Domingo, 05/05/2019
AMOR:
BASE E ALMA DE TODA ATIVIDADE EVANGELIZADORA NA IGREJA
III
DOMINGO DA PÁSCOA ANO “C”
Primeira Leitura: At 5,27b-32.40b-41
Naqueles
dias, os guardas levaram os apóstolos e os apresentaram ao Sinédrio. 27b O sumo
sacerdote começou a interrogá-los, dizendo: 28 “Nós tínhamos proibido
expressamente que vós ensinásseis em nome de Jesus. Apesar disso, enchestes a
cidade de Jerusalém com a vossa doutrina. E ainda nos quereis tornar
responsáveis pela morte desse homem!” 29 Então Pedro e os outros apóstolos
responderam: “É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens. 30 O Deus de
nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. 31
Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o Guia Supremo e Salvador, para dar ao
povo de Israel a conversão e o perdão dos seus pecados. 32 E disso somos
testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe
obedecem”. 40b Então mandaram açoitar os apóstolos e proibiram que eles
falassem em nome de Jesus, e depois os soltaram. 41 Os apóstolos saíram do
Conselho, muito contentes, por terem sido considerados dignos de injúrias, por
causa do nome de Jesus.
Segunda Leitura: Ap 5,11-14
Eu,
João, vi 11 e ouvi a voz de numerosos anjos, que estavam em volta do trono, e
dos Seres vivos e dos Anciãos. Eram milhares de milhares, milhões de milhões,
12 e proclamavam em alta voz: “O Cordeiro imolado é digno de receber o poder, a
riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória, e o louvor”. 13 Ouvi também
todas as criaturas que estão no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e
tudo o que neles existe, e diziam: “Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro,
o louvor e a honra, a glória e o poder para sempre”. 14 Os quatro Seres vivos
respondiam: “Amém”, e os Anciãos se prostraram em adoração daquele que vive
para sempre.
Evangelho: Jo 21,1-19
Naquele
tempo, 1 Jesus apareceu de novo aos discípulos, à beira do mar de Tiberíades. A
aparição foi assim: 2 Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo,
Natanael de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos de
Jesus. 3 Simão Pedro disse a eles: “Eu vou pescar”. Eles disseram: “Também
vamos contigo”. Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela
noite. 4 Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem. Mas os discípulos
não sabiam que era Jesus. 5 Então Jesus disse: “Moços, tendes alguma coisa para
comer?” Responderam: “Não”. 6 Jesus disse-lhes: “Lançai a rede à direita da
barca, e achareis”. Lançaram pois a rede e não conseguiam puxá-la para fora,
por causa da quantidade de peixes. 7 Então, o discípulo a quem Jesus amava
disse a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor,
vestiu sua roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar. 8 Os outros discípulos
vieram com a barca, arrastando a rede com os peixes. Na verdade, não estavam
longe da terra, mas somente a cerca de cem metros. 9 Logo que pisaram a terra,
viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão.10 Jesus disse-lhes: “Trazei
alguns dos peixes que apanhastes”. 11 Então Simão Pedro subiu ao barco e
arrastou a rede para a terra. Estava cheia de cento e cinquenta e três grandes
peixes; e apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu. 12 Jesus disse-lhes:
“Vinde comer”. Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois
sabiam que era o Senhor. 13 Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o por
eles. E fez a mesma coisa com o peixe. 14 Esta foi a terceira vez que Jesus,
ressuscitado dos mortos, apareceu aos discípulos. 15 Depois de comerem, Jesus
perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?”
Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus disse: “Apascenta
os meus cordeiros”. 16 E disse de novo a Pedro: “Simão, filho de João, tu me
amas?” Pedro disse: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus lhe disse:
“Apascenta as minhas ovelhas”. 17 Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão,
filho de João, tu me amas?” Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três
vezes se ele o amava. Respondeu: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te
amo”. Jesus disse-lhe: “Apascenta as minhas ovelhas.18 Em verdade, em verdade
te digo: quando eras jovem, tu te cingias e ias para onde querias. Quando fores
velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres
ir”. 19 Jesus disse isso, significando com que morte Pedro iria glorificar a
Deus. E acrescentou: “Segue-me”.
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Unanimemente atestado
pela tradição manuscrita, Jo 21 pertence ao Quarto Evangelho, mas foi
acrescentado mais tarde ao evangelho. O evangelho se encerra no capítulo 20 (Jo
20,30-31). Alguns veem nele um ”apêndice” pois ele é um acréscimo ao evangelho.
Os outros o caracterizam como “epílogo”, de alguma maneira correspondente ao
“prólogo” do evangelho. Segundo a maioria dos exegetas, o autor de Jo 21 é
membro da escola joanina. Ele é um bom conhecedor do Quarto Evangelho e talvez
seu primeiro editor (R.E.Brown, R. Schnackenburg, M.Hengel) porque por um lado,
o vocabulário, estilo e temas típicos de Jo plenamente estão conformes ao resto
do evangelho. Ele é acréscimo porque se encontram neste texto, vocabulário,
estilo e temas dificilmente atribuíveis ao autor do evangelho. Quanto a data, diversos estudiosos concordam
que seria posterior à Primeira Carta de João, escrita por volta de 90 d.C.
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I. A Aparição De Jesus E A
Pesca Milagrosa
Simão Pedro toma isoladamente sua decisão
para pescar. Mas a iniciativa de Pedro arrasta o grupo, pois o grupo logo o
segue. Pescar é a profissão deles, mas
também o símbolo da sua missão entre os homens. E na Bíblia, a pesca é muitas vezes sinônimo de missão.
Sob a imagem da pesca está representada a missão da comunidade (aqui se
mencionam sete discípulos. O número sete representa totalidade). Trata-se aqui,
portanto, do trabalho apostólico/missionário da Igreja. Mas este trabalho só
recebe eficácia se obedecer-se ou aceita-se a Palavra e a presença daquele que
envia. Isto não quer dizer que a iniciativa de Pedro seja inútil, mas o
resultado, que é nulo, os faz perceber que, na Igreja, uma obra, seja qual for
a generosidade da intenção, só dá resultado com a graça do Espírito. Para que o
trabalho seja frutífero, Jesus deve estar presente. Jesus deve ser sempre o
agente principal. Em nenhum momento nenhum discípulo fica na frente de Jesus, o
discípulo é apenas um seguidor. Seguir quer dizer ficar atrás de uma pessoa que
está na frente. E quem está na frente deve ser sempre Jesus.
O detalhe temporal “naquela noite” é
importante para entender a cena: “...naquela noite nada apanharam” (v.3).
Os discípulos juntos perseveram no trabalho a noite inteira. Quer dizer que
eles trabalham sem parar com a maior vontade. “Naquela noite” é um detalhe simbólico. Não se trata da noite física
mas do resultado de uma atitude. A noite significa, portanto, a ausência de
Jesus, luz do mundo (cf. Jo 9,4s; 8,12). O trabalho sem estar vinculado a
Jesus, não rende. Sem Jesus o trabalho da comunidade não dá frutos. Na atividade
dos discípulos falta a presença e a ação de Jesus. Na ausência de Jesus, não
podem realizar o desígnio do Pai. Jesus é luz do mundo. Sua presença é o dia
que possibilita trabalhar com eficácia. Tudo isto quer nos dizer que para que a
missão confiada a nós possa produzir frutos, não basta estar juntos, não basta
a boa vontade, a dedicação ao trabalho e a colaboração. Tudo isto é
insuficiente. O Senhor que nos envia deve estar sempre presente em todas as
nossas atividades: trabalho e decisões etc., pois sem a sua presença, sem a
escuta de suas palavras e sem a obediência a elas, a missão da Igreja será
totalmente estéril.
1.1.
Reconhecimento Do Ressuscitado
Maria Madalena reconheceu Jesus pela voz
quando Jesus pronunciou seu nome (Jo 20,14). Os discípulos de Emaús
reconheceram Jesus Ressuscitado na fração do pão (Lc 24,16). No relato do
Evangelho de hoje, Jesus não se dá a conhecer de imediato. Embora Jesus esteja
tão próximo deles, “mas os discípulos não sabiam que era Jesus” (v.4; cf. Jo
20,14; Lc 24,15s).
Diante da pesca abundante, em vez de um grito
de espanto (cf. Lc 5,8-10) que poderia ser a reação dos pescadores aqui, o
narrador orienta a atenção para a reação do Discípulo amado e a do Pedro. João,
cujo carisma é descobrir o invisível no visível, através dos gestos, da voz, da
maravilha, reconhece a presença de Jesus: “É
o Senhor!” Eis
o seu privilégio: reconhecer o Senhor. Ele enxerga para além das causas ordinárias
que poderiam explicar o fenômeno. Somente quem tem a experiência do amor
de Jesus e está em sintonia permanente com o Senhor é que sabe ler os sinais da
presença de Deus e captar o seu significado.
Quando tivermos consciência de que o Senhor
nos ama incondicionalmente e amamos o Senhor, descobriremos facilmente sua
presença na nossa vida e nos acontecimentos diários; discerniremos os sinais da
presença do Senhor nos acontecimentos aparentemente muito insignificantes. No
amor de Deus não há dia que não tenha algum apelo do Senhor para nós. Se
amarmos o Senhor através da vivência de Sua Palavra, o mesmo amor nos manterá
atentos para todos os sinais diariamente, pois neles há algum recado do Senhor
para nós.
Certamente, Jesus dá o prêmio à constância de
quem segue com confiança as suas indicações. Ainda que num primeiro momento
pareçam indicações de um estranho e não sejam compreendidas, de fato um senso
profundo de confiança move instintivamente os discípulos em direção à voz de
Jesus e faz com que eles a escutem. Quando acolhemos a palavra do Senhor,
cumprimos seus mandamentos e seguimos suas orientações, os frutos da missão são
sempre abundantes, mesmo nas circunstâncias mais adversas. Sem Jesus “nada
podemos fazer” (Jo 15,5). Sem a presença de Jesus, sem a obediência à sua
palavra, sem a comunhão e a intimidade com ele, a nossa missão se torna
estéril. A mensagem é dirigida a todos, individual e comunitariamente, que o
Senhor existe e que está próximo. Por isso, é preciso abrir os olhos e perceber
as suas indicações providenciais. É preciso obedecer à vontade de Deus para que
nossa vida não seja um fracasso. Obedecer à vontade de Deus significa renunciar
ao nosso projeto pessoal em função do projeto maior de Jesus.
Jesus ressuscitado, na verdade, continua
acompanhando nosso trabalho e se manifestando a nós embora não notemos sua
presença. Ele vai ao encontro dos discípulos quando estão trabalhando. O texto
diz que “Ao amanhecer, Jesus estava de pé na praia” (v.4b). Ele está olhando
para os discípulos cansados e frustrados depois de um trabalho sem sucesso.
“Jesus estava de pé na praia” nos mostra que Jesus continua acompanhando com
seu olhar amoroso o trabalho dos discípulos.
1.2.
O Senhor é o Nosso Amanhecer Que Ilumina Nosso Dia a Dia
O texto diz “ao amanhecer Jesus estava de pé na praia”. A presença de Jesus, que
autorevelou como “a luz do mundo” e “a luz da vida” (Jo 8,12; cf. 9,5;12,35s) é
incompatível com a “noite”, momento em que os discípulos pescaram. Jesus que é
a luz traz consigo o fim da noite, pois a luz expulsa a escuridão, e todas as
noites, as nossas noites escuras. Jesus é o nosso amanhecer. Com ele tudo é
iluminado.
Jesus, o Nosso Amanhecer, vai ao encontro dos
discípulos e faz uma pergunta retórica aos discípulos: “Filhos (moços), tendes
algo para comer?” (v.4). Quando Jesus vem ao nosso encontro, a nossa noite
escura, as noites de impotência e as de desolação se transformam no amanhecer.
O caminho se torna, assim, iluminado pela presença da Luz. Agora é o momento de
escutar a voz daquele que é a fonte de todo o sucesso na missão. É necessário
ouvi-la e escutar bem sua pergunta. Mas estar com os “companheiros” (palavra
que etimologicamente significa “os que partilham do mesmo pão”, neste sentido
“o pão da missão”) é condição necessária para ouvir a voz do Senhor, para fazer
a experiência do encontro com ele. A pergunta retórica de Jesus, formulada em
vista de uma resposta negativa, é dirigida a pessoas que não conseguiram fruto
de seu trabalho. Aqui o “mar” simboliza as dificuldades, as ameaças e os
perigos.
Para a pergunta de Jesus, eles responderam
secamente: “Não!”. Jesus sabe que seus discípulos não pescaram nada e quer
renovar a relação com eles. Ele indica-lhes como superar a crise: “Lançai a
rede à direita do barco e achareis!” A ordem é seguida da execução e tem
efeito. Os discípulos entregam-se à palavra do desconhecido e a rede se enche
de peixes: 153 peixes. É o número simbólico que significa a totalidade e a
multidão dos homens de todos os tempos capturados pela pregação de Pedro e dos
outros discípulos. Apesar do seu grande número, a rede não se rompe. Jesus
guarda sua Igreja na unidade mas sob condição de que se mantenha a sua
presença. Sem ele, os homens se dispersam. Sobrevindo ele, todos são reunidos
nele acima de toda a esperança.
1.3.
É Preciso Trabalhar No Espírito De Serviço a Exemplo de Jesus Cristo
Quanto a Pedro não tinha percebido a causa da
pesca abundante mas ao ouvir o que lhe diz o Discípulo amado, compreende. Aqui,
nessa cena, acontece uma mudança na atitude de Pedro numa linguagem simbólica
sumamente densa. Em primeiro lugar, há o jogo de veste- desnudez; em segundo
lugar, o ato de lançar-se na água. A nudez de Pedro indica que carece da veste
própria do discípulo. A expressão que se usa aqui (“se atou...à cintura), foi
usada na Ceia quando Jesus amarrou-se à cintura um pano que significa o seu
serviço até a morte. Era essa a desnudez de Pedro: não ter aceitado a morte de
Jesus como expressão suprema do amor nem tê-la tomado por norma; não responder
ao impulso do Espírito que o teria levado a se identificar com Jesus. Por isso,
ele se lança na água. Ele é o único que se atira à água, separando-se por ser o
único que deve corrigir sua atitude anterior. Seu gesto é individual e
simboliza sua nova atitude. Lança-se na água aqui significa mergulhar na missão
com as disposições de Jesus: servir até dar a vida por amor. Assim como
atirar-se à água expressa sua aceitação do serviço até a morte, subir/sair da
água é sinal da nova atitude de Pedro, o qual lhe permite arrastar a rede com a
força dobrada.
1.4.
Missão-Eucaristia-Missão
A missão cumprida tem um fim diferente de si
mesma: “Vinde comer!” diz Jesus. O
pão, o peixe, os outros símbolos e toda a atmosfera da cena são claramente
eucarísticos. É a refeição após a pescaria. Jesus mesmo preparou o almoço. Isto
quer nos dizer que todo o trabalho efetuado na Igreja tem seu termo na
comunhão, na eucaristia. Esta é o sinal supremo da presença. Esta presença é o
fator da unidade da Igreja e explica toda a atividade que nela se exerce.
A Igreja eucarística, que reúne os homens em
torno da mesa do Senhor, é indispensável da Igreja missionária. Ao celebrar a Eucaristia
a Igreja se torna mais missionária e por isso é sempre enviada de novo para
levar adiante sua missão no mundo. Todo verdadeiro encontro com o Senhor se
prolonga na missão. Nela, nada substitui os momentos de silêncio e comunhão. A
Igreja eucarística se traduz na atividade missionária e a Igreja missionária
tem como força a Igreja eucarística. Mas aqui não se trata de duas Igrejas. É
uma só Igreja. Podemos dizer em outros termos: nossa vida na ação e na
contemplação simultaneamente. Uma não substitui outra, pois a ausência de uma
provoca a carência na outra. A comunidade/Igreja vive de Jesus, do seu amor,
mas também da missão, do amor ao homem, que realiza e expressa o amor a Jesus (Jo
14,21).
II. Tríplice confissão de Pedro (Jo 21,15-19)
A sequência do relato concerne não à missão
dos discípulos em seu conjunto, como na aparição em Jerusalém (Jo 20,21), mas à
de Pedro e também se fala do destino do Discípulo amado. Mas num diálogo o
Senhor somente confia a Pedro o encargo de Pastor de rebanho e lhe anuncia seu
martírio.
O diálogo acontece após a refeição convival.
Por três vezes, Jesus pergunta a Pedro: “Tu me amas mais do que estes?” e por
três vezes Pedro responde (na tradução portuguesa): “Eu te amo”.
Tentemos aprofundar um pouco mais sobre
quatro palavras/verbos sobre “amor” em
grego que se traduzem simplesmente em uma só palavra em português: amor/amar.
O verbo ERAO (de onde deriva a palavra “eros” e o
adjetivo “erótico”). Erao significa amar mas em sentido sexual. Emprega-se para
significar o afeto passional, a atração mútua do homem e da mulher, no seu
aspecto espontâneo e instintivo; o amor romântico e físico; alude ao
amor-prazer. Mas o eros não é simplesmente a captação no sentido negativo do
termo, mas é a fascinação pelo que é grande e pelo que é belo. Eros é um amor
de desejo, o desejo de alguém que falta, em direção a alguém que possui.
Outro verbo é STERGO. Ele indica o amor
familiar, o carinho dos pais pelos filhos e o dos filhos pelos pais. Stergo alude
ao amor do lar, da família; àquele amor que não se merece porque brota
naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo usa este termo na sua carta aos
romanos (Rm 12,9-10) para dizer que os cristãos devem sentir-se membros de uma
só família.
O terceiro verbo grego é FILÉO/PHILEO: exprime o amor de
amizade, o afeto caloroso e terno de dois amigos, um amor de troca, um amor de
igual para igual. Espera-se que o outro nos dê como nós lhe damos (do ut des).
É um amor de amizade que de algum modo pressupõe uma resposta ou uma
retribuição.
O quarto verbo é AGAPAÓ (deste verbo deriva a
palavra “Ágape”): é o amor de caridade, de benevolência, de bem querer; o amor
capaz de se dar e de perseverar na dádiva sem nada esperar em troca. É o amor
totalmente desinteressado, completamente abnegado, o amor até ao sacrifício (cf.
Jo 13,1). Segundo este amor, não importa o que uma pessoa faça ou nos possamos
fazer; não importa a forma como nos trate, se nos injuria ou nos ofende. Nós
teremos sempre a possibilidade de “amá-la”, que não consiste em “ter por ela
algum sentimento”, mas em fazer “alguma coisa por ela”, prestar-lhe um serviço,
oferecer-lhe ajuda, mesmo que afetivamente não se sinta. É um amor total. Este
amor consiste não na afeição mas na ação. É um amor efetivo e não afetivo.
Na tríplice pergunta de Jesus e na tríplice
confissão de Pedro encontra-se o jogo de palavra. Nas duas primeiras perguntas
Jesus pergunta a Pedro se ele O ama com o amor –ágape, o amor total, o amor de
entrega e de serviço incondicional, o amor que compromete a vida até o fim sem
esperar recompensa: “Símon, agapas me?”
(vv.15-16). Nas suas respostas Pedro usa o verbo “phileo” (amor de amizade): “philo
se” (vv.15-16). Pedro que dias antes negou Jesus (Jo 18,25-27) e se sabia
fraco e imaturo, responde humildemente com o amor de amizade. Ele não se sente
capaz do amor supremo de ágape. Jesus, então, que nunca exige nada a ninguém
superior às suas possibilidades e que sabe aguardar com paciência o processo de
maturação de cada um, pergunta pela terceira vez (a última), mas agora nos
termos em que Pedro é capaz de responder: com o amor de amizade: “Símon, phileis me...?” (v.17). Pedro,
embora triste, sente-se identificado com a pergunta e responde nos mesmos
termos: “philo se” (v.17). E Jesus o
aceita. Mas ele prediz-lhe que o seu amor não ficará por aí, que há de crescer,
amadurecer e que alcançará ágape, pois um dia chegará a dar a vida pelo Mestre.
Pela atitude de Jesus no diálogo com Pedro,
podemos entender claramente que o amor tem de ser refletido, mas não
silenciado; tem de ser proclamado, não apenas pensado; e tem de sair a
descoberto e ficar conhecido por todo o mundo, não ficar estacionado no segredo
do coração. O amor que Jesus exige de nós é a doação de nós mesmos que é feita
de forma refletida e consciente; assumida mesmo sabendo que comporta cruzes,
agonias e cálices amargos de todos os tipos.
Desde o primeiro diálogo, Jesus confia a
Pedro uma missão que concerne o conjunto dos fiéis: “Apascenta minhas ovelhas”. O autor se inspira no Discurso do Bom
Pastor (Jo 10,1-10), do qual ele retoma não apenas a metáfora, mas também os
acentos. As ovelhas confiadas a Pedro não lhe pertencem, são as de Jesus, que
diz cada vez: “minhas ovelhas”. Por isso, Santo Agostinho comenta: “Se me amas, não penses que tu és pastor;
mas apascenta minhas ovelhas como as minhas, não como as tuas; busca nelas
minha glória, não a tua; meu bem, não o teu; meu proveito, não o teu”. É
sob o signo do amor a Jesus que é dado a Pedro o encargo de cuidar do conjunto
do rebanho.
Os vv. 18-19 falam do futuro de Pedro. Aqui,
de maneira solene, Jesus prediz-lhe o que vai significar concretamente sua
aceitação: dará a vida na cruz como Jesus a deu: “...quando, porém, fores
velhos, estenderás as mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não
querias” (v.18). Historicamente é certo que Pedro foi martirizado em Roma sob
Nero no ano 64 e, muito provavelmente, crucificado. “Estender as mãos” poderia
logo evocar a crucificação, pois na antiguidade tinha o costume de que os que
iam ser crucificados levassem aos ombros o travessão da cruz; o cinturão seria
a corda atada à cintura, com que eram conduzidos.
Os que pretendem ser pastores do povo só têm
uma alternativa: jamais crer serem donos do povo, pois “as ovelhas” continuam
sendo de Jesus e nunca se afastar da prática de vida de Jesus. Por isso, a
condição para realizar devidamente a tarefa pastoral é amar o Senhor. Ela deve
ser feita igualmente com amor pelas “ovelhas” através de respeito por elas,
interesse por suas próprias preocupações e necessidades. De outra forma não
revelaremos o Deus que nos ama e que quer ser amado.
Por isso, a condição para realizar
devidamente a tarefa pastoral é amar o Senhor. Ela deve ser feita igualmente
com amor pelas “ovelhas” através de respeito por elas, interesse por suas
próprias preocupações e necessidades. De outra forma não revelaremos o Deus que
nos ama e que quer ser amado. “Seja um
compromisso do amor apascentar o rebanho do Senhor, assim como foi um sinal de
temor negar o pastor” (Sto. Agostinho).
Devemos estar conscientes de que para
apascentar ou cuidar de suas ovelhas, tão frágeis, Jesus não escolheu nem
super-homem nem anjos e sim pastores que também são frágeis. Por isso, nosso
pastoreio não saciará a necessidade das ovelhas (povo de Deus) que o Senhor nos
confiou, se ele não estiver enraizado no amor pessoal a Jesus Cristo, no amor
com que ele nos ama e no amor com que nós o amamos e tem que ser continuamente
alimentado e movido por um amor humilde e perseverante, por um amor que serve
até a morte. Mas o amor pessoal a Jesus Cristo não é uma meta que pode ser
alcançada pela prática do voluntarismo nem uma conquista do esforço pessoal. O
amor a Jesus Cristo só pode nascer e ser cultivado como resposta ao amor
daquele que “nos amou primeiro”.
As perguntas de Jesus dirigidas a Pedro, são
as mais essenciais e as mais existenciais de todas as perguntas, pois tocam a
essência do cristianismo: amor. Diante de Deus somente conta o amor vivido ao
longo da vida, seja ela longa ou curta. O amor é a única realidade consistente,
a única realidade que permanece para sempre e dá consistência a tudo o mais.
Por isso, as perguntas feitas a Pedro são
dirigidas a toda a Igreja, a todos os cristãos, e portanto também a mim. “Quando é lida
esta leitura, cada cristão sofre o interrogatório no coração”, dizia
Santo
Agostinho ao comentar este texto. Não podemos esquecer que aquele
que nos pergunta é o Senhor ressuscitado, aquele que nos amou até a morte.
Nossa resposta deve ser humilde; uma resposta que remete à confiança no Senhor,
que conhece o nosso coração, conhece a verdade do nosso amor. É melhor respondermos,
como Pedro respondeu: “Senhor, tu que sabes tudo, sabes que sou teu amigo”.
P. Vitus Gustama,SVD
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