quinta-feira, 21 de novembro de 2024

23/11/2024-Sábado Da XXXIII Semana Comum

CREMOS NO DEUS DA VIDA E POR ISSO CREMOS NA RESSURREIÇÃO QUE NOS FAZ RESPEITARMOS A DIGNIDADE DA VIDA DOS OUTROS

Sábado da XXXIII Semana Comum

Primeira Leitura: Apocalipse 11,4-12

Disseram a mim, João: 4 Essas duas testemunhas são as duas oliveiras e os dois candelabros, que estão diante do Senhor da terra. 5 Se alguém quiser fazer-lhes mal, um fogo sairá da boca delas e devorará seus inimigos. Sim, se alguém quiser fazer-lhes mal, é assim que vai morrer. 6 Elas têm o poder de fechar o céu, de modo que não caia chuva alguma enquanto durar a sua missão profética. Elas têm também o poder de transformar as águas em sangue. E quantas vezes elas quiserem, podem ferir a terra com todo o tipo de praga. 7 Quando elas terminarem o seu testemunho, a besta que sobe do Abismo vai combater contra elas, vai vencê-las e matá-las. 8 E os cadáveres das duas testemunhas vão ficar expostos na praça da grande cidade, que se chama, simbolicamente, Sodoma e Egito, e na qual foi crucificado também o Senhor delas. 9 Gente de todos os povos, raças, línguas e nações, verão seus cadáveres durante três dias e meio, e não deixarão que os corpos sejam sepultados. 10 Os habitantes da terra farão festa pela morte das testemunhas; felicitar-se-ão e trocarão presentes, pois estes dois profetas estavam incomodando os habitantes da terra. 11 Depois dos três dias e meio, um sopro de vida veio de Deus, penetrou nos dois profetas e eles ficaram de pé. Todos aqueles que os contemplavam, ficaram com muito medo. 12 Ouvi então uma voz forte vinda do céu e chamando os dois: “Subi para aqui!” Eles subiram ao céu, na nuvem, enquanto os inimigos ficaram olhando.

Evangelho: Lc 20,27-40

Naquele tempo: 27 Aproximaram-se de Jesus alguns saduceus, que negam a ressurreição, 28 e lhe perguntaram: 'Mestre, Moisés deixou-nos escrito: se alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, deve casar-se com a viúva a fim de garantir a descendência para o seu irmão. 29 Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu, sem deixar filhos. 30 Também o segundo 31 e o terceiro se casaram com a viúva. E assim os sete: todos morreram sem deixar filhos. 32 Por fim, morreu também a mulher. 33 Na ressurreição, ela será esposa de quem? Todos os sete estiveram casados com ela.' 34 Jesus respondeu aos saduceus: 'Nesta vida, os homens e as mulheres casam-se, 35 mas os que forem julgados dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, nem eles se casam nem elas se dão em casamento; 36 e já não poderão morrer, pois serão iguais aos anjos, serão filhos de Deus, porque ressuscitaram. 37 Que os mortos ressuscitam, Moisés também o indicou na passagem da sarça, quando chama o Senhor 'o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó'. 38 Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem para ele.' 39 Alguns doutores da Lei disseram a Jesus: 'Mestre, tu falaste muito bem.' 40 E ninguém mais tinha coragem de perguntar coisa alguma a Jesus.

_________________

Ser Cristão É Ser Profeta e Testemunha

Essas duas testemunhas são as duas oliveiras e os dois candelabros, que estão diante do Senhor da terra. Se alguém quiser fazer-lhes mal, um fogo sairá da boca delas e devorará seus inimigos”.

Não há acordo entre os especialista sobre quem são, na realidade, “essas duas testemunhas”, “as duas oliveiras” e “os dois candelabros”. São “Josué e Zorobabel” (Zc 4)? Ou “Moisés e Elias” como na cena de transfiguração? Ou “Pedro e Paulo”, sacrificados em Roma por Nero, mas logo glorificados na recordação e no culto da comunidade?

Aqui se falam de números “dois” (duas testemunhas) e “três e meio” (verão seus cadáveres durante três dias e meio). Por alusão a Oseias 6,2: “em dois dias nos dará vida”, o “dois” pode ser símbolo da comunicação da vida (cf. Jo 4,40.43). Ou em Jo 11,6 em que se relata que Jesus deixa passar dois dias sem ir ao encontro de Lázaro enfermo, pois, por ser discípulo de Jesus, Lázaro já possui a vida definitiva.

Outro número é “três dias e meio”, ou seja, a metade de sete, o que equivale a dizer um número imperfeito, não definitivo. As “duas” testemunhas ressuscitam e triunfam, animados novamente pela vida de Deus. O triunfo dos malvados ou dos maus não dura para sempre (três e meio). Aqui se usa a palavra “Besta” que é símbolo das forças do mal, concretamente, o imperador romano Domiciano que declara guerra total, e intenta destruir a comunidade de Cristo. "A Besta que emerge do Abismo" é o símbolo do Mal, personificado em Satanás. O Apocalipse abunda em cenas deste grande combate. Seja um grande Dragão, uma Serpente, Bestas... que lutam contra Deus! Sob a capa de sua linguagem simbólica, São João apontou para o Império Romano perseguidor, que, em seu tempo, representava as forças do mal que tentavam se opor à Igreja.Mas seu poder dura apenas em algum tempo. Mas quem acredita em Deus, vive para sempre.

A luta entre o bem e o mal continua, ainda que não seja com essas carcateristicas tao espectaculates como aconteceu nos finais do século I. Às vezes, aparentemente, prevalece o mal, mas é por pouco tempo, pois os maus também envelhecem e morrem. Os inimigos do bem vão sumindo da terra e Jesus Cristo continua como o Alfa e o Ômega para todos que creem n´Ele. Os impérios e as ideologias se sucedem, mas a comunidade do Ressuscitado continua viva animada por seu Espirito (cf. Mt 16,18). Mais de dois mil anos a Igreja continua lutando contra o mal externo e interno, sofrendo, morrendo e ressuscitando como seu Guia e Esposo Jesus, suportando com frequência, também agora perseguições cruéis e organizadas.

Na nossa vida pessoal experimentamos essa mesma história dinâmica feita de cruz e de vida, de fracassos e de êxitos. Mas o Triunfador, Jesus Cristo, nos enche com sua força vital, e continua estendendo Sua mão com sua Palavra, seus sacramentos, sua Igreja, sua Graça, seu Espirito para que nunca demos por perdida a guerra e sim que continuemos lutando para vencer o mal em nós e ao nosso redor. Temos a melhor força e as melhores armas na Eucaristia que recebemos, na qual comungamos com Aquele que tira o pecado do mundo.

Por isso, outra palavra que aparece na leitura de hoje que devemos levar a sério é a palavra “testemunho”. O termo testemunho é uma tradução do termo grego “martyr” de onde procede nossa palavra “mártir”.

Na perseguição a testemunha se torna radical, pois ele prefere a morte a trair a verdade. A época do autor do Apocalipse, entre Nero e Domiciano, era uma época de perseguições. Todo cristão, ao pedir o Batismo, para entrar na Igreja de Cristo, sabia que podia chegar a ter que testemunhar com seu sangue a eleição de Cristo. Muitos se tornaram mártires nessa época como todos já sabem disso.

Os cristãos, no mundo, têm este papel: ser testemunha. Testemunha é aquele que diz o que viu e o que sabe. A testemunha teve uma experiência sobre o fato testemunhado. A primeira qualidade da testemunha é ser fiel, não inventa nada: fala o que viu e sabe, não trai a verdade.

Aqueles que morreram, perseguidos, como Jesus, também ressuscitam com Cristo Jesus: “Eles subiram ao céu, na nuvem, enquanto os inimigos ficaram olhando”. Por isso, nos dias de maior sofrimento, nos dias de “noite escura” convem recordar esse ponto essencial de nossa fé. Que o mistério pascal esteja constantemente na nossa mente para continuarmos nossa luta pelo bem e para nos dar a certeza da vitória final de Deus. O mal não tem futuro. Quem tem Deus, tem futuro triunfante.

A Vida Não Pertence à Morte e Sim a Morte Pertence à Vida

Jesus se encontra, agora, em Jerusalém e está nos seus últimos dias de vida, pois ele será crucificado, morto e glorificado. Ele continua cumprindo sua missão, dando para seus seguidores suas ultimas lições. A lição que ele nos passa hoje é a fé na ressurreição. A fé cristã tem seu início na Ressurreição de Jesus. Os Apóstolos são as testemunhas do Cristo Jesus Ressuscitado. Sem a Ressurreição do Senhor Jesus, nossa fé seria em vão (cf. 1Cor 15,17). Ao seguir a Jesus vivendo segundo seus ensinamentos participaremos também de sua ressurreição. Quando fala da Ressurreição, o evangelista Lucas destaca a nova qualidade de vida que a Ressurreição comporta: somos como anjos, filhos de Deus que vivem para Ele. O amor de Deus como nosso Pai dura eternamente e jamais pode diminuir nem mesmo diante da morte. Ressurreição consiste no estar “sempre como Senhor” (1Ts 4,17). Ou na linguagem de são Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu;  é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

A fé na ressurreição nos convida a valorizarmos o tempo e a boa convivência fraterna, a praticar o bem e a bondade para deixarmos marcas positivas no próximo, pois o Senhor em quem acreditamos passou a vida fazendo o bem (Cf. At 10,38). Deus está no ato de amar e de praticar a bondade. Para encontrar o Bem Maior, pratique o bem. Para encontrar o Deus de amor, viva o amor fraterno. Para entrar na comunhão do Deus Uno e Trino, devemos aprender a viver unidos na terra como uma família de irmãos, como Jesus pediu no evangelho de hoje.

O tema da ressurreição dos mortos opõe os fariseus aos saduceus. Os fariseus defendem a fé na ressurreição dos mortos. Enquanto que os saduceus não acreditam na ressurreição por uma coisa muito prática como lemos no Evangelho deste dia.

Quem são os saduceus?         

Os saduceus são um grupo de ricos e poderosos, formado por grandes proprietários de terras/latifundiários (anciãos), pelos membros da elite sacerdotal e pelos grandes comerciantes. Eles controlam a administração da justiça no Tribunal Supremo conhecido como Sinédrio que condena Jesus à morte (cf. Mt 27,1-2). Habitualmente o sumo sacerdote, a figura mais poderosa no Templo é escolhido de famílias pertencentes a este grupo. Eles também são colaboracionistas com os romanos para manter sua posição de privilégio.

Os saduceus são conservadores em matéria de religião. Eles privilegiam a Lei de Moisés/Tora (Pentateuco), mas não rejeitam os livros proféticos. Como na Torá não se fala claramente da ressurreição dos mortos e da “outra vida”, eles não acreditam nela. Para eles, tudo termina com a morte: não há ressurreição dos mortos e nem recompensa na vida futura. Não há salvação além da terrena. Neste mundo, salve-se quem puder, porque é o homem e apenas o homem quem causa a própria salvação e felicidade ou desgraça e não- salvação. Por isso, eles são hedonistas: interessa-lhes principalmente acumular riquezas e desfrutá-las o mais possível nesta curta vida terrena (Lc 12,15-21). Moralmente, eles são relaxados. A religião só vale dentro do templo. Fora dele cada um pode fazer o que quiser. Entre os próprios saduceus há separação no matrimônio.

Negando a ressurreição, os saduceus enfrentam Jesus com uma pergunta a partir de uma história, um tanto grotesca, fundada numa teologia mal-enfocada: como fica a mulher que se casou sete vezes com homens diferentes, de quem ela será na ressurreição? Ao questionar Jesus, os saduceus têm a intenção de ridicularizar os fariseus (partido rival), cuja fé na ressurreição dos mortos é conhecida. Os saduceus queriam também conhecer a posição de Jesus.

Jesus responde, estabelecendo uma distinção entre “este mundo” e o “outro”. Na sua explicação Jesus diz que as relações humanas estarão livres de alguns embaraços que complicam a vida. Cessam-se, ai, as preocupações terrenas e desaparecem, também, as ameaças da morte. Os esquemas terrenos não têm validade. Segundo Jesus, é vão e insensato imaginar que o mundo futuro tenha as mesmas características deste mundo. Por isso, Jesus usa uma expressão “...eles são semelhantes aos anjos...” (v.36) para sublinhar a impossibilidade de descrever o modo de vida que pertence ao mistério de Deus. A comunhão com o Pai celeste torna-se penhor de vida eterna. A morte dá início, neste caso, a uma explosão de vida.

O poder de Deus é maior que as forças destrutivas presentes na história e na natureza.  A partir do momento em que ressuscitou Jesus Cristo, Deus mostra a todos que essa morte não é o último passo do ser humano. A morte não tem palavra final para o ser humano. Pelo fato de Deus ressuscitar Jesus Cristo, podemos ter a certeza de que esse mesmo Deus em quem acreditamos firmemente, apesar de nossas fraquezas e pecados, nos ressuscitará também. Adorar o Deus da vida é acreditar que ele tem poder de preservar a vida, mesmo que isso supere a precisão e compreensão humanas. E sendo o Deus da vida, Ele não criou ninguém para a morte, mas para a aliança definitiva com Ele.

A fé na ressurreição é o fundamento da esperança. Cremos e por isso, esperamos. E a esperança é o horizonte da fé. Esperamos e por isso, cremos. A atitude do cristão se baseia no próprio testemunho de Deus. Deus mesmo se comunica e nos fala: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). É o Deus vivo e pessoal. Nele todos estão vivos. Nossa meta final é o Senhor.

Deste fundamento, a fé cristã tem importantes funções. Ela liberta o homem do medo, da autossuficiência, do poder destruidor da ignorância de Deus, do medo da morte, pois morrer significa ir à casa do Pai onde todos têm seu próprio “lugar” (cf. Jo 14,1-6). A fé no Deus dos vivos tem força em si mesma para vencer o medo da morte; tem luz para iluminar a obscuridade da vida e da morte e nos dá coragem para superar o medo que nos paralisa; cura as feridas dos fracassos na luta para mudar este mundo para convertê-lo em Reino de Deus. A fé na vida eterna nos compromete na luta pela defesa da vida no seu início, na sua duração e no seu fim nesta terra; compromete-nos na luta pela justiça, pela honestidade, pela retidão, pela ética e moral, pelo bem e pela caridade e os semelhantes valores. O mal não tem futuro algum, pois somente Deus tem a última palavra para a vida do homem. A ressurreição é a vitória do amor sobre o ódio, da verdade sobre a mentira, da vida sobre a morte. E tudo isto é tão certo como é certo que depois da noite virá o dia.

Por isso, se o homem se apoiar sobre si mesmo, rejeitando inutilmente o que vem de Deus, seu Criador, ele na verdade se apoiará sobre o nada e sua existência perderia seu sentido. Mas se ele se apoiar no amor de Deus, que lhe é oferecido, pode encontrar-se com a vida, graças ao poder desse amor. A fé no amor de Deus constitui o clima no qual nasce a esperança da vida eterna. A fé no amor de Deus evita que a esperança seja uma fantasia. A fé no amor de Deus é a força para cada cristão que caminha através da história da salvação, é sua luz na obscuridade e no paradoxo dos acontecimentos. Deus de amor e a esperança andam indissoluvelmente. Sem fé em Deus de amor, tampouco existe esperança (cf. Ef 2,12). A fé no amor de Deus permite ao homem manter-se firme no meio da tempestade desta vida (cf. Rm 5,3).

Por isso, o destino terreno do homem não é apenas viver por viver, mas conviver e compartilhar a vida com Deus e com os demais homens. Por ser a vida de Deus, o homem é chamado a ser uma luminosidade para a vida do outro. Por pertencer a Deus o sentido último e mais profundo do homem só pode ser encontrado em sua origem: em Deus. O termo “original” significa mais exatamente aquilo que é fundamental e constitutivo. Tudo o que homem faz tem um significado para Deus. As obras de cada cristão: sua generosidade, seu espírito de desapego, seu sentido de responsabilidade profissional, seu espírito de serviço e sua disponibilidade devem ser testemunhos eloqüentes e contundentes de sua fé na vida eterna.

No Credo rezamos e professamos: “Creio na comunhão dos santos; creio na remissão dos pecados; creio na ressurreição da carne; creio na vida eterna”. É preciso vivermos essa fé na vida cotidiana. A partir dessa fé, é preciso revermos nossa maneira de viver neste mundo e nossas opções de cada dia.

P. Vitus Gustama,svd

22/11/2024-Sextaf Da XXXIII Semana Comum

É PRECISO QUE A PALAVRA DE DEUS SEJA INTERIORIZADA PARA QUE TUDO SEJA RESPEITADO: O ESPAÇO SAGRADO E O HOMEM QUE É O TEMPLO DE DEUS

Sexta-Feira da XXXIII Semana Comum

Primeira Leitura: Apocalipse 10,8-11

8 Aquela mesma voz do céu, que eu, João, já tinha ouvido, tornou a falar comigo: “Vai. Pega o livrinho aberto da mão do anjo que está de pé sobre o mar e a terra”. 9 Eu fui até o anjo e pedi que me entregasse o livrinho. Ele me falou: “Pega e come. Será amargo no estômago, mas na tua boca, será doce como mel. 10 Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como mel, mas quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo. 11 Então ele me disse: “Deves profetizar ainda contra outros povos e nações, línguas e reis”.

Evangelho: Lc 19, 45-48

Naquele tempo, 45Jesus entrou no Templo e começou a expulsar os vendedores. 46E disse: “Está escrito: ‘Minha casa será casa de oração’. No entanto, vós fizestes dela um antro de ladrões”. 47Jesus ensinava todos os dias no Templo. Os sumos sacerdotes, os mestres da Lei e os notáveis do povo procuravam modo de matá-lo. 48Mas não sabiam o que fazer, porque o povo todo ficava fascinado quando ouvia Jesus falar.

-------------------------------

A Palavra De Deus Tem Que Ser Interiorizada e Vivida Antes De Pregá-la

“Pega o livrinho aberto da mão do anjo que está de pé sobre o mar e a terra. Pega e come. Será amargo no estômago, mas na tua boca, será doce como mel”.

O fato de João ter que digerir o pequeno livro de profecias do Antigo Testamento para compreender o sentido do tempo presente revela que ele alimenta suas visões da misteriosa realidade dos acontecimentos da fé no Deus único, guia da História. Deus é o autor da História e Ele a marca refletindo nela a sua singularidade. Isso não significa que ele tenha introduzido nele um tipo de fatalidade semelhante àquela com que a natureza se sobrecarrega. A história é produto do encontro de duas liberdades: a de Deus e a do homem, mas Deus tem algumas perspectivas sobre esse encontro, especialmente desde que Jesus Cristo pronunciou o "sim" dessa aliança. Nem os acontecimentos poderão pôr em causa a vitória conquistada pelo Senhor sobre o mal e a morte. João está cheio de amargura depois de ter engolido o livro, mas o sabor é finalmente um gosto de doçura e paz (Ap 21-22). A este respeito, as Escrituras são de fato consoladoras, não porque descobriram antecipadamente a evolução dos acontecimentos previstos por Deus, mas porque ajudam a revelar o sentido profundo da presença de Deus nos acontecimentos que os homens vivem.

Hoje lemos, na Primeira Leitura, tirada do Livro do Apocalipse, um gesto simbólico: João, o vidente, tem que comer o rolo, o livro, antes de transmitir seu conteúdo. O texto de hoje tem sua chave de interpretação em Ezequiel 2, 8; Jeremias 1, 10. São João recebe a ordem de comer um livro! O símbolo é bastante claro: trata-se de “alimentar-se da Palavra de Deus e do pensamento que ela contém”. É um gesto muito expressivo, que já encontramos em Ez 3,1.3: “Filho do homem, come o que tens diante de ti, come este rolo e vai falar com a casa de Israel... Ingere este rolo que te estou  dando e sacia-te com ele”. O profeta Ezequiel tem que comer o rolo para anunciá-lo depois. O livro que come, isto é, a Palavra de Deus, é em uma parte é doce e em outra parte é amarga. Na imagem do comer estão evidenciados, de maneira incisiva, os pressupostos básicos e a carcateristica essencial de toda pregação: seu objeto não são pensamentos pessoais, mas revelações de Deus. O profeta deve se apossar dessas revelações intimamente, antes de poder transmiti-las aos outros sem diminuição de conteúdo: engolir o rolo inteiro. O profeta é acima de tudo um mensageiro e um intérprete da Palavra divina. Cabe, portanto, a ele, estar completamente repleto da Escritura, descobrir nela o mistério do projeto de Deus para o mundo, para poder fazer novas aplicações a partir da situação atual. É o que São João faz. Ele retoma passagens do Antigo Testamento, alimenta-se delas, assimila-as e esclarece questões contemporâneas com elas.

“Pega e come. Será amargo no estômago, mas na tua boca, será doce como mel”. Com este gesto se insiste na assimilação pessoal e na interiorização da Palavra de Deus ouda revelação de Deus.

Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como mel...”. É normal que o alimento divino seja doce: revela o amor de Deus por nós. A meditação da Palavra de Deus deve ser para nós, de forma habitual, um momento reconfortante, "forte", um momento feliz; embora às vezes aconteça o contrário. É preciso saborearmos a Palavra de Deus para saborear o sentido da vida. “... mas quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo”. A Palavra de Deus, contida no Livro, tem aspectos difíceis, duros, exigentes. É amargo no sentido de que também nos revela nossos pecados, nossas insuficiências, que abala nossa tibieza e nossas covardias. Além disso, embora a Palavra de Deus nos dê o sentido dos nossos sofrimentos e da morte, não nos isenta deles: o cristão não é um ser preservado.

“Pega e come. Será amargo no estômago, mas na tua boca, será doce como mel”. Isso supõe ambivalência de sentimentos. Por um lado, há a alegria de anunciar a Palavra de Deus ou a mensagem de Deus. Mas ao mesmo tempo, há o amargo que sofre a árdua missão do profeta ou do anunciador da Palavra de Deus (cf. Am 3,3-8; Jr 20,9).

Os cristaos, e sobretudo, os que, de alguma maneira, transmitem a outros a Palavra de Deus: sacerdotes, educadores, pregadores, catequistas, missionários/missionarias, devem primeiro assimilá-la e vivê-la. Então, será mais crível o próprio testemunho. Somente assim não será repetido aquilo que Jesus disse aos fariseus e escribas: “eles dizem, mas não fazem” (Mt 23,3).

A Palavra de Deus deve tomar carne em nós. Temos que ter nossa própria experiência da Palavra de Deus. Somente assim proclamaremos a Palavra de Deus não como pregadores expertos e insignes  e sim como testemunhas da Palavra de Deus. Por isso, não podemos nos dedicar à evangelização ou à pregação sem anter ter estado aos pés de Jesus.

Para todos nós, a Palavra de Deus é agridoce: doce e amarga, ao mesmo tempo. Muitas vezes a Palavra de Deus é consoladora. Muitas outras vezes é exigente, como por exemplo: amar os inimigos e rezar por aqueles que nos perseguem; perdoar sem limites; largar tudo para seguir a Jesus, e assim por diante. Nem para nós, nem para os demais devemos cair na tentação de fazer seleção a nossa medida, censurando a Sagrada Escritura e escolhendo apenas o que nos agrada. O conteúdo da Palavra de Deus não é só graça, é julgamento também. Temos ler e meditar e aceitar a Palavra de Deus na sua totalidade. A Palavra de Deus é também o Pão da Vida para nosso cotidiano. É preciso “comê-La”.

Templo De Deus e O Homem-Templo

Terminada a etapa das lições do caminho (Lc 9,51-19,28), Jesus se encontra, finalmente, em Jerusalém e continua dando suas ultimas lições antes de sua Paixão e Morte (Lc 19,29-21,38).

Na passagem do evangelho deste dia o evangelista Lucas nos apresenta Jesus expulsando os vendedores do Templo. Trata-se do primeiro gesto profético de Jesus no Templo de Jerusalém. Jesus atua como os profetas clássicos que, primeiro, faziam alguma ação simbólica e logo em seguida, pronunciavam seus oráculos.

A ação simbólica de Jesus no texto de hoje é expulsar os vendedores do Templo. Logo em seguida Jesus pronuncia dois oráculos. O primeiro oráculo é tirado de Is 56,7 sobre o caráter do Templo como casa de oração. O segundo oráculo é tirado de Jr 7,1-15, um texto que inspira toda a ação e o pensamento de Jesus. Para Jeremias e Jesus o Templo se transforma em uma cova de bandidos porque nele encontram os assassinos e os idólatras que matam, oprimem e exploram até os mais pobres.

A intervenção de Jesus no Templo na expulsão dos vendedores é uma chamada de atenção para recolocar nossa atitude religiosa num plano de autenticidade e sinceridade. O espaço sagrado e o tempo sagrado (momento de oração e de celebração) devem adquirir seu verdadeiro sentido como forma de encontro com Deus que s traduz na vivencia do amor fraterno.  Ambos (o espaço sagrado e o tempo sagrado) têm que assumir sempre a forma da intercessão e da busca do perdão de Deus para um coração arrependido: “Minha casa será casa de oração”.

Diante da intervenção de Jesus na expulsão dos vendedores do Templo “Os sumos sacerdotes, os mestres da Lei e os notáveis do povo procuravam modo de matar Jesus”.  Enquanto que o povo, na sua simplicidade, não encontrou nenhuma dificuldade para aceitar a mensagem de Jesus, como Lucas nos relatou: “o povo todo ficava fascinado quando ouvia Jesus falar”. 

O valor de nossa religiosidade e o de nosso verdadeiro encontro com Deus que dão sentido para toda nossa existência dependem da escolha que fazemos entre estas duas formas de receber a mensagem de Deus. 

Nem sempre estamos prontos ou preparados diante da intervenção de Deus na nossa vida. Como os dirigentes do povo de Israel podemos também assumir atitudes contraditórias diante da intervenção de Deus na nossa vida. Deus quer expulsar de nossa cabeça ou de nosso coração todas as atitudes que querem ocupar o lugar de Deus na nossa vida. Mas por causa de nossos pensamentos pré-fabricados ou pré-estabelecidos acabamos expulsando Deus de nossa vida e permanecemos na nossa vida sem direção, pois vivemos sem escala de valores. Deus intervém na nossa vida com intuito de recolocar nossa vida no seu eixo verdadeiro ou no caminho da salvação. Mas quantas vezes eliminamos ou procuramos algum meio para eliminar o plano de Deus para nossa vida ou tentamos esquecer Sua Palavra inquietante tal como sucedeu na vida dos dirigentes do povo durante a atuação de Jesus em Jerusalém. 

Jamais podemos identificar religião com prática cultual. O culto verdadeiro e autentico tem conseqüências verticais e horizontais. Honramos Deus na medida em que passamos da comunidade cultual para a vida na prática da solidariedade com os irmãos, especialmente com os mais necessitados. Ao sair do templo ou da igreja não podemos fingir não olhar para o irmão que necessita de nossa ajuda. O verdadeiro culto é o culto da vida inteira vivida com fidelidade na vivencia da vontade de Deus e na solidariedade com os irmãos.

A entrada de Deus e de Sua Palavra na nossa vida quer colocar em questão as nossas atitudes religiosas. Esta entrada serve para desmascarar nosso egoísmo e nosso jogo de interesse em nome de uma vida sem sentido e sem rumo e para tirar de nós um falso sentimento de segurança a fim de nos salvar. A entrada de Deus e de Sua Palavra na nossa vida exige que coloquemos em revisão a nossa religiosidade se é autentica ou falsa. Ninguém pode crer impunemente. A religião não pode nos assegurar a impunidade em nossas más ações, e a religião nunca pode ser considerada como o refugio seguro para malfeitores. Uma religião sem o compromisso de uma conduta coerente em função da vivência dos valores humanos reconhecidos universalmente é um ópio que faz adormecer a própria consciência. Precisamos questionar o questionável e perguntar o perguntável. Precisamos ficar atentos para que nossa prática religiosa não seja mais importante do que o próprio Deus e o ser humano. Onde há o amor fraterno, ali Deus está, mesmo que se trate do ateísmo. Onde não há o amor fraterno, não há o verdadeiro cristianismo, pois o amor fraterno é o mandamento do Senhor (Jo 13,34-35; 15,12).

P. Vitus Gustama,svd

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Apresentação de Nossa Senhora-Memória, 21/11/2024

FESTA DA APRESENTAÇÃO DE NOSSA SENHORA

SER MEMBRO DA FAMÍLIA DE JESUS CRISTO

Primeira Leitura: Zc 2,14-17

 

14 “Rejubila, alegra-te, cidade de Sião, eis que venho para habitar no meio de ti, diz o Senhor. 15 Muitas nações se aproximarão do Senhor, naquele dia, e serão o seu povo. Habitarei no meio de ti, e saberás que o Senhor dos exércitos me enviou a ti. 16 O Senhor entrará em posse de Judá, como sua porção na terra santa, e escolherá de novo Jerusalém. 17 Emudeça todo mortal diante do Senhor, ele acaba de levantar-se de sua santa habitação”. 

Evangelho: Mt 12, 46-50

Naquele tempo, 46 enquanto Jesus estava falando às multidões, sua mãe e seus irmãos ficaram do lado de fora, procurando falar com ele. 47 Alguém disse a Jesus: “Olha! Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar contigo”. 48 Jesus perguntou àquele que tinha falado: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?” 49 E, estendendo a mão para os discípulos, Jesus disse: “Eis minha mãe e meus irmãos. 50 Pois todo aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

__________

A Apresentação de Nossa Senhora confunde-se, às vezes, com a Apresentação de Menino Jesus no Templo, festa que é celebrada no dia 2 de Fevereiro em comemoração de um fato amplamente descrito nos Evangelhos e que corresponde à lei judaica que obrigava aos israelitas a oferecer seus primogênitos a Deus.

Hoje especificamente celebramos a memória da Aparesentação de Nossa Senhora. Esta festa começou a ser celebrada na Igreja oriental, que sempre foi muito sensível à piedade mariana mais ou menos desde o século VI e oficialmente em 1143. Tardiamente foi incorporada ao calendário ocidental, romano, em 1472 pelo papa Sisto IV (governou de 9 de agosto de 1471 até 12 de agosto de 1484). Na verdade desde o século XII esta festa já se celebrava no Sul da Itália e em alguns lugares na Inglaterra.

A apresentação de Nossa Senhora não é narrada nos evangelhos (canônicos). Ela é uma tradição muito antiga (Evangelho Apócrifo do século II: Evangelho apócrifo de São Tiago). Segundo esta tradição (Apócrifo), os pais de Maria, Joaquim e Ana, piedosos israelitas, não conseguiram ter filhos até sua idade avançada por causa da esterilidade. Não ter filhos significava, na época, o castigo de Deus pelos pecados cometidos. Mas os dois eram justos. Em sua angústia Ana fez uma oração fervorosa, prometendo ao Senhor oferecer-lhe o fruto de suas entranhas se lhe concedesse descendência. O nascimento de Nossa Senhora foi o resultado dessa oração e dessa promessa: “Ó Deus de nossos pais, abençoa-me e ouve minha oração como abençoaste o ventre de Sara, dando-lhe um filho, Isaac”, assim Ana,  mãe de Maria rezava (Apócrifo de Tiago, 2,1). Quando se retirou para o deserto durante quarenta dias e quarenta noites Joaquim, pai de Maria, dizia para si mesmo: “Não descerei nem para comida, nem para bebida, enquanto o Senhor não me visitar; a minha oração será para mim comida e bebida” (cf. Apócrifo de Tiago 1,4). Joaquim e Ana, fiéis ao seu voto, apresentaram a menina quando tinha três anos no templo e permanecia, no templo, dedicada à oração até seu casamento com José (cf. Evangelho apócrifo de São Tiago 7,1-8,1). Os pais de Maria No protoevangelho de Tiago lemos: “Quando a menina completou três anos, Joaquim disse:Chamai as meninas dos hebreus que não tenham qualquer mancha e tome cada uma delas uma lâmpada, uma lâmpada que não se apague. A menina não deverá voltar atrás e o seu coração não permanecerá fora do Templo do Senhor’. Elas obedeceram àquela ordem e foram juntas ao Templo do Senhor. E o sacerdote acolheu a menina, tomou-a nos braços e abençoou-a dizendo: ‘O Senhor glorificou o teu nome em todas as gerações. Em ti, nos últimos dias, revelará a redenção que concede aos filhos de Israel’. E mandou sentar a menina no terceiro degrau do altar. E o Senhor encheu-a de graça e ela dançou e tornou-se querida por toda a casa de Israel. Os seus pais deixaram o Templo cheios de admiração, louvando a Deus: a menina não procurou voltar atrás. E permaneceu no Templo do Senhor, semelhante a uma pomba, e a mão de um anjo oferecia-lhe o alimento(Protoevangelho de Tiago 7, 2-8,1).

A apresentação de Nossa Senhora é a festa de entrega voluntária a Deus. É a festa da total entrega da Virgem Maria a Deus e da sua plena dedicação aos planos divinos. A Virgem Maria nunca negou nada a Deus. Sua correspondência à graça divina e às moções do Espirito Santo foi sempre plena.  É a festa que nos ensina a renunciar a nossa própria vontade a fim de fazer somente a vontade de Deus para formar uma família com Deus e ser instrumento divino para levar os outros para Deus: “Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”, diz Jesus (Mt 12,50).

Maria se apresentou a Deus em sua infância, e antes de sua obediência ela colocou sua alma na postura de humilde disponibilidade que foi característica constante de sua vida e que ela mesma resumiu numa frase cujo conteúdo não se esgotará jamais por muito que se medite: “Eis aqui a serva do Senhor!”.

A Apresentação de Nossa Senhora é a festa da entrega voluntária a Deus, é a festa dos que aspiram de verdade a renunciar a sua vontade para fazer somente a vontade do Senhor. E para os consagrados e as consagradas na vida religiosa e muitas ordens religiosas, geralmente, renovam seus votos neste dia. No entanto, também deve ser a festa de todos os cristãos, porque ninguém, se eles realmente querem ser, pode escapar da obrigação de se apresentar humildemente diante de Deus e colocar-se em Suas mãos para que Deus possa tranformá-los em instrumentos eficazes para salvar a humanidade, a partir dos dons recebidos. A liturgia de hoje nos convida, então, a meditarmos sobre o sentido de uma apresentação de nós mesmos diante do Senhor. nossa própria presença diante do Senhor, em cada celebração, se converte em apresentação de nossa vida ao Senhor para que Ele nos use para o bem da humanidade.

Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a Vossa Palavra é o resumo da entrega total de Maria à vontade de Deus. é uma entrega voluntária. Por isso, não podemos imaginar que Maria seja uma mulher passiva, imóvel e submissa. Ela é corajosa, valente e revolucionária. E sua força vem de Deus. Ela se compromete a partir de sua própria liberdade e libertação com a libertação de Deus. Quem é devoto de Maria deve ser uma pessoa valente, corajosa e revolucionária como Maria. “Para Deus e com Deus nada é impossível”.

Serva é aquela que está totalmente à disposição do seu senhor. Maria se submete totalmente à vontade e à sabedoria divina. Ela segue o ritmo de Deus, segundo seu projeto de amor. Por isso, Maria é a mulher crente, a melhor discípula de Jesus, a primeira cristã. O “sim” de Maria à Palavra de Deus, desd a infância, expressa seu total compromisso, sua absoluta confiança no amor e no poder de Deus - que a faz sair de si mesma - e pendura toda sua vida na Palavra de Deus, porque ela acredita que Deus nunca falha. Maria está totalmente vazia de si mesma e de toda sombra de egoísmo, para deixar Deus encher totalmente seu coração, o que dá sentido à sua vida. É uma fé que se traduz em doação completa de si mesma ao Pai (Lc 1,38) para colaborar na salvação da humanidade. Por estar totalmente cheia de Deus, ela se torna um bem para a humanidade.

Quantas vezes Deus se comunica conosco, mas a sua Palavra não penetra em nós. Por que isso acontece? Com toda a agitação e barulho ao nosso redor ou dentro de nosso coração temos muita dificuldade em parar para escutar a voz interior, a voz de Deus. Certamente a vida equilibrada e com sentido começa com a criação de um espaço interior, no qual a pessoa vai juntando os acontecimentos e procura seu sentido e com certeza pode perceber os sinais de Deus na vida.

-------------------

O oráculo de Zacarias proclama a presença de Deus no Templo e transmite a Palavra do próprio Deus. A presença salvadora de Deus no meio do povo, no Templo é o motivo de alegria para todos os repatriados da Babilônia. Judá voltará a ser a herança do Senhor. “Emudeça todo mortal diante do Senhor, ele acaba de levantar-se de sua santa habitação”, assim concluiu a Primeira Leitura de hoje. O contexto dessa conclusão é litúrgico no Templo. Toda a alegria do profeta Zacarias celebrando o futuro triunfo e glória de Israel, nos a vemos espiritualmente no coração de Maria, Virgem Imaculada, que sente dentro de si a presença do Senhor que virá para habitar no seu ventre e dará ao mundo como Salvador.

O evangelho fala da presença de Maria, implicitamente, no lugar em que Jesus e suas Palavras fazem a apresentação da identidade de quem Ele considera sua autêntica família, na qual Maria, sua mãe é um exemplo pelo seu Fiat, seu “Faça-se em mim segundo Sua Palavra”, por ser “Serva do Senhor”.

No texto do evangelho deste dia, onde os familiares de Jesus não são mencionados por seus nomes, “a mãe”, aqui, representa Israel enquanto origem de Jesus e “os irmãos” representam também Israel enquanto membros do mesmo povo. Israel fica “fora” em vez de se aproximar de Jesus. Jesus rompe sua vinculação de seu povo de origem para formar uma nova família com os que se associam com o compromisso de formar uma comunidade de irmãos vivendo o amor fraterno (ágape) como maior mandamento (cf. Jo 13,34-35; 15,12).

A maior parte das religiões do mundo se apóia na família, comunidade natural. Jesus edifica sua religião ou sua comunidade não sobre as relações familiares e sim sobre uma comunidade de tipo seletivo em virtude da fé para elevar a família humana para a família de Deus. Para divinizar a família humana é preciso que Deus seja de todos e centro da vida e de qualquer convivência (família, comunidade, grupos etc.). Os membros da Sagrada Família de Nazaré são unidas pela Palavra de Deus obedecida e vivida no cotidiano: Maria, através de seu Fiat; José através da obediência à Palavra de Deus; Jesus é a Própria Palavra de Deus (Jo 1,1-3.14).

A evolução do mundo técnico tende a tirar o homem de suas comunidades naturais para submergi-lo em comunidades mais “artificiais” ou “mais seletivas”. Por isso, a família vive, muitas vezes, de maneira dramática o conflito das gerações que caracteriza a nossa época. Os pais rezam melhor em companhia de seus amigos do que em família, com seus filhos e familiares. Mas se todos se preocuparem com a vontade de Deus ao praticar o bem, ao viver o amor fraterno, o único que nos edifica, humaniza e diviniza, acabarão salvar a comunidade natural que é a família humana. Por isso, Jesus afirma hoje: Todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12,50). Trata-se de uma família ou uma comunidade de Deus, e por isso, de uma comunidade de salvação.

Jesus, por sua encarnação, entrou no mundo e formou parte de nossa humanidade, de uma verdadeira humanidade, com os laços de sangue e de cultura e cresceu em uma família. Ele se tornou humano para nos divinizar. Ele nasceu numa família para santificar a família. Ele viveu em um país determinado, Palestina; tinha uma mãe, Maria. Essas realidades humanas têm grande importância, constituem realmente o lugar de nossa vida.

“Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos?”, pergunta Jesus. A pergunta não significa um desprezo de Jesus aos seus parentes ou familiares. Ninguém amou Sua mãe melhor que Ele. E nenhuma mãe amou melhor seu Filho, Jesus Cristo, Deus-Conosco do que a própria Maria, a mãe de Jesus.

Com esta pergunta Jesus quer nos revelar algo muito importante: o discípulo, cada cristão, cada cristã que vive os ensinamentos de Jesus é um parente de Jesus. Jesus oferece aos homens a qualitativa intimidade de sua família. A família humana de Jesus viveu conforme a vontade de Deus: José que criou Jesus era chamado de “o justo”, aquele que vive segundo os mandamentos de Deus (cf. Mt 1,19). Maria, a Mãe de Jesus foi chamada pelo anjo de “cheia de graça” (cf. Lc 1,28) e ela viveu a vida conforme a vontade de Deus: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a Tua palavra” (Lc 1,38).  Por isso, a família humana de Jesus serve de exemplo para todas as famílias humanas. Que é possível formar uma família de Deus nesta terra quando Jesus se torna centro de todos e quando todos vivem de acordo com a Palavra de Deus. A única maneira de salvar a família humana é transformá-la em família de Deus, família que vive de acordo com os mandamentos de Deus.

Entre Deus e os homens já não há somente relações frias de obediência e de submissão como entre o patrão e o empregado. Com Jesus entramos na família divina, como seus irmãos e irmãs, como sua mãe. Se em todos os meus atos e atitudes de cada dia, se em todos os minutos de minha vida procurar me manter unido a Deus na vivência do amor fraterno, serei irmão de Jesus, farei parte da família de Deus desde aqui na terra junto aos outros irmãos e irmãs no mundo inteiro que fazem a mesma coisa.

Todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Esta frase deve servir de orientação para nossa vida diária. É lindo e desejável ter um lar, um aconchego. É o sonho de todos. É o desejo de qualquer coração. Ter um lar é um sonho vivo de qualquer ser humano. No lar podemos descansar, conviver amorosamente e estar juntos como pessoas amadas. Mas é preciso incluir Jesus como membro de nosso lar e nós como membros do lar do Senhor. Somente assim nosso lar na terra se transformará em céu antecipado onde há paz e amor, segurança e alegria, festa e descanso. Nosso ler definitivo no céu deve começar desde já aqui na terra tendo Jesus como membro de nossa família e nós, da família de Jesus. A disponibilidade de Maria diante da Palavra e do desígnio divino nos indicam o grado máximo que devemos aspirar no serviço da Palavra divina: “Faça-se em mim segundo a sua Palavra” (Lc 1,38).

Reflita:

Ó Deus de nossos pais, abençoa-me e ouve minha oração como abençoaste o ventre de Sara, dando-lhe um filho, Isaac”, assim Ana,  mãe de Nossa Senhora, rezava (Apócrifo de Tiago, 2,1).

Não descerei nem para comida, nem para bebida, enquanto o Senhor não me visitar; a minha oração será para mim comida e bebida”, disse Joaquim, pai de Nossa Senhora (cf. Apócrifo de Tiago 1,4).

Por acaso não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que estão clamando por Ele dia e noite? ... Digo-vos que em breve Deus lhes fará justiça (Lc 18,7-8).

P. Vitus Gustama,svd

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

20/11/2024-Quartaf Da XXXIII Semana Comum

OS DONS DE DEUS SÃO DADOS PARA SEREM MULTIPLICADOS

Quarta-Feira da XXXIII Semana Comum

Primeira Leitura: Ap 4,1-11

Eu João, 1vi uma porta aberta no céu, e a voz que antes eu tinha ouvido falar-me como trombeta, disse: “Sobe até aqui, para que eu te mostre as coisas que devem acontecer depois destas”. 2I mediatamente, o Espírito tomou conta de mim. Havia no céu um trono e, no trono, alguém sentado. 3Aquele que estava sentado parecia uma pedra de jaspe e cornalina; um arco-íris envolvia o trono com reflexos de esmeralda. 4Ao redor do trono havia outros vinte e quatro tronos; neles estavam sentados vinte e quatro anciãos, todos eles vestidos de branco e com coroas de ouro nas cabeças. 5Do trono saíam relâmpagos, vozes e trovões. Diante do trono estavam acesas sete lâmpadas de fogo, que são os sete espíritos de Deus. 6Na frente do trono, havia como que um mar de vidro cristalino. No meio, em redor do trono, estavam quatro Seres vivos, cheios de olhos pela frente e por detrás. 7O primeiro Ser vivo parecia um leão; o segundo parecia um touro; o terceiro tinha rosto de homem; o quarto parecia uma águia em pleno voo. 8Cada um dos quatro Seres vivos tinha seis asas, cobertas de olhos ao redor e por dentro. Dia e noite, sem parar, eles proclamavam: “Santo! Santo! Santo! Senhor Deus Todo-Poderoso! Aquele que é, que era e que vem!” 9Os Seres vivos davam glória, honra e ação de graças ao que estava no trono e que vive para sempre. 10E cada vez que os Seres vivos faziam isto, os vinte e quatro anciãos se prostravam diante daquele que estava sentado no trono, para adorar o que vive para sempre. Colocavam suas coroas diante do trono de Deus e diziam: 11“Senhor, nosso Deus, tu és digno de receber a glória, a honra e o poder, porque tu criaste todas as coisas. Pela tua vontade é que elas existem e foram criadas”.

Evangelho: Lc 19,11-28

Naquele tempo, 11 Jesus acrescentou uma parábola, porque estava perto de Jerusalém e eles pensavam que o Reino de Deus ia chegar logo. 12 Então Jesus disse: “Um homem nobre partiu para um país distante, a fim de ser coroado rei e depois voltar. 13 Chamou então dez dos seus empregados, entregou cem moedas de prata a cada um e disse: ‘Procurai negociar até que eu volte’. 14 Seus concidadãos, porém, o odiavam, e enviaram uma embaixada atrás dele, dizendo: ‘Nós não queremos que esse homem reine sobre nós’. 15 Mas o homem foi coroado rei e voltou. Mandou chamar os empregados, aos quais havia dado o dinheiro, a fim de saber quanto cada um havia lucrado. 16 O primeiro chegou e disse: ‘Senhor, as cem moedas renderam dez vezes mais’. 17 O homem disse: ‘Muito bem, servo bom. Como foste fiel em coisas pequenas, recebe o governo de dez cidades’. 18 O segundo chegou e disse: ‘Senhor, as cem moedas renderam cinco vezes mais’. 19 O homem disse também a este: ‘Recebe tu também o governo de cinco cidades’. 20 Chegou o outro empregado e disse: ‘Senhor, aqui estão as tuas cem moedas que guardei num lenço, 21 pois eu tinha medo de ti, porque és um homem severo. Recebes o que não deste e colhes o que não semeaste’. 22 O homem disse: ‘Servo mau, eu te julgo pela tua própria boca. Tu sabias que eu sou um homem severo, que recebo o que não dei e colho o que não semeei. 23 Então, por que tu não depositaste meu dinheiro no banco? Ao chegar, eu o retiraria com juros’. 24 Depois disse aos que estavam aí presentes: ‘Tirai dele as cem moedas e dai-as àquele que tem mil’. 25 Os presentes disseram: ‘Senhor, esse já tem mil moedas!’ 26 Ele respondeu: ‘Eu vos digo: a todo aquele que já possui, será dado mais ainda; mas àquele que nada tem, será tirado até mesmo o que tem. 27 E quanto a esses inimigos, que não queriam que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha frente’”. 28 Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém.

___________________

Deus Onipotente é Fiel Àqueles Que São Fieis à Sua Vontade Até O Fim Da Vida Terrena

A Primeira Leitura fala da visão do Trono de Deus. Entrando no céu, a primeira coisa que se vê, segundo o livro do Apocalipse é o Trono: “Eu João, vi uma porta aberta no céu, e a voz que antes eu tinha ouvido falar-me como trombeta, disse: “Sobe até aqui, para que eu te mostre as coisas que devem acontecer depois destas”. Imediatamente, o Espírito tomou conta de mim. Havia no céu um trono e, no trono, alguém sentado(Ap 4,1-2).

A visão que o autor contempla é de uma porta aberta nos céus. E uma voz convida o autor a subir: “Sobe até aqui, para que eu te mostre as coisas que devem acontecer depois destas”. A visão do céu aberto e Deus que convida a subir  para mostrar os seus desejos encontra uma fundamentação na tradição bíblica. No Êxodo, Moisés é convidado a subir o Monte Sinai para receber de Deus as revelações e instruções para o povo (Ex 19,20.24). O profeta Daniel recebe dos céus as revelações e interpretações para os sonhos de Nabucodonosor (Dn 2,27-28).

Para captar as mesnagens de Deus é preciso sairmos da rotino para “subir” até Deus na nossa meditação da Palavra de Deus diariamente. Subir” é uma chamada para a própria superação, pois supõe a existência de muito fôlego. Sempre podemos nos superar. O caminho da subida é o caminho que nos eleva e nos faz crescer, o que nos leva à transcendência. Somos chamados a subir à verdade mais plena, à fé mais pura, ao amor maior, ao desprendimento mais radical. Subir significa superar-se a si mesmo, transcender-se, ir adquirindo os critérios de Deus. Sempre podemos nos superar, sempre podemos, quando subimos com o Senhor. “Subir” é o processo simbólico de aproximação de Deus que se traduz na aproximação do irmão em necessidade.

Nesta subida o autor viu que “Havia no céu um trono e, no trono, alguém sentado” (Ap 4,1-2). O trono é a imagem da realeza e do poder. Trono é assento aparatoso onde os grandes personagens, como o Sumo Sacerdote, juizes, generais, governadores, reis exerciam sua autoridade (Gn 41,40; 2Sm 3,10; Neh 3,7; Sl 122,5; Jr 1,15; Mt 19,28). O rei, com grande pompa, se sentava no trono para as audiências, para julgar, para promulgar os decretos (1R 2,19; 7,7;22,10; 2Rs 11,19; Jonas 3,6).

Com frequência, o têrmino “Trono” simboliza a oniptência e o governo de Deus (Sl 9,5.8; Ez 1,26; Ap 1,4). O trono nos céus revela a transcendência. “A visão do trono é o pano de fundo para todo o Apocalipse, desde o início (1.4) até o fim (22.3). Esta visão revela a grandeza de Deus. Invisível do alto do trono, Deus dirige a última fase do seu plano, que começará agora (4,1). A visão do trono é como música tocada com muitos instrumentos. Começa muito suavemente, cresce e explode na exclamação: "Santo, Santo, Santo! Senhor! Deus Todo-Poderoso!" (4.8). O nome de Deus é proclamado. "ERA, É E VEM" (4,8). É o nome que vem do Êxodo: Javé, Deus conosco, Deus libertador! (Êx 3,14-15). Ao iniciar a última fase de seu plano de salvação, Deus mantém o mesmo nome com que iniciou a primeira etapa. E ele manterá seu nome até o fim (11,17). Deus não mudou! E não vai mudar” (Carlos Mestres).

A grandiosa apresentação da corte celestial inicia a série de visões que culminarão na visão final da nova Jerusalém. Uma linguagem colorida descreve a liturgia que acontece "noite e dia" diante do trono do Deus onipotente, localizado com grande majestade na abóbada do firmamento (“um mar de vidro cristalino” do v 6).

A afinidade entre a experiência do vidente (João) e as teofanias do Antigo Testamento é clara, tanto na estrutura da história quanto nas imagens utilizadas. João depende de Daniel (cap. 7), Ezequiel (cc. 1 e 10) e Isaías (cap. 6), lugares onde se fala das manifestações da glória do Senhor. Recordemos também a cena de Moisés no monte Horebe (Ex 3).

As imagens se sucedem, no estilo de profetas como Isaías, Ezequiel ou Daniel: o trono e aquele que está sentado nele, o arco-íris, os vinte e quatro anciãos com vestidos brancos e coroas em suas cabeças, as sete lâmpadas ou espíritos , o mar transparente como cristal, os quatro seres viventes que dia e noite cantam "Santo, Santo, Santo é o Senhor", e os anciãos respondem com mais hinos de louvor, lançando suas coroas aos pés daquele que está sentado no trono . Tudo isso com o som de trombetas e relâmpagos e o estrondo do trovão.

São João, como muitos de seus leitores da época, conhece a Bíblia de cor, e espontaneamente para expressar suas ideias ele recolhe imagens bíblicas, conhecidas de todos, como foi dito anteriormente. A página de hoje está cheia de símbolos tirados de Isaías 6,15... de Ezequiel 1,4-27... de Daniel 7,9-10.

Os quatro seres misteriosos têm a figura de um leão, um touro, um homem e uma águia: são símbolos que já apareceram no profeta Ezequiel, e que mais tarde a catequese dos Santos Padres aplicou estes símbolos aos quatro evangelistas:  Marcos: LEÃO (Apresenta a figura de João Batista como a VOZ que clama no deserto semelhante ao RUGIR de leão). Lucas: TOURO (Refere-se ao ofício de Zacarias. Como sacerdote oferecia sacrifícios. Jesus vem suprimir esses sacrifícios de animais). Mateus:  HOMEM-ANJO (Apresenta a genealogia humana de Jesus) e João:  ÁGUIA (É a altura de sua teologia como uma águia que voa alto).

O Apocalipse não é, acima de tudo, uma catástrofe. Pelo contrário, seu significado principal é "mensagem de esperança". Mas este livro foi escrito em meio à perseguição, entre Nero e Domiciano, em um contexto de crise violenta para a Igreja. A mensagem apocalíptica é, portanto, um estimulante: “Os cristãos, que lutam nas piores dificuldades, mantêm a confiança na onipotência de Deus, que prometeu salvar seu povo de todo mal!”

Eu João, vi uma porta aberta no céu, e a voz que antes eu tinha ouvido falar-me como trombeta, disse: ‘Sobe até aqui, para que eu te mostre as coisas que devem acontecer depois destas’”. Para alguns cristãos vacilantes na fé, preocupados com o futuro da Igreja, por causa da dureza da perseguição... João dirá que esta prova será apenas temporária: os perseguidores não vencerão, pois Deus terá a última palavra para a humanidade. Todas as imagens aqui acumuladas querem nos fazer apresentar visualmente a grandeza e a onipotência de Deus, Dono de tudo, pois Ele criou tudo o que era e é bom (Gn 1,10. 12.18.21.25) e o homem era muito bom na sua primordialidade (Gn 1,31). O homem se esquece de que pertence a Deus, seu Criador e não ao mundo, Sua criatura.

Um dos aspectos que mais devemos lembrar, cada vez que participamos da Eucaristia ou de outros encontros de oração, é que estamos unidos à comunidade dos salvos no céu, que já celebram na presença de Deus a verdadeira liturgia, cantando hinos e jogando suas coroas no ar, por causa da alegria sem fim. Não comemoramos sozinhos. Fazemos isso junto com os anjos, a Virgem Maria, os santos, nossos entes queridos. A liturgia do céu e a da terra estão intimamente relacionadas.

Não importa muito encontrar a chave simbólica para interpretar a quem correspondem esses seres ou personagens misteriosos ao redor de Deus, que a Primeira Leitura nos apresenta, nem o significado que os números nesta cena magnífica possam ter: sete, vinte e quatro, quatro. O importante é que nos seja apresentada uma imagem de triunfo, de cantos jubilosos, de uma liturgia festiva para aqueles que já estão salvos, e esta é uma mensagem de esperança para nós que caminhamos um pouco cansados ​​pela vida, ladeira abaixo em direção a Jerusalém celeste. E o Salmo Responsorial da missa quer nos contagiar com este otimismo: “Louvai o Senhor Deus no santuário, louvai-o no alto céu de seu poder! Louvai-o por seus feitos grandiosos, louvai-o em sua grandeza majestosa! Louvai-o com o toque da trombeta, louvai-o com a harpa e com a cítara! Louvai-o com a dança e o tambor, louvai-o com as cordas e as flautas! Louvai-o com os címbalos sonoros, louvai-o com os címbalos de júbilo! Louve a Deus tudo o que vive e que respira, tudo cante os louvores do Senhor!” É para isso que estamos destinados. Já estamos unidos a isso, em nossa celebração, embora ainda não o vejamos com clareza.

O Senhor está no meio do seu povo. E todo o universo participa da Liturgia do céu. Tudo, no céu e na terra, deve se tornar um louvor contínuo ao nosso Deus e Pai. É por isso que Deus Pai enviou seu Filho, para nos purificar de tudo o que nos manchou. Assim, perdoados e feitos filhos de Deus, toda a nossa vida deve ser um louvor contínuo ao Seu Santo Nome. Santo, Santo, Santo é o Senhor, Deus Todo-Poderoso. Santificado seja o seu Nome. E nós o santificamos através de nossas vidas, porque tudo o que foi criado, e de maneira especial nós, temos que nos tornar um louvor contínuo ao Nome de Deus. Deus chamou tudo à existência. Ele, sendo o Criador de todas as coisas, nos destinou para que, sendo conformes à imagem de seu próprio Filho, um dia, depois de perseverar na fé, possamos participar eternamente de sua glória e nos tornarmos um louvor eterno por ele, unido ao seu próprio Filho.

Os Talentos São Dados a Nós Por Deus Para o Bem De Todos

Estamos no fim da viagem de Jesus para Jerusalém. Jesus está perto de Jerusalém (Lc 9,51-19,28). E Ele continua a aproveitar o momento para dar suas ultimas e importantes lições para nossa vida como cristãos. Desta vez, através de uma parábola, Jesus nos fala sobre os dons que Deus nos deu, e que precisamos frutificá-los para o bem de todos. Nisto consiste o sentido de nossa passagem neste mundo.

A parábola, lida no texto do evangelho de hoje, é semelhante à parábola dos talentos na versão de Mateus (cf. Mt 25, 14-30) embora cada evangelista tenha sua própria acentuação. Lucas fala de “mina” (“mina” equivale a 571 gr). Mateus fala de “talento” (“talento” equivale a 34,272 kg). Mas ambos os evangelistas querem nos alertar que, um dia, cada ser humano prestará contas para Deus ou Deus vai pedir contas a cada homem dos dons e talentos recebidos que deveriam ser frutificados através da vivência do amor fraterno (cf. Mt 25,31-46). O encontro derradeiro com Deus será inevitável (cf. 2Cor 5,1-10), pois neste mundo somos apenas passageiros. O critério do julgamento será a vivência do amor fraterno. O amor é a moeda do reino que precisamos fazê-lo circular e frutificar. Se um dia nós formos condenados, não por termos amado demais e sim por termos amado de menos. Tudo será revelado e nada será escondido sobre tudo que fizemos, cometemos, praticamos, falamos e comentamos durante nossa passagem neste mundo. Precisamos ter temor do Senhor e não medo, pois o temor do Senhor é o início da sabedoria de viver na graça e pela graça de Deus (cf. 1Cor 15,10). O temor de Deus nos faz respeitarmos a vida e a dignidade do outro. O temor de Deus orienta nosso tratamento fraterno para com os demais: tratamento mais respeitoso por causa da vivência profunda do mandamento do amor fraterno (cf. Jo 13,34-35; 15,12). O temor de Deus nos faz vivermos como pessoas gratas, agradecidas e agraciadas.

O evangelista Lucas nos relatou que um homem nobre entregou cem moedas de prata para cada empregado para que eles pudessem multiplicá-los. A palavra “entregar” nos faz pensarmos no dom. Isto significa que ninguém escolhe os dons recebidos. Simplesmente cada um recebeu os dons de Deus. Eles são fruto da benevolência divina e não por nossos méritos. Ao Deus nos dar os talentos conforme a capacidade de cada um de nós, o evangelho quer nos dizer que Deus nos ama, tem confiança em nós e na nossa capacidade, nos estima, e por isso, deu-nos uma missão a realizar na vida. Deus nunca dá seus dons ou talentos acima de nossa capacidade. Diante da confiança depositada em mim por Deus, eu tenho que ter uma justa confiança em mim mesmo, porque, se assim não for, não posso revelar os meus dons ou talentos, não posso pôr a render os talentos que Deus me deu, não posso agir e produzir e fechar-me em mim mesmo, triste, na minha árida esterilidade e terminarei minha passagem neste mundo como pessoa ressentida pela vida vivida pela metade. Como é triste morrer sem ter sabido viver e como é triste viver sem aprender a morrer.

Se os dons são dados por Deus para cada um de nós gratuitamente, isto significa que estamos no mundo de gratuidade. Viver no mundo de gratuidade nos faz vivermos na constante gratidão e na permanente ação de graças que se traduz na generosidade com os demais. Viver na gratidão e na permanente ação de graças é uma grande revelação de que somos capazes de olhar para a vida e seus acontecimentos com o olhar positivo, com o olhar do Senhor. Quem vive na constante gratidão suas forças se renovam, sua auto-estima aumenta e seu ânimo de viver se dobra cada dia. E se tudo que temos e somos é o fruto da generosidade de Deus, cada um precisa ser prolongamento dessa generosidade divina partilhando e dividindo com os outros o que se tem e o que se é. A generosidade é o caminho de libertação das garras do apego das coisas terrenas. Mesmo que tenhamos dificuldade de largar o apego, um dia, quando chegar nosso momento nós seremos obrigados a renunciar a tudo que temos.

Para o evangelista Lucas, a história da salvação é dividida em três partes. Primeiro, o tempo de Israel. A história da salvação tem suas raízes no passado representado pelo Antigo Testamento, isto é, no tempo de Israel e em suas promessas. Segundo, o tempo de Jesus. Para Lucas, Jesus e seu ministério público representam o centro do tempo. Terceiro, o tempo da Igreja. O Espírito Santo (Pentecostes) funda a missão da Igreja.

Lendo a parábola dentro dessa divisão de tempo entendemos que o tempo da Igreja, isto é, o espaço da vida terrena é um tempo de plantio, floração, frutificação. Semear a bondade é a tarefa de cada cristão. A bondade é o único investimento que nunca falha. Ninguém pode esperar trigo, se na vida vive plantando o joio que só danifica o que é bom. Mas a bondade triunfará, pois Deus é o Supremo Bem. Nós não somos os donos do espaço e do tempo de nossa vida. Somos criaturas de Deus. O documento Lúmen Gentium do Concílio Vaticano II afirma: “Todos os fieis cristãos são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (LG 40). Ou na linguagem de São Paulo: “A caridade é o pleno cumprimento da lei” (Rm 13,10).

O Senhor confiou à Sua Igreja uns ministérios, uns dons ou talentos. E um dia todos serão chamados a prestar contas. Dons são de Deus. O homem é administrador dos dons. Alguns os fazem frutificar em serviços, solidariedade e fortalecimento dos ministérios para o bem comum. Estes verão o fruto de suas boas obras. Outros, somente esperam que seus ministérios lhes sirvam como um simples título de prestígio. Os que foram negligentes com seu ministério e sepultaram seus dons, verão como seu nome desaparecerá.

A mensagem da parábola é clara. Temos que ser criativos até a chegada da segunda vinda do Senhor na nossa vida (parusia). O Senhor nos concede Seus dons para continuarmos construindo Seu projeto do Reino. Ele faz de nós pequenos criadores (ser criativos). Pode ser que a cultura atual seja uma fábrica de passividade. Mas os cristãos continuam sendo, “geneticamente”, criativos, pois o Senhor concede-lhes dons para serem frutificados ou multiplicados. Sem exageros, podemos dizer que nascemos gênios, mas muitos morrem na mediocridade por falta de esforço.

Para ter muita imaginação temos que ter muita memória. Grande parte das operações chamadas “criadoras” depende de uma hábil exploração da memória. Com efeito, a desvinculação das raízes (memória), a falta da profundidade impede a criatividade. Quando se elimina a memória (raiz), se elimina também a criatividade profunda.

Afinal, a vida cristã não consiste em estar pendente do futuro. A existência cristã se joga no presente e por isso, não consiste na simples espera ou expectativa, e sim no compromisso de amor. Deus não quer saber se frutificamos muito ou pouco com os talentos que recebemos. Mas que os frutifiquemos. O que se enfatiza é o esforço, isto é, usar todo esforço que se tem para frutificar os dons recebidos: sejam 30%, 60% ou 100% de resultado. A Bíblia não tem uma única palavra de louvor para o preguiçoso e a pobreza, quando é conseqüência da preguiça, pois a preguiça nunca é considerada como virtude.

O que eu tenho multiplicado nos meus dons até agora é a pergunta que cada um deve fazer diariamente, especialmente neste momento.

Na Eucaristia o Senhor nos entrega sua Palavra, sua Vida que nos salva, e a comunhão fraterna no amor. Este grande tesouro certamente deve ser aproveitado primeiramente por cada um de nós. Nós somos os primeiros beneficiados pelo Senhor, e Sua presença em nós há de ser uma presença transformante, transfigurante, de tal modo que, dia a dia, vamos não somente sendo iluminados pela Luz do Senhor e sim que nos convertamos em luz que ilumine o caminho daqueles que nos rodeiam. Não podemos deixar que o Senhor acende sua Luz em nós para depois apagarmos d’Ele. Sua presença em nós há de ser contínua, unidos a Ele mediante a oração e a escuta de Sua Palavra, pois a salvação não é obra do homem e sim de Deus no homem com a colaboração do homem.

Na nossa comunidade, será que conhecemos e valorizamos os dons dos outros membros da mesma? Nossa comunidade é um espaço para frutificar os dons?

P. Vitus Gustama,svd

23/11/2024-Sábado Da XXXIII Semana Comum

CREMOS NO DEUS DA VIDA E POR ISSO CREMOS NA RESSURREIÇÃO QUE NOS FAZ RESPEITARMOS A DIGNIDADE DA VIDA DOS OUTROS Sábado da XXXIII Semana C...