sexta-feira, 20 de maio de 2022

VI Domingo Da Páscoa,22/05/2022

PARA SER HABITADO PELA SANTÍSSIMA TRINDADE É PRECISO AMAR E PROMOVER A PAZ

VI DOMINGO DA PÁSCOA DO ANO “C”

Leitura: At 15,1-2.22-29

Naqueles dias, 1 chegaram alguns da Judeia e ensinavam aos irmãos de Antioquia, dizendo: “Vós não podereis salvar-vos, se não fordes circuncidados, como ordena a Lei de Moisés”. 2 Isto provocou muita confusão, e houve uma grande discussão de Paulo e Barnabé com eles. Finalmente, decidiram que Paulo, Barnabé e alguns outros fossem a Jerusalém, para tratar dessa questão com os apóstolos e os anciãos. 22 Então os apóstolos e os anciãos, de acordo com toda a comunidade de Jerusalém, resolveram escolher alguns da comunidade para mandá-los a Antioquia, com Paulo e Barnabé. Escolheram Judas, chamado Bársabas, e Silas, que eram muito respeitados pelos irmãos. 23 Através deles enviaram a seguinte carta: “Nós, os apóstolos e os anciãos, vossos irmãos, saudamos os irmãos vindos do paganismo e que estão em Antioquia e nas regiões da Síria e da Cilícia. 24 Ficamos sabendo que alguns dos nossos causaram perturbações com palavras que transtornaram vosso espírito. Eles não foram enviados por nós. 25 Então decidimos, de comum acordo, escolher alguns representantes e mandá-los até vós, junto com nossos queridos irmãos Barnabé e Paulo, 26 homens que arriscaram suas vidas pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo. 27 Por isso, estamos enviando Judas e Silas, que pessoalmente vos transmitirão a mesma mensagem. 28 Porque decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor nenhum fardo, além destas coisas indispensáveis: 29 abster-se de carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, das carnes de animais sufocados e das uniões ilegítimas. Vós fareis bem se evitardes essas coisas. Saudações!” 

II Leitura: Ap 21,10-14.22-23

10 Um anjo me levou em espírito a uma montanha grande e alta. Mostrou-me a cidade santa, Jerusalém, descendo do céu, de junto de Deus, 11 brilhando com a glória de Deus. Seu brilho era como o de uma pedra preciosíssima, como o brilho de jaspe cristalino. 12 Estava cercada por uma muralha maciça e alta, com doze portas. Sobre as portas estavam doze anjos, e nas portas estavam escritos os nomes das doze tribos de Israel. 13 Havia três portas do lado do oriente, três portas do lado norte, três portas do lado sul e três portas do lado do ocidente. 14 A muralha da cidade tinha doze alicerces, e sobre eles estavam escritos os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro. 22 Não vi templo na cidade, pois o seu Templo é o próprio Senhor, o Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. 23 A cidade não precisa de sol nem de lua que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz, e a sua lâmpada é o Cordeiro. 

Evangelho: Jo 14,23-29

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 23“Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada. 24 Quem não me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou. 25 Isso é o que vos disse enquanto estava convosco. 26 Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito. 27 Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. 28 Ouvistes o que eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós’. Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu. 29 Disse-vos isso, agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis”.

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Um Olhar Geral Sobre As Leituras Deste Domingo

No meio das diversas situações de violência em que vivemos, ressoam fortemente as palavras de Jesus: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou". 

O conflito é uma realidade inerente às relações humanas e sociais. A Primeira Leitura ecoa as disputas e controvérsias dentro das primeiras comunidades cristãs. 

A paz é sempre uma tarefa difícil, uma das mais difíceis. Requer um esforço para buscá-la e um compromisso para mantê-la. Jesus nos dá a sua paz. Ele é para nós o modelo de uma pessoa pacífica, porque só aquele que O carrega dentro de si pode oferecer a paz. 

Hoje, na Primeira Leitura, lemos um dos episódios mais conhecidos e importantes do livro dos Atos dos Apóstolos: o Concílio de Jerusalém, causado pela liberdade com que a comunidade de Antioquia na Síria atuou na missão evangelizadora, onde trabalharam apostolicamente Paulo e Barnabé. Rompendo os tabus de um judaísmo-cristianismo ainda muito judeu e menos cristão –o de Jerusalém-, em termos de identidade, os pagãos foram admitidos sem terem que ser circuncidados. Isso era escandaloso, porque se pensava que para ser cristão era preciso primeiro ser judeu, aceitar a Lei de Moisés e muitas outras tradições inerentes a esse modo de vida. Onde, então, estava o que Jesus Cristo havia feito pelos homens? Qual seria o valor da morte e ressurreição de Jesus? Em última análise, a questão era onde estava a possibilidade de salvação, na lei ou em Cristo? Para ser cristão, precisa ser judeu? Para ser muçulmano, precisa ser árabe? Para ser hinduista, precisa ser indiano? Para ser xintoísta (xintoísmo), precisa ser japonês? E assim por diante...... 

Paulo, desde o início (cf. Gl 1-2), vai opor-se a esta distinção tão incoerente e não menos injusta sob todos os pontos de vista, desfazendo com a sua teologia da graça e fé em Cristo qualquer vantagem fundamental sobre a salvação e reconciliação de homem com Deus. Paulo quer dizer que todos nós começamos do zero, que não conta mais ser de origem judaica ou ser pagão; isto é, ser “justo” de acordo com a lei, ou o que é o mesmo, por herança, por tradição; e sendo um pagão, portanto um pecador, exposto à ira de Deus. Diante de Deus, diante de Cristo, estamos todos em pé de igualdade. A única coisa que existe é uma diferença cultural, mas isso não é uma vantagem diante do Deus da misericórdia e diante de Sua graça; isso não é uma prerrogativa de salvação. Na realidade, Paulo, neste texto de At 15, não fala. Pedro o faz em seu lugar inspirado no texto de Gl 2,15-21. O autor de Atos é Lucas. E Lucas, na famosa decisão de não impor "fardos" aos pagãos, apoia-o no papel do Espírito. 

A decisão foi tomada: a Lei (de Moisés) não é necessária para a salvação. Não devemos obrigar os pagãos a submeter-se à circuncisão, mas a abrir-se à graça de Deus. Esta é a grande luta pela liberdade cristã que começa já nos primeiros anos da Igreja. Desta forma, Paulo está quebrando seguranças, fronteiras, ilusões elitistas de um povo que considera que a salvação lhes pertence e a quem dá acesso à "situação da lei". O texto de hoje é apenas um resumo e nos dá a conclusão mais importante. O cristianismo encontrou, então, sua identidade abandonando a Lei (a Toráh judia) por um Cristo crucificado e ressuscitado. 

A Segunda Leitura fala da Nova Jerusalém. A esplêndida visão do domingo anterior da nova Jerusalém continua. É uma nova Jerusalém, sem templo, porque o templo é o próprio Senhor, presença viva de amor e fidelidade. O Deus de Jesus Cristo é o futuro do homem. 

Falar do futuro, sem recorrer ao passado e ao presente, seria perder o sentido da história. E a humanidade tem história, mas será transformada. Inclusive Deus, enquanto vivido e experimentado, está encarnado na história humana. Embora o importante nesta visão seja mostrar que tudo será como Deus previu, e não como aconteceu na história onde, por respeito à liberdade humana, os homens quiseram manipular até o mais santo e sagrado. A nova Jerusalém é uma forma simbólica de falar de um futuro que estará totalmente nas mãos de Deus. Acreditar no Deus que Jesus nos revelou e estar nas mãos deste Deus é garantir a salvação. Logo, quem acredita em Deus de Jesus Cristo vive em plenitude no presente e no futuro. 

E o Evangelho de hoje enfatiza que o amor é o meio mais eficaz para transformar o mundo.

O contexto do texto do Evangelho é o discurso de despedida da última Ceia do Senhor com seus discípulos. Aqu se destaca que a palavra de Jesus é a palavra do Pai. Mas ele quer mostrar que quando não estiver entre os seus, essa palavra não se esgotará, mas o Espírito Santo completará tudo o que for necessário para a vida da comunidade. Segundo João, Jesus se despede em tom de fidelidade e com o dom da paz. Em todo caso, é claro e patente que esta leitura está nos vai preparando para a festa de Pentecostes. 

Esta parte do discurso de despedida é provocada por uma pergunta “retórica” de Judas (não Iscariotes) sobre por que Jesus se revela aos seus e não ao mundo. O círculo joanino é muito particular na teologia do NT. Esta oposição entre os de Jesus e o mundo torna-se, por vezes, demasiado radical. Na realidade, Jesus nunca estabeleceu uma separação tão determinante. No entanto, a força do amor por sua palavra, por sua mensagem, é significativa. O mundo, em João, é o mundo que não ama. O amor é a mensagem mais essencial do cristianismo. Para são João, “Deus é amor” (1Jo 4,8). Por isso, quem ama pertence a Deus mesmo que se trate do ateismo. Quem não ama é um ateu, pois o cristão é reconhecido pelo amor mútuo (cf. Jo 13,34-35). 

Portanto, a proposta é simples: quem ama está cumrpindo a vontade de Deus, do Deus Pai. Consequentemente quem ama no mundo, sem ser do mundo, mesmo que não faça parte do “círculo” de Jesus, também estará integrado neste processo de transformação “trinitária” que nos é proposta no discurso joanino. 

Esta é uma das vantagens do Espírito estar acima de círculos, instituições, Igrejas e teologias oficiais. O mundo, é verdade, precisa do amor que Jesus propõe para que Deus "faça nele a sua morada". E onde há amor verdadeiro, há Deus, como se depreende da reflexão que o próprio círculo joanino oferecerá em 1Jo 4. 

Um Olhar Específico Sobre O Evangelho Deste Domingo 

Jo 14 pertence ao grande discurso de despedida de Jesus (13,31-17,26). O contexto do Jo 14 é a Última Ceia. 

1. O Cristão É Aquele Que Vive De Acordo Com a Palavra De Deus 

Se alguém me ama, guardará a minha palavra…”

O tempo pascal que se caracteriza pelo denominador comum da alegria se diversifica cada domingo pelos temas que põe a nossa consideração. A Páscoa é o grande fundamento da vida cristã, que nos faz passar da utopia para a realidade, da mentira ao amor, do medo à paz. 

Domingo após Domingo nós cristãos guardamos a Palavra que nos é dada, escutamos as santas Leituras que nos recordam o que Deus fez por nós e, sobretudo, o que Cristo realizou e cumpriu para nos salvar. Cristo nos amou, e nos amou até o fim (Jo 13,1). Por causa desse amor, Cristo nem poupou sua vida para nos salvar; aceitou carregar a cruz no nosso lugar e morto crucificado para nossa salvação. 

Se alguém me ama, guardará a minha palavra…”. O cristão tem que ser homem de palavra, fiel ao que crê e diz. O cristão é aquele que fala com palavra autentica em um mundo de tantas falsidades, de tantas mentiras, de tantos matizes fonéticos sem fatos. O cristão tem que falar e fazer-se presente para possibilitar o diálogo, tomar consciência da realidade circundante, manifestar vivências interiores de amor e de autenticidade ou de veracidade. Os diálogos a partir da fé, ainda que sejam difíceis, são necessários e urgentes, para que todos possam viver harmoniosamente na fraternidade e na paz. Sem a paz não há progresso nem civilização do amor fraterno. 

O coração do cristão existe para guardar a Palavra preciosa de Deus para sua vida e para a vida das pessoas ao seu redor. O cristão não deve ter medo de guardar no seu coração o que digno para si e para uma convivência fraterna. O medo é um mau conselheiro, um ressentimento, impede-nos de cumprir a missão que nos foi confiada. Sabemos que existem muitos medos e desencorajamentos que se cristalizam em cúmplices covardes. Diante disso, o Senhor nos alerta: “Quem não me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou” (Jo 14,24).

2. Nova Morada De Deus: Em Um Coração Que Ama          

No v.22, Judas (que não é Judas Iscariotes) fez a seguinte pergunta a Jesus: “Senhor, por que te manifestas a nós e não ao mundo?” Em outras palavras, ele queria dizer: Por que tais privilégios não são concedidos a todos? 

Como acontece várias vezes no evangelho de João, aqui Jesus não se preocupa em responder diretamente à pergunta de Judas. Em vez disso, ele declara através dos seguintes versículos as condições necessárias para que o Pai esteja presente no discípulo: o amor a Jesus que se manifesta na observância de sua palavra: “Se alguém me ama, guardará minha palavra e o meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos nossa morada” (v.23).

“Guardar a sua palavra” é praticar o exemplo de amor que Jesus deixou (cf. 5º Domingo da Páscoa). Por isso, o teste mais adequado para verificar a realidade do amor a Cristo é a obediência, a observância concreta dos mandamentos que se resumem no mandamento do amor fraterno.          

Além disso, o amor é o lugar da manifestação de Deus trino (nele estabeleceremos nossa morada). A afirmação de Jesus é, na verdade, um convite ao progresso interior que nos torna semelhantes a Deus pela fidelidade à palavra, e faz reconhecer, nesta fidelidade, a morada das pessoas divinas. A partir do momento em que alguém amar, ele será a nova morada de Deus. Se em Jo 14,3 Jesus disse que iria preparar para os fiéis uma morada no céu, agora no texto do evangelho de hoje fica claro que a morada do Pai e de Jesus no meio de nós começa aqui e agora, na medida em que observamos o mandamento de Jesus: mandamento do amor fraterno (Jo 13,34-35; 15,12). 

Se no passado Deus se manifestava em lugares e fenômenos naturais, agora fica muito claro que as pessoas que amam como Jesus são manifestação da presença de Deus. Assim, a separação entre o homem e Deus é superada, e a busca do Pai, tema essencial do Discurso é satisfeita pelo próprio Pai. O nosso Deus não é o Deus distante, mas aquele que se aproxima do homem e vive com ele, formando uma comunidade com os homens, objeto do seu amor. Buscar a Deus não exige ir encontrá-lo fora de si mesmo, mas deixar-se encontrar e amar por ele. A “morada” de Deus está em nós mesmos/entre nós, se estamos/estivermos unidos a Jesus e ao Pai na fidelidade e na prática do mandamento do amor. A resposta ao amor a Jesus se expressa no amor aos outros homens (guardar minha palavra). E o Pai e Jesus respondem à fidelidade do discípulo dando-lhe a experiência de sua companhia e seu contato pessoal. Toda vez que alguém, ao escutar a mensagem do amor, a repete para si mesmo e a põe em prática, insere-se na família de Deus e passa a ser, com Jesus, uma manifestação de Deus ao mundo. 

A comunidade cristã e o “mundo”, então, distinguem-se entre si pela presença ou ausência do amor. O amor torna-se a razão de diferença entre os discípulos e o mundo. Sem amor, o homem continua carnal, incapaz da autêntica experiência de Deus. 

O fim último de toda a Economia divina é a entrada das criaturas na unidade perfeita da Santíssima Trindade. Mas desde já somos chamados a ser habitados pela Santíssima Trindade: ‘Se alguém me ama, diz o Senhor, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará e viremos a ele, e faremos nele a nossa orada’ [Jo 14,23]” (Catecismo da Igreja Católica no. 260). 

3. Paráclito E Sua Função          

Essas coisas vos tenho dito estando entre vós. Mas o Paráclito, O Espírito Santo          que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos disse”.          

No evangelho de João, o Espírito Santo tem uma importância excepcional. Somente neste evangelho ele é chamado de Paráclito com o significado amplíssimo de ajudante, assistente, sustentador, protetor, advogado, procurador e sobretudo como animador e iluminador no processo da fé (parákleton, em grego, literalmente significa “aquele que é chamado para perto de ou para indicar aquele que vem assistir o acusado: o advogado).          

No v.26, dois verbos expressam a função atribuída ao Paráclito: ensinar e fazer recordar. Na Bíblia, o verbo “ensinar” (didáskein) tem o sentido de interpretar autenticamente a Escritura e de atualizá-la para o presente e o futuro. O ensinamento do Espírito consiste em reavivar nos discípulos a lembrança das palavras de Jesus no sentido de introduzir os discípulos na verdade plena (Jo 16,13).          

Essa revelação será ensinada pelo Paráclito a partir do interior das consciências, como o indica a expressão “ele vos fará recordar”. Na linguagem bíblica, “recordar” implica não apenas a lembrança de um fato anterior, mas uma tomada de consciência de sua significação.          

Ao conceder aos discípulos a recordação das palavras de Jesus, o Espírito não se limita, portanto, a lembrar um conteúdo a uma memória enfraquecida; ele os leva a aprender o seu sentido, até então obscuro, e permitir que eles as interpretem em profundidade à luz pascal. O papel interpretativo do Espírito, todo ele relativo à mensagem do Filho, faz da comunidade cristã o lugar em sua revelação é recebida sempre de novo e atualizada de maneira criativa na existência dos fiéis. Isso quer dizer que a Palavra de Jesus permanecerá viva no curso do tempo. 

“Ninguém pode dizer ‘Jesus é o Senhor’ a não ser pela ação do Espírito Santo” (1Cor 12, 3). “Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: "Abbá! Pai!'” (Gl 4, 6). Este conhecimento da fé só é possível no Espírito Santo. Para estar em contato com Cristo, é preciso primeiro ter sido tocado pelo Espírito Santo. É Ele que nos precede e suscita em nós a fé” (Catecismo Da Igreja Católica no. 683). 

4. A Paz De Cristo          

Ao se despedir de seus discípulos, Jesus lhes dá a sua paz: “Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz; não vo-la dou como o faz o mundo. Que o vosso coração não se perturbe nem se intimide” (v.27).          

Paz (Shalom) é a saudação habitual entre os judeus com uma grande densidade de significado, pois este termo não significa apenas a ausência de conflitos ou a tranquilidade da alma, mas também a saúde, a prosperidade, a felicidade em plenitude. Shalom é o estado inicial da criação onde somente há uma harmonia total com tudo e com todos. A palavra “Shalom” talvez possa ser traduzida com uma expressão que todos nós desejamos aos outros: “Tudo de bom”. “All the best” para os da língua inglesa. Desejar a paz significa desejar tudo de bom para o próximo. Desejar “Shalom” é desejar a alguém uma harmonia com tudo, com todos e com o Todo por excelência que é o próprio Deus. “Shalom” condensa todo o bem que se pode desejar a uma pessoa.            

Ao se despedir dos discípulos, Jesus não lhes deseja a paz, mas ele lhes dá a paz: “Eu vos deixo a paz”, e insiste: “Eu vos dou a minha paz”. 

Que tipo de paz que Jesus oferece? Não se trata de um simples augúrio de paz, mas de um verdadeiro dom. A paz é um dom, vem do alto: não surge da decisão do homem. A paz é um dos frutos do Espirito Santo (Gl 5,22). Por isso, não pode reduzir-se ao nível de sentimento. Trata-se de uma palavra que salva, que vai à raiz, lá onde está a origem da verdadeira paz (a origem do mal). A paz de Jesus tem como efeito banir/expulsar do coração dos discípulos todo e qualquer resquício/resíduo de perturbação ou de temor que leva ao imobilismo. Possuindo o dom da paz de Jesus, eles devem manter-se imperturbáveis, sem se deixar intimidar diante das dificuldades. Assim pensada, a paz de Jesus consiste numa força divina que não deixa os discípulos rompam a comunhão com Jesus. É Jesus mesmo, presente na vida dos discípulos, sustentando-lhe a caminhada, sempre disposto a seguir adiante com alegria, rumo à casa do Pai, apesar das adversidades que deverão enfrentar. Dizendo “vai em paz”, Jesus cura a hemorroíssa (Lc 8,48) e perdoa os pecados à pecadora (Lc 7,50). A paz de Jesus nasce da vitória sobre o pecado e suas consequências. A paz de Jesus funda-se no amor fraterno e na justiça. A paz de Jesus, por isso, rejeita toda espécie de idolatria que coloca criatura no lugar de Deus e submete o ser humano a um regime de opressão. João enfatiza que Jesus é o mediador da paz; é neste sentido que Jesus a qualifica de “minha”. Os verbos estão no presente, sublinhando, assim, a realidade atual e a duração indefinida do dom. O Filho dispõe a paz que, segundo a Bíblia, só Deus pode conceder. A paz caracteriza os tempos messiânicos (Sl 72,7). O Messias tem por nome “o Príncipe da Paz” (Is 9,5s). A aliança escatológica é uma “aliança de paz” (Is 66,12). Todo o NT se mostra herdeiro dessa tradição para acentuar a reconciliação com Deus (At 10,36; Rm 5,1; Ef 2,14-17; Cl 1,20 etc.).           

“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo”. Em que consiste a paz do mundo?          

A paz que o mundo oferece prescinde de Deus e se funda num projeto contrário ao dele. Aí, se encontram a injustiça, a concentração de bens à custa da exploração alheia, o desrespeito pelo ser humano. É o império do egoísmo que idolatra pessoas e coisas, e transforma os indivíduos em seus escravos. Por isso, é uma paz que conduz à morte eterna.          

Quando o homem esquece o seu destino eterno e o horizonte de sua vida se limita à existência terrena, contenta-se com uma paz fictícia, com uma tranquilidade exterior. Jesus qualifica este tipo de paz como a paz que o mundo dá. Recuperar a paz perdida é uma das melhores manifestações de nossa caridade para com os que estão à nossa volta. 

Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão: eis o que quero anunciar nesta Mensagem a crentes e não crentes, aos homens e mulheres de boa vontade, que têm a peito o bem da família humana e o seu futuro. Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão: é o que quero lembrar aos que detêm as sortes das comunidades humanas, para que nas suas graves e difíceis decisões, se deixem sempre guiar pela luz do verdadeiro bem do homem, na perspectiva do bem comum. Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão: não me cansarei de repetir esta advertência a todos os que, por uma razão ou por outra, cultivam dentro de si ódio, desejo de vingança, propósitos de destruição” (Mensagem do Papa João Paulo II para a Celebração do XXXV Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2002, n.15). “Paz é um valor de uma importância tal, que deve ser repetidamente proclamada e promovida por todos. Não existe nenhum ser humano que não seja beneficiado com a paz. Não há nenhum coração humano que não se sinta aliviado quando reina a paz. As Nações do mundo só poderão realizar plenamente os seus destinos, intimamente ligados entre si, quando todas elas procurarem juntamente a paz como valor universal (Mensagem do Papa João Paulo II para a Celebração do XIX Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 1986, n.1).

P. Vitus Gustama,svd

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