MORRER DE SI MESMO PARA PODER VER
DEUS
V DOMINGO DA
QUARESMA ANO “B”
Primeira Leitura: Jr 31,31-34
31 Eis que virão dias, diz o Senhor, em que concluirei com
a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança; 32 não como a aliança que
fiz com seus pais, quando os tomei pela mão, para retirá-los da terra do Egito,
e que eles violaram, mas eu fiz valer a força sobre eles, diz o Senhor. 33
“Esta será a aliança que concluirei com a casa de Israel, depois desses dias, —
diz o Senhor: — imprimirei minha lei em suas entranhas, e hei de escrevê-la em
seu coração; serei seu Deus e eles serão o meu povo. 34 Não será mais
necessário ensinar seu próximo ou seu irmão, dizendo: ‘Conhece o Senhor!’ Todos
me reconhecerão, do menor ao maior deles, diz o Senhor, pois perdoarei sua
maldade, e não mais lembrarei o seu pecado”.
Segunda Leitura: Hb 5,7-9
7 Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e
súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da
morte. E foi atendido por causa de sua entrega a Deus. 8 Mesmo sendo Filho,
aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu. 9 Mas,
na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que
lhe obedecem.
Evangelho:
Jo 12,20-33
Naquele tempo, 20havia alguns
gregos entre
os que tinham subido a Jerusalém, para adorar durante a festa.
21Aproximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e disseram: “Senhor, gostaríamos de ver
Jesus”. 22Filipe combinou com André, e
os dois foram falar com Jesus. 23Jesus respondeu-lhes: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado.
24Em verdade,
em verdade vos digo: Se o grão
de trigo que
cai na terra não
morre, ele continua só
um grão
de trigo; mas,
se morre, então produz muito fruto. 25Quem se apega à
sua vida,
perde-a; mas quem
faz pouca conta
de sua vida
neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. 26Se alguém
me quer
seguir, siga-me, e onde
eu estou estará também
o meu servo.
Se alguém me
serve, meu Pai
o honrará. 27Agora sinto-me angustiado.
E que direi? ‘Pai,
livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente
para esta hora
que eu
vim. 28Pai, glorifica o teu nome!” Então veio uma voz do céu: “Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo!”
29A multidão, que
aí estava e ouviu, dizia que tinha sido um trovão. Outros afirmavam: “Foi um
anjo que
falou com ele”.
30Jesus respondeu e disse: “Essa voz que ouvistes não
foi por causa
de mim, mas
por causa de vós. 31É agora
o julgamento deste mundo.
Agora o chefe
deste mundo vai ser
expulso, 32e eu,
quando for elevado
da terra, atrairei todos
a mim”. 33Jesus falava assim para indicar
de que morte
iria morrer”.
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Jo 12,1-50, onde se encontra o texto do
Evangelho de hoje, é a última seção de “livros dos sinais” (Jo 2,1-12,50). Esta última
seção se baseia sobre
os atos ou
narrações e um
discurso, que
começa com
o desejo dos gregos
que queriam ver
a Jesus (Jo 12,20). O desejo de alguns gregos de verem Jesus é a oportunidade
para Jesus explicar o significado de sua morte. Portanto, a chave
para interpretar toda esta seção está no discurso que
tem como tema
a morte- ressurreição de Jesus.
Dentro do tema “morte- ressurreição”,
podemos saber que
a unção de Jesus em
Betânia (Jo 12,1-8) e a sua entrada em
Jerusalém (Jo 12,12-19) são verdadeiras ações significativas. Os dois
episódios querem transmitir
algum pensamento
teológico. A unção
em Betânia aponta para
a participação na morte e ressurreição
de Jesus como meio
único de purificação
para o homem.
E a entrada de Jesus em Jerusalém é uma entrada
de Jesus como Messias.
Além dos dois
episódios encontramos também várias sentenças
de Jesus sobre a renúncia
como exigência
do seguimento de Jesus, o relato de Getsêmani
trasladado aqui por
conveniências próprias do evangelista
(Jo 12,27ss) e pela explicação
teológica da incredulidade.
O texto
lido neste domingo pode ser
dividido em duas partes
conforme o conteúdo:
a primeira parte
(vv.20-26) relata o desejo de alguns gregos
de ver a Jesus; na segunda
parte (vv.27-36; o nosso
texto só
até v.30. Mas
conforme o conteúdo
precisaríamos ler até
o v.36) Jesus fala de sua morte.
1. O Desejo De Ver A Deus (a Jesus)
O
texto começa
o relato com o desejo
de alguns gregos
de verem Jesus: “Senhor,
queremos ver Jesus” (v.20). Esta cena se encontra
apenas em
Jo. O episódio, na verdade,
reflete a situação eclesial posterior à partida
de Jesus. O evangelho se abre ao mundo grego, muito mais além das fronteiras
judaicas. A cena, ao situar-se na época da vida terrena de Jesus, obriga os protagonistas
a subirem a Jerusalém para ver
Jesus. Mas, na realidade,
foi Jesus, através dos evangelizadores ou
ministros de sua
Palavra, é que
se dirigiu aos gregos. O evangelista não
somente sabia de que
na época de Jesus alguns
gregos, judeus
residentes fora do país,
podiam haver subido a Jerusalém para
adorar Deus,
mas também
sabia, principalmente, da história inicial
do cristianismo quando
este se abriu ao mundo
grego. E quando
o evangelista escreveu seu evangelho,
essa abertura já
tinha chegado
até os confins
da terra, até
Roma: os “gregos” (este
termo, em
outras partes do NT, é usado para indicar gentios
de língua grega.
Estes eram gentios
tementes a Deus;
cf. At 10), os não judeus
já haviam aderido a Jesus mediante a aceitação da fé nova.
“Senhor, queremos ver Jesus”, disseram alguns gregos a
Filipe. O desejo dos
místicos de todas as religiões é ver a Deus, ver a sua glória. Ver
a Deus “olhos
nos olhos”
(Is 52,8) é o mais profundo
desejo do AT. Esse desejo
é, na verdade, uma nostalgia
de desejar voltar a viver o paraíso
perdido, pela própria
culpa do homem,
onde Deus
e o homem conviveram harmoniosamente.
Mas, por
outro lado,
o profeta Isaías confessa que Deus é “um Deus
escondido” (cf. Is 45,15). Acontecem várias teofanias no AT, mas não se vê Deus com os olhos nus. Moisés pede para ver a glória de Deus, a própria
realidade divina
como rosto,
mas Deus
passa e somente
deixa Moisés vê-Lo pelas costas
(cf. Ex 33,18-23), porque o homem não pode ver Deus e continuar vivendo (Ex 33,20;cf. Ex
3,6;1Rs 19,13;Is 6,2;Gn 32,31;Jz 6,22-23). Ou seja, os israelitas estavam persuadidos de
que ver a Deus acarretava a morte (Gn 32,31; Ex 33,20; Jz 6,22).
Por outro
lado, os homens,
muitas vezes, “têm olhos
e nada vêem; têm ouvidos
e nada ouvem” (Jr
5,21;Ez 12,2; cf. também Mt 13,1315;Is
6,9s). Por isso, os sinais e os dons
de Deus destinados a iluminar os homens só
endurecem os corações dos mesmos e obscurecem sua
mente. O próprio
Deus
vê “tudo
que está debaixo
do céu” (Jô 28,24), especialmente
“os filhos de Adão” (Sl 33,13s) e “sonda os rins e
os corações” (Sl 7,10; cf. Jo 2,25).
Mas Deus,
para os homens,
continuam sendo “um Deus
escondido” (Is
45,15; ), “que ninguém viu
nem pode ver”
(1Tm
6,16).
No entanto,
no NT Deus escolhe para
Si um
povo “ao qual
se deu a ver” (Nr 14,14) até
aparecer-lhe na pessoa de seu
Filho único
(Jo 1,18;
12,45), antes de introduzi-lo, um dia, no céu para “ver
Sua face”
aqui na terra (Ap 22,4). Em outras palavras, se no AT Deus
não se via nem deixava de ser visto seu rosto, este mesmo Deus
escondido no AT se faz ver, no NT, em
Jesus Cristo as maravilhas
inauditas prometidas pelos profetas (Is 52,15;64,3;66,8).
As coisas “jamais vistas” (Mt 9,33), vêem-se em
Jesus Cristo. Em
Jesus Cristo, Deus
é visível e palpável.
Simeão pode partir em
paz, pois seus olhos
viram a salvação em menino
Jesus (Lc 2,30; cf. também Mt 13,16s; Hb
11,13). A glória de Deus
que Moisés não
tinha podido contemplar,
irradia permanentemente e sem véu na pessoa de Jesus Cristo
(Jo
1,14b.18;12,45;14,9s;1Jo 1,1-3;2Cor
3,18). Um dia, na história humana,
um dos homens
era o Deus-Conosco, Jesus Cristo. O que
se exige do homem é fé
em Jesus em
que Deus
se faz ver. Jesus é Emanuel, o Deus-Conosco (Mt
1,23; 18,20; 28,20). Em Jesus Cristo, Deus é visível.
“Senhor, queremos VER Jesus”, disseram alguns
gregos a Filipe. A palavra
“VER” significa ter
experiência pessoal,
procurar conhecer (em outros textos ver significa ter fé). Alguns gregos
procuram conhecer Jesus, ter experiência pessoal dele. Filipe, que tinha
convidado Natanael a aproximar-se de Jesus (Jo 1,46) não se atreve a fazer o
mesmo com esses gregos. Em outras palavras, o desejo dos gregos não é curiosidade,
não se esgota num mero ver fisicamente e sim desejo de conhecer e de crer. Este
é o sentido rico do verbo VER em João: penetrar além das aparências a fim de
alcançar o mistério que elas escondem.
Os gregos são convidados a considerar o
mistério da cruz. É contemplando a cruz que se compreende quem é Jesus, e é
contemplando a cruz que se encontra a salvação. Assim como os hebreus no
deserto encontraram salvação contemplando a serpente levantada (Nm 21,4-9),
assim agora as pessoas encontram salvação contemplando o Cristo crucificado. Contemplando
a cruz, compreende-se a obediência do Filho ao Pai, seu despojamento de si e,
daí, sua autenticidade como o Verbo que se fez carne (Jo 1,14) para nos salvar.
Na cruz, compreende-se o amor de Deus por nós, sua solidariedade, sua presença
salvífica, isto é, o Eu Sou, que se repete no Evangelho de João.
Não vivemos na época da vida terrena de Jesus, por
isso, não
podemos vê-lo nem podemos ver
Deus de olho
nu enquanto
estivermos vivos como
criaturas limitadas. O que precisamos fazer é tentar perceber a sua passagem na
história olhando para
sua Palavra, lendo-a e meditando-a para que, iluminados pela
Palavra de Deus,
possamos captar o sentido
dos sinais de sua
passagem. Podemos ver
Deus Criador
com os olhos
da fé e abrir
o nosso coração
à sua presença
em tantos
lugares e em
tantas coisas. Embora
uma rosa não
seja Deus, mas
ela reflete a infinita
beleza de Deus
Criador. Por
isso, nela eu
posso ver Deus.
Em cada
luz, aparece a luz
do próprio Deus;
em cada
vida, é ele
a vida; em
cada coisa sentida é ele que está sendo sentido;
em cada
existir é ele
o ser. Podemos ter em mãos uma pedra, tocar uma flor, encontrar-nos com
uma pessoa e, ao mesmo
tempo, ter
a certeza de que,
de um modo
misterioso, estamos frente a frente com o próprio Deus, e é a ele que
tocamos, e é com ele
que nos
encontramos.
Isto quer
nos dizer que não importa
que tipo
de rosto Deus
tem, importa perceber sua
passagem no meio
de nós, os efeitos
maravilhosos de sua
passagem na história,
as manifestações de sua
presença no amor,
na bondade, na solidariedade,
na partilha, na graça, na gratuidade e
na ternura encarnados
nas pessoas de boa vontade.
“Deus está naqueles olhos
cheios de luz
que, só
ao olhá-los e amá-los, te tornaram mais criança, mais inocente, mais livre, mais poeta e mais concreto; mais terno e mais seguro; menos ‘tu’ e mais ‘próximo’” (Juan Arias).
É assim, que
o Deus escondido se faz ver
na história.
2. A Hora De
Glorificação De Jesus E As Exigências Para Chegar A Mesma Glória
Diante do desejo de vê-lo, Jesus dá a resposta
aos discípulos: “Chegou a hora
em que
o Filho do Homem
vai ser glorificado” (v.23).
“Chegou a hora”.
O quarto evangelho
desenvolve este tema
(hora) ao longo
de todo o livro
e fala de maneira
qualitativa da “hora
de Jesus”. Desde o princípio
logo encontramos este
tema quando
Jesus disse que sua
hora ainda
não tinha
chegado (Jo 2,4;7,30;8,20). A hora de Jesus depende unicamente da vontade do Pai.
Enquanto a hora
de Jesus não chegou, nenhum inimigo
pode pôr-lhe a mão (Jo 7,30;8,20). E a hora chega ao final (Jo 12,27;13,1;17,1).
Alguns textos
identificam claramente a hora de Jesus com
a hora
de sua morte
(Jo 7,30;8,20;12,27;13,1). Outros textos
falam, em vez
disto, da hora da glorificação
de Jesus (Jo 12,23;17,1). E finalmente,
há alguns textos
indeterminados (cf.
Jo 2,4;4,21-23;5,25.28). Mas podemos afirmar
que toda a atividade
de Jesus está situada à luz de sua morte, quer dizer, de sua glorificação.
Portanto, quando se fala
da “hora”,
no quarto evangelho,
não se trata
do tempo cronologicamente medido pelo relógio, trata-se da morte e glorificação de Jesus. A hora
da morte de Jesus é a hora
de sua glorificação
(Jo 12,23;17,1). “Glória”(doxa em
grego; kabod em hebraico) pertence à esfera
da experiência religiosa
e caracteriza ao mesmo tempo o modo como Deus se manifesta aos homens:
a glória
de Deus irradia e salva
o homem. Por
isso, a glória divina é a ação divina que
transforma o homem por
ela atingida (2Cor 3,18) e que o torna
completamente semelhante
à condição divina.
A glorificação, por
isso, é a elevação
à esfera divina.
Jesus mostra
qual o caminho
para chegar à glória dos que
desejam vê-lo? Para Jesus não
existe outro caminho
para chegar à glória a não ser através do caminho da cruz,
o caminho da obediência
e da fidelidade ao Pai
até o fim:
“Meu alimento é fazer a vontade
daquele que me
enviou e consumar a sua
obra” (Jo 4,34). A glorificação
de Jesus está intimamente relacionada com
sua recusa em
buscar a própria
glória (Jo 8,50.54). Longe de querer
a própria glória,
Jesus está disposto a ser
sacrificado para que
o plano de Deus
se cumpra, ao desaparecer de vista
como o grão
de trigo quando
a terra o cobre,
morrendo para que
a vida nova
possa brotar.
Por isso, Jesus faz algumas exigências
através de várias sentenças. Algumas delas podem-se encontrar
nos evangelhos sinóticos(cf. Mc 8,35;Mt 10,39;Lc 17,33).
Aprender a Viver No Paradoxo como cristãos
A primeira sentença que
Jesus pronuncia que serve como uma declaração
central é sobre
a lei da semente
ou grão
de trigo: “Em verdade, em
verdade eu vos digo: se o grão
de trigo que
cai na terra não
morre, permanece só; mas se morre, produz muito
fruto” (v.24).
Nas parábolas dos evangelhos sinóticos, usa-se
diversas vezes a imagem da semente: a semente em diversos terrenos (Mt 13,3-8
par.), a semente que cresce por si (Mc 4,26-29), o grão de mostarda (Mt
13,31-32). Para os sinóticos, a semente é a Palavra ou Reino de Deus. Para João,a
semente é o próprio Jesus, e a imagem faz entender o significado de sua morte.
O Filho do Homem (Jesus) é como o grão de trigo, é enterrado na terra onde
morre, mas precisamente por causa disso produz fruto, isto é, a glorificação do
Filho (v.23), o juízo (v.31) e a reunião dos eleitos (v.32).
Quando o grão
cheio de vida
é lançado como semente
boa em terra
boa, transforma-se numa planta vigorosa e frutuosa.
A semente lançada
aparentemente morre, mas na verdade está cheia de vida. Mas para que esta vida
se transforme em vários
frutos a semente
precisa ser
colocada na terra. Esta é a lei
da natureza da semente.
A queda na terra é a condição da fecundidade do grão de trigo.
E a semente possui muito
mais potencialidades do que as que
aparecem. O fruto começa
no próprio grão
que morre.
A imagem
do grão de trigo
é familiar no NT (cf. Mt 13,3ss; Mc
4,26-29;1Cor 15,35-38). Na parábola do semeador
(Mt 13,3ss) a semente é a palavra de Cristo.
Em Jo, no contexto
da Hora, o grão
é identificado ao próprio Cristo.
O grão que
morre não fica só,
mas produz outros
grãos em
abundância. Através
desta declaração Jesus quer dizer que a sua morte próxima será para o mundo o começo de uma vida
nova: a vida
eterna. A morte é a capacidade do grão
de liberar a capacidade da vida que possui. Jesus é o grão de trigo que foi
semeado para que nossa fome pela vida eterna pudesse ser saciada.
A declaração
de Jesus sobre o grão
de trigo não
deixa de ser também uma alusão
ao pão da vida
que é o próprio
Jesus (Jo 6,35.48) dado ao mundo (Jo 6,51). No discurso
sobre o pão
da vida (Jo 6,33-58), Jesus diz ser o pão da vida
que desce do céu
para dar a vida à humanidade.
Aqui, em
Jo 12,24, Jesus diz ser o grão
que precisa
primeiro ser lançado na terra para que
haja colheita de trigo
e provisão de pão. Assim com este pão da vida, a humanidade
pode se alimentar para poder alcançar a vida eterna. Por sua vez, o ser humano deve se tornar o pão partilhado para os outros.
O princípio
estabelecido no v. 24 sobre o grão que precisa morrer e cair na terra para
poder produzir frutos abundantes, tem no v.25 a aplicação
ampla para os
seguidores de Jesus. “Quem se apega
à sua vida,
perde-a, e quem não
se apega à sua
vida neste mundo,
guardá-la-á para a vida
eterna” (v.25). “Sua vida” ou “própria vida” é uma tradução
da palavra grega
“psykhe”. “Psykhe” corresponde ao homem individual enquanto
vivo, ou
“o eu”. O evangelista
João reforça aqui a afirmação sobre o grão de
trigo que
precisa morrer
para produzir mais frutos. Aqui ela se
transforma em morrer
para si mesmo. Amar a própria vida
significa dar-lhe prioridade em relação aos interesses do Reino
de Deus (vida
eterna) que
significa a própria morte,
a infertilidade, a inutilidade. Amar a própria vida significa fechar-se a si
mesmo como
se ela se bastasse a si mesma ou se esgotasse em
si mesma.
Mas por
mais que
o ser humano
agarre esta vida, um
dia ele
tem que dizer-lhe adeus.
“Quem ama
a sua vida”
significa: quem só
ama a si
mesmo e sua
segurança pessoal
que resulta em
perder a própria
vida. Quem
torna a sua
vida aqui
o objeto último
de seu compromisso
significa sacrificar a própria
vida para a sua perda eterna.
Ao contrário,
aquele que
não se apega
a própria vida,
guardá-la-á para a vida
eterna. A vida eterna, para Jo, é a comunhão com o próprio Deus. E neste
evangelho a vida
eterna é algo
que pode ser
recebido e gozado aqui e agora, através
da união com Cristo na fé
(Jo 3,36) que se traduz no amor ao próximo (Jo
13,34;15,12). A vida que temos é o dom
mais precioso
que recebemos de Deus
gratuitamente. Por
isso, sacrificá-la pelo
bem dos outros
é a suprema confissão
de amor que
podemos fazer a Deus
e aos irmãos. Dar
a própria vida,
como Jesus o fez, é a suprema medida
do amor. Não
se pode produzir vida
sem dar a própria vida.
Se o fruto supõe a morte,
a entrega exige fé
na fecundidade do amor.
Amar é o único
investimento que
nunca falha.
Crescer é sempre
perder alguma coisa para passar a uma etapa de maior realização. O amor
leal consiste em
esquecer-se do próprio interesse
e segurança para continuar trabalhando pela
vida, pela
dignidade e liberdade
do homem no meio
e apesar do sistema
de morte ou a
cultura de morte
que continua dominando a sociedade.
O desapego à própria
vida é um
retorno para
a terra prometida, para o
paraíso perdido. O paraíso
perde-se sempre que
o homem ingrato
usurpar, como
próprios, os dons
de Deus. Na medida
em que
partilharmos a kénosis(esvaziamento)
de Jesus, participaremos também, na qualidade de filhos,
do poder do amor
de Deus. São
Paulo chegou a dizer: “Mas o que era
para mim lucro eu o tive como perda, por amor de Cristo. Mais ainda: tudo eu considero perda,
pela excelência
do conhecimento de Cristo
Jesus, meu Senhor.
Por ele,
eu perdi tudo
e tudo tenho como
esterco para ganhar a Cristo e ser achado nele...a justiça que vem
de Deus apoiado na fé,
para conhecê-lo, conhecer
o poder da sua
ressurreição e a participação nos seus
sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte, para ver
se alcanço a ressurreição de entre os mortos.
Não que
eu já
tenha alcançado ou que
já seja perfeito,
mas vou prosseguindo para
ver se o alcanço, pois que também já fui alcançado por
Cristo Jesus” (Fl 3,7-12).
O v.26, que fala sobre “servir” e “seguir” (cf.
Mc 8,34s), pretende completar e explicar o que se afirmou no versículo anterior
sobre “amar a vida e perdê-la”. O servidor de Jesus, o crente/cristão, deve
segui-Lo até a morte. E este seguimento até a morte significa também o
seguimento até a glória do céu (Jo 12,33). Jo escreve seu evangelho numa época
em que os cristãos eram perseguidos. E a atitude requerida, como se exige no v.
25 é a disponibilidade para enfrentar a prova até mesmo a morte, a exemplo de
Cristo para que o seguidor possa estar onde Jesus está. A expressão “onde estou
eu” designa sua união permanente e plena com o Pai. O seguidor vai usufruir o
mesmo estado de vida, se mostrar-se fiel a Jesus Cristo até a morte.
3.
Jesus Se Encontra No Mais Profundo Da Queda Na Terra (vv.27-30)
Os últimos versículos do texto falam da morte
iminente de Jesus e ele próprio sente na pele esse sofrimento. Nos evangelhos
sinóticos, Jesus anuncia abertamente sua paixão, morte e ressurreição aos
discípulos (cf.
Mc 8,31-32;9,31;10,33-34). Nestes últimos versículos de nosso texto(vv.27-8) Jesus
sente sua alma conturbada (cf. Jo 11,33). Os vv.27-28 são uma transposição do
relato do Getsêmani. Jo não relata a agonia de Jesus no Getsêmani, como nos
sinóticos onde Jesus até pede o afastamento do cálice de sofrimento (Mt
26,39;Mc 14,36;Lc 22,42). Jesus joanino está consciente de seu sofrimento e morte: “Sim, foi para isto que eu vim a esta hora”
(v.27c). Mas a Hora em Jo é o momento em que Deus fixou para a glorificação do
Filho através da morte. A Paixão e a glória estão intimamente unidas. A Hora de
Jesus, que antes ele disse que não tinha chegado ainda (Jo 2,4;7,30;8,20), agora chegou(v.23) e
ele não pode mais pedir que seja poupado da Paixão.
Mas por que ele rezou: “Que direi? Pai, salva me nesta hora?” (v.27b). É uma pergunta
retórica. O termo “salvar” em outro texto significa “curar” (Jo
11,12). Mas
este termo significa, principalmente, a salvação no sentido pleno e definitivo
ou a vida eterna (Jo
5,34;10,9),
oposto ao julgamento (Jo 3,17;12,47). O objetivo da oração de
Jesus é a vida em plenitude.
Além disto, o que Jesus pede nesta hora é que o
nome do Pai seja glorificado(v.28). A invocação “Glorifica o teu nome!”
corresponde ao pedido no Pai-Nosso “Santificado seja o teu nome!” (Mt 6,9). A
forma da frase está em voz passiva. Isto quer dizer que Jesus (e os homens)
pede que o próprio Deus se faça conhecer ao mundo. A glória e o poder de Deus
não consistem na dominação sobre os outros e sim uma plena manifestação de seu
amor pelo mundo (Jo 3,16) através de Jesus Cristo que aceita ser crucificado
pelo amor à humanidade. E Jo quer mostrar que para chegar ao trono da glória
tem que trilhar o caminho da cruz. Somente a “elevação” do Filho do Homem ao
trono da cruz fará de Jesus um ímã cósmico, atraindo todos os gentios para a
unidade que ele está prestes a criar(vv.32-33). O derramamento do espírito do
Cristo crucificado e ressuscitado torna possível trazer os gentios para a
unidade salvadora criada pela morte e ressurreição de Jesus.
Todos nós,
seguidores de Cristo,
somos chamados não para
fazer as coisas
extraordinárias, e sim coisas ordinárias, porém,
com um
amor extraordinário,
que vem do coração
de Deus a exemplo
de Cristo Jesus. Não são os atos heroicos que
constroem a Igreja ou
a comunidade, e sim
o amor que
se revela nas coisas pequenas da vida
cotidiana. As pessoas
que sempre
estão se refugiando naquilo que é grandioso e heroico, talvez
estejam fugindo do essencial. Por isso, temos
que morrer
de nossos apegos,
de nossos interesses,
de nosso poder,
de nossa autossuficiência. Só assim,
atrairemos as pessoas para
Jesus Cristo, em
vez de para nós. A busca
dos homens sobre
o essencial e existencial não deve terminar em nós e sim em Jesus Cristo. A nossa
tarefa é apontar
para Jesus, como
João Batista fez para
seus discípulos (cf. Jo 1,29s.36s). O
caminho do Filho do Homem é o caminho do discípulo diariamente. A cruz é um
projeto de doação. É perder-se pelos outros como uma vela que vai se consumindo
iluminando. Nisto podemos entender que o seguimento dos discípulos é entendido
como doação, serviço e exatamente por isso, como estar-com Jesus perto do Pai.
A decisão de doar a própria vida, garante
Jesus, não é perda e sim a garantia da sua máxima e definitiva realização. Possui-se
a vida à medida que se dá. Somente se possui aquilo que se dá. Foi assim a vida
e a missão de Jesus. Logo, a vida de Cristo deve ser a vida do cristão; a missão
de Cristo deve ser a missão do cristão.
Palavras de alguns Padres da Igreja:
·
Eis
que os judeus querem matar Jesus, e os gentios querem vê-Lo. (St. Agostinho)
·
Ele
próprio foi semeado no campo deste mundo da semente dos patriarcas para
morrendo, ressurgir multiplicado. Morreu só, ressurgiu com muitos. (São Beda)
P. Vitus Gustama,svd
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