quarta-feira, 16 de abril de 2025

Sexta-Feira Santa: Paixão Do Senhor-18/04/2025

SEXTA-FEIRA SANTA

A CRUZ QUE ME SALVOU

Liturgia e A Narrativa Da Paixão Da Sexta-Feira Santa

A Sexta-feira Santa é o primeiro dia do Tríduo Pascal: a Páscoa de Cristo crucificado, como a chamou Santo Agostinho. A Sexta-feira Santa não é considerada pela liturgia como dia de luto e de pranto, mas como dia de amorosa contemplação do sacrifício cruento de Jesus, fonte de nossa salvação. Não é um dia de luto, mas sim o dia em que a comunidade cristã consagra à meditação adorante da Cruz de Cristo, fonte de nossa salvação.  Hoje a Igreja não faz um funeral, mas celebra a morte vitoriosa do Senhor. Por isso, fala-se da “gloriosa” Paixão.

Não é por acaso que a narrativa da Paixão de Jesus que se proclama na Sexta-feira Santa é tirada do Evangelho de são João (Jo 18,1-19,42). Quem é Jesus na narrativa da Paixão segundo são João? (Veja Raymond E. Brown: A Morte Do Messias, Vol. I, Paulinas-SP, 2011).

1.    Em face  da hostilidade, o Jesus joanino dá o tom soberano que predomina no último atentado contra sua vida: “... dou a minha vida. ... Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade. Jesus controla tudo o que acontece na narrativa da Paixão.

2.   Jesus e o Pai são um e, assim, Jesus não pode, como nos sinóticos (Mc, Mt, Lc), pedir que a hora e o cálice da Paixão sejam afastados d´Ele. Ao contrário, todo o seu propósito é vir para esta hora e beber  deste cálice, a fim de glorificar o nome de Deus e cumprir as Escrituras (Jo 12,27; 18,11).

3.   O Jesus joanino não cai por terra em oração, nem se ajoelha, como faz o Jesus dos sinôticos (Mc, Mt, Lc). Ao contrário, quando Jesus diz: “Sou eu”, os que vêm prendê-Lo, soldados romanos chefiados por um tribuno da coorte e os guardas judeus dos chefes dos sacrdotes e dos fariseus, recuam e caem por terra, indefesos.

4.    O Jesus joanino é o Filho do Homem, que desceu do céu como Enviado do Pai (Jo 3,16), a quem o Pai entregou todo julgamento. Se Ele tem o poder divino para julgar, logo Ele não pode ser julgado por seres humanos. Por isso, Ele diz a Pilatos: Tu não tens poder algum sobre mim!”. E Pilatos tem medo quando fica sabendo que Jesus alega ser Filho de Deus. E que na verdade, a cena é muito mais o julgamento de Pilatos diante de Jesus que o contrário. Pilatos é um homem que procura evitar tomar uma decisão pela verdade e acaba por decidir pela falsidade. Quem não está com a verdade, inventa todo tipo de mentira.

5.    Ao condenar Jesus ao meio-dia, a mesma hora em que os cordeiros pascais (Páscoa judaica) começaram a ser mortos no recinto do Templo, Pilatos cumpre, no fim do Evangelho, a palavra a respeito de Jesus pronunciada no início do Evangelho por João Batista que identifica Jesus como o Cordeiro de Deus, Aquele que tira o pecado do mundo: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29.36). trata-se de uma inclusão teológico no Evangelho de são João: o início e o fim tratam do mesmo tema: Jesus é o Cordeiro de Deus que veio para tirar o pecado da humanidade desde sua raíz.

6.   Na narrativa da Paixão do Senhor, o Jesus de Mc e Mt é escarnecido na cruz. O Jesus de Lc é magnánimo (veja o relato da Paixão segundo Lc: O relato é cercado pelo tema da misericórdia). O Jesus do Evangelho de João é triunfante. Na cruz mostra-se a verdadeira realeza de Jesus numa proclamação trilíngue confirmada por Pilatos: “Pilatos mandou ainda escrever um letreiro e colocá-lo na cruz: ‘Jesus Nazareno, o Rei dos judeus’(Jo 19,19). Esta cena representa a última e mais solene proclamação da realeza de Jesus dirigida ao mundo inteiro. “O que escrevi, escrevi”, disse Pilatos (Jo 19,22).

7.   O Jesus joanino não morre sozinho, pois reunidos perto da cruz estão seguidores, inclusive o discípulo amado e Sua Mãe. Os personagens (Mãe de Jesus e o discípulo amado) são chamados a assumir um papel típico e representativo. Por isso, Maria não é mencionada pelo nome e sim como “Mãe”: não um nome, mas uma funçao, uma representatividade. O discípulo também não é indicado pelo nome, mas como “o discípulo a quem Jesus amava”: também ele desempenha o papel de pessoa representativa. Compreende-se que a Mãe de Jesus se torne a Mãe do discípulo e de todos os discípulos. Por sua vez, o discípulo amado representa todos os que creem em Jesus. O último ato de Jesus, antes de morrer, tem sido o de fundar uma comunidade nas pessoas da Mãe e do discípulo amado. Da cruz nasce, então, a comunidade.

8.   Tudo está consumado” (Jo 19,28-30). Na teologia joanina, o “Tudo está consumado” não significa simplesmente: “O fim chegou”, e sim: a obra que o Pai confiou a Jesus está cumprida, realizada plenamente (aspecto teológico). Jesus levou até o limite extremo (telos) o seu amor (“amou-os até o fim”: Jo 13,1) e levou a bom termo o seu caminho: realizou sua obediência (aspecto cristológico). As Escrituras se cumpriram (aspecto histórico-salvífico). Ou seja, Jesus cumpriu tudo. Conduziu a bom termo a obra que lhe foi confiada. Percorreu o caminho traçado e cumpriu em plenitude a revelação (as Escrituras).

9.   Tenho sede” (Jo 19,28). Trata-se aqui do Plano salvífico-simbólico: Jesus tem sede e pede de beber, mas é Ele que se torna uma fonte que jorra continuamente. É o mesmo esquema que se encontra no episódio da Samaritana: Jesus pede de beber e, em seguida, afirma que pretende dar uma água que sacia a sede para sempre (Jo 4,7-11). “Cristo veio passar fome e dar fartura, ter sede e dar de beber, vestir-se de morte e revestir-se de imortalidade” (Sto. Agostinho: In ps . 49,19).

10.                 “E inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 19,30b). Jesus morre: é o fato na sua exterioridade e morre consciente. Mas o verbo está, efetivamente, no ativo para mostrar que Jesus tem a iniciativa até o fim: é Ele que inclina a cabeça e entrega o espírito. Finalmente, Jesus dá o Espírito. Jesus conclui a sua obra num ato de serena consciência e na atitude que lhe foi habitual ao longo de toda a vida: o dom.

11.                 Para os judeus, Jesus é um maldito, e a sua presença torna as pessoas impuras. Porém as coisas não acontecem como eles planejam: daquele corpo jorra a água que purifica. A morte de Jesus é vida para os cristãos, e o ponto mais alto é a cruz. A Cruz se transforma numa memória perene para a qual todos “olharão” (cf. Jo 19,31-37). De fato, o Crucificado é o Glorioso. O Vencedor é Jesus, e os que caminham com Jesus (ser seguidor) será vencedores também nesta vida. O Traspassado é o vencedor: paradoxalmente, a glorificação está no coração do escândalo.

O Homem Que Questiona A Existência De Deus Por Causa Do Sofrimento           

Celebrar a Sexta-Feira Santa nos leva a pensarmos na cruz, e a cruz nos leva a pensarmos na dor e no sofrimento. E falar da dor é falar das pessoas concretas, pessoas que sofrem.          

A pergunta que o próprio sofrimento faz a todos nós é esta: Se existe um Deus justo, por que existem o mal e o sofrimento? E se existem o mal e o sofrimento, como poderá existir um Deus justo?  E se Deus é justo e misericordioso, por que um inocente ou uma criança recém-nascida sofre? Por que Deus parece ficar calado diante de uma oração para pedir a solução para um problema ou para um sofrimento insuportável?  Por que as coisas ruins acontecem a pessoas boas? Como posso acreditar num Deus que ame a dor, num Deus que acende a luz vermelha às alegrias humanas?           

Estas perguntas servem apenas como exemplo de uma ladainha de perguntas sobre o mesmo tema.  As desgraças que atingem as pessoas boas não são um problema apenas para as próprias vítimas e para suas famílias, mas também são problemas para todos os que desejam acreditar em Deus, e num mundo mais justo, fraterno, razoável e suportável.          

A dor é realidade e mistério, noite e dia, névoa e luz, fraqueza e força, morte e vida, desespero e esperança. A vida é uma mistura de alegria, felicidade e esperança, e também de tristeza, mágoa e dor. Cada um de nós carrega sempre esse pequeno fardo. Nós sofremos simplesmente porque essa é a condição do ser humano. A vida humana terrena é por si mesma pequena, fraca e frágil. A morte e a dor são companheiras naturais de nossa própria estrutura. O sofrimento chega a todos nós. Não lhe podemos escapar. Mas embora a dor em si seja inevitável, durante esta vida, muitas dores e muitas mortes podem ser evitadas. 

Mas quando nos damos conta do amor que Nosso Senhor tem por nós, quando compreendemos que a sua vida nos revelou o amor que Deus tem por nós, então temos de ficar cheios de esperança, de alegria e de paz. Por isso, sei que a resposta se encontra olhando para Cristo crucificado. Madre Teresa de Calcutá dizia: “Se olhamos para a Cruz de Jesus sabemos muito bem como ele nos amou. Quando olhamos para a Eucaristia, sabemos muito bem como ele nos ama”. 

Nossas Cruzes e A Nossa Cruz Existencial Sob A Cruz De Cristo: Um Chamado À Conversão Contínua          

Todos nós carregamos alguma cruz na nossa vida. Há cruzes de todos os tipos. Há cruzes em todos os caminhos. Para encará-la cada um tem seu próprio modo. Para alguns, a cruz pode ser vivida como tribulação, para os outros ela pode ser vivida como libertação. Há cruzes com Cristo, mas há também cruzes sem Cristo. Cada cruz, então, tem uma história e cada história tem uma cruz. A cruz sem Cristo é a cruz-condenação. É a cruz de quem deseja ser um deus. É a cruz que não tem finalidade em si mesmo. É a cruz sem fé, sem amor, sem sentido da vida, sem renúncia por amor. É a cruz de quem deseja viver numa liberdade sem responsabilidade, de quem vive no prazer desenfreado que resulta no sofrimento sem fim. Jesus Cristo, que foi crucificado, transformou a cruz de castigo em bênção.          

A mãe de Jesus, silenciosamente, acompanhava o filho Jesus que estava carregando a cruz. É uma grande dor para uma mãe, como maria, vendo seu filho assim. A cruz do filho é a cruz da mãe. Ela também carrega esta cruz silenciosamente. A ressurreição do filho é a ressurreição da mãe. Na Mãe de Jesus podemos ver tantas mães do mundo. Sem dúvida, muitas mães carregam silenciosamente a cruz ao saber que seu filho se droga ou se perde no mundo da criminalidade ou sofre de alguma doença incurável. Crucificadas, essas mães acompanham a cruz de seu(s) filho(s) com o amor incondicional como a Mãe de Jesus que se encontrou ao pé da cruz com o amor incondicional.          

Todos nós somos convidados a refletir tais situações e outros tipos de cruz sob a cruz de Jesus ressuscitado que transformou a cruz em momento de transfiguração cujo ápice é a sua ressurreição. A partir de Cristo e somente com Cristo podemos sofrer, mas nunca sofreremos em vão. Sem Cristo é que sofreremos em vão. Este tipo de sofrimento tortura e angustia e não liberta.          

Além das cruzes que encontramos na vida, ou por nossa própria culpa ou como consequência de uma opção pelos valores cristãos, carregamos também a cruz existencial. Gostaríamos de viver eternamente nesta terra, e livres de qualquer contratempo, por um lado, mas os nossos limites como criaturas não nos deixam sermos o que gostaríamos de ser, por outro lado. Temos desejo infinito por vida ou pela vida, mas somos obrigados a aceitar um fato brutal de que temos que morrer. A vida em si, em sua estrutura, hospeda a morte. Jesus, o homem verdadeiro e o Deus verdadeiro, participou da estrutura humana. Ele morreu não somente porque os homens O mataram, mas também porque ele é o homem que morreu como todos nós morremos. Mas para que esta estrutura de uma criatura limitada se torne em uma transfiguração, precisamos ser despojados como Cristo para que o Deus da vida, o Absoluto, o Eterno, o Infinito possa hospedar na nossa estrutura mortal para transformá-la em uma estrutura imortal. Somente com isto teremos outra concepção sobre a morte: morrer não é mais um fim de tudo(acabou tudo), e sim uma peregrinação para a fonte da vida, para o Deus vivo que nos espera. Esta consciência e a fé nesta certeza nos leva a dizermos que o homem nunca morre e sim uma criatura que nasce duas vezes: nasce quando deixa o seio materno para entrar num mundo maior onde ele se junta com outros companheiros de viagem rumo para o outro nascimento que é a entrada na vida eterna.        

Cristo carregou uma cruz mas nunca foi cruz para os outros nem colocou cruzes nos caminhos dos outros. Quando contrariarmos a vontade de Deus por causa do pecado que faz ninho dentro de nós, nos tornaremos cruzes para os outros e colocaremos cruzes em seus caminhos. Quando os outros contrariarem a vontade de Deus, tornar-se-ão cruzes para nós e colocarão cruzes em nossos caminhos. Assim, os outros são cruzes para nós e nós somos cruzes para os outros. Cristo quer que não sejamos cruzes para ninguém mas imitadores de seu amor apaixonado.          

Por isso, pregar a cruz a partir de Cristo significa ter consciência do pecado que faz ninho no nosso coração que causa tantas cruzes na própria vida de quem o comete e na vida dos outros com quem convive. A presença do pecado como uma força destruidora cria muitas cruzes na convivência humana, pois nunca somente vivemos, mas sempre convivemos. Cada ato nosso, seja positivo ou negativo, sempre tem conseqüência direto ou indiretamente para a vida dos outros. Esta consciência de ser nosso coração a hospedagem também do pecado, nos leva a um ato de acabar com as muitas cruzes que criamos através do trabalho contínuo de arrancar o ninho do pecado dentro de nós através da conversão contínua. Não podemos esquecer que a cruz de Jesus é uma revolta contra a dignidade humana violada, contra aquilo que deveria ter evitado para não criar tantos sofrimentos na própria vida e na vida alheia. Pregar a cruz de Cristo significa convocar as pessoas para um amor e para um perdão incondicionais, para a capacidade de não permitir que o ódio e suas múltiplas manifestações reinem o coração humano onde Deus deposita seus segredos. Sem esta atitude não haverá a paz e a ressurreição; não haverá a passagem do homem velho para o homem novo criado para o céu. Que sejamos uma ressurreição e não a cruz para os outros. Que sejamos solução e não problema para os outros. 

A partir do amor de Cristo, por nós, que foi levado até o fim percebemos que estávamos lá no Calvário. Todos nós estávamos lá na mente e no coração de Cristo. Ele nos conhecia todos, sofria por todos, nos amava e nos redimia a todos. Ele “tomou as nossas enfermidades e sobrecarregou-se dos nossos males” (Is 53,4; Mt 8,17). Estávamos lá cravados na cruz com Cristo, moremos com ele e ressuscitamos com ele. 

Olhando para a Cruz de Cristo, a partir de nós, percebemos que a cruz de Cristo é um produto terrível do pecado. Foi meu pecado que crucificou Jesus. Da cruz sabemos que o preço do pecado é a morte. Jesus morreu porque o ser humano não tolera a defesa do pobre e do inocente, nem o desvelamento da hipocrisia, nem a denúncia da injustiça, nem a ruptura das convenções e privilégios sociais e religiosos. Jesus morreu porque era bom e não compactou com a maldade, com a corrupção, com a desonestidade, com a exploração, com a deslealdade, com a injustiça, mas se colocou, do lado dos oprimidos, dos justos, dos leais, dos honestos, dos inocentes sem retroceder diante das consequências. Cristo prefere ser crucificado a trair a verdade, o amor, a justiça, a honestidade. Por isso é que Ele foi ressuscitado por Deus Pai. 

Nós Também Estávamos Lá        

O perigo que temos ao ler o relato da Paixão de Jesus é ficarmos como espectadores da cena cujo papel de cada personagem da Paixão não tem nada a ver com a nossa vida cotidiana. Mas se refletirmos seriamente sobre este relato, na verdade, estávamos também lá desempenhando nosso papel para causar o sofrimento de Jesus. E ao olharmos para o nosso modo de viver atualmente confessamos que continuamos a fazer Jesus sofrer, pois “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. E todas as vezes que o deixastes de fazer a um desses pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,39.45).       

Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando não soubermos acompanhar nossos irmãos que sofrem, que sentem angústia e se sentem sós, como fizeram os discípulos prediletos no Jardim de Getsêmani. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando vendermos nossa dignidade por algumas moedas como Judas que vendeu Jesus por trinta moedas de prata; quando nossa ganância nos levar a fazermos negócios sujos e quando não prestarmos a ajuda aos irmãos necessitados. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando buscarmos na violência a solução de nossos problemas como aqueles que prenderam Jesus com paus e espadas; quando não estivermos convencidos de que “quem usa espada, com/ de a espada morrerá”. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando acusarmos injustamente os irmãos como fizeram os líderes religiosos de Jerusalém e as falsas testemunhas; quando não respeitarmos os homens e os acusamos sem verdade. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando negarmos ou mentirmos por vergonha e covardia, como fez Pedro; quando não confessarmos com valentia e sinceridade nossa fé; quando não defendermos a causa da justiça por medo dos problemas e dificuldades que isto possa nos trazer. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando lavarmos as mãos como Pilatos; quando não vivermos comprometidos com a causa dos que sofrem; quando encolhermos os ombros e não defendermos a verdade e a justiça por medo das consequências. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando condenarmos os outros sem ponderar o que há de verdade nessas condenações, como fez a multidão em Jerusalém. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando zombarmos os que sofrem, os marginalizados da sociedade, os pobres, os idosos, os embriagados, os aleijados, os débeis e assim por diante. Somos nós responsáveis deste mundo. Sou eu responsável deste mundo!        

Nosso caminho de conversão se une hoje ao caminho de Jesus para aprender dele que o mais importante da vida é colocá-la ao serviço de uma causa digna. Se nos esforçamos por mudar atitudes e afinar nossos sentimentos durante o tempo da Quaresma é simplesmente para nos identificar melhor com este Jesus que hoje entra triunfante em Jerusalém, e compreender que a alegria e a felicidade formam parte de nosso ser cristão, para celebrar e viver mais autenticamente unidos a Cristo Ressuscitado a nova vida que ele nos oferece no domingo da Páscoa. Nosso caminhar ao lado de Jesus ao longo da Semana Santa é a melhor escola que podemos frequentar para nossa vida de cada dia. Com a segurança de que nosso caminho já não o fazemos sozinhos, e sim com este Jesus da Semana Santa e com tantos irmãos na fé que têm a mesma esperança. Hoje Jesus nos ensina mais do que nunca a caminharmos juntos: Jesus, os irmãos e eu mesmo. Manifestamos isto simbolicamente na procissão que fazemos juntos com os ramos na mão, símbolo de nossa vitória antecipada.

Jesus Cristo Crucificado Que Ressuscitou É A Resposta De Deus Para Nós         

Popularmente, a cruz, com frequência, tem sido tomado apenas como símbolo da dor humana. Às vezes se tem usado para induzir os homens a não se rebelarem, mas a negociar com a dor; tem sido motivo para justificar o sofrimento e ainda como pretexto para certas formas de repressão. Com esta concepção, a cruz foi afastada grosseiramente de sua referência a Jesus, Salvador.         

Sem dúvida nenhuma, Deus não aceita a sociedade na qual uns homens desprezam os outros, praticam injustiça, exploram, roubam, maltratam, atropelam e matam os outros. As cruzes que os homens levantam para seus irmãos são abomináveis aos olhos de Deus. É preciso lutar contra elas, pois Deus as detesta.   

Jesus Cristo também sente na própria carne todas as dimensões do sofrimento humano. A dor nos faz mais próximos de Jesus Cristo. Mas a dor de Jesus não se encerrou jamais sobre si mesmo, ao contrário, estava totalmente aberta ao próximo. Por isso, o profeta Isaías resumiu: Jesus “tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças” (Mt 8,17). Tão profundamente sentiu a dor humana, que dedicou sua vida para servir a todos, para aliviar suas penas e para ensinar-lhes o caminho da superação e da irmandade (Lc 4,18-19). Sua existência esteve totalmente orientada no sentido de aliviar a dor alheia. Não fechava seu coração para ninguém. Ele fazia o máximo possível para que cada um pudesse ver o amor de Deus que Deus lhe tinha e seu próprio valor humano.          

Portanto, Jesus não veio para glorificar a dor, mas sim para dar um fim a seu reinado. A cruz de Jesus é um instrumento de exaltação porque ela é o fruto de amor. A cruz é o último ato de uma vida vivida no amor, na doação e na entrega. A cruz é a expressão suprema do amor de Deus por nós. Por isso, para os cristãos a contemplação da cruz é fonte de alegria serena porque vemos na cruz a manifestação mais clara do amor de Deus por nós todos e por cada um em particular. Deus fez a alma humana de tal forma que apenas uma vida de bondade, de amor e de honestidade nos faz sentir espiritualmente saudáveis, humanos e fraternos.          

Por isso, nunca podemos olhar para a cruz de Jesus sem nos lembrarmos da ressurreição. Sexta-Feira Santa não tem qualquer significado sem o Domingo da Páscoa. No Calvário a vida ganhou, porque o amor era mais forte do que a morte. Somente a partir dessa perspectiva se pensa, se corrige e se assume o símbolo da cruz. A redenção é antes de tudo uma vitória. Cristo é o vencedor da morte. Cristo é o Salvador do mundo, Salvador de cada um de nós.                    

Por isso, somos convidados a olhar para o alto, para a Cruz de Jesus. Somente olhando para o alto, para Deus, o homem encontra o sentido da sua existência e tudo que se passa aqui nesta terra. Só do alto vem a luz que dá sentido à alegria e à dor, às vitórias e às derrotas, à solidão e à morte. Olhar para Jesus na cruz significa aceitar com fé a mensagem que ele dirige para todos nós, cristãos. Aqui crer significa identificar a própria vida com a de Cristo. Este é o caminho para alcançar a vida do alto, a salvação. Por isso, Madre Teresa de Calcutá dizia: “Se olhamos para a Cruz de Jesus sabemos muito bem do quanto Deus nos amou. Mas quando participamos da Eucaristia, da missa, sabemos muito bem do quanto Deus nos ama”, porque Jesus continua nos amando, dando-nos Seu Corpo e Sangue para nos fortalecer na nossa caminhada para alcançar a vida eterna.

“Esta sexta-feira é Santa. Grande. Autêntica.

Ve-se Jesus exposto na Cruz por todo o lado.

Solene exposição.

Mesmo fechando os olhos, as janelas e as portas,

Tu rebentas as comportas com jatos de Luz,

E saltas as trincheiras do meu coração.

Vem, Senhor Jesus,

Entra pela janela dos meus olhos,

Enche todos os recantos do meu ser,

Ilumina todos os redutos,

E fez-me ver que todo o comodismo e egoísmo

É sem raiz nem flor nem frutos.

Irei, Senhor,

Em procissão de amor,

Beijar a tua Cruz.

E quando olhar para Ti,

Para o teu rosto ferido e desfigurado,

Para as tuas muitas chagas a sangrar,

Dá-me a graça de aí ver bem o meu pecado.

E quando Tu, Senhor, olhares para mim,

Com esse meigo olhar de serena compaixão,

Dá-me a graça de ver o teu perdão nunca poupado,

E de sair com o coração transfigurado”.

(Por Dom António Couto, bispo de Lamego, Portugal)

      

P. Vitus Gustama,svd

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