Domingo,30/06/2019
SOLENIDADE
DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO
Primeira
Leitura: At 12,1-11
Naqueles dias, 1 o rei Herodes prendeu alguns membros da Igreja, para
torturá-los. 2 Mandou matar à espada Tiago, irmão de João. 3 E, vendo que isso
agradava aos judeus, mandou também prender a Pedro. Eram os dias dos Pães
ázimos. 4 Depois de prender Pedro, Herodes colocou-o na prisão, guardado por
quatro grupos de soldados, com quatro soldados cada um. Herodes tinha intenção
de apresentá-lo ao povo, depois da festa da Páscoa. 5 Enquanto Pedro era
mantido na prisão, a Igreja rezava continuamente a Deus por ele. 6 Herodes
estava para apresentá-lo. Naquela mesma noite, Pedro dormia entre dois
soldados, preso com duas correntes; e os guardas vigiavam a porta da prisão. 7 Eis
que apareceu o anjo do Senhor e uma luz iluminou a cela. O anjo tocou o ombro
de Pedro, acordou-o e disse: “Levanta-te depressa!” As correntes caíram-lhe das
mãos. 8 O anjo continuou: “Coloca o cinto e calça tuas sandálias!” Pedro
obedeceu e o anjo lhe disse: “Põe tua capa e vem comigo!” 9 Pedro acompanhou-o,
e não sabia que era realidade o que estava acontecendo por meio do anjo, pois
pensava que aquilo era uma visão. 10 Depois de passarem pela primeira e segunda
guarda, chegaram ao portão de ferro que dava para a cidade. O portão abriu-se
sozinho. Eles saíram, caminharam por uma rua e logo depois o anjo o deixou. 11
Então Pedro caiu em si e disse: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu
anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu
esperava!”.
Segunda
Leitura: 2Tm 4,6-8.17-18
Caríssimo: 6 Quanto a mim, eu já estou para ser derramado em sacrifício;
aproxima-se o momento de minha partida. 7 Combati o bom combate, completei a
corrida, guardei a fé. 8Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o
Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a
todos os que esperam com amor a sua manifestação gloriosa. 17 Mas o Senhor
esteve a meu lado e me deu forças, ele fez com que a mensagem fosse anunciada
por mim integralmente, e ouvida por todas as nações; e eu fui libertado da boca
do leão. 18 O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino
celeste. A ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém.
Evangelho:
Mt 16,13-19
Naquele tempo, 13 Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali
perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” 14
Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros
ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”. 15 Então Jesus lhes perguntou: “E
vós, quem dizeis que eu sou?” 16 Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o
Filho do Deus vivo”. 17 Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão,
filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai
que está no céu. 18 Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra
construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. 19 Eu
te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado
nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”.
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Celebramos neste
domingo a solenidade de duas colunas principais da Igreja: São Pedro e São
Paulo. Os dois servem o mesmo Cristo embora de maneira diferente. Não há uma
maneira só para servir Cristo e sua Igreja. Cada um dos dois tem suas
qualidades. Mas como seres humanos eles também têm suas debilidades ou
fraquezas. No entanto essas debilidades jamais deixam os dois de servir o
Senhor e Sua Igreja.
“E vós, quem dizeis
que eu sou?”. É a pergunta de Jesus no Evangelho de hoje. Esta interrogação
pode ser o ponto de partida. Tem a vantagem de nos situar no centro da fé.
De todas as maneiras,
a pergunta poderia obter uma profundidade total: Cristo continua presente na
Igreja; Cristo está vivo e vive conosco (Mt 28,20). A resposta da fé é uma
resposta à Igreja. A resposta não é fácil. Todos sabem a dificuldade de aceitar
a mediação eclesial. Com facilidade se aceita Deus e Cristo, porém a Igreja…? Convém
enfatizar que não há separação entre Cristo (Cabeça) e a Igreja (Corpo místico de
Cristo). Com efeito, sem a Igreja não é possível a fé. A fé é vivida comunitariamente.
Também é muito difícil
crer na comunidade cristã, isto é, crer que meus irmãos são o Corpo de Cristo!
Aqui surge o problema da aceitação mútua. Pelo menos temos de repartir as
culpas entre todos e mutuamente temos de nos convidar a crer uns nos outros. Trata-se
de fazer um esforço para valorizar a boa vontade de todos, de descobrir como
podemos nos ajudar a lutar com alegria e confiança mútuas.
Não podemos omitir
uma consideração às figuras de Pedro e Paulo. Os dois demonstram sua grandeza
no sofrimento, que é a suprema prova da vida. Não viveram um cristianismo
alienante. Seu existir foi duro e conheceram muitas tensões. Uma vez entregues
a Cristo, não voltaram para trás. Entregaram a vida pela comunidade: pelo Corpo
de Cristo, por Cristo.
Neste Domingo, tão
tradicional no calendário litúrgico, a Igreja inteira volta seus olhos para os
dois apóstolos que são colunas da Igreja. Celebrar são Pedro e são Paulo é
reconhecer que nossa fé está fundamentada neles.
Também neste dia a
Igreja católica volta seus olhos e seu coração para o novo Pedro, que é o Papa
de Roma, que continua o ministério apostolico de confirmar na fé os irmãos. Por
isso, a coleta deste Domingo é conhecida como Óbolo de São Pedro. A coleta
seria enviada à Nunciatura Apostólica através da Cúria Diocesana, para
participar nasu preocupações do Santo Padre pelas aflições e necessidades da
Igreja em todo o mundo (Cf. Diretório da Liturgia da CNBB, 2019 p. 40)
Surpreende um tanto a
leitura dos Atos dos Apóstolos, na qual aparece um Pedro débil, atado,
encarcerado e perseguido por pregar o Evangelho, que de repente se vê livre das
cadeias para prosseguir sua missão apostólica.
Celebramos Pedro da fé
intrépida, que confessa que Jesus de Nazaré é o Filho do Deus vivo e o Messias,
e ao mesmo tempo, recordamos Pedro da negação, que nos momentos difíceis e trágicos
da Paixão do Senhor dizze três vezes que não conhecia Jesus. Através do caminho
paradoxal da negação e da queda, Pedro purifica e fortalece sua fé para
constituir-se em roça firme para seus irmãos. Todos nós que estamos na barca de
são Pedro com a esperança de chegar ao porto da eternidade e da luz, a exemplo
de são Pedro, temos que entender que a fé é um risco, que apesar de nossas
debilidades e negações, lavadas com lágrimas de conversão purificadora, devemos
ser colunas e sinais de fé no mundo de hoje, anunciando que Jesus de Nazaré é o
Salvador dos homens.
1. Quando sou fraco, então
é que sou forte
Estas palavras foram
ditas pelo próprio Paulo na sua Segunda Carta aos Coríntios (2Cor 12,10). O
“Quando sou fraco, então é que sou forte” reflete a vida destes dois grandes
santos: Pedro e Paulo.
Pedro foi chamado de
homem de pouca fé (Mt 14,31), de Satanás (Mt 16,23). Ele falhou em vigiar e
orar junto com Jesus apesar do aviso de Jesus (cf. Mt 26,37-44; Mc 14,33-41).
No momento da prisão de Jesus, numa atitude impetuosa, cortou a orelha de
Malco, empregado do sumo sacerdote (Jo 18,10). No pátio de Caifás, a
determinação de Pedro (cf. Mt 26,33-35) entrou em colapso, não diante de um
tribunal, mas diante da pergunta de uma jovem empregada. Ele negou ser
discípulo de Jesus (Mt 26,58.69-75). Mas apesar de tudo, ele reconhece que somente
Jesus tem palavras de vida eterna (Jo 6,69). Ele sempre encabeça a lista dos
discípulos (cf. Mt 10,2; Mc 3,16; Lc 6,14). Faz parte do círculo mais íntimo
dos discípulos (Mc 5,37;9,2;13,3; Lc 8,51), e é o primeiro entre os discípulos
(Mt 16,23; Jo 21,19). Ele admite sua ignorância (Mt 15,15; Lc 12,41; cf. também
Jo 13,6-10 sobre o lava-pés) e a própria pecaminosidade (Lc 5,8). Ele questiona
sobre o perdão e é advertido sobre as consequências do não- perdão (Mt
18,21-35).
Uma piedosa tradição
conta que, durante a perseguição cruel de Nero, Pedro saía de Roma, abandonando
a própria comunidade cristã em busca de um lugar mais seguro. Junto às portas
da cidade, cruzou-se com Jesus que carregava a Cruz. Quando Pedro lhe
perguntou: “Aonde vais, Senhor (Quo vadis, Domine)?” ouviu a resposta do
Mestre: “Vou a Roma para deixar-me crucificar novamente”. Pedro entendeu a
lição e voltou para a cidade onde o esperava a sua cruz. Um historiador antigo
refere que Pedro pediu para ser crucificado de cabeça para baixo, por sentir-se
indigno de morrer como o seu Mestre, de cabeça para o alto. Apesar das suas
fraquezas, Pedro foi fiel a Cristo, até dar a vida por Ele.
Ficamos perguntando,
por que Pedro, homem que demonstra um pouco de volubilidade e que tem tantos
defeitos, foi eleito por Jesus para ser rocha sobre a qual edifica sua Igreja e
para apascentar as ovelhas de Jesus? (Cf. Jo 21,5-17). Até o próprio Pedro
questiona Jesus sobre essa eleição (cf. Jo 21,21). Será que, ao reconhecer os
próprios defeitos e fraquezas, Pedro terá condições de compreender os defeitos
e fraquezas dos outros sem condená-los, mas ajudá-los a saírem destes? Pois
aquele que já passou por uma experiência de miséria, normalmente, sabe repartir
o que tem para quem não tem nada para viver. Nunca podemos compreender
completamente os mistérios de Deus. Talvez o profeta Isaías tenha razão quando
coloca estas palavras na boca de Deus: “Pois meus pensamentos não são os
vossos, e o vosso modo de agir não é meu... meus pensamentos ultrapassam os
vossos” (Is 55,8.9b). Por isso, junto com o salmista podemos rezar:
“Ensina-me, Senhor, vosso caminho...!” (Sl 26,11), pois “os caminhos de Deus
são perfeitos” (2Sm 22,31).
Paulo também passou
por uma experiência dolorosa antes de conhecer Jesus Cristo. A queda de Paulo
na estrada de Damasco foi a linha divisória para sua vida entre antes e depois
(At 9,1ss). Essa queda é a chave geral para entender Paulo e toda a sua luta
incansável.
Paulo sempre foi um
homem profundamente religioso, judeu praticante, irrepreensível na mais estrita
observância da Lei (Fl 3,6; At 22,3) cheio de zelo pelas tradições paternas (Gl
1,14). Para defender essas tradições, chegou a perseguir os cristãos e isso com
o apoio do Sinédrio.
Mas na estrada de
Damasco Paulo, em vez de perseguir, ele foi perseguido por Cristo. A entrada de
Jesus na vida de Paulo não foi pacífica, mas sim de uma maneira violenta.
Deus não pediu
licença a Paulo. Ele entrou e o derrubou (At 9,4;22,7;26,14). Caído no chão,
Paulo se entregou. Lucas não diz que Paulo caiu do cavalo, mas “cai por terra”,
porque essa é a fraseologia usada em alguns textos bíblicos para descrever a
reação humana diante da manifestação divina. Paulo é interpelado duas vezes
pelo seu nome hebraico, transcrito em grego: “Saoúl, Saoúl” (v.4). A repetição
do nome corresponde ao esquema de diálogos de revelação aos patriarcas
bíblicos: Abraão, Jacó, Moisés (Gn 22,1;46,2; Ex 3,4). A novidade na
experiência de Paulo é a pergunta: “Por que você me persegue?” (v.4). Ela
revela uma situação singular. Aquele que fala com Paulo, no contexto de uma luz
divina, se identifica com aqueles que Paulo está perseguindo (v.5). A
identificação de Jesus com os seus discípulos perseguidos coloca Paulo diante
de uma escolha sem alternativas (cf. Mt 25,40.45). Ele precisa mudar
radicalmente os seus projetos.
Uma luz o envolveu
(v.3) e era tão forte que Paulo ficou cego. Ele começou a enxergar até que
Ananias interveio para dar-lhe o sentido da sua aceitação na Igreja e da
certeza de caminhar na via que leva a Deus. Paulo ressuscitou no exato momento
em que foi acolhido na comunidade como irmão(v.18).
Paulo ganhou novos
olhos. Ele via as mesmas coisas de sempre: a vida, as pessoas, a Bíblia, o
povo, a sinagoga, o trabalho e tudo que pertencia ao seu mundo. Mas a nova
experiência do amor de Deus em Jesus (Rm 8,39) mudou os olhos, e o ajudou a
descobrir novos valores que antes não via. A visão de Deus é luz, mas para a
carnalidade do homem é motivo de espanto e faz com que o homem perceba toda a
escuridão em que se encontra. Em contato com Deus que é luz, o homem se
reconhece que é trevas.
O nascimento de
Paulo, segundo 1Cor 15,8, para Cristo não foi normal. Deus o fez nascer de
maneira forçada. Paulo foi arrancado de dentro de seu mundo, como se arranca
uma criança do seio da mãe por meio de uma operação.
A partir da
experiência de Damasco, Paulo não consegue confiar naquilo que ele faz por
Deus, mas só naquilo que Deus fez por ele. Já não coloca sua segurança na
observância da Lei, mas sim no amor de Deus por ele (Gl 2,20s; Rm 3,21-26).
Essa experiência chama-se Gratuidade. Essa foi a marca de experiência de Paulo
na estrada de Damasco que renova por dentro todo o seu relacionamento com Deus.
Essa experiência da gratuidade do amor de Deus vai dar rumo à vida de Paulo e
vai sustentá-lo nas coisas que virão. Essa experiência é a nova fonte da sua
espiritualidade que faz brotar nele uma “poderosa energia” (Cl 1,29), energia
muito mais forte e muito mais exigente do que a sua vontade anterior de
praticar a Lei e de conquistar a justificação. Essa experiência levou Paulo a
desocupar o barraco da sua vida para deixar Jesus entrar nela. Ele cresce tanto no amor de Cristo, a ponto
de dizer: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
Essa “desapropriação” de si mesmo, porém, não lhe tira a liberdade. Pelo
contrário, ele diz: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1;2,4).
A experiência da gratuidade do amor de Deus faz Paulo suportar lutas e
perseguições, viagens e canseira, o peso do dia-a-dia (2Cor 11,23-27); sofrer
com aqueles que sofrem (2Cor 11,29). Essa experiência mudou os olhos de Paulo e
o ajudou a descobrir novos valores que antes não via.
Pálido, doente e
acabado, Paulo foi levado a um vale solitário chamado Aquae Salviae em Roma. Seu corpo foi açoitado pela última vez.
Inclinou a cabeça à espera da espada que o conduziria ao martírio. O lugar onde
ele foi martirizado, hoje chama-se Tre
Fontane como recordação de Cabeça de Paulo que por três vezes bateu no chão
antes de parar no instante dramático da morte. Realizou, assim, o único desejo
de sua vida: estar com seu Senhor e Mestre Jesus Cristo: “Eu vivo, mas já não
sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
O Deus do Evangelho e
da misericórdia é Aquele que no instante em que me faz compreender que errei
completamente com relação a Ele, porque me coloquei em seu lugar, demonstra-me
a sua misericórdia ao perdoar-me e me dá confiança ao chamar-me ao seu serviço,
confiando-me a sua própria Palavra.
Este instante resume
para Paulo tudo o que ele sabia de Deus de maneira errada. O escuro se torna
claro, o violento se torna misericordioso.
O evento de Damasco é
algo tão rico que devemos aproximar-nos com muita humildade e reverência,
convencidos de que compreendemos pouco, que sabemos pouco com relação a isto,
mas que poderemos conhecer muito mais pela graça de Deus. Então, compreenderemos
melhor a nós mesmos, o caminho da nossa vida e as nossas conversões.
A experiência de
Paulo nos faz perguntar: “Quando foi que me converti? Existe em minha vida um
“quando” da conversão ao qual posso referir-me como momento histórico? Mesmo
que não tenha havido um “quando” temporal, certamente aconteceram momentos de
mudança, de transformação, de crise que nos levaram a uma nova compreensão do
mistério de Deus.
Se nunca realizamos a
fundo esta mudança de mentalidade que é essencial para a vida cristã, ainda não
chegamos a compreender o que é a novidade do caminho cristão. Se não compreendo
bem as coisas ditas sobre Paulo, provavelmente é difícil que compreenda o que
aconteceu em mim.
2.
Pedro e Paulo revelam face institucional e carismática da Igreja
Pedro e Paulo são
chamados as duas colunas da Igreja. Os dois revelam, de maneira expressiva, as
duas faces da Igreja: a institucional e a carismática. Por um lado, a Igreja é
um dom que recebemos de Cristo e da Tradição. Aqui não se inventa nem se
acrescenta; acolhe-se com gratidão. Entretanto ela pode conter perigos;
favorece a acomodação, facilmente se incorre no legalismo, no moralismo e na
rigidez dogmática que impede ou suspeita de toda novidade. Pedro corporifica a
face institucional da Igreja.
Mas estes limites são
superados ou equilibrados por outra face: a face carismática. Porque, a Igreja
é resposta humana, criatividade face aos desafios de cada geração, adaptação
aos valores das culturas, inovação nos modos de pensar a fé, de rezar a Deus e
de viver o Evangelho. Mas esta face tem também seus limites: a invenção não
pode adulterar a substância da fé apostólica; cumpre guardar uma fidelidade
essencial ao espírito de Jesus e dos Apóstolos. Paulo corporifica a face
carismática da Igreja. A Igreja que hoje possuímos é fruto desta síntese feliz.
A festa de Pedro e Paulo nos quer recordar os bons frutos que nos vêm desta
tensão conservando a unidade dentro da pluralidade.
3.
Pedro e Paulo Nos Trazem a Mensagem da Esperança
“Eis por que
sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições,
no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando me sinto fraco,
então é que sou forte”, contou-nos São Paulo sua experiência (2Cor
12,10).
As duas figuras,
Pedro e Paulo, nos trazem uma mensagem de esperança. Na vida podemos ter muitos
defeitos e fraquezas a ponto de não conseguirmos sair deles, mas ninguém pode
escapar do amor de Deus desde que acolhamos este amor com muita humildade.
Pedro e Paulo são testemunhas de tudo isto. Como se os dois quisessem nos
dizer: “Não desista! Tudo tem seu tempo e sua solução, pois Deus te ama”.
Deus conta com o
tempo para formar cada um de nós, seus instrumentos, como conta também com a
nossa boa vontade. Se tivermos a boa vontade de Pedro e de Paulo, se formos
dóceis à graça de Deus, iremos convertendo-nos em instrumentos idôneos para
servir o Mestre e para levar a cabo a missão que nos confiou. Até os
acontecimentos que parecem mais adversos, os nossos próprios erros e
vacilações, se recomeçarmos uma vez e outra, se abrirmos o coração ao Senhor e
às pessoas capacitadas na direção espiritual, haverão de ajudar-nos a estar
mais perto do Senhor que não se cansa de suavizar os nossos modos rudes e
toscos. É provável que, em momentos difíceis de nossa vida, cheguemos a ouvir
como Pedro: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31). E veremos Jesus
ao nosso lado, estendendo-nos a mão para nos ajudar.
Todos nós recebemos,
de diversas maneiras, uma chamada concreta para servir o Senhor. E ao longo da
vida chegam-nos novos convites para segui-lo, e temos de ser generosos com Ele
em cada novo encontro. Temos de saber perguntar a Jesus na intimidade da
oração, como São Paulo: “Que devo fazer, Senhor? Que queres que eu deixe por
Ti? Em que desejas que eu melhore? Neste momento da minha vida, que posso fazer
por Ti?
4.
Alguma Mensagem do Evangelho
4.1. A Identidade
De Jesus Segundo O Povo: Simplesmente Um Profeta
“Quem sou Eu?”,
pergunta Jesus. É uma pergunta surpreendente que não é nada natural. Ao
personagem mais insólito não se pergunta quem ele é; perguntam-se-lhe os
motivos e as razões do seu comportamento. Os profetas, por ex., devem responder
à pergunta que lhe é feita sobre porque eles vivem e falam de determinada
maneira. Por isso, eles narram a sua vocação e explicam porque tomaram esse
estilo de vida (Is 8,11; Jr 15,17). Para Jesus, ao contrário, a pergunta
decisiva é a de saber quem ele é. A
profissão de Cesareia, por isso, não é uma proclamação qualquer, mas é uma
profissão de fé (profissão de fé petrina). Para que essa profissão seja
realmente profissão de fé, Jesus procede em dois tempos, fazendo sucessivamente
a pergunta: quem é Jesus na opinião dos homens (povo) e na opinião dos próprios
discípulos de Jesus. Há, portanto, duas maneiras de compreender Jesus, uma que
fica do lado de fora e a outra que atinge a realidade profunda.
“Quem dizem os homens
ser o Filho do Homem (Filho do Homem = Eu. cf. Ez 2,1)?”. Os discípulos
comunicam várias avaliações. Os discípulos partem sua resposta a partir de o
“ouvir falar”. Para o povo (os homens), Jesus não tem personalidade própria. O
povo simplesmente assimila Jesus a personagens conhecidos do AT como Elias que era muito venerado pelo povo
e foi arrebatado até Deus de maneira milagrosa (2Rs 2,11) e cujo retorno estava
esperado como precursor do Messias (Ml 3,23-24; Eclo 48,10); como João Batista (Herodes Antipas
considerou Jesus como João Batista ressuscitado dentre os mortos. cf. Mt 14,2);
e como Jeremias que era associado a
uma renovação do culto no Templo; ou então, como um dos profetas. Todas as quatro respostas localizam Jesus na
tradição profética. Jesus, então, é visto em continuidade com o passado. O povo
não consegue descobrir a novidade trazida por Jesus. Por isso também o povo não
é capaz de saber a originalidade de Jesus. A resposta do povo fica na
superfície e na margem da realidade verdadeira e profunda.
Será que sabemos ou
conhecemos Jesus a partir de “ouvimos falar” ou porque o conhecemos? Ficamos,
assim, na superfície da realidade.
4.2. A Identidade
De Jesus Na Profissão Petrina: Cristo, Filho De Deus Vivo
Jesus continua a
perguntar para os mais íntimos, os seus discípulos: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” (v.15). Esta pergunta tem um
sentido entre dois seres que se amam e que descobrem o que são no olhar e no
coração do outro. Tem um sentido para aquele que assume uma responsabilidade
para com os outros e que tem necessidade de que ela seja reconhecida. Nesta
pergunta coincidem completamente o ser e a função. Ser o Messias significa existir
exclusivamente para todos os homens e ser Jesus significa ser aquele que salva (Mt
1,21) todos
os homens. Por isso, é preciso que a resposta seja real, que exprima
uma experiência autêntica. Uma resposta puramente escolar ou a repetição duma
fórmula cuidadosamente registrada, criaria um equívoco total. Por isso, a
pergunta de Jesus nada contém que possa encaminhar, mas obriga o homem a
colocar-se de todo perante esse personagem misterioso, a encontrar a resposta
exclusivamente na contemplação da sua pessoa e a empenhar todo o seu ser na
resposta.
Em nome dos
discípulos, Pedro responde: “Tu és o
Messias, o Filho de Deus vivo” (v.16). Esta é a primeira vez que um
discípulo usa o termo “Cristo”, embora os leitores de Mt saibam isto desde o
início do Evangelho (cf. Mt 1,1.16.17.18; veja também 2,4;11,2) e os discípulos
tinham feito uma confissão comparável em Mt 14,33. A resposta de Pedro atinge a
verdadeira personalidade de Jesus, a sua relação com Deus, diferente de tudo
quanto conheceram os profetas e o povo, e a sua missão no mundo, a qual
interessa diretamente a todos os filhos de Israel e, através deles, à humanidade
inteira. A resposta de Pedro à pergunta de Jesus é a mais comprometida. É uma
profissão de fé messiânica que adquire dimensão teológica. Estes dois títulos “Messias” (a profissão de fé pré-pascal) e
“Filho de Deus vivo” (a profissão de
fé pós-pascal) resumem a fé da Igreja de Mateus.
O “Messias” ou
“Cristo” (“Mashiah”, hebraico = “Ungido”) é uma expressão mais importante das
esperanças de salvação no AT e no judaísmo subsequente. No contexto da teologia
bíblica, a questão do Messias tem especial relevância, porque este título, em
sua tradução grega “christos”, além de ser título (Jesus, o Cristo), tornou-se
praticamente o nome de Jesus (Jesus Cristo). No NT este termo “Christos” é
atribuído 530 vezes a Jesus de Nazaré.
Quando Pedro
reconhece em Jesus o Messias, não renuncia à sua esperança de judeu, mas dá a
essa esperança o rosto que tem diante de si. É aquele que o seu povo espera,
aquele que vai mudar o destino das nações, que Pedro descobre sob os traços de
Jesus.
Mt sublinha que Jesus
é o Messias enviado ao povo de Israel. As genealogias o vinculam com Davi e
Abraão (Mt 1,1). Mt afirma que Jesus é o Filho de Davi (Mt 1,1.17.20) e,
portanto, o Messias de Israel (Mt 2,6). Segundo Mt, Jesus tem relação especial
com Israel por ser o cumprimento de suas tradições: suas vitórias finais sobre
os adversários, sobre a morte pela ressurreição etc. são a concretização das
esperanças apocalípticas judaicas. Mt, então, apresenta Jesus à luz do AT como
seu cumprimento.
Se Jesus é o Messias,
então, é preciso procurá-lo e é mister segui-lo. Mas, certamente, acontece o
contrário. Mt sublinha também o fato de Israel desprezar o Messias que lhe foi
enviado, principalmente foi desprezado pelas autoridades (Mt
2,1-12;9,33s;12,23s;21,45s;26,4s etc....).
Pedro também professa
que Jesus é o “Filho de Deus vivo”. O título “Filho de Deus” era usado
comumente para honrar e exaltar imperadores, especialmente Augusto. Os
imperadores eram considerados e reconhecidos como agentes da vontade e poder
dos deuses expressos pelo governo romano. Por isso, designar Jesus como “Filho
de Deus” é contestar e desafiar essas reivindicações de soberania e
representação.
“Filho de Deus” é o título mais importante de Jesus, mas, sobretudo,
é o mistério íntimo de sua pessoa. Este segundo título, nesta profissão
petrina, indica que Jesus tem relação especial com Deus, como seu Filho. “Filho
de Deus” é título tradicional para líderes judaicos com aprovação divina. Esta
expressão “Filho de Deus” concorda com a perspectiva de Deus sobre Jesus (cf.
Mt 2,15;3,17) com as próprias declarações de Jesus (cf. Mt 11,25-27) e repete a
confissão dos discípulos em Mt 14,33: “Tu és verdadeiramente o Filho de Deus”.
A autoridade e o poder de Jesus vêm de Deus que o legitima em seu batismo (Mt
3,17) e na sua transfiguração (Mt 17,5) e no reconhecimento da parte dos
próprios discípulos como tal quando Jesus anda sobre as águas (Mt 14,33). Jesus
é, certamente, tentado três vezes na sua qualidade de Filho de Deus (Mt
27,39-43). Estas três tentações no final afirmam uma clara relação com três
tentações do início do relato (Mt 4,1-11). No deserto Jesus, recém-proclamado
Filho de Deus no batismo, é tentado por Satanás para que use desta filiação
numa demonstração de poder em benefício próprio. Mas Jesus não é o Filho de
Deus pela demonstração de seu poder, mas na aceitação da condição humana e na
plena fidelidade à vontade de Deus, seu Pai, na aceitação da cruz como
consequência de sua fidelidade ao projeto do Pai onde se manifesta a sua
filiação divina.
Neste segundo título,
Mt acrescenta também o adjetivo “vivo”: “Filho de Deus vivo”. Jesus como o
“Filho de Deus vivo” equivale à fórmula “Deus Conosco/Emanuel” (Mt 1,23; 18,20;
28,20). Se Deus sempre está conosco porque Ele é vivo. “Vivo” (cf. 2Rs 19,4.16;
Is 37,4.17;Os 2,1;Dn 6,21) opõe o Deus verdadeiro aos ídolos mortos; significa
o que possui a vida e a comunica para quem acredita nele. O Deus de Jesus é
vivo e vivificante. Jesus é o Filho de Deus vivo, portanto também é doador de
vida e vencedor da morte. O Deus de Jesus Cristo é o Deus da vida (Dt 5,26; Js
3,10;1Sm 17,26.36; 2Rs 19,4.16;Sl 42,2;84,2;Os 1,10;Dn 6,20). Isto quer dizer
que ele é criativo, ativo, fiel e justo. Ser o Deus vivo e vivificante, possuir
a vida e comunicá-la é a característica do Deus verdadeiro. Os “deuses”, os
ídolos não têm vida própria e por isso, não podem comunicá-la. Ao contrário,
eles exigem sacrifícios humanos e escravizam e devoram todos os que se tornam
seus adoradores. E como Filho, Jesus expressa esta vida em suas palavras e
ações (curas, alimentar o povo faminto, exorcismos etc. cf. Mt 11,2-6) e
criando uma comunidade que participa no império de Deus.
Quem aceitar Jesus e
estiver pronto para segui-Lo deve proteger a vida em todas as suas
instâncias. Ninguém pode decidir se
alguém pode viver ou pode ser eliminado. Cada ser humano é o próprio templo de
Deus (cf. 1Cor 3,16-17; 6,19). A vida humana é o sopro ou o hálito de Deus (cf.
Gn 2,7).
Pedimos hoje a São Pedro
e ao Apóstolo dos pagãos, Paulo, um coração como o deles, para sabermos passar
por cima das pequenas humilhações ou dos aparentes fracassos que acompanham
necessariamente a ação apostólica, ou a nossa vida em geral. E dizemos a Jesus
que estamos dispostos a conviver com todos, a oferecer a todos a possibilidade
de conhecê-lo e amá-lo, sem nos importarmos com os sacrifícios nem pretendermos
êxitos imediatos. Assim seja!
P. Vitus Gustama,svd
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