Ao descer da Montanha onde Jesus escolheu os Doze Apóstolos (Lc 6, 12-19) começa em Lucas o que os autores chamam o “Sermão da Planície ” (Lc 6,20-49) que vamos meditar a partir de hoje até o próximo sábado .
O texto do evangelho de hoje , que inicia o Sermão da Planície , nos apresenta as bem-aventuranças como síntese da mensagem cristã, como projeto de felicidade . A felicidade para todos é o projeto de Jesus.
Exegeticamente, o gênero de bem-aventurança não é novo no Novo Testamento , nem tampouco é exclusivo dos evangelhos . O Antigo Testamento nos apresenta numerosos exemplos de bem-aventuranças . Só no livro de Salmos encontramos mais de vinte vezes (cf. Sl 40,2; 127,1 etc.). O Apocalipse de São João rima seu texto com sete bem-aventuranças (Ap 1,3; 14,13; 16,15;19,9; 20,6; 22,7; 2214).
Encontramos paralelamente as bem-aventuranças em Mateus e Lucas, mas cada evangelista tem suas particularidades . Em Mateus há oito bem-aventuranças (Mt 5,1-12), enquanto que em Lucas, quatro e mais quatro maldições . Mateus insiste na pobreza “espiritual ” (os pobres no espírito ), isto é, a atitude interior . Lucas, ao contrário , se dirige aos pobres reais , à classe social daqueles que são mais pobres materialmente /fisicamente do que os demais . E esta insistência particular de Lucas é ainda reforçada por : o anúncio de uma mudança total das situações e a oposição entre “bem-aventuranças ” e “maldiçoes” (“os ais”).
A interpretação das bem-aventuranças “segundo Mateus ” convida todos os homens , ricos e pobres para o desprendimento espiritual e para a conversão do coração . A interpretação das bem-aventuranças “segundo Lucas” convida todos os homens , ricos e pobres , a transformarem as estruturas da sociedade para que haja menos pessoa s desfavorecidas. Se todos são filhos e filhas de Deus da misericórdia (Lc 6,36), então todos são irmãos . Se todos são irmãos em Cristo , então todos devem cuidar de todos . Deus , como Pai de todos , não estará contente , se um dos seus filhos não estiver feliz . E ninguém pode estar em plena tranqüilidade diante de Deus , se um irmão estiver passando fome ou alguma necessidade básica para sua vida .
Na versão de Lucas das aventuranças, Jesus chama “felizes ” ou “bem-aventurados ” para quatro classes de pessoas : os pobres , os que passam fome , os que choram e os que são perseguidos por causa da fé . E ele dirige seu “ai” para outras quatro classes de pessoas : os ricos , os que estão saciados, os que riem e os que são adulados pelo mundo .
Trata-se, portanto , de quatro antíteses . Como as antíteses que Lucas põe nos lábios de Maria de Nazaré em seu Magnificat: Deus derruba de trono os poderosos e exalta os humildes ; saciou de bens os indigentes e despediu os ricos de mãos vazias (cf. Lc 1,52-53). É o desenvolvimento daquilo que Jesus havia anunciado em seu discurso programático em Nazaré: Ele foi enviado para os pobres , os cativos , os cegos e os oprimidos (cf. Lc 4,14-22).
O projeto de Jesus para todos nós é a felicidade . Ele veio para trazer vida em abundância (Jo 10,10). Felizes os pobres ; felizes os que agora passam fome ; felizes os que choram; felizes os que são odiados por causa do Filho do Homem . Trata-se de situações reais , de circunstâncias concretas e históricas. O advérbio “agora ” reforça mais ainda essa impressão .
Jesus me convida, em primeiro lugar , a olhar para minhas próprias misérias , minhas pobrezas reais , minhas fomes reais , meus prantos reais , os desprezos reais que sofro. Em que sou um miserável ? Em que sou um pobre ? De que eu tenho fome ? Quais são desprezos que eu sofri?
P. Vitus Gustama,svd
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