundo AT (cf. Is 63,15;Jr 31,20). A compaixão é comover-se até as entranhas, solidarizar-se profundamente, sentir a partir de outrem, é sofrer- com. A compaixão requer que eu esteja com as pessoas que sofrem, e disposto a partilhar meu tempo e meu coração com eles. Quando eu compartilhar meu coração com uma pessoa que sofre, uma parte dela não será tocada pelo sofrimento. O meu coração partilhado alivia a dor do outro. Assim é que vivia Jesus e é assim também que os seus seguidores devem viver.          

A resposta de Jesus aos ignorantes, aos famintos, aos cegos, aos leproso, às viúvas e a todos os que chegavam até ele com o seu sofrimento brotou da compaixão divina que levou Deus a tornar-se um de nós. Por causa da sua compaixão pela humanidade é que Deus escolheu ser um Deus-Conosco. O nosso Deus é chamado de Emanuel(cf. Mt 1,23;18,20;28,20; cf. também Jo 1,14), porque ele se comprometeu a viver em solidariedade conosco, a compartilhar conosco as alegrias e as dores, a nos defender e nos proteger, e a sofrer conosco tudo em nossa vida.           

A compaixão que Jesus propõe nos desafia a abandonarmos o nosso apego e a entrarmos com ele na vida corajosa do próprio Deus. Jesus nos convida a sermos tão próximos uns dos outros como Deus é em relação a nós mesmos. Jesus nos pede que desmascaremos a ilusão da nossa própria competitividade, que deixemos de nos apegar às nossas distinções imaginárias como fontes de identidade. Este novo eu, o eu de Jesus Cristo, nos torna possível sermos compassivos como nosso Pai é compassivo. Esta nova identidade, livre de da ganância e do desejo de poder, nos permite entrarmos tão plena e incondicionalmente nos sofrimentos dos outros e curarmos os doentes.          

Neste texto, Jesus se compadece porque o povo está “como ovelhas sem pastor”. A referência ao AT é evidente. Josué foi escolhido por Deus para ser sucessor de Moisés “para que a comunidade do Senhor não seja como um rebanho sem pastor(Nm 27,17). Ezequiel denuncia os líderes do povo que se preocupam mais com a própria vida do que com a do rebanho(Ez 34,3-4). Zacarias lamenta sobre o povo que “não tem pastor” por causa da falsa liderança(Zc 10,2)etc.. No AT o “pastor” significa autoridade ou liderança política, enquanto que as “ovelhas” representam o povo. Ao dizer que eles(povo) “... estavam como ovelhas sem pastor”, o texto quer dizer que os pastores, em vez de defender as ovelhas, as oprimem e exploram. A ganância dos “lobos” é tanta que as “ovelhas” não têm o que comer(cf. Mc 6,36). Os “lobos” devoram as “ovelhas”.          

Jesus assume o papel de pastor de Israel, e seu objetivo é dar alimento às ovelhas(cf. Mc 6,35-44 fala da multiplicação dos pães para alimentar o povo abandonado pelos líderes falsos em contraposição com o banquete dado por Herodes para os “grandes”. cf. Mc 6,21-29). 

A exemplo de Jesus, o cristão deve ter ternura no coração, comunicar a paz e derrubar os muros da divisão, do ódio e dos prejuízos. Em Cristo é estabelecida a profunda razão da união e da solidariedade entre os homens e, por conseguinte, da paz, como enfatiza São Paulo na Segunda Leitura de hoje: “Ele, de fato, é a nossa paz: do que era dividido, ele fez uma unidade. Em sua carne ele destruiu o muro de separação: a inimizade (Ef 2,14). Em Cristo temos acesso a Deus em um mesmo Espirito (Ef 2,18), temos também o mesmo fundamento (Ef 2,20) e a humanidade é um templo único e um corpo único. Por isso, os interesses particulares, os ódios e por isso, a falta de paz são algo absurdo para os cristãos autênticos. 

Em nossa vida corrente estamos muito acostumados aos extremismos classificatórios: bons e maus, amigos e inimigos, progressistas e conservadores, nacionalistas e separatistas e assim por diante. Algo parecido passava na Igreja primitiva: o normal era pensar e atuar segundo a grande divisão religiosa: judeus e pagãos. A Segunda Leitura de hoje (Ef 2,13-18) vem corrigir tudo isso. Os cristãos tem que olhar para o mundo da perspectiva do sacrifício salvador de Cristo. Em seu sangue já não há próximo e distante, nem bons nem maus, nem judeu nem pagão, e sim somente um único povo de irmãos, unidos pelo mesmo sangue de Cristo, pelo mesmo amor do Pai comum, pela mesma força do mesmo Espirito. A divisão cria incompreensão, desprezo, e até ódio. Cristo, nossa paz e fonte de nossa unidade, cria em si mesmo uma humanidade nova, na qual as diferenças ficam abolidas pelo amor: Deus ama todos nós e nós devemos nos amar mutuamente (Jo 13,34-35; 15,12). Esta é a nova criatura, nascida do sacrifício reconciliador de Cristo Jesus. 

Será que cada um de nós, como seguidor de Jesus, reflete  a liderança de Jesus Cristo, o Bom Pastor? Será que nos revestimos da compaixão na convivência com os demais, especialmente com aqueles que são mais necessitados?

P. Vitus Gustama,svd

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