sexta-feira, 4 de junho de 2021

Sagrado Coração De Jesus, 11/06/2021

SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

I Leitura: Os 11,1.3-4.8c-9

Assim diz o Senhor: 1“Quando Israel era criança, eu já o amava, e desde o Egito chamei meu filho. 3Ensinei Efraim a dar os primeiros passos, tomei-o em meus braços, mas eles não reconheceram que eu cuidava deles. 4Eu os atraía com laços de humanidade, com laços de amor; era para eles como quem leva uma criança ao colo, e rebaixava-me a dar-lhes de comer. 8cMeu coração comove-se no íntimo e arde de compaixão. 9Não darei largas à minha ira, não voltarei a destruir Efraim, eu sou Deus, e não homem; o santo no meio de vós, e não me servirei do terror”.

II Leitura: Ef 3,8-12.14-19

Irmãos, 8 eu, que sou o último de todos os santos, recebi esta graça de anunciar aos pagãos a insondável riqueza de Cristo 9e de mostrar a todos como Deus realiza o mistério escondido nele, o criador do universo. 10Assim, doravante, as autoridades e poderes nos céus conhecem, graças à Igreja, a multiforme sabedoria de Deus, 11de acordo com o desígnio eterno que ele executou em Jesus Cristo, nosso Senhor. 12Em Cristo nós temos, pela fé nele, a liberdade de nos aproximarmos de Deus com toda a confiança. 14É por isso que dobro os joelhos diante do Pai, 15de quem toda e qualquer família recebe seu nome, no céu e sobre a terra. 16Que ele vos conceda, segundo a riqueza da sua glória, serdes robustecidos, por seu Espírito, quanto ao homem interior; 17que ele faça habitar, pela fé, Cristo em vossos corações, e que estejais enraizados e fundados no amor. 18Tereis assim a capacidade de compreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura, a profundidade, 19e de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo conhecimento, a fim de que sejais cumulados até receber toda a plenitude de Deus.

Evangelho: Jo 19,31-37

31Era o dia da preparação para a Páscoa. Os judeus queriam evitar que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque aquele sábado era dia de festa solene. Então pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas aos crucificados e os tirasse da cruz. 32 Os soldados foram e quebraram as pernas de um e depois do outro que foram crucificados com Jesus. 33Ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas; 34 mas um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. 35 Aquele que viu, dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que fala a verdade, para que vós também acrediteis. 36Isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura, que diz: “Não quebrarão nenhum de seus ossos”. 37E outra Escritura ainda diz: Olharão para aquele que transpassaram”.

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O Papa Pio XII nos deu o que poderíamos chamar de “Carta Magna" de devoção e amor ao coração de Cristo em sua encíclica Haurietis Aquas: Sobre O Culto Do Sagrado Coração De Jesus, de 15 de maio de 1956. “Inumeráveis são as riquezas celestiais que nas almas dos fiéis infunde o culto tributado ao sagrado coração, purificando-os, enchendo-os de consolações sobrenaturais, e excitando-os a alcançar toda sorte de virtudes” (Haurietis Aquas n.2).

Para o Papa Pio XII o mistério do Sagrado coração de Jesus que nos redimiu é o mistério de amor divino: “O mistério da divina redenção é, antes de tudo e pela sua própria natureza, um mistério de amor: isto é, um mistério de amor justo da parte de Cristo para com seu Pai celeste, a quem o sacrifício da cruz, oferecido com coração amante e obediente, apresenta uma satisfação superabundante e infinita pelos pecados do gênero humano: Cristo, sofrendo por caridade e obediência, ofereceu a Deus alguma coisa de valor maior do que o exigia a compensação por todas as ofensas feitas a Deus pelo gênero humano. Além disso, o mistério da redenção é um mistério de amor misericordioso da augusta Trindade e do divino Redentor para com a humanidade inteira, visto que, sendo esta totalmente incapaz de oferecer a Deus uma satisfação condigna pelos seus próprios delitos mediante a imperscrutável riqueza de méritos que nos ganhou com a efusão do seu precioso sangue, Cristo pode restabelecer e aperfeiçoar aquele pacto de amizade entre Deus e os homens violado pela primeira vez no paraíso terrestre por culpa de Adão e depois, inúmeras vezes, pela infidelidade do povo escolhido” (Haurietis Aquas n.20). 

Mensagem Das Leituras Desta Solenidade

As três leituras de hoje falam do amor. A Primeira Leitura nos descreve o amor de Deus por seu “filho”, Israel. Trata-se de um amor que se manifesta sob todas as formas de ternura. O profeta Oséias apresenta uma das mais belas e profundas sínteses do amor de Deus: “Quando Israel era criança, eu já o amava, e desde o Egito chamei meu filho. Ensinei Efraim a dar os primeiros passos, tomei-o em meus braços, mas eles não reconheceram que eu cuidava deles” (Os 11,2-3). O amor é apresentado como a causa do nascimento de Israel, a chave da eleição. Todo o amor terno, mas educador de Deus se resume na imagem do pai que coloca o filho no seu colo e o ajuda a comer. Todas estas imagens intentam traduzir a realidade vital de compromisso de Deus a favor do homem.

Mas, por outro lado, Israel desprezou o dom de amor. Pecar, opção de escravidão, de retorno ao Egito é, para o profeta Oseias, obrigar Deus, o mais amoroso dos pais, a castigar Israel. No entanto, o castigo não é a última palavra do Senhor, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8.16). No coração de Deus há uma espécie de “conversão”. O profeta Oséias descreve tudo isto com uma afirmação única em toda a literatura profética: “Não executarei o ardor de minha ira, não voltarei a destruir Efraim, pois eu sou Deus, e não um homem; eu sou santo no meio de ti, não retornarei com furor” (Os 11,9). Aqui o coração de Deus aparece desnudo: Ele não pode irritar-se nem destruir; não pode abandonar o filho infiel que saiu de casa. Aqui se vislumbra já a imagem do pai da parábola do filho pródigo: deve espera-lo, correr ao seu encontro, abraça-lo e dar uma festa em sua honra.

Na Segunda Leitura se expressa precisamente o amor de Deus pelos homens: o amor de Deus se ata pela fidelidade a sua aliança, como mostra o matrimonio do profeta Oséias com uma prostituta: apesar da infidelidade da esposa, o marido (Oséias) continua a ir atrás da esposa infiel. O amor fiel e eterno de Deus pelos homens continua sendo incompreensível para o homem (Cf. Jo 3,16). 

Desde toda a eternidade, Deus teve o desígnio de criar por amor e de chamar os homens à filiação adotiva em união com o Verbo Encarnado (Cristo). Este desígnio é, em primeiro lugar, um desígnio de salvação. Este plano de amor, escondido em Deus desde o princípio dos séculos foi revelado por seu Filho e todos nós temos o encargo de anuncia-lo e de fazer que todos possam alcançá-lo. 

Consequentemente, a religião que temos que anunciar não é, antes de tudo, uma instituição e sim uma religião de amor na qual Deus e o homem estão estreitamente unidos por amor, e na qual a comunidade ocupa o primeio lugar entre as preocupações por ser sinal do triunfo de amor. Desta maneira, alcançaremos nossa plenitude e nos é possível entrar na plenitude de Deus. 

Se o homem não estiver enraizado no amor, ou estabelecido no amor, será impossível compreender “a largura, o comprimento, a altura, a profundidade do amor de Cristo, que ultrapassa todo conhecimento”. Este é o grito entusiástico de são Paulo quando escreve aos Efésios.

No capitulo 19 do evangelho de são João, onde se encontra o texto do Evangelho de hoje, e particularmente nos versículos 34-35, aludindo ao sangue e à água que jorrava do lado de Cristo trespassado pela lança, viu-se uma referência aos capítulos 6 e 7 do mesmo evangelho. Em Jo 6 trata-se do dom de seu corpo e seu sangue, que Cristo quer dar aos seus, mas os versículos 51 e seguintes sugerem como isso vai acontecer. Por este sangue brotado do lado de Cristo que morreu e se entregou, vemos agora como este alento depende intimamente da morte de Cristo, que se ofereceu como sacrifício em cumprimento da vontade de seu Pai. Jo 7: “De seu seio jorrarão rios de água viva”, também agora encontra seu significado. Desta maneira caímos em conta de que neste relato da Paixão, a totalidade dos detalhes são sinais preciosos. De fato, todos os fatos da vida de Cristo têm suas consequências eternas. 

O texto do Evangelho de hoje nos diz: “Um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água”. O sangue que sai do lado de Jesus representa a sua morte, que ele aceita para salvar a humanidade (cf. 18,11). É a expressão de sua glória, do seu amor ao extremo (1,14; 13,1), do pastor que se entrega pelas ovelhas (10,11), do amigo que dá a vida pelos seus amigos (15,13). Esta prova máxima de amor, que não se detém diante da morte, é objeto de contemplação para a comunidade de João (1,14: contemplamos a sua glória).

A água que brota do lado representa o Espírito, princípio de vida que todos poderiam receber quando manifestasse sua glória, segundo o convite que fez Jesus no grande dia da festa (Jo 7,37-39). Anunciava-se neste texto (Jo 7,37-39) o cumprimento da profecia de Ezequiel. Naquela cena, Jesus convidava a aproximar-se dele neste último dia para beber a água que havia de brotar de sua entranha. É Jesus na Cruz o Novo Templo de onde brotam os rios do Espírito (Jo 7,38; Cf. Ez 47,1.12), a água que se converterá no homem em um manancial que sai dando vida sem fim (Jo 4,14). 

Nossa Devoção Ao Sagrado Coração De Jesus

O que queremos dizer ao falar do coração de Jesus ou de um coração humano?

Geralmente, uma pessoa com coração é uma pessoa profunda e ao mesmo tempo próxima; cativante e compreensivo, capaz de sentir emoções e também de ir ao fundo das coisas e acontecimentos. Por isso, para o homem antigo ter coração equivale a ser uma personalidade íntegra.

O coração simbolizou para a grande maioria das culturas o centro da pessoa, onde retorna à unidade e à complexidade múltipla de suas faculdades, dimensões, níveis, camadas de fusão: o espiritual e o material, o afetivo e o racional, o instintivo e o intelectual. Uma pessoa com coração não é dominada pelo sentimentalismo, mas quem atingiu a unidade e a coerência, um equilíbrio de maturidade que lhe permite ser objetivo e cordial, lúcido e apaixonado, instintivo e racional; ela nunca é fria, mas sempre cordial, ela nunca é cega, mas sempre realista. 

O coração representa o ser humano em sua totalidade; é o centro original da pessoa humana, o que lhe dá unidade. O coração é o centro de nosso ser, a fonte de nossa personalidade, o motivo principal de nossas atitudes e escolhas livres, o lugar da misteriosa ação de Deus. Apesar de poderem existir o bem e o mal nas suas profundezas, o coração continua sendo símbolo de amor. Por isso, a essência mais profunda da realidade pessoal é o amor. O homem foi criado para amar e ser amado. Fora disto ele perderia a razão de ser e de viver. “Ama e faze o que tu quiseres” (Santo gostinho).

Em resumo, o coração é o símbolo de profundidade e intensidade de uma ideia. Somente aqueles que alcançaram uma harmonia consciente com as profundezas de seu ser podem alcançar a unidade e a maturidade pessoais.    

A devoção ao Coração de Jesus está totalmente de acordo com a essência do cristianismo que é religião de amor (cf. Jo 13,34-35), pois o cristianismo tem como objetivo o aumento de nosso amor a Deus e ao próximo (cf. Fl 1,9). O símbolo deste amor é o coração de Jesus que ama a todos sem medida. Jesus Cristo é a encarnação do amor de Deus por nós desde a eternidade: “Eu te amei com amor eterno, por isso conservei para ti o amor” (Jr 31,3). Em cada página dos evangelhos fala-se do amor de Jesus por nós. “Tudo o que Deus queria nos dizer de si mesmo e de seu amor, ele o depositou no coração de Jesus e o expressou através deste Coração. Através do Coração de Jesus lemos o eterno plano divino da salvação do mundo. E trata-se de um projeto de amor” (João Paulo II).     

A devoção ao Sagrado coração de Jesus quer nos chamar de volta à primordial razão de nosso ser: amar. “Quanto mais tu amas, mais alto tu sobes” (Santo Agostinho). Uma pessoa com coração é uma pessoa profunda, próxima, compreensiva, capaz de ir ao fundo das coisas e dos acontecimentos. Uma pessoa com coração não é dominada pelo sentimentalismo e sim é uma pessoa que alcançou uma unidade e uma coerência, um equilíbrio e uma maturidade. Ela nunca é fria, mas cordial, nunca é cega diante da realidade, mas realista, nunca é vingativa, mas pronta para perdoar e para reconciliar-se. Um coração cristão, a exemplo do de Jesus, é um coração de dimensão universal, um coração que supera o egoísmo, um coração magnânimo capaz de abraçar a todos. A espiritualidade do coração é uma verdadeira espiritualidade, pois inclui a oração, a conversão, a escuta do Espírito, o cuidado para o próximo, a compaixão, a solidariedade e a partilha. Não é por acaso que para o homem de antiguidade ter coração equivalia a ser uma personalidade íntegra.                 

A devoção ao Sagrado Coração é devoção a Cristo mesmo. O próprio Cristo é o objeto de nossa adoração e para ele é que dirigimos nossa oração.               

Jesus teve um amor perfeito, seu coração é para nós o perfeito, emblema de amor. Seu coração foi saturado de amor perfeito ao Pai e aos homens. Seu amor é totalmente humano porque nele nos encontramos com o mistério de um amor humano-divino. O amor de Deus se encarnou no amor humano de Jesus. Por isso, Jesus nos convida: “Aprendei de mim porque sou humilde e manso de coração”. Humilde indica uma docilidade interior que se expressa na docilidade com os demais. Manso indica uma atitude valente, mas não violenta, misericordiosa, tolerante, pronto para perdão, mas também exigente.                 

O amor de Deus não é compatível com a indiferença diante do sofrimento alheio e diante da injustiça social. Mas nossas atividades, inclusive as práticas políticas e sociais devem ser animadas pelo amor cristão.               

A contemplação do mistério de amor de Deus por nós deve nos conduzir a uma resposta múltipla. Deve suscitar em nós sentimentos de fé, amor e adoração. No contexto religioso devoção indica serviço dedicado e vontade decidida de fazer a vontade de Deus. Sugere culto não somente do tipo litúrgico, mas de nossa vida inteira. Esta devoção se realiza aceitando o convite de Jesus a tomar nossa cruz e segui-lo.                 

A comunhão sacramental não é somente participar no Corpo e no Sangue de Cristo; implica a participação na vida dos seus membros com um compromisso de amor e de serviço.                 

Viver no amor é escolher Deus, permanecer em Deus, viver em comunhão com Deus. Quando mantemos essa relação com Deus, o Espírito reside em nós e opera, por nosso intermédio, obras grandiosas em favor do homem – obras que dão testemunho do amor de Deus.                

Tornar o amor de Deus uma realidade viva no mundo significa lutar objetivamente contra tudo o que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento e assim por diante. Será que eu pactuo (com o meu silêncio, indiferença, cumplicidade) com os sistemas que geram injustiça, ou será que eu me esforço ativamente por destruir tudo o que é uma negação do amor de Deus? Um coração grande na vida é aquele que escolhe aquilo que eleva, e liberta-se daquilo que rebaixa a humanidade. 

A devoção ao Sagrado coração de Jesus nos faz um questionamento: que resposta dar ao Cristo que nos amou até morrer crucificado? Santo Agostinho dizia: “O que amamos em Cristo? Seus membros crucificados, seu lado traspassado ou sua caridade? Quando ouvimos que sofreu por nós, o que amamos nele? É seu amor que amamos. Ele nos amou para que lhe retribuíssemos amor por amor, e para que possamos lhe retribuir amor por amor, visitou-nos pelo seu Espírito” (Sermão sobre Sl 127,8).        

Não podemos fazer a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, se ainda guardamos o ódio no nosso coração, se não somos capazes de perdoar, se não nos preocupamos com a salvação de todos. Uma pessoa que tem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus tem uma missão de levar a todos o amor de Cristo. Mas precisamos saber que ser uma pessoa amorosa é bastante diferente de ser o chamado “prestativo”. Os prestativos usam tão-somente as outras pessoas como oportunidade de praticar atos virtuosos, dos quais mantém registro cuidadoso. As pessoas que amam aprendem a mudar o foco de atenção e da preocupação de si para outras pessoas; elas se preocupam intensamente com as outras pessoas. Nosso cuidado e preocupação pelos outros devem ser autênticos, do contrário nosso amor nada significa. Não se aprende a viver sem antes aprender a amar. O amor humano quando é verdadeiro nos ajuda a saborear o amor divino. E o amor divino em nós nos faz mais compassivos, mais generosos, mais éticos e mais reconciliados; damos aquilo que recebemos, ensinamos aquilo que aprendemos. Ninguém pode viver este amor se não se forma na escola do Coração de Jesus. Somente se olharmos e contemplarmos o Coração de Cristo é que conseguiremos que o nosso coração se liberte do ódio e da indiferença. Somente assim saberemos reagir de modo cristão diante da ofensa e dos sofrimentos alheios e diante da dor humana.        

Pedimos ao Sagrado Coração de Jesus ao qual temos a devoção que nos conceda um coração bom capaz de compadecer-se para remediar os tormentos que acompanham e angustiam tantas pessoas neste mundo. O verdadeiro bálsamo é o amor, a caridade. Todos os demais consolos servem apenas para distrair um momento, e deixar mais tarde a amargura e o desespero.     

Será que as nossas comunidades, as nossas pastorais, os nossos grupos são espaços de acolhimento e de hospitalidade, oásis do amor de Deus, não só para os amigos e colegas, mas também para os pobres, os marginalizados, os sofredores que buscam em nós um sinal de amor, de ternura e de esperança?

P. Vitus Gustama,svd


SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
Das Obras de São Boaventura, bispo

(Opusculum 3, Lignum vitae, 29-30.47 Opera omnia 8,79)(Séc. XIII)

Em vós está a fonte da vida

Considera, ó homem redimido, quem é aquele que por tua causa está pregado na cruz, qual a sua dignidade e grandeza. A sua morte dá a vida aos mortos; por sua morte choram o céu e a terra, e fendem-se até as pedras mais duras. Para que, do lado de Cristo morto na cruz, se formasse a Igreja e se cumprisse a Escritura que diz: Olharão para aquele que transpassaram (Jo 19,37), a divina Providência permitiu que um dos soldados lhe abrisse com a lança o sagrado lado, de onde jorraram sangue e água. Este é o preço da nossa salvação. Saído daquela fonte divina, isto é, no íntimo do seu Coração, iria dar aos sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça, tornando-se para os que já vivem em Cristo bebida da fonte viva que jorra para a vida eterna (Jo 4,14).

Levanta-te, pois, tu que amas a Cristo, sê como a pomba que faz o seu ninho na borda do rochedo (Jr 48,28), e aí, como o pássaro que encontrou sua morada (cf. Sl 83,4), não cesses de estar vigilante; aí esconde como a andorinha os filhos nascidos do casto amor; aí aproxima teus lábios para beber a água das fontes do Salvador (cf. Is 12,3).

Pois esta é a fonte que brota no meio do paraíso e, dividida em quatro rios (cf. Gn 2,10), se derrama nos corações dos fiéis para irrigar e fecundar a terra inteira. Acorre com vivo desejo a esta fonte de vida e de luz, quem quer que sejas, ó alma consagrada a Deus, e exclama com todas as forças do teu coração: “Ó inefável beleza do Deus altíssimo e puríssimo esplendor da luz eterna, vida que vivifica toda vida, luz que ilumina toda luz e conserva em perpétuo esplendor a multidão dos astros, que desde a primeira aurora resplandecem diante do trono da vossa divindade.

Ó eterno e inacessível, brilhante e suave manancial daquela fonte oculta aos olhos de todos os mortais! Sois profundidade infinita, altura sem limite, amplidão sem medida, pureza sem mancha!” De ti procede o rio que vem trazer alegria à cidade de Deus (Sl 45,5), para que entre vozes de júbilo e contentamento (cf. Sl 41,5) possamos cantar hinos de louvor ao vosso nome, sabendo por experiência que em vós está a fonte da vida, e em vossa luz contemplamos a luz (Sl 35,10).



Hino

Coração, arca santa, guardando
não a lei que aos antigos foi dada,
mas o dom duma nova Aliança,
no perdão e na graça firmada.

Coração, sois o novo Sacrário
da Aliança do céu com a terra,
Templo novo, mais santo que o velho,
véu que o Santo dos Santos encerra.

Vosso lado por nós foi aberto,
revelando ao olhar dos mortais
as raízes do amor invisível,
da ternura com que nos amais.

Sois sinal do amor infinito
de Jesus, que por nós se entregou,
e na cruz, sacerdote perfeito,
a perfeita oblação consumou.

Tal amor, haverá quem não ame?
Quem lhe possa ficar insensível?
Quem não busque, na paz deste lado,
o refúgio, a morada invisível?

Esta graça esperamos do Pai
e do Espírito Santo também:
no fiel Coração de Jesus
                 para sempre habitarmos. 
                             Amém.

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