domingo, 4 de maio de 2025

06/05/2025-Terçaf Da III Semana Da Páscoa

SENHOR, DAÍ-NOS SEMPRE O PÃO DA VIDA PARA VIVERMOS NA VERDADE E NA SERENIDADE

Terça-Feira da III Semana da Páscoa

Primeira Leitura: At 7,51-8,1a

Naqueles dias, Estêvão disse ao povo, aos anciãos e aos doutores da lei: 51 “Homens de cabeça dura, insensíveis e incircuncisos de coração e ouvido! Vós sempre resististes ao Espírito Santo e como vossos pais agiram, assim fazeis vós! 52 A qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram aqueles que anunciavam a vinda do Justo, do qual, agora, vós vos tornastes traidores e assassinos. 53 Vós recebestes a Lei, por meio de anjos, e não a observastes!” 54 Ao ouvir essas palavras, eles ficaram enfurecidos e rangeram os dentes contra Estêvão. 55 Estêvão, cheio do Espírito Santo, olhou para a céu e viu a glória de Deus e Jesus, de pé, à direita de Deus. 56 E disse: “Estou vendo o céu aberto, e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus”. 57 Mas eles, dando grandes gritos e, tapando os ouvidos, avançaram todos juntos contra Estêvão; 58 arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas deixaram suas vestes aos pés de um jovem, chamado Saulo. 59 Enquanto o apedrejavam, Estêvão clamou dizendo: “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito”. 60 Dobrando os joelhos, gritou com voz forte: “Senhor, não os condenes por este pecado”. E, ao dizer isto, morreu. 8,1ª Saulo era um dos que aprovavam a execução de Estêvão.

Evangelho: Jo 6, 30-35

Naquele tempo, a multidão perguntou a Jesus: 30 “Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? Que obras fazes? 31Nossos pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: ‘Pão do céu deu-lhes a comer’”. 32Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. 33Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”.  34Então pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. 35Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede”.

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Somos Chamados a Ser Anunciadores Da Verdade a Exemplo de Estêvão e Os Profetas Antigos

Estêvão, o protagonista da leitura do dia anterior, continua a sê-lo hoje, desta vez no seu testemunho final de martírio.  Seu nome significa “coroa”. Seu nome indica seu testemunha, pois ele foi o primeiro a receber s coro do martírio. Estevão não somente era um homem prático, hábil com a administração da Igreja e a obra social, mas também interessado na pregação do Evangelho aos outros. Sua mensagem era acompanhada de maravilhosas demonstrações do poder de Deus. através dele Deus operava “prodígios e grandes sinais entre o povo” (At 6,8). Isso dava à sua palavra uma notável credibilidade, mas ao mesmo tempo, suscitava oposição dos judeus conservadores, preocupads como o novo movimento cristão, e invejosos por causa da evidente popularidade de Estêvão e deu carisma. Determinados a atacar e a enfraquecer seu trabalho, os judeus começaram a fazer graves acusações contra Estêvão e alegar que blasfemava “contra Moisés e contra Deus” (At 6,11).

Diante de todo o Sinédrio, proferiu um longo discurso com firmeza, do qual só ouvimos o final aqui. O discurso de Estêvão diante do Sinédrio é uma memorável recapitulação da história judaica e uma defesa ousada da fé cristã diante de seus acusadores. É uma catequese altamente estruturada sobre a História da Salvação, partindo do AT, com seus grandes personagens Abraão, José, Moisés, Davi e Salomão, para chegar ao Messias esperado na plenitude da história.

Homens de cabeça dura, insensíveis e incircuncisos de coração e ouvido! Vós sempre resististes ao Espírito Santo e como vossos pais agiram, assim fazeis vós”, disse Estevão num discurso mais longo do livro dos Atos dos Apóstolos (At 7,2-53). O discurso de Estêvão diante do Sinédrio é uma memorável recapitulação da história judaica, e uma defesa ousada da fé cristã diante de seus acusadores. O discurso de Estêvão  realmente nos oferece uma “teologia bíblica”, um exame do Antigo Testamento à luz do advento de Cristo, o Messias.

O discurso tem três partes principais:  a primeira refere-se aos patriarcas (At 7,,2-16); a segunda a Moisés (At 7,17-43); e a terceira ao Tabernáculo e ao Templo (At 7,44-50).

Homens de cabeça dura, insensíveis e incircuncisos de coração e ouvido! Vós sempre resististes ao Espírito Santo e como vossos pais agiram, assim fazeis vós”. Essas frases contundentes, palavras duras de Estêvão, na verdade, nada mais são do que uma repetição do que Jesus disse e de todos os profetas (Êxodo 33,3; Jr 4,4). Jesus foi igualmente violento quando chamou seus ouvintes de "serpentes", uma "raça de víboras" e os acusou de "matar os profetas" (Mt 23,33).

O tom com que Estevão usa no final do seu discurso, que citamos acima, nos leva ao tom dos antigos profetas. Estevão quer relembrar todos os homens em todos os tempos e lugares e em todas as religiões que toda vez que o homem ficar resistente à voz do Espirito de Deus, ele se tornará violento para o próximo e perseguidor dos justos e honestos. Onde Deus for expulso, entra a violência e a desordem. A infidelidade do homem aos valores universais como amor, fraternidade, solidariedade, justiça, honestidade, igualdade converte o homem em assassino e destruidor do seu próximo, especialmente dos inocentes. A religião nenhuma pode estar acima dos valores universais reconhecidos, valores que constroem a comunhão, a fraternidade, a compaixão, a solidariedade, valores que edificam todos os seres humanos como uma família em que um membro cuida do outro membro.

Nesse discurso, Estevão chama seus ouvintes judeus juntamente aos anciãos e doutores da Lei de “cabeça dura, insensíveis e incircuncisos de coração e ouvido”. As acusações de Estevão são tipicamente bíblicas. “Teimosos” traduz a expressão bíblica “duros de pescoço” (cf. Ex 33,3.5; 34,9; Dt 9,6.13; Ne 9,29). Pescoço duro não é flexível e incapaz de fazer movimentação para várias direções. Um teimoso é incapaz de ver outras possibilidades melhores. “Insensíveis” é na Bíblia “incircuncisos de ouvido e coração(cf. Lv 46,41; Jr 6,10; Ez 44,7.9). A resistência ao Espirito Santo vem de Nm 27,14; Ne 9,30; Is 63,10. Paralelamente, nesse discurso de Estevão há uma continuidade entre os profetas, Jesus e agora Estevão. O passado ilumina Estevão para denunciar os que praticam a injustiça. Como qualquer profeta, Estevão se torna vítima da verdade anunciada. O assassino pode matar o anunciador da verdade, mas incapaz de enterrar a verdade. O homem pode tentar enterrar a verdade, o amor, a honestidade, a bondade, e assim por diante, mas eles não permanecem na terra, pois ressuscitam.

Estêvão é um homem fogoso, mas também ele é um homem de vida interior, contemplativo, um visionário que tira suas ideias, suas palavras, seus atos de seu oração contemplativa. Na sua oração contemplativa Estêvão disse: “Estou vendo o céu aberto, e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus”. Efetivamente, Jesus está vivo, ressuscitado e exaltado. E Estêvão vive com Ele, vive dele e vive como Ele (cf. Lc 23,34ª). É o tempo pascal para Estêvão, o tempo de passagem deste mundo para o mundo de Deus. Por isso, Estêvão, literalmente, repete as palavras de Jesus no Evangelho antes de sua morte: “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito... (cf. Lc 23,46) Senhor, não os condenes por este pecado (cf. Lc 23,34ª)”. A morte de Estêvão é admirável. Como seu Mestre Jesus, Estêvão perdoa. É a vítima que ama seus carrascos e roga por eles como fez Jesus.

Estêvão viveu, sofreu e morreu por Cristo; no momento da morte, olhou para o Senhor para a vindicação final. Sua história tem grande relevância para qualquer época quando são martirizados muitos cristão em qualquer canto deste Planeta.

Senhor, não os condenes por este pecado (cf. Lc 23,34ª)”. É assim que tenho que perdoar?

É admirável o exemplo de Estêvão, o jovem diácono. É em geral admirável a mudança da primeira comunidade cristã a partir da graça do Espirito em Pentecostes. Estêvão dá testemunho de Cristo Ressuscitado e Vitorioso. Celebramos sua festa no Natal, mas a leitura de hoje nos situa muito bem coerente no clima da Páscoa.

O heroísmo e a coragem de Estêvão diante dos oponentes e sua atitude amorosa para com os inimigos, tudo isso faz dele um modelo digno de um discípulo fiel, e um nobre mártir. Somos chamados não somente a crer teoricamente na Ressurreição de Cristo, mas a viver essa mesma Páscoa, ou seja, a estar dispostos a experimentar em nós a perseguição e a imitar Cristo não somente nas coisas doces e serenas, mas também na entrega à morte e no perdão de nossos inimigos. É viver o duplo movimento da Páscoa que é morte e vida. As dificuldades vão chegar quando nossas palavras e nossas obras forem testemunhos da verdade que sempre incomoda alguém que não viver de acordo com a verdade. Estêvão é nosso espelho e nosso exemplo a ser seguido.

Somos Chamados a Viver e Ir Além Do Pão Material

Jesus acabou de realizar a multiplicação dos pães para saciar a multidão (Jo 6,1-15). As pessoas comeram um alimento perecível ou efêmero. Mas há outro alimento que serve para a vida eterna (Jo 6,26-27). A multidão buscou um realizador de “milagres”, mas a personalidade de Jesus é de outra ordem e por isso, Jesus se afastou da multidão que quis torná-lo rei. Jesus não caiu na armadilha do poder que mata a fraternidade e a igualdade. As obras que o povo realizou até esse momento não são as que vão merecê-lo a salvação. A única obra que conta é seguir Jesus Cristo (Jo 6,28-29) e viver seus ensinamentos.

O “milagre” (= sinal) da multiplicação dos pães e dos peixes foi um acontecimento de tal profundidade que se constitui para o evangelista João num verdadeiro exemplo de uma leitura simbólica. Jesus convida a multidão a ir além do sinal da multiplicação dos pães e dos peixes para descobrir seu verdadeiro significado.

No Evangelho de hoje, as pessoas simples pedem a Jesus “sinais”: “Que sinais tu realizas para que possamos ver e crer em ti?”. O “milagre” de partilha generosa dos pães não foi suficiente para levá-las à verdadeira fé em Jesus. Elas não encontraram ainda o “milagre” da partilha, que faz todos saciados, e ninguém fica em necessidade. Ao contrário, o egoísmo deixa a maioria em necessidade, pois uns poucos agarram a maioria dos alimentos. E quase como provocando-lhe, elas disseram que Moisés havia feito sinais: o maná que proporcionou aos seus na travessia do deserto (cf. Ex 16,1-36). Elas não saem de seu horizonte habitual: trabalhar… comer… Mas, será que a vida consiste apenas em trabalhar e comer? Será que a verdadeira vida consiste em ganhar muito e muito mais materialmente? Quanto por cento conseguimos consumir de tudo que ganhamos? E o resto?

O povo permanece no nível superficial da fé: quer uma solução fácil para seus problemas materiais; quer correr atrás de “milagres”. Por mais espetacular que sejam os “milagres”, as pessoas continuam na sua desconfiança sobre a identidade de Jesus como Filho de Deus apesar de estar diante do “milagre” do Pai que é seu Filho Jesus, prova de sua benevolência para a humanidade faminta de sentido. Jesus é o sinal permanente do amor do Pai que indica o caminho para chegar ao Pai: amor mútuo (cf. Jo 15,12). Quem acolhe Jesus com seus ensinamentos que se resumem no amor fraterno (ágape), coloca-se no caminho da salvação. Qualquer outro sinal (milagre) seria inútil, se este sinal fundamental não fosse percebido.

Jesus busca despertar nas pessoas, a partir de suas necessidades materiais, aspirações mais altas, de ordem religiosa e espiritual, mas sempre com consequências ou aplicação na convivência humana diariamente. Jesus sacia a multidão a partir do ato generoso de um menino que representa todos os generosos para dizer que com a partilha há sempre alimento que sobra (cf. Jo 6,13). O egoísmo ou a ganância não deixa que os alimentos sejam partilhados ou distribuídos para todos.

Literariamente o evangelista construiu a cena para dar lugar à continuação ao discurso de Jesus sobre o Pão verdadeiro. Todo o discurso seguinte vai ser como uma homilia em torno do tema do pão: o pão que Jesus multiplicou no dia anterior, o maná que Deus deu ao povo no deserto, e o Pão que Jesus quer anunciar. A frase crucial é uma citação do Sl 77,24: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. “Não nos deixe, Senhor, sem esse pão, diariamente, pois nossa fome do sentido da vida não se satisfaz somente com o pão material. Queremos nos alimentar com o Pão que nos dá calma, paz, serenidade. E este Pão é o Senhor”.

Aqui se estabelece o paralelismo entre Moisés e Jesus, entre o pão que não sacia e o pão que dá vida eterna, entre o pão com minúscula e o Pão com maiúscula. A partir da experiência da multiplicação e da recordação histórica do maná, Jesus conduz seus ouvintes para a inteligência mais profunda do Pão que Deus lhes quer dar, que é ele mesmo, Jesus Cristo. Se no deserto o maná foi a prova da proximidade de Deus para com seu povo, sinal de que Deus não abandona seus fiéis, agora o mesmo Deus quer dar para a humanidade o Pão verdadeiro que é Jesus em quem devemos acreditar. Jesus é a encarnação do amor do Pai pela humanidade. Deus quer fazer sua moradia no meio de nós em Jesus Cristo (Jo 1,14).

“Senhor, dá-nos sempre desse pão!”. O homem de hoje está sedento, está faminto, mas o próprio homem não sabe de quê?  Ele quer satisfazer seus desejos e deixa seus anseios profundos gritarem permanentemente. Por isso, há uma busca sem trégua tratando de encontrar algo que possa o saciar verdadeiramente. Ele o busca no prazer, no poder, na fama, no dinheiro e assim por diante. Mas, infelizmente, quem vive somente em função do prazer é porque não tem prazer de viver. Afinal, o resultado é sempre o mesmo: vazio e solidão. Somente Jesus é o Pão que sacia. Somente a vida no amor de Deus pode dar sentido à vida: “Eu sou o Pão da vida. Quem vem a mim, não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede(Jo 6,35). O Pão da Vida não somente satisfaz a fome física do homem, e sim satisfaz sua vida ou sua existência. A única satisfação para a existência humana está em Cristo. Somente seu amor enche nossos vazios e nossas solidões. A vida em Cristo se transforma em plenitude. Por isso, quem tem Cristo tem tudo, quem não O tem, não tem nada.

Enquanto não crermos plenamente em Jesus Cristo, nosso ser andará buscando saciar sua sede e sua fome em qualquer lugar em que, em vez de satisfazer nossa sede, criará mais sede; em vez de ficar próximos da felicidade, criaremos mais distância da felicidade e no final, ficaremos como pessoas solitárias e angustiadas. Por isso, nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em Deus e enquanto não se nutrir do Pão da Vida que é seu Filho Jesus Cristo através de uma plena e verdadeira comunhão com Ele. Uma vez que crermos em Jesus de todo coração, uma vez que nascermos do Espírito Santo, “nascer do alto” então nos daremos conta de que não teremos sede jamais. Simplesmente viveremos na Presença do grande “Eu-Sou”.

Quem se alimenta é porque quer continuar vivendo. Mas o alimento temporal somente prolonga nossa vida por um pouco tempo. O Senhor Jesus nos dá vida eterna. Quem O aceitar, terá essa vida. Mas ter a vida não significa somente usufruí-la de um modo egoísta ou passá-la bem. A vida é como um fruto que os demais devem usufruir, pois, junto com eles, estaremos trabalhando para que todos vivam com maior dignidade. Nós nos alimentamos de Cristo para poder alimentar o mundo, convertidos em pão de vida e deixando de ser, para o mundo, um pão venenoso, podre e deteriorado.

Comungar o Pão Eucarístico, o próprio Corpo do Senhor significa ser pão para os demais. O cristão é chamado a ser pão, a ser alimento, a ser vida para os outros a exemplo de Cristo Jesus. Ser pão significa que já não posso mais viver para mim e sim para os demais. Significa que tenho que estar inteiramente disponível a tempo completo. Significa que eu devo cultivar a ternura e a bondade porque assim é o pão, terno e bom. Significa que devo estar sempre disposto ao sacrifício como o pão que se deixa triturar. Significa que devo viver sempre no amor capaz de morrer para dar vida aos demais, como o pão. Nisto se encontra o sentido da vida e a satisfação plena de nossa existência. Para isso, precisamos pedir ao Senhor, o Pão da Vida, por excelência: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. Ao que Jesus nos responde: “Eu sou o Pão da vida. Quem vem a mim, não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede”.

P. Vitus Gustama,svd

sábado, 3 de maio de 2025

05/05/2025-Segundaf Da III Semana Da Páscoa

SOMENTE NO DEUS QUE QUER QUE SIRVAMOS AOS OUTROS SE ENCONTRA O SENTIDO DE NOSSA EXISTÊNCIA

Segunda-Feira da III Semana da Páscoa

Primeira Leitura: At 6,8-15

Naqueles dias, 8 Estêvão, cheio de graça e poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo. 9 Mas alguns membros da chamada Sinagoga de Libertos, junto com cirenenses e alexandrinos, e alguns da Cilícia e da Ásia, começaram a discutir com Estêvão. 10 Porém, não conseguiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava. 11 Então subornaram alguns indivíduos, que disseram: “Ouvimos este homem dizendo blasfêmias contra Moisés e contra Deus”. 12 Desse modo, incitaram o povo, os anciãos e os doutores da Lei, que prenderam Estêvão e o conduziram ao Sinédrio. 13 Aí apresentaram falsas testemunhas, que diziam: “Este homem não cessa de falar contra este lugar santo e contra a Lei. 14 E nós o ouvimos afirmar que Jesus Nazareno ia destruir este lugar e ia mudar os costumes que Moisés nos transmitiu”. 15 Todos os que estavam sentados no Sinédrio tinham os olhos fixos sobre Estêvão, e viram seu rosto como o rosto de um anjo.

Evangelho: Jo 6,22-29

Depois que Jesus saciara os cinco mil homens, seus discípulos o viram andando sobre o mar. 22No dia seguinte, a multidão que tinha ficado do outro lado do mar constatou que havia só uma barca e que Jesus não tinha subido para ela com os discípulos, mas que eles tinham partido sozinhos. 23Entretanto, tinham chegado outras barcas de Tiberíades, perto do lugar onde tinham comido o pão depois de o Senhor ter dado graças. 24Quando a multidão viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum. 25Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?” 26Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. 27Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo”. 28Então perguntaram: “Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?” 29Jesus respondeu: “A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou”.

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Diácono Estêvão é O Homem Que Se Deixa Guiar Pelo Espírito Do Senhor Ressuscitado

Estes textos (At 7,1-2 e At 7,44-60), escolhidos do notável relato que o Livro dos Atos consagra para exaltar a figura e a obra de Estêvão no desenvolvimento do cristianismo primitivo, constituirão sempre a leitura mais adequada para celebrar a memória do protomártir da Igreja.

As seções 6,8-15 e 7,54-60 nos contam sua história -a oposição contra ele pelos judeus helenizantes da diáspora, a prisão e acusações perante o Sinédrio e seu martírio- e enquadram seu longo discurso de defesa (7 ,2b-53), dos quais apenas as passagens finais e mais controversas foram reproduzidas aqui (vv 44-53).

Do grupo dos sete Diáconos, Estêvão surge como chefe, como Pedro no grupo dos Doze. Estêvão é um homem dotado de qualidades carismáticas e de força espiritual, que se manifestam nos grandes prodígios e sinais. Mas a característica distintiva deste lider cristão é a sua capacidade dialética, com o qual resiste sem medo aos seus ex-companheiros judeus, enfrentando-os nas suas assembleias litúrgicas.

Estêvão, cheio de graça e poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo” (At 6,8). Estêvão é um dos sete primeiros diáconos, eleitos pelos Apóstolos para o serviço da mesa (Cf. At 6,1-6).

Em grego, “Diácono” significa “servidor”. A palavra grega que a Bíblia geralmente traduz como “servir” é DIAKONEIN, que significa o serviço à mesa. Isto significa que quem serve à mesa serve à vida, nutre o outro com vida.

O Concílio Vaticano II restabeleceu essa tradição que se havia perdido: o diaconato é, de novo, um sacramento permanente dado a cristãos para significar que a Igreja inteira é “serviço” (cf. SC 86; LG 20, 28, 29, 41; OE 17; CD 15; DV 25; AG 15, 16).

O serviço não é somente um conjunto de pequenas boas obras de ajuda aos demais. Para Jesus e, portanto, para a Igreja, Servir é um estilo de vida, e não é apenas uma atividade em determinado momento da vida diante dos demais: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos” (Mc 10,45). Ao servir o outro, o cristão estará participando da vida e da missão de Jesus. Cristo-Servo deseja viver e estar em meio de uma comunidade de servos/servidores.

Servir não é buscar a si mesmo nem pretender ser protagonista no ato de servir, pois a questão é servir para salvar. Quem serve deve estar em segundo plano. Servir é fazer o outro crescer. Servir é dar a vida. O segredo do serviço é a caridade para todos. Se quisermos servir aos outros, verdadeiramente, nós devemos nos esquecer de nós mesmos e procurar fazer os outros felizes. No verdadeiro serviço, quem serve não se pergunta se é feliz e sim se as pessoas ao redor são verdadeiramente felizes com seu serviço e sua presença.

O texto da Primeira Leitura destaca a figura e obra do diácono Estêvão no desenvolvimento do cristianismo primitivo. “Graça e fortaleza” são as virtudes que ornam Estêvão. Estêvão é um homem fogoso e enfrenta seus adversários. Por conhecer bem o mundo grego, cuja língua fala, ele sabe que o universo não se reduz a Jerusalém (Lei e Templo): em toda parte há homens que esperam a salvação. Ele entende que a Igreja não deve ser reduzida a um gueto no meio do mundo judaico.

O discurso de Estêvão diante do Sinédrio é um resumo da história da salvação. Mais que discurso é uma oração, uma confissão gozosa, um canto de ação de graças quase extático: “Todos os que estavam sentados no Sinédrio tinham os olhos fixos sobre Estêvão, e viram seu rosto como o rosto de um anjo” (At 6,15).

Convém dizer, antes de tudo, que dentro da dinâmica redacional dos Atos dos Apóstolos, o diácono Estêvão surge aqui como o iniciador formal da ruptura e da libertação da Igreja dos moldes do judaísmo. Alguns judeus de diáspora, convertidos ao cristianismo, queriam viver um cristianismo dentro do marco da Lei e do Templo (que é o pano de fundo do discurso de Estêvão). Estêvão toma, ao contrário, atitudes mais liberais a respeito da Lei e do Templo. Por isso, os judeus da diáspora helenista, que seria a área normal da missão de Estêvão, reagem com fanática hostilidade contra Estêvão: “Aí apresentaram falsas testemunhas, que diziam: ‘Este homem não cessa de falar contra este lugar santo e contra a Lei’” (At 6,13). É sempre assim a atitude das pessoas fracas na argumentação ou pessoas que têm interesses pessoais para serem defendidos/protegidos: atacam as pessoas que argumentam com fundamentos, em vez de aceitar a verdade, com humildade. Temos que aprender a distinguir quem fala e do que se fala. Podemos não gostar de uma pessoa, mas temos que aceitar a verdade da qual ela fala (cf. Mt 23,3). Um pouco de humildade nunca faz mal a ninguém!

Para Estêvão, o cristianismo é um “vinho novo” que deve ser colocado em “odres novos” (Mc 2,22). Para Estêvão o que salva não é a Lei de Moisés ou o Templo e sim a fé em Jesus Ressuscitado. Na ruptura do cristianismo do judaísmo, uma atitude que deve ser levada em conta, uma segunda característica seria traçar um paralelo entre Jesus e Estêvão: Lucas silencia no processo da condenação de Jesus a acusação de querer destruir e reconstruir o templo (Mc 14, 57-58 e par.) e movê-lo para Estêvão (At 6,14). Lucas é o único que na hora da morte apresenta Jesus e Estêvão com palavras de perdão para os inimigos (Lc 23,34 e At 7,60). Um recurso literário para colocar um junto ao outro, o Mestre e o discípulo, também a liturgia faz no ciclo de Natal, em 25 (Nascimento de Jesus) e 26 de Dezembro (martírio de Estêvão): colocar um junto ao outro. Estêvão é o primeiro a selar com o sangue a mudança libertadora que Jesus introduz no mundo.

O mundo continua mudando, a tecnologia continua avançando, o tempo continua fluindo ou fugindo e a idade continua subindo. Temos que ter coragem de fazer determinadas rupturas com determinadas coisas que nos impedem de avançar e de crescer para não infantilizarmos nossa vida. É preciso ter muito discernimento do Espírito, isto é, a capacidade de descobrir o que vale a pena e o que não vale a pena segurar. Não vale a pena o esforço de segurar o tempo e o vento, pois escapam de nosso controle. Quem não tem coragem de renunciar a muita coisa, atrasa o crescimento a ponto de se tornar estéril (cf. Jo 15,1-5).

Procuramos Jesus Porque Ele É Nosso Salvador

Continuamos a acompanhar a consequência ou a reação da multidão diante da multiplicação dos pães e peixes, na versão do evangelista são João. A multidão saciada pelos pães multiplicados quer fazer Jesus de rei. Mas Jesus se afastou da multidão. Jesus não se deixa cair nas garras do poder mundano. Ele quer manter ser Filho de Deus até o fim.

O texto do evangelho deste dia quer enfatizar, precisamente, o problema da pessoa de Jesus e da capacidade da fé para descobrir o mistério que está por trás dos sinais operados por Jesus. João convida os ouvintes a estarem sempre em estado de busca autêntica da pessoa de Jesus para entender suas palavras e obras.

Quando revela sua própria pessoa Jesus emprega uma fórmula nova: Pão da vida, que era algo desconhecido no AT. Assim como outras fórmulas tais como “Luz da vida” (Jo 8,12), “Palavra de vida” (1Jo 1,1), “água de vida” (Ap 21,6;22,1), Bom Pastor (Jo 10), Videira (Jo 15) e assim por diante. A expressão “Pão da vida” quer nos transmitir que Jesus é a verdadeira vida imortal. Quem crê em Jesus, no sentido de viver de acordo com seus ensinamentos já está com a vida imortal porque está com Jesus e Jesus está nele.

“Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos”.Como que dizendo: ‘Buscai-me movidos pela carne, não pelo espírito’” (Sto. Agostinho In Ioannem, tract. 25). Jesus alerta à multidão que o que ela busca é apenas algum benefício imediato, um puro consumismo. No imediatismo, na superficialidade, no consumismo procura-se um Deus utilizável; um Deus que sirva para nossos pequenos interesses e caprichos; um Deus comerciante que distribua seus benefícios para os homens; um Deus padeiro que multiplica os pães de maneira mágica sem nenhum esforço da parte do homem; um Deus à nossa pequena medida para satisfazer nossos pequenos desejos e prazeres. O Deus que nos tira do comodismo e da passividade O afastamos imediatamente. O imediatismo, o consumismo nos deixa vazios por dentro. O consumismo desenfreado nos leva a buscarmos o nosso próprio bem-estar e abandonarmos o bem que deveríamos fazer. O consumismo desnfreado nos leva a corrermos atrás de nossos próprios interesses para, depois, cairmos na indiferença e sermos alheios para o apelo de quem necessita do básico para viver. O consumismo nos faz esquecermo-nos do amor. Quem se alimenta só do efêmero vive sem raiz profunda e fácil de ser derrubado em qualquer momento por um pequeno sopro do vento da vida.

 “Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos”.Eu gostaria de falar de Deus não nos limites e sim no centro; não na debilidade e sim na força; não a propósito da morte e da carência e sim da vida e da bondade do homem” (Bonhoeffer). Somente Deus fala bem do próprio Deus e somente Cristo é o verdadeiro interprete do Pai, pois Ele é a própria Palavra de Deus feita carne e por isso, devemos acreditar n’Ele: “A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou”. Ninguém pode manejar Deus.

Esforçai-vos, não pelo alimento que perece, mas pelo que dura até a vida eterna, que o Filho do Homem vos dará (Jo 6,27).  “Como dizendo: ‘Vós procurais a comida temporal. Eu, porém, alimentei os vossos corpos para que procurásseis aquele alimento que não dá a vida temporal, mas a vida eterna’” (São João Crisóstomo: In Ioannem, hom. 43). Não somos somente animais de necessidades físicas: comer, beber, dormir, respirar, vestir-nos e assim por diante. Não somos homens unidimensionais que sacrificamos nossa vida aos imperativos de ídolo do consumismo. Somente com o pão, o homem não se satisfaz. Somos homens multidimensionais. Somos homens de sentido. Somente encontrando o sentido de sua vida, o porquê e o para quê da vida é que o homem alcançará sua verdadeira felicidade, paz e serenidade. Sem o alimento interior o homem cairá no vazio. Necessitamos cuidar do Eterno dentro de nós.

O homem de hoje, ainda que não conscientemente, busca felicidade, segurança, vida, verdade e o sentido da vida. Há boa vontade em muita gente. O que essas pessoas necessitam é que alguém lhes ajude. Às vezes tem uma concepção pobre da fé cristã por temor ou por um sentido meramente de preceito ou por interesse. Alguns procuram Deus pelos favores que d’Ele esperam, sem buscar o próprio Deus. Se nós cristãos ajudarmos as pessoas que buscam Deus, com nossas palavras e obras, se formos sinais de Deus nesta terra, creio que muitas pessoas vão procurar não somente alimento que se perde, mas principalmente alimento que perdura para sempre que é Cristo que dá valor para o resto. A partir de Cristo tudo ganha seu próprio valor.

É importante recordar que nem tudo que você quer é o que você necessita e nem tudo que você necessita você vai conseguir no momento em que desejar. Mas apesar de tudo, nunca renuncie a suas metas e por isso, continue em frente! Não permita que as desilusões da vida abortem seu potencial e o afastem de seus sonhos de dignidade. Procure fazer as coisas e estar com as pessoas que acrescentam valor à sua vida. Não basta encontrar solução para a necessidade material; há que aspirar para a plenitude humana e isso requer a colaboração do homem: “Esforçai-vos”. O alimento que se acaba (o pão) dá somente uma vida que perece. O que não se acaba, que é o amor, dá vida definitiva. O pão há de ser expressão do amor. Precisamos ser sinais de amor para os demais. Na ausência desse amor, perdermos nossa autoridade de cristãos e não teremos nada para oferecer para as pessoas que buscam o sentido da vida.

A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou”, disse Jesus à multidão que o procurou. É curiosa a escolha dos termos laborais (termos que tem a ver com o trabalho) no texto de hoje: a obra, o trabalho. Crer em Jesus para o evangelista João é considerado como trabalho, como esforço. Por que crer em Jesus é considerado como trabalho ou esforço? Porque a tradição, a mentalidade herdada, as ideias que se tem são algo complexo. O mundo em que vivemos pode nos dificultar muito a crer em Jesus Cristo. Em todos os momentos temos que renovar nossa fé em Deus com muita oração, muita reflexão e muita atenção ao que acontece ao nosso redor e no mundo. O que Deus quer de nós diante de tudo isso? O que Deus quer que façamos diante dos acontecimentos. Em cada acontecimento há sempre algum recado de Deus e há, ao mesmo tempo, uma chamada da parte de Deus para que façamos algo.

Esforçai-vos, não pelo alimento que perece, mas pelo que dura até a vida eterna, que o Filho do Homem vos dará” (Jo 6,27). Meditemos e reflitamos bem sobre esta frase! Necessitamos reconhecer nossa necessidade de Deus onde se encontra o sentido de nossa vida. Não deixemos que essa necessidade seja coberta por algo efêmero.

Portanto, que Deus abra nosso coração, ilumine nossa mente e aviva nosso amor para que possamos sentir ou experimentar Sua presença indispensável para nossa vida e salvação.

P. Vitus Gustama,svd

quarta-feira, 30 de abril de 2025

III Domingo Da Páscoa-Ano "C", 04/05/2025

AMOR: BASE E ALMA DE TODA ATIVIDADE EVANGELIZADORA NA IGREJA

III DOMINGO DA PÁSCOA ANO “C”

Primeira Leitura: At 5,27b-32.40b-41

Naqueles dias, os guardas levaram os apóstolos e os apresentaram ao Sinédrio. 27b O sumo sacerdote começou a interrogá-los, dizendo: 28 “Nós tínhamos proibido expressamente que vós ensinásseis em nome de Jesus. Apesar disso, enchestes a cidade de Jerusalém com a vossa doutrina. E ainda nos quereis tornar responsáveis pela morte desse homem!” 29 Então Pedro e os outros apóstolos responderam: “É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens. 30 O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. 31 Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o Guia Supremo e Salvador, para dar ao povo de Israel a conversão e o perdão dos seus pecados. 32 E disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem”. 40b Então mandaram açoitar os apóstolos e proibiram que eles falassem em nome de Jesus, e depois os soltaram. 41 Os apóstolos saíram do Conselho, muito contentes, por terem sido considerados dignos de injúrias, por causa do nome de Jesus.

Segunda Leitura: Ap 5,11-14

Eu, João, vi 11 e ouvi a voz de numerosos anjos, que estavam em volta do trono, e dos Seres vivos e dos Anciãos. Eram milhares de milhares, milhões de milhões, 12 e proclamavam em alta voz: “O Cordeiro imolado é digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória, e o louvor”. 13 Ouvi também todas as criaturas que estão no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo o que neles existe, e diziam: “Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, o louvor e a honra, a glória e o poder para sempre”. 14 Os quatro Seres vivos respondiam: “Amém”, e os Anciãos se prostraram em adoração daquele que vive para sempre.

Evangelho: Jo 21,1-19

Naquele tempo, 1 Jesus apareceu de novo aos discípulos, à beira do mar de Tiberíades. A aparição foi assim: 2 Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos de Jesus. 3 Simão Pedro disse a eles: “Eu vou pescar”. Eles disseram: “Também vamos contigo”. Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela noite. 4 Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem. Mas os discípulos não sabiam que era Jesus. 5 Então Jesus disse: “Moços, tendes alguma coisa para comer?” Responderam: “Não”. 6 Jesus disse-lhes: “Lançai a rede à direita da barca, e achareis”. Lançaram pois a rede e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes. 7 Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar. 8 Os outros discípulos vieram com a barca, arrastando a rede com os peixes. Na verdade, não estavam longe da terra, mas somente a cerca de cem metros. 9 Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão.10 Jesus disse-lhes: “Trazei alguns dos peixes que apanhastes”. 11 Então Simão Pedro subiu ao barco e arrastou a rede para a terra. Estava cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes; e apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu. 12 Jesus disse-lhes: “Vinde comer”. Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabiam que era o Senhor. 13 Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o por eles. E fez a mesma coisa com o peixe. 14 Esta foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, apareceu aos discípulos. 15 Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus disse: “Apascenta os meus cordeiros”. 16 E disse de novo a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro disse: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus lhe disse: “Apascenta as minhas ovelhas”. 17 Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele o amava. Respondeu: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo”. Jesus disse-lhe: “Apascenta as minhas ovelhas.18 Em verdade, em verdade te digo: quando eras jovem, tu te cingias e ias para onde querias. Quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres ir”. 19 Jesus disse isso, significando com que morte Pedro iria glorificar a Deus. E acrescentou: “Segue-me”.

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Unanimemente atestado pela tradição manuscrita, Jo 21 pertence ao Quarto Evangelho, mas foi acrescentado mais tarde ao evangelho. O evangelho se encerra no capítulo 20 (Jo 20,30-31). Alguns veem nele um ”apêndice” pois ele é um acréscimo ao evangelho. Os outros o caracterizam como “epílogo”, de alguma maneira correspondente ao “prólogo” do evangelho. Segundo a maioria dos exegetas, o autor de Jo 21 é membro da escola joanina. Ele é um bom conhecedor do Quarto Evangelho e talvez seu primeiro editor (R.E.Brown, R. Schnackenburg, M.Hengel) porque por um lado, o vocabulário, estilo e temas típicos de Jo plenamente estão conformes ao resto do evangelho. Ele é acréscimo porque se encontram neste texto, vocabulário, estilo e temas dificilmente atribuíveis ao autor do evangelho.  Quanto a data, diversos estudiosos concordam que seria posterior à Primeira Carta de João, escrita por volta de 90 d.C.

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Um Olhar Geral Sobre As Leituras Deste Domingo

O Cristo ressuscitado diz três vezes a Pedro qual deve ser a sua missão: "Apascenta as minhas ovelhas" (Evangelho). Depois de Pentecostes os discípulos começaram a colocar em prática a missão que haviam recebido, pregando a Boa Nova de Jesus Cristo (Primeira Leitura). Faz parte da missão que os homens não só conheçam a Cristo, mas também o adorem como Deus e Senhor (Segunda Leitura).

O texto do evangelho nos enfatiza que os apóstolos não se deixam dominar pela tentação de tristeza, desânimo e de dispersão, mas permanecem juntos e trabalham juntos. Em Jo 21,2 é mencionado que sete deles estão de novo juntos, na Galileia. Sete, como Doze, é o número simbólico da totalidade determinada. Neste caso, o número simboliza a Igreja. O número cento e cinquenta e três (153) peixes milagrosamente capturados simboliza o caráter pleno e universal da missão dos discípulos e da Igreja. O relato acentua, então, três dimensões essenciais da natureza da Igreja: a vida comunitária, a missão e o serviço. 

A pesca acontece à noite é outro símbolo.  A noite é o tempo da ausência de Jesus, luz do mundo (cf. Jo 8,12). Os exegetas observam que a luz da manhã coincide simbolicamente com a presença de Jesus. À noite (sem contar com Jesus), a missão foi infrutífera; eles não conseguiram pescar nenhum peixe. Mas a ausência de Jesus não significa que ele irá substituí-los na pescaria. O mar representa o mundo em que a missão é realizada. Jesus permanece em terra firme. A missão ficará nas mãos dos discípulos. Que sim, entre o mar e a costa existe uma corrente de proximidade e encorajamento, embora os trabalhadores do mar, em pleno trabalho, não identifiquem a origem desta corrente. 

Falam-se do fogo e da comida. Lá, como o evangelista Marcos comenta lindamente, a comida que Jesus preparou (Jesus é o Pão da Vida) e a comida que eles trazem (oferta) são misturadas. A missão no mundo termina na Eucaristia da comunidade. Nela se faz presente o dom de Jesus aos seus, como o Pão da Vida, e o dom que trazemos uns aos outros (nossa oferta). Jesus quer que levemos o pão, fruto do nosso esforço, para uni-lo indissoluvelmente ao dom que Cristo nos dá de Si Mesmo. E na mesa eucarística, na margem do mar da vida, não será mais possível separar o dom de Jesus e o nosso próprio dom.

Jesus e a comunidade dos discípulos. Existem os dois pólos de referência na missão e na Eucaristia. Mas vemos que a narrativa destaca duas pessoas. Simão Pedro e o discípulo amado têm um papel especial, que os exegetas pensam não ser acidental, mas intencional. O discípulo predileto está à frente de Simão Pedro quando se trata de reconhecimento e de confissão de Jesus. E, no entanto, o nome discípilo amado permanece anônimo. Simón Pedro toma a iniciativa da ação e também mantém um coloquio pessoal com Jesus depois, no qual é interrogado e comprometido para uma missão dentro da comunidade. 

Os exegetas pensam que nessa cena culmina a linha que tanto o discípulo amado quanto Pedro mantiveram ao longo do Evangelho. E que se torna uma lição simbólica. 

A comunidade de Jesus é composta por aqueles que anonimamente conservam a sensibilidade de reconhecê-Lo e confessá-Lo no meio do mar do mundo. A Igreja não se baseia na autoridade, mas na enorme capacidade de fé da comunidade anônima. Sem a fé da comunidade, o encargo de Pedro não seria possível. Por isso, sua autoridade é exercida na modestia e no serviço àquela comunidade, que capta Jesus no mar do mundo. E, no entanto, Pedro recebeu do Senhor uma missão dentro dessa comunidade que todos devemos reconhecer e agradecer. Muito possivelmente nos livros de história teremos os nomes dos Papas como o de Pedro nesta cena evangélica. Os crentes, sem dúvida, continuarão a ser os discípulos anônimos a quem Jesus amou. O Evangelho já nos anuncia hoje. 

Cada evangelista, a seu modo, mostra, como parte fundamental da mensagem de Jesus, a missão universal da Igreja. São João no Evangelho de hoje recorre, seguindo seu próprio estilo, aos símbolos. O mar como imagem do mundo, de todos os homens, era comum nos tempos de Jesus e do evangelista e por isso, o mar simboliza  o lugar da missão. Há outro símbolo que é exclusivo de João. É referente ao número de peixes pescados: 153 peixes. Sabe-se que, na cultura contemporânea de Jesus, o símbolo numérico tinha grande valor e era usado com frequência. Cento e cinquenta e três indica integridade e completude. Geralmente é explicado de duas maneiras: 1 + 3 + 5 é igual a 9, que sendo um múltiplo de 3 sublinha a plenitude ao mais alto grau. Outra forma de explicar o valor total e total desse número é a seguinte: o múltiplo de 12 é 144; se somarmos 9 a 144 obtemos 153. É uma forma de enfatizar ainda mais a totalidade. Em suma, a missão da Igreja, no mar do mundo, não é outra senão a de ser a pescadora (Igreja como pescadora) de todos os homens sem exceção e conduzi-los ao porto seguro da fé e da eternidade. Esta imagem do navio e do peixe é seguida por outra: a do pastor e das ovelhas. Jesus Cristo, Bom Pastor, confia a Pedro: "Apascenta as minhas ovelhas". Ezequiel havia falado de Deus como o Pastor de Israel; agora Jesus usa a mesma imagem para falar de si mesmo como Pastor da Igreja, e dá a Pedro sua mesma missão de pastor. Bom Pastor é aquele que cuida, ama, protege, alimenta suas ovelhas e as defende dos lobos a ponto de dar a vida por elas (Fala-se especificamente do Bom Pastor no IV Domingo da Páscoa). A missão de Pedro e dos pastores na Igreja é garantir que todas as ovelhas alcancem a salvação de Deus. As ovelhas são do Senhor. A Pedro e aos demais pastores da Igreja (sucessores dos Apóstolos) é pedido e é encarregado para APASCENTAR as ovelhas do Senhor. Tratar mal a uma das ovelhas significa tratar mal ao Propretário das ovelhas que é o próprio Senhor.

A experiência pascal dos discípulos os transforma e os converte à esperança. Sua primeira reação foi de surpresa,entusiasmo e louvor. A Segunda Leitura de hoje nos coloca nessa atitude, pois reconhecemos com espanto o senhorio de Jesus dos quatro ventos (Senhor do Universo). O tempo pascal deve servir aos cristãos para que recuperem sua capacidade de admiração e de contemplação. Que Jesus, o Senhor, receba o louvor, a honra, a glória e o poderpelos séculos dos séculos. 

Anunciar o Cristo ressuscitado, como nos narra a Primeira Leitura, é reconhecer como Senhor Aquele que foi condenado e eliminado pelo sistema de poder, e que, no entanto, Deus ressuscitou e fez o "Chefe e Salvador" da história . 

O testemunho é perigoso, porque não se trata de fornecer argumentos científicos, objetivos, neutros. Só é possível implicar a própria vida. A verdade do testemunho procede da coerência da vida, que não aceita submeter-se a um sistema que condena Jesus e seus valores do Reino. 

Mas a experiência pascal não só provoca a dinâmica do louvor surprendido e do testemunho corajoso da própria vida, mas também significa assumir a mesma missão salvífica de Jesus na comunidade, na Igreja. O texto pascal mais antigo que temos no Novo Testamento, recolhido em 1Cor 15, não é apenas uma catequese pascal, mas também uma legitimação da missão dos principais representantes das comunidades cristãs. O que é proposto teologicamente ali é lindamente encenado na narração de hoje. 

Um Olhar Específico Sobre O Evangelgo Deste Domingo 

I. A Aparição De Jesus E A Pesca Milagrosa      

Simão Pedro toma isoladamente sua decisão para pescar. Mas a iniciativa de Pedro arrasta o grupo, pois o grupo logo o segue. Pescar é a profissão deles, mas também o símbolo da sua missão entre os homens. E na Bíblia, a pesca é muitas vezes sinônimo de missão. Sob a imagem da pesca está representada a missão da comunidade (aqui se mencionam sete discípulos. O número sete representa totalidade). Trata-se aqui, portanto, do trabalho apostólico/missionário da Igreja. 

Mas este trabalho só recebe eficácia quando obedecer-se ou aceita-se a Palavra e a presença d´Aquele que envia (Senhor Jesus). Isto não quer dizer que a iniciativa de Pedro seja inútil, mas o resultado, que é nulo, os faz perceber que, na Igreja, uma obra, seja qual for a generosidade da intenção, só dá resultado com a graça da presença do Espírito do Senhor. Para que o trabalho seja frutífero, Jesus deve estar presente. Jesus deve ser sempre o agente principal. Jesus deve ocupar o lugar central. Em nenhum momento nenhum discípulo fica na frente de Jesus, o discípulo é apenas um seguidor. Seguir quer dizer ficar atrás de uma pessoa que está na frente. E quem está na frente deve ser sempre Jesus.        

O detalhe temporal “naquela noite” é importante para entender a cena: “...naquela noite nada apanharam” (v.3). Os discípulos juntos perseveram no trabalho a noite inteira. Quer dizer que eles trabalham sem parar com a maior vontade. “Naquela noite” é um detalhe simbólico. Não se trata da noite física mas do resultado de uma atitude. A noite significa, portanto, a ausência de Jesus, luz do mundo (cf. Jo 9,4s; 8,12). É a postura de autossuficiência (a noite)  o que determina a infecundidade, o fracasso. Faltam os peixes, faltamo os frutos, pois falta a união com o Senhor.  Os discípulos se esqueceram a advertência de Jesus: “Sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). O trabalho sem estar vinculado a Jesus, não rende. Sem Jesus o trabalho da comunidade não dá frutos. Na atividade dos discípulos falta a presença e a ação de Jesus. Na ausência de Jesus, não podem realizar o desígnio do Pai. Jesus é luz do mundo. Sua presença é o dia que possibilita trabalhar com eficácia. Tudo isto quer nos dizer que para que a missão confiada a nós possa produzir frutos, não basta estar juntos, não basta a boa vontade, a dedicação ao trabalho e a colaboração. Tudo isto é insuficiente. O Senhor que nos envia deve estar sempre presente em todas as nossas atividades: trabalho e decisões etc., pois sem a sua presença, sem a escuta de suas palavras e sem a obediência a elas, a missão da Igreja será totalmente estéril.

Jesus se apresenta quando “Já tinha amanhecido, e estava de pé na margem”. É a alvorada de um mundo novo. “Mas os discípulos não sabiam que era Jesus”. Eles já criaram a noite. Quando a cabeça ou o coração se esquerece, tudo se vê escuro, ou nada se enxerga como são as coisas ou as pessoas. Pela noite que criaram, os discípulos não conseguiam ver nem enxergar a presença do Senhor. Todos os discípulos reconcentrados no próprio trabalho, “fechados” em seu esforço vão, não podiam ver o Senhor. 

Jesus interrompe um trabalho infecundo dos discípulos com a seguinte pergunta: “Moços, tendes alguma coisa para comer?”. A chamada do Senhor lhes faz conscientes do fracasso: “Não”, responderam eles. É inútil trabalhar sem o Senhor. Quando deixar-se de inspirar pelo Espírito do Senhor, a Igreja, a comunidade, põe-se em perigo de escolher sempre a parte equivocada. 

Lançai a rede à direita da barca, e achareis”. “Lançaram pois a rede e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes”. Para os judeus, o lado direito é o da bênção de Deus. assim a pesca abundante se converte em fruto da generosidade divina, não do trabalho meramente dos homens.

1.1. Reconhecimento Do Ressuscitado

Maria Madalena reconheceu Jesus pela voz quando Jesus pronunciou seu nome (Jo 20,14). Os discípulos de Emaús reconheceram Jesus Ressuscitado na fração do pão (Lc 24,16). No relato do Evangelho de hoje, Jesus não se dá a conhecer de imediato. Embora Jesus esteja tão próximo deles, “mas os discípulos não sabiam que era Jesus” (v.4; cf. Jo 20,14; Lc 24,15s). 

Diante da pesca abundante, em vez de um grito de espanto (cf. Lc 5,8-10) que poderia ser a reação dos pescadores aqui, o narrador orienta a atenção para a reação do Discípulo amado e a do Pedro. João, cujo carisma é descobrir o invisível no visível, através dos gestos, da voz, da maravilha, reconhece a presença de Jesus: “É o Senhor!” Eis o seu privilégio: reconhecer o Senhor. Ele enxerga para além das causas ordinárias que poderiam explicar o fenômeno. Somente quem tem a experiência do amor de Jesus e está em sintonia permanente com o Senhor é que sabe ler os sinais da presença de Deus e captar o seu significado. 

Pode-se dizer que as figuras dos dois discípulos indicam dois primados diversos: o da autoridade e o do amor; a instituição e a profecia. Não estão em contraste entre si, nem tampouco em competência. Um tem necessidade do outro. De todos os modos é certo que o amor vê melhor. O olho da profecia chega primeiro (cf. Jo 20,4). Pedro é lento para compreender, mas conserva seu temperamento impulsivo e se atira à agua, decidido alcançar o primeiro o Senhor.

Quando tivermos consciência de que o Senhor nos ama incondicionalmente e amamos o Senhor, descobriremos facilmente sua presença na nossa vida e nos acontecimentos diários; discerniremos os sinais da presença do Senhor nos acontecimentos aparentemente muito insignificantes. No amor de Deus não há dia que não tenha algum apelo do Senhor para nós. Se amarmos o Senhor através da vivência de Sua Palavra, o mesmo amor nos manterá atentos para todos os sinais diariamente, pois neles há algum recado do Senhor para nós. 

Certamente, Jesus dá o prêmio à constância de quem segue com confiança as suas indicações. Ainda que num primeiro momento pareçam indicações de um estranho e não sejam compreendidas, de fato um senso profundo de confiança move instintivamente os discípulos em direção à voz de Jesus e faz com que eles a escutem. Quando acolhemos a palavra do Senhor, cumprimos seus mandamentos e seguimos suas orientações, os frutos da missão são sempre abundantes, mesmo nas circunstâncias mais adversas. Sem Jesus “nada podemos fazer” (Jo 15,5). Sem a presença de Jesus, sem a obediência à sua palavra, sem a comunhão e a intimidade com ele, a nossa missão se torna estéril. A mensagem é dirigida a todos, individual e comunitariamente, que o Senhor existe e que está próximo. Por isso, é preciso abrir os olhos e perceber as suas indicações providenciais. É preciso obedecer à vontade de Deus para que nossa vida não seja um fracasso. Obedecer à vontade de Deus significa renunciar ao nosso projeto pessoal em função do projeto maior de Jesus.

Jesus ressuscitado, na verdade, continua acompanhando nosso trabalho e se manifestando a nós embora não notemos sua presença. Ele vai ao encontro dos discípulos quando estão trabalhando. O texto diz que “Ao amanhecer, Jesus estava de pé na praia” (v.4b). Ele está olhando para os discípulos cansados e frustrados depois de um trabalho sem sucesso. “Jesus estava de pé na praia” nos mostra que Jesus continua acompanhando com seu olhar amoroso o trabalho dos discípulos. 

1.2. O Senhor é o Nosso Amanhecer Que Ilumina Nosso Dia a Dia       

O texto diz “ao amanhecer Jesus estava de pé na praia”. A presença de Jesus, que autorevelou como “a luz do mundo” e “a luz da vida” (Jo 8,12; cf. 9,5;12,35s) é incompatível com a “noite”, momento em que os discípulos pescaram. Jesus que é a luz traz consigo o fim da noite, pois a luz expulsa a escuridão, e todas as noites, as nossas noites escuras. Jesus é o nosso amanhecer. Com ele tudo é iluminado.          

Jesus, o Nosso Amanhecer, vai ao encontro dos discípulos e faz uma pergunta retórica aos discípulos: “Filhos (moços), tendes algo para comer?” (v.4). Quando Jesus vem ao nosso encontro, a nossa noite escura, as noites de impotência e as de desolação se transformam no amanhecer. O caminho se torna, assim, iluminado pela presença da Luz. Agora é o momento de escutar a voz daquele que é a fonte de todo o sucesso na missão. É necessário ouvi-la e escutar bem sua pergunta. Mas estar com os “companheiros” (palavra que etimologicamente significa “os que partilham do mesmo pão”, neste sentido “o pão da missão”) é condição necessária para ouvir a voz do Senhor, para fazer a experiência do encontro com ele. A pergunta retórica de Jesus, formulada em vista de uma resposta negativa, é dirigida a pessoas que não conseguiram fruto de seu trabalho. Aqui o “marsimboliza as dificuldades, as ameaças e os perigos.       

Para a pergunta de Jesus, eles responderam secamente: “Não!”. Jesus sabe que seus discípulos não pescaram nada e quer renovar a relação com eles. Ele indica-lhes como superar a crise: “Lançai a rede à direita do barco e achareis!” A ordem é seguida da execução e tem efeito. Os discípulos entregam-se à palavra do desconhecido e a rede se enche de peixes: 153 peixes. É o número simbólico que significa a totalidade e a multidão dos homens de todos os tempos capturados pela pregação de Pedro e dos outros discípulos. Apesar do seu grande número, a rede não se rompe. Jesus guarda sua Igreja na unidade mas sob condição de que se mantenha a sua presença. Sem ele, os homens se dispersam. Sobrevindo ele, todos são reunidos nele acima de toda a esperança.

1.3. É Preciso Trabalhar No Espírito De Serviço a Exemplo de Jesus Cristo          

Quanto a Pedro não tinha percebido a causa da pesca abundante mas ao ouvir o que lhe diz o Discípulo amado, compreende. Aqui, nessa cena, acontece uma mudança na atitude de Pedro numa linguagem simbólica sumamente densa. Em primeiro lugar, há o jogo de veste- desnudez; em segundo lugar, o ato de lançar-se na água. A nudez de Pedro indica que carece da veste própria do discípulo. Ele trabalha sem espírito de serviço por amor. A expressão que se usa aqui (“se atou...à cintura), foi usada na Ceia quando Jesus amarrou-se à cintura um pano que significa o seu serviço até a morte. Era essa a desnudez de Pedro: não ter aceitado a morte de Jesus como expressão suprema do amor nem tê-la tomado por norma; não responder ao impulso do Espírito que o teria levado a se identificar com Jesus. Por isso, ele se lança na água. Ele é o único que se atira à água, separando-se por ser o único que deve corrigir sua atitude anterior. Seu gesto é individual e simboliza sua nova atitude. Lança-se na água aqui significa mergulhar na missão com as disposições de Jesus: servir até dar a vida por amor. Assim como atirar-se à água expressa sua aceitação do serviço até a morte, subir/sair da água é sinal da nova atitude de Pedro, o qual lhe permite arrastar a rede com a força dobrada. 

1.4. Missão-Eucaristia-Missão

Trazei alguns dos peixes que apanhastes”. Estranho! Jesus já havia peixe preparado posto sobre o fogo: “Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão”. No entanto, é necessário levar também para o Senhor os peixes que acabaram de pescar.

Aí está o paradoxo! Durante sua vida terrestre Jesus já cumpriu tudo (cf. Jo 19,30), já obteve tudo, já deu o máximo fruto durante sua missão terrena. No entanto, tem necessidade da missão da Igreja. 

A missão cumprida tem um fim diferente de si mesma: “Vinde comer!” diz Jesus. Depois de ter feito dom para os irmãos (missão), trabalho a favor dos homens, se recebe  o alimento oferecido por Cristo. não tem sentido fazer refeição com Cristo, se não gastamos nossa vida em favor dos irmãos (próximo). 

Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o por eles”. Jesus se converte assim no centro do qual irradia a força, a vida e o amor que deve assimilar a comunidade para sair de novo à missão.

O pão, o peixe, os outros símbolos e toda a atmosfera da cena são claramente eucarísticos. É a refeição após a pescaria. Jesus mesmo preparou o almoço. Isto quer nos dizer que todo o trabalho efetuado na Igreja tem seu termo na comunhão, na eucaristia. Esta é o sinal supremo da presença. Esta presença é o fator da unidade da Igreja e explica toda a atividade que nela se exerce.         

A Igreja eucarística, que reúne os homens em torno da Mesa do Senhor (Eucaristia), é indispensável da Igreja missionária. Ao celebrar a Eucaristia a Igreja se torna mais missionária e por isso é sempre enviada de novo para levar adiante sua missão no mundo. Todo verdadeiro encontro com o Senhor se prolonga na missão. Nela, nada substitui os momentos de silêncio e comunhão. A Igreja eucarística se traduz na atividade missionária e a Igreja missionária tem como força a Igreja eucarística. Mas aqui não se trata de duas Igrejas. É uma só Igreja. Podemos dizer em outros termos: nossa vida na ação e na contemplação simultaneamente. Uma não substitui outra, pois a ausência de uma provoca a carência na outra. A comunidade/Igreja vive de Jesus, do seu amor, mas também da missão, do amor ao homem, que realiza e expressa o amor a Jesus (Jo 14,21).

II. Tríplice Confissão de Pedro (Jo 21,15-19)       

A sequência do relato concerne não à missão dos discípulos em seu conjunto, como na aparição em Jerusalém (Jo 20,21), mas à de Pedro e também se fala do destino do Discípulo amado. Mas num diálogo o Senhor somente confia a Pedro o encargo de Pastor de rebanho e lhe anuncia seu martírio.        

O diálogo acontece após a refeição convival. Por três vezes, Jesus pergunta a Pedro: “Tu me amas mais do que estes?” e por três vezes Pedro responde (na tradução portuguesa): “Eu te amo”. A tríplice pergunta remete à tríplice negação (cf. Jo 18,17.25.26-27). Para o Senhor é suficiente que a experiência negativa de Simão não faça perder sua capacidade de amar. O amor que Pedro, perdoado, deve a Jesus, deverá ser refletido nos demais homens: “Apascenta as minhas ovelhas!”. “’Apascentar as ovelhas’ é alentar os que creem em Cristo para que não percam a fé; é prover-lhes subsídios para as necessidades terrenas, se precisarem; é prestar-lhes exemplos de virtudes além da palavra da pregação; é resistir aos inimigos da fé e corrigir os súditos desagarrados(Alcuíno In Santo Tomás de Aquino: Catena Aurea sobre o Evangelho de são João). Apascenta as minhas ovelhas!”. “Se nós chamamos as ovelhas de nossas e eles as chamam de suas,  Cristo perdeu suas ovelhas(Santo Agostinho In Santo Tomás de Aquino: Catena Aurea sobre o Evangelho de são João).       

Tentemos aprofundar um pouco mais sobre quatro palavras/verbos sobre  “amor” em grego que se traduzem simplesmente em uma só palavra em português: amor/amar.

O verbo ERAO (de onde deriva a palavra “eros” e o adjetivo “erótico”). Erao significa amar mas em sentido sexual. Emprega-se para significar o afeto passional, a atração mútua do homem e da mulher, no seu aspecto espontâneo e instintivo; o amor romântico e físico; alude ao amor-prazer. Mas o eros não é simplesmente a captação no sentido negativo do termo, mas é a fascinação pelo que é grande e pelo que é belo. Eros é um amor de desejo, o desejo de alguém que falta, em direção a alguém que possui.

Outro verbo é STERGO. Ele indica o amor familiar, o carinho dos pais pelos filhos e o dos filhos pelos pais. Stergo alude ao amor do lar, da família; àquele amor que não se merece porque brota naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo usa este termo na sua carta aos romanos (Rm 12,9-10) para dizer que os cristãos devem sentir-se membros de uma só família.

O terceiro verbo grego é FILÉO/PHILEO: exprime o amor de amizade, o afeto caloroso e terno de dois amigos, um amor de troca, um amor de igual para igual. Espera-se que o outro nos dê como nós lhe damos (do ut des). É um amor de amizade que de algum modo pressupõe uma resposta ou uma retribuição. 

O quarto verbo é AGAPAÓ (deste verbo deriva a palavra “Ágape”): é o amor de caridade, de benevolência, de bem querer; o amor capaz de se dar e de perseverar na dádiva sem nada esperar em troca. É o amor totalmente desinteressado, completamente abnegado, o amor até ao sacrifício (cf. Jo 13,1). Segundo este amor, não importa o que uma pessoa faça ou nos possamos fazer; não importa a forma como nos trate, se nos injuria ou nos ofende. Nós teremos sempre a possibilidade de “amá-la”, que não consiste em “ter por ela algum sentimento”, mas em fazer “alguma coisa por ela”, prestar-lhe um serviço, oferecer-lhe ajuda, mesmo que afetivamente não se sinta. É um amor total. Este amor consiste não na afeição mas na ação. É um amor efetivo e não afetivo.        

Na tríplice pergunta de Jesus e na tríplice confissão de Pedro encontra-se o jogo de palavra. Nas duas primeiras perguntas Jesus pergunta a Pedro se ele O ama com o amor –ágape, o amor total, o amor de entrega e de serviço incondicional, o amor que compromete a vida até o fim sem esperar recompensa: “Símon, agapas me?” (vv.15-16). Nas suas respostas Pedro usa o verbo “phileo” (amor de amizade): “philo se” (vv.15-16). Pedro que dias antes negou Jesus (Jo 18,25-27) e se sabia fraco e imaturo, responde humildemente com o amor de amizade. Ele não se sente capaz do amor supremo de ágape. Jesus, então, que nunca exige nada a ninguém superior às suas possibilidades e que sabe aguardar com paciência o processo de maturação de cada um, pergunta pela terceira vez (a última), mas agora nos termos em que Pedro é capaz de responder: com o amor de amizade: “Símon, phileis me...?” (v.17). Pedro, embora triste, sente-se identificado com a pergunta e responde nos mesmos termos: “philo se” (v.17). E Jesus o aceita. Mas ele prediz-lhe que o seu amor não ficará por aí, que há de crescer, amadurecer e que alcançará ágape, pois um dia chegará a dar a vida pelo Mestre.        

Pela atitude de Jesus no diálogo com Pedro, podemos entender claramente que o amor tem de ser refletido, mas não silenciado; tem de ser proclamado, não apenas pensado; e tem de sair a descoberto e ficar conhecido por todo o mundo, não ficar estacionado no segredo do coração. O amor que Jesus exige de nós é a doação de nós mesmos que é feita de forma refletida e consciente; assumida mesmo sabendo que comporta cruzes, agonias e cálices amargos de todos os tipos.        

Desde o primeiro diálogo, Jesus confia a Pedro uma missão que concerne o conjunto dos fiéis: “Apascenta minhas ovelhas”. O autor se inspira no Discurso do Bom Pastor (Jo 10,1-10), do qual ele retoma não apenas a metáfora, mas também os acentos. As ovelhas confiadas a Pedro não lhe pertencem, são as de Jesus, que diz cada vez: “minhas ovelhas”. Por isso, Santo Agostinho comenta: “Se me amas, não penses que tu és pastor; mas apascenta minhas ovelhas como as minhas, não como as tuas; busca nelas minha glória, não a tua; meu bem, não o teu; meu proveito, não o teu”. É sob o signo do amor a Jesus que é dado a Pedro o encargo de cuidar do conjunto do rebanho.        

Os vv. 18-19 falam do futuro de Pedro. Aqui, de maneira solene, Jesus prediz-lhe o que vai significar concretamente sua aceitação: dará a vida na cruz como Jesus a deu: “...quando, porém, fores velhos, estenderás as mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não querias” (v.18). Historicamente é certo que Pedro foi martirizado em Roma sob Nero no ano 64 e, muito provavelmente, crucificado. “Estender as mãos” poderia logo evocar a crucificação, pois na antiguidade tinha o costume de que os que iam ser crucificados levassem aos ombros o travessão da cruz; o cinturão seria a corda atada à cintura, com que eram conduzidos.        

Os que pretendem ser pastores do povo só têm uma alternativa: jamais crer serem donos do povo, pois “as ovelhas” continuam sendo de Jesus e nunca se afastar da prática de vida de Jesus. Por isso, a condição para realizar devidamente a tarefa pastoral é amar o Senhor. Ela deve ser feita igualmente com amor pelas “ovelhas” através de respeito por elas, interesse por suas próprias preocupações e necessidades. De outra forma não revelaremos o Deus que nos ama e que quer ser amado. O Senhor vai cuidar de qualquer pastor/padre, se o pastor/padre sabe cuidar com amor o rebanho do Senhor (as ovelhas).

Por isso, a condição para realizar devidamente a tarefa pastoral é amar o Senhor. Ela deve ser feita igualmente com amor pelas “ovelhas” através de respeito por elas, interesse por suas próprias preocupações e necessidades. De outra forma não revelaremos o Deus que nos ama e que quer ser amado. “Seja um compromisso do amor apascentar o rebanho do Senhor, assim como foi um sinal de temor negar o pastor” (Sto. Agostinho).

Devemos estar conscientes de que para apascentar ou cuidar de suas ovelhas, tão frágeis, Jesus não escolheu nem super-homem nem anjos e sim pastores que também são frágeis. Por isso, nosso pastoreio não saciará a necessidade das ovelhas (povo de Deus) que o Senhor nos confiou, se ele não estiver enraizado no amor pessoal a Jesus Cristo, no amor com que ele nos ama e no amor com que nós o amamos e tem que ser continuamente alimentado e movido por um amor humilde e perseverante, por um amor que serve até a morte. Mas o amor pessoal a Jesus Cristo não é uma meta que pode ser alcançada pela prática do voluntarismo nem uma conquista do esforço pessoal. O amor a Jesus Cristo só pode nascer e ser cultivado como resposta ao amor daquele que “nos amou primeiro”.         

As perguntas de Jesus dirigidas a Pedro, são as mais essenciais e as mais existenciais de todas as perguntas, pois tocam a essência do cristianismo: amor. Diante de Deus somente conta o amor vivido ao longo da vida, seja ela longa ou curta. O amor é a única realidade consistente, a única realidade que permanece para sempre e dá consistência a tudo o mais.          

Por isso, as perguntas feitas a Pedro são dirigidas a toda a Igreja, a todos os cristãos, e portanto também a mim. Quando é lida esta leitura, cada cristão sofre o interrogatório no coração”, dizia Santo Agostinho ao comentar este texto. Não podemos esquecer que aquele que nos pergunta é o Senhor ressuscitado, aquele que nos amou até a morte. Nossa resposta deve ser humilde; uma resposta que remete à confiança no Senhor, que conhece o nosso coração, conhece a verdade do nosso amor. É melhor respondermos, como Pedro respondeu: “Senhor, tu que sabes tudo, sabes que sou teu amigo”.

P. Vitus Gustama,SVD

06/05/2025-Terçaf Da III Semana Da Páscoa

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