sábado, 29 de junho de 2024

01/07/2024-Segundaf Da XIII Semana Comum

SEGUIR A JESUS PARA ALCANÇAR A SALVAÇÃO E SALVAR O PRÓXIMO

Segunda-Feira da XIII Semana Comum

Primeira Leitura: Am 2,6-10.13-16

6 Isto diz o Senhor: “Pelos três crimes de Israel, pelos seus quatro crimes, não retirarei a palavra: porque eles vendem o justo por dinheiro e o indigente pelo preço de um par de chinelos; 7 pisam, na poeira do chão, a cabeça dos pobres, e impedem o progresso dos humildes; filho e pai vão à mesma mulher, profanando meu santo nome; 8 deitando-se junto a qualquer altar, usando roupas que foram entregues em penhor, bebem vinho à custa de pessoas multadas, na casa de Deus. 9 Entretanto, eu tinha aniquilado, diante deles, os amorreus, homens espadaúdos como cedros e robustos como carvalhos, destruindo-lhes os frutos na ramada e arrancando-lhes as raízes. 10 Fui eu que vos fiz sair da terra do Egito e vos guiei pelo deserto, durante quarenta anos, para ocupardes a terra dos amorreus. 13 Pois bem, eu vos calcarei aos pés, como calca o chão a carroça carregada de feixes; 14 o mais ágil não conseguirá fugir, o mais forte não achará força, o valente não salvará a vida; 15 o arqueiro não resistirá de pé, o corredor veloz não terá pernas para escapar, nem se salvará o cavaleiro; 16 o mais corajoso dentre os corajosos fugirá nu, naquele dia”, diz o Senhor.

Evangelho: Mt 8,18-22

Naquele tempo, 18 vendo uma multidão ao seu redor, Jesus mandou passar para a outra margem do lago. 19 Então um mestre da Lei aproximou-se e disse: “Mestre, eu te seguirei aonde quer que tu vás”. 20 Jesus lhe respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. 21 Um outro dos discípulos disse a Jesus: “Senhor, permite-me que primeiro eu vá sepultar meu pai”. 22 Mas Jesus lhe respondeu: “Segue-me, e deixa que os mortos sepultem os seus mortos”.

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Deus Se Esconde Atrás Dos Débeis, Dos Indigentes, Dos Inocentes, Dos Justos

Pelos três crimes de Israel, pelos seus quatro crimes, não retirarei a palavra: porque eles vendem o justo por dinheiro e o indigente pelo preço de um par de chinelos; pisam, na poeira do chão, a cabeça dos pobres, e impedem o progresso dos humildes; filho e pai vão à mesma mulher, profanando meu santo nome; deitando-se junto a qualquer altar, usando roupas que foram entregues em penhor, bebem vinho à custa de pessoas multadas, na casa de Deus”.

Os três séculos de monarquia de Israel que vão do século IX até o século VI a.C foram os tempos muito agitados: guerras internacionais, luta social, injustiça social, conflitos políticos, distúrbios religiosos e assim por diante. Neste contexto uns “homens de Deus”, os profetas, intervém: Amós, Oseas, Isaías, Miqueias, Jeremias, Naum, Habacuc, Ezequiel... Nas próximas semanas ouviremos a voz destes profetas através das primeiras leituras. Todos eles vão combater sem armas, a não ser somente através da oração e da palavra. São as verdadeiras e maiores testemunhas de Deus de toda a história, pois eles defendem o projeto de Deus que é a Aliança, defendem os humildes e oprimidos, defendem a justiça, sem medo. Os profetas têm a audácia não somente de falar de Deus, mas também de pensar que falam “em Seu nome”: Deus fala por sua boca. João Batista dizia: “Sou a voz que grita...”

Esta semana ouviremos o áspero e valente profeta Amós que profetizou, principalmente, no Reino de Samaria sob o reinado de Jerobão II (786-746 a.C), o 13º rei de Israel, sucedendo a seu pai, o rei Joás.

Amós significa “Deus sustenta”, que viveu por volta do ano 750 a.C. Era um campesino, cultivador de uma plantação de sicômoros, que vivia em Teqoa, uma pequena aldeia cerca de 20 ou 30 Km da capital Jerusalém. Amós não tinha relação alguma com os grupos proféticos profissionais, pois sua profissão era pastor e produtor de figos (Am 7,14). Emigrou para o reino de Norte ou seja, para a Samaria e ali alcançou a chamada de Deus e se converteu em profeta, porta voz de Deus no tempo do rei Jerobão II. Amós experimenta a vocação profética com força irresistível (Am 3,8) a partir da situação pessoal e social.

Amós observa como os comerciantes falsificam os pesos no mercado, como vendem às pessoas, por bom dinheiro, produtos sem valor.  Ele observa como os comerciantes ricos ou latifundiários se aproveitam desavergonhadamente de sua posição de monopólio e como a pessoa humilde cai cada vez mais na dependência e na pobreza. Amós tem grande ousadia de anunciar o castigo e de denunciar as causa. O que o profeta Amós proclama é uma única acusação: não se pode ir bem quando se viola a ordem de Deus. Amós protesta e acusa em nome de Deus com incrível energia e veemência. Amós estava convencido de que o mal de Israel não tinha solução a não ser que fosse castigado por Deus. Para Amós o castigo deve ser inapelável por causa dos pecados sociais: luxuria, injustiça, opressão aos fracos, e também por causa dos pecados religiosos: culto hipócrita e a falsa segurança religiosa, isto é, viver uma vida dupla: dentro do templo é uma vida, e fora do templo é outra vida sem conexão nenhuma. Todos esses pecados dificultam a busca do Senhor e a convivencia fraterna (Am 5,4-6). Como resultados desses pecados,  quarenta anos depois, o reino de Israel cai nas mãos da Assíria e boas parte de seus habitantes é exilada.

Será que nossa situação atual é diferente da situação na época do profeta Amós?

No texto da Primeira Leitura de hoje o profeta Amós disse: “... pelos seus quatro crimes, não retirarei a palavra”. Quais são as quatro crimes que suscitam a cólera do profeta Amós e dos quais também suscitam a cólera de Deus?

1.   Primeiro, porque vendem o justo por dinheiro e o indigente por um par de sandálias.

2.   Segundo, porque pisam, na poeira do chão, a cabeça dos pobres, e impedem o progresso dos humildes e pervertem o caminho dos mansos.

3.   Terceiro, porque pai e filho abusam da mesma mulher (serva), assim profanando o santo nome de Deus.

4.   Quarto, porque deitando-se junto a qualquer altar, usando roupas que foram entregues em penhor, bebem vinho à custa de pessoas multadas, na casa de Deus.

Trata-se de a injustiça social, de juízos corrompidos, de sexualidade aberrante, de afã de prazer, de sociedade de consumismo indiferente.

O profeta Amós denuncia, então, a opressão do débil: na vida social e nos tribunais (o justo é vendido por dinheiro, o inocente injustamente condenado pelo interesse de um par de sandálias); na vida familiar (pai e filho abusam sexualmente a mesma serva); no culto, a mais repugnante das injustiças sociais (bebem o vinho dos multados na casa de Deus). Cada um destes crimes manifesta o mesmo desprezo do homem, comportamento que Deus condena nos povos pagãos vizinhos.

Com isso, o profeta Amós quer nos transmitir a verdade de que o Deus de Israel é um Deus exigente na ordem ética. Deus “se esconde” atrás de cada homem despojado de seus direitos. Consequentemente, tratar mal aos débeis, aos inocentes, aos justos significa tratar mal ao próprio Deus (cf. Mt 25,40.45). Aqui é que o desprezo do homem adquire sua autêntica dimensão, e aqui também reside o perigo da exclusão do homem da salvação. 

É Preciso Seguir a Jesus Para Alcançar a Salvação

“É graça divina começar bem. Graça maior, persistir na caminhada certa, manter o ritmo... Mas a graça das graças é não desistir. Podendo ou não podendo, Caindo, embora aos pedaços, Chegar até o fim...” (Dom Hélder Câmara)

O evangelho de Mateus foi escrito em torno dos anos 80 para os fieis de sua comunidade. Os fieis de sua comunidade já tinham feito sua escolha cristã. Mas em determinado tempo vacilavam por causa das dificuldades, e abatidos por causa de duras perseguições. Por isso, veio a exortação para que os fiéis retomassem consciência mais viva de sua identidade cristã, chamados a transformar a história humana em história de salvação.

Nesta perspectiva Mt coloca dois personagens para transmitir essa exortação. O tema do texto do evangelho de hoje é seguir Jesus. O primeiro é um especialista da Lei (escriba) que escolheu ser cristão. Trata-se de um letrado que reconhece em Jesus um mestre superior a si mesmo e decide seguir a Jesus, o grande mestre. Mas ele ainda não é comprometido com o cristianismo e por isso, ele é alertado antecipadamente para não tomar uma decisão superficial e ilusória. “As raposas têm suas tocas e as aves têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeção”. “Toca e ninho”  são o lugar de onde cada um vem: casa, vida, alimento, segurança, riqueza e saciedade. Quem não deixa tudo isto “não é digno de mim” (Mt 10,37); ainda não nasceu para Jesus. Para o letrado o caminho de Jesus tem seu termo. Mas Jesus alerta ao letrado que toda a vida de Jesus, até o momento de Sua morte, será uma entrega total, sem instalação nem descanso. “O Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20). Jesus não tem tesouros na terra. Fora de toca ou ninho é pobre e livre. A pobreza nos faz colocarmos toda a confiança no Pai e nos gera seus filhos e filhas. A vida não depende das coisas e sim depende do Pai do céu. A liberdade das coisas e do prazer que procuramos (liberdade da toca ou do ninho) é o primeiro dom que Jesus faz ao seu discípulo: o faz sair da toca ou do ninho para vir à luz como filho do Pai, como homem livre.

Para ser um verdadeiro cristão, um verdadeiro seguidor de Cristo, é preciso ter espírito de despojamento e de pobreza, pois aquele que está cheio de coisas do mundo não sobra nenhum espaço para Deus nem para o próximo. O cristão existe para fazer o bem permanentemente. Fazer o bem não tem descanso nem tem término. Ninguém ama suficientemente nem definitivamente. O amor sempre deixa quem ama em dívida. O amor não descansa nem cansa.

As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20). O instinto de segurança e a necessidade de estabilidade estão inscritos profundamente na natureza humana: o homem busca o calor de um refúgio, uma fogueira, uma casa para morar, uns objetos que lhe pertencem. Os animais têm este mesmo instinto de propriedade.                 

Jesus desde que saiu de sua casa familiar de Nazaré, deixando sua mãe sozinha, não tem seu próprio lugar, vive como nômade, como viajante: “Não tenho onde reclinar minha cabeça”. Renunciou o calor de um lugar, renunciou a toda propriedade.                 

Seguir a Jesus é fazer forçosamente certa escolha; é renunciar a uma série de coisas; é viver na segurança com Deus que criou tudo. Jesus quer que estejamos sempre caminhando em busca da perfeição. Jesus quer que estejamos abertos ao novo, à novidade, ao impulso do seu Espírito. Jesus não quer que estejamos parados, pois o Espírito de Deus sopra para onde quer. Jesus não quer que fiquemos apegados às coisas mortas, pois elas servem apenas de meio e não de fim.                 

Por esta razão Jesus adota para si o título de “Filho do Homem”. O duplo título “Filho do Homem” indica unicidade e excelência: é “Homem acabado”, o modelo de homem, por possuir em plenitude o Espírito de Deus. Para chegar a ser um homem acabado, pleno do Espírito de Deus, o cristão precisa participar da missão de Jesus, precisa levar adiante a Palavra de Deus. 

A mensagem cristã é exigente. Não se trata de aderir a uma doutrina, mas a uma pessoa; não se trata de adotar um modo de pensar, mas de orientar-se para um modo de viver: o modo de viver de Jesus Cristo. Um cristão que se contenta de não fazer mal a ninguém não é suficiente. É preciso fazer o bem em função do bem e não em função do mal. É colocar o interesse do Reino de Deus acima de todas as preocupações pessoais assim como dos afetos mais caros, com plena dedicação. É viver aberto diante de Deus permanentemente.

O segundo personagem já é discípulo, mas ainda não compreendeu todas as exigências de sua escolha. Por isso, o texto diz que ele pede um período de interrupção antes de seguir o Mestre. Ele quer ser um cristão periódico. Cristão de estação. É um cristão que procura Deus quando estiver livre de tudo, quando tiver tempo livre. É um cristão que procura Deus de vez em quando. Mas para este tipo de cristão Jesus faz prevalecer a exigência de uma escolha coerente, total e radical para si que é escolha para toda a vida. 

Este segundo personagem pede a Jesus permissão para enterrar o pai, mas recebe de Jesus esta resposta: “Segue-me! Deixa que os mortos sepultem os seus mortos”. A menção do pai nos leva ao episódio relacionado com a chamada de Eliseu no Antigo Testamento. Eliseu pediu licença a Elias para ir despedir-se de seu pai (cf. 1Rs 19,20). No Antigo Testamento a tradição (o pai) estava viva, mas para Jesus está morta.

Segue-me! Deixa que os mortos sepultem os seus mortos. Não se trata da falta com os deveres de piedade para o pai defunto. O “pai” aqui representa uma tradição que não mais salva. Abandonar o “pai” significa ficar independente da tradição transmitida que não tem mais valor para ser mantida. O pedido para “enterrar o pai” indica a veneração, o respeito e a estima pelo passado que não mais salva homem algum. Por isso, os mortos aqui são os que professam essas tradições mortais. São figuras de um mundo de morte, sem salvação. A tradição morta ou a cultura de morte gera morte e mortos.

O discípulo, o cristão, ao contrário, é chamado a ser defensor e protetor da vida em qualquer instância e circunstância, pois a vida é o dom de Deus, e o próprio Jesus se identifica com a Vida: “Eu sou a Vida e a Ressurreição” (Jo 11,25; cf. 14,6).

Segue-me! Deixa que os mostos sepultem seus mortos”. Jesus não quer que descuidemos dos nossos falecidos. Isto seria falta de caridade e da humanidade. O que Jesus quer é que abandonemos todos os hábitos que não nos fazem crescer como pessoas e filhos de Deus e irmãos dos outros. Precisamos deixar o modo de viver e de pensar que nos fazem como mortos: sem vida, sem horizonte, sem criatividade e assim por diante. A tradição morta gera a morte e mortos. Ao contrário, precisamos seguir Aquele que nos faz viver, Aquele que nos diz: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Precisamos crer n’Aquele que nos garante a vida: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crer em mim, ainda que esteja morto, viverá” (Jo 11,25).     

Precisamos olhar com carinho e seriedade para o nosso modo de viver para descobrirmos nele os hábitos que não nos fazem crescer ou não nos fazem viver com dignidade e avançar na caminhada da perfeição cristã. Sabemos que nosso grande problema não é implementar as coisas novas na nossa cabeça e sim tirar as coisas velhas e mortas de nossa cabeça. Ao mesmo tempo precisamos olhar para o modo de viver de Jesus para que sejamos homens acabados como foi ele. “Se queres seguir a Deus, deixa-O ir adiante. Não queiras que Ele te siga” (Santo Agostinho. In ps. 124,9).

Para estar aberto diante de Deus é preciso abandonar hábitos negativos, isto é, todos os hábitos ou costumes que não nos levam à vida plena. Nos ensinamentos de Jesus encontramos o caminho para a verdadeira vida. Vale a pena encarar todas as dificuldades, pois a vitória está reservada para quem é perseverante neste caminho (cf. Mt 10,22; Jo 16,33).

P. Vitus Gustama,svd

sexta-feira, 28 de junho de 2024

São Pedro e São Paulo-Solenidade- Domingo, 30/06/2024

SOLENIDADE DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO

Primeira Leitura: At 12,1-11

Naqueles dias, 1 o rei Herodes prendeu alguns membros da Igreja, para torturá-los. 2 Mandou matar à espada Tiago, irmão de João. 3 E, vendo que isso agradava aos judeus, mandou também prender a Pedro. Eram os dias dos Pães ázimos. 4 Depois de prender Pedro, Herodes colocou-o na prisão, guardado por quatro grupos de soldados, com quatro soldados cada um. Herodes tinha intenção de apresentá-lo ao povo, depois da festa da Páscoa. 5 Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja rezava continuamente a Deus por ele. 6 Herodes estava para apresentá-lo. Naquela mesma noite, Pedro dormia entre dois soldados, preso com duas correntes; e os guardas vigiavam a porta da prisão. 7 Eis que apareceu o anjo do Senhor e uma luz iluminou a cela. O anjo tocou o ombro de Pedro, acordou-o e disse: “Levanta-te depressa!” As correntes caíram-lhe das mãos. 8 O anjo continuou: “Coloca o cinto e calça tuas sandálias!” Pedro obedeceu e o anjo lhe disse: “Põe tua capa e vem comigo!” 9 Pedro acompanhou-o, e não sabia que era realidade o que estava acontecendo por meio do anjo, pois pensava que aquilo era uma visão. 10 Depois de passarem pela primeira e segunda guarda, chegaram ao portão de ferro que dava para a cidade. O portão abriu-se sozinho. Eles saíram, caminharam por uma rua e logo depois o anjo o deixou. 11 Então Pedro caiu em si e disse: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava!”.

Segunda Leitura: 2Tm 4,6-8.17-18

Caríssimo: 6 Quanto a mim, eu já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida. 7 Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. 8Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que esperam com amor a sua manifestação gloriosa. 17 Mas o Senhor esteve a meu lado e me deu forças, ele fez com que a mensagem fosse anunciada por mim integralmente, e ouvida por todas as nações; e eu fui libertado da boca do leão. 18 O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino celeste. A ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém.

Evangelho: Mt 16,13-19

Naquele tempo, 13 Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” 14 Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”. 15 Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” 16 Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. 17 Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18 Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. 19 Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”.

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Neste domingo, tão tradicional no calendário litúrgico, a Igreja inteira volta seus olhos para os dois apóstolos que são colunas da Igreja: São Pedro e São Paulo. São duas figuras impressionantes que dominaram os primeiros anos da vida da Igreja. A presença dos dois foi tão importante que até o dia de hoje são considerados por todas as Igrejas como as duas colunas em que se apoia a fé da Igreja. São diferentes de origem: um pescador iletrado (Pedro); o outro, fariseu entendido da lei (Paulo). Paulo de Tarso, perseguidor da Igreja e convertido no caminho de Damasco, é um homem de espirito vivaz e brilhante formação, que recebeu dos melhores mestres, entre os quais Gamaliel. Animado por uma grande paixão por Cristo, recorreu com seu dinamismo o Mediterrâneo para anunciar o Evangelho da salvação. Diferentes em sua experiência de Cristo: um seguiu a Jesus pelos caminhos de Palestina num longo processo de encontros e desencontros com Jesus (Pedro); o outro persegiu os primeiros cristãos e foi convertido por uma experiência de luz no caminho de Damasco. Mas como seres humanos eles também têm suas debilidades ou fraquezas. No entanto essas debilidades jamais deixam os dois de servirem ao Senhor e a Sua Igreja que é o Corpo místico de Cristo. Ambos tiveram seus fracassos pessoais, mas, abandonando seu passado, ambos seguiram tão fielmente a Cristo que fizeram visível no mundo o rosto amoroso do Deus encarnado. Isto os faz grandes aos olhos de Deus e aos olhos dos homens e por suposto, aos olhos de todos os que, como eles, pretendem seguir a Jesus sendo Igreja, essa Igreja que eles construíram com seu próprio sangue: Ambos recebram em Roma a palma do martírio: um pela cruz (São Pedro) e outro, pela espada (São Paulo). E por isso, nenhum de nós pode prejudicar a Igreja.

Celebrar a solenidade de São Pedro e são Paulo é reconhecer que nossa fé está fundamentada neles; os dois “nos deram as primícias da fé” (oração da Coleta). Os dois servem o mesmo Cristo embora de maneira diferente. Não há uma única maneira para servir a Cristo e a sua Igreja. Cada um dos dois tem suas qualidades.

Pedro e Paulo, duas colunas da Igreja, mestres inseparáveis de fé e de inspiração cristã pela sua autoridade; são sinônimo de todo o colégio apostólico. Jesus chama Simão Pedro, pescador de Betsaida (Lc 5,3; Jo 1,44), de Kefas-Pedra e lhe deu o encargo de guiar e confirmar os irmãos (Lc 22,31-32), apesar de seu frágil temperamento. Sua característica distintiva é a confissão da fé. É uma das primeiras testemunhas do Jesus Ressusciado e, como testemunha do Evangelho, toma consciência da necessidade de abrir a Igreja para os pagãos (At 10-11).

Há muitos outros dados sobre Pedro no Novo Testamento: sua chamada para seguir Jesus (Jo 1,35-42), sua confissão de fé em Jesus Cristo como Messias, Filho do Deus vivo, em nome dos Doze (Mc 8,29 ; Mt 16,16), a mudança de seu nome de Simão para Pedro = Rocha, tendo sido escolhido por Jesus para participar com Tiago e João na experiência da transfiguração do Senhor em Tabor (Mt 17,1), e na oração com Jesus no Getsêmani (Mt 26,37) e assim por diante. Pedro é indicado como o primeiro a quem o Jesus ressuscitado apareceu (1Cor 15,5). Pedro foi eleito pelo Senhor como pedra fundamental de sua Igreja (Mt 16,18). Cristo lhe entregou as chaves do Reino dos céus (Mt 16,19). Cristo constituiu Pedro pastor de todo seu rebanho (Jo 21,15-17).

A Igreja celebra através destes dois apóstolos seu fundamento apostólico, mediante o qual se apoia diretamente na pedra angular que é Cristo (cf. Ef 2,19ss). Pedro e Paulo são os “fundadores” de nossa fé; a partir deles se possibilita o diálogo entre instituição e carisma a fim de fazer progredir o caminho da vida cristã.

A Igreja une em uma única celebração os dois apóstolos, colunas da Igreja e arautos do Evangelho. Paulo recebeu do próprio Cristo ressuscitado a missão evangelizadora que realizou em plena comunhão com Pedro e com os outros apóstolos (Gl 1:18; 2,1-2,9).       

Ao mesmo tempo, neste dia, a Igreja católica volta seus olhos e seu coração para o novo Pedro (Sucessor de Pedro), que é o Papa de Roma, que continua o ministério apostolico de confirmar os irmaos na fé (Lc 22,31-32). O Romano Pontífice (Papa) é para nós, como diz o Concílio Vaticano II, “o princípio e fundamento perpetuo e visível da unidade, quer dos bispos, quer da multidão dos fieis” (Lumen Gentium,23; leia também LG 22). Jesus edificou sobre a Rocha de Pedro todos os bispos de Roma e por isso, vemos no Santo Padre a imagem próxima, segura e querida de Cristo Bom Pastor entre nós. A autoridade que o Senhor concedeu a Pedro está presente no bispo de Roma, Sucessor de Pedro na missão apostólica.

Hoje é o Dia do Papa. Todos os os fieis católicos são convidados a rezar, especialmente neste dia, nas intenções de Sua Santidade e as coletas neste domingo, tradicionalemente conhecida como Óbolo de São Pedro, são destinadas para os serviços pastorais da Santa Sé para socorrer as dioceses do mundo em necessidade.      

Estendamos nossa Reflexão Sobre Outros Pontos a Partir da vida destes dois santos: Pedro e Paulo. 

1. Quando Sou Fraco, Então É Que Sou Forte          

Estas palavras foram ditas pelo próprio Paulo na sua Segunda Carta aos Coríntios (2Cor 12,10). O “Quando sou fraco, então é que sou forte” reflete a vida destes dois grandes santos: Pedro e Paulo.        

Pedro foi chamado de homem de pouca fé (Mt 14,31), de Satanás (Mt 16,23). Ele falhou em vigiar e orar junto com Jesus apesar do aviso de Jesus (cf. Mt 26,37-44; Mc 14,33-41). No momento da prisão de Jesus, numa atitude impetuosa, cortou a orelha de Malco, empregado do sumo sacerdote (Jo 18,10). No pátio de Caifás, a determinação de Pedro (cf. Mt 26,33-35) entrou em colapso, não diante de um tribunal, mas diante da pergunta de uma jovem empregada. Ele negou ser discípulo de Jesus (Mt 26,58.69-75). Mas apesar de tudo, ele reconhece que somente Jesus tem palavras de vida eterna (Jo 6,69). Ele sempre encabeça a lista dos discípulos (cf. Mt 10,2; Mc 3,16; Lc 6,14). Faz parte do círculo mais íntimo dos discípulos (Mc 5,37;9,2;13,3; Lc 8,51), e é o primeiro entre os discípulos (Mt 16,23; Jo 21,19). Ele admite sua ignorância (Mt 15,15; Lc 12,41; cf. também Jo 13,6-10 sobre o lava-pés) e a própria pecaminosidade (Lc 5,8). Ele questiona sobre o perdão e é advertido sobre as consequências do não- perdão (Mt 18,21-35).          

Uma piedosa tradição conta que, durante a perseguição cruel de Nero, Pedro saía de Roma, abandonando a própria comunidade cristã em busca de um lugar mais seguro. Junto às portas da cidade, cruzou-se com Jesus que carregava a Cruz. Quando Pedro lhe perguntou: “Aonde vais, Senhor (Quo vadis, Domine)?” ouviu a resposta do Mestre: “Vou a Roma para deixar-me crucificar novamente”. Pedro entendeu a lição e voltou para a cidade onde o esperava a sua cruz. Um historiador antigo refere que Pedro pediu para ser crucificado de cabeça para baixo, por sentir-se indigno de morrer como o seu Mestre, de cabeça para o alto. Apesar das suas fraquezas, Pedro foi fiel a Cristo, até dar a vida por Ele.          

Ficamos perguntando, por que Pedro, homem que demonstra um pouco de volubilidade e que tem tantos defeitos, foi eleito por Jesus para ser rocha sobre a qual edifica sua Igreja e para apascentar as ovelhas de Jesus? (Cf. Jo 21,5-17). Até o próprio Pedro questiona Jesus sobre essa eleição (cf. Jo 21,21). Será que, ao reconhecer os próprios defeitos e fraquezas, Pedro terá condições de compreender os defeitos e fraquezas dos outros sem condená-los, mas ajudá-los a saírem destes? Pois aquele que já passou por uma experiência de miséria, normalmente, sabe repartir o que tem para quem não tem nada para viver. Nunca podemos compreender completamente os mistérios de Deus. Talvez o profeta Isaías tenha razão quando coloca estas palavras na boca de Deus: “Pois meus pensamentos não são os vossos, e o vosso modo de agir não é meu... meus pensamentos ultrapassam os vossos” (Is 55,8.9b). Por isso, junto com o salmista podemos rezar: “Ensina-me, Senhor, vosso caminho...!” (Sl 26,11), pois “os caminhos de Deus são perfeitos” (2Sm 22,31).          

Paulo também passou por uma experiência dolorosa antes de conhecer Jesus Cristo. A queda de Paulo na estrada de Damasco foi a linha divisória para sua vida entre antes e depois (At 9,1ss). Essa queda é a chave geral para entender Paulo e toda a sua luta incansável.          

Paulo sempre foi um homem profundamente religioso, judeu praticante, irrepreensível na mais estrita observância da Lei (Fl 3,6;At 22,3) cheio de zelo pelas tradições paternas(Gl 1,14). Para defender essas tradições, chegou a perseguir os cristãos e isso com o apoio do Sinédrio.          

Mas na estrada de Damasco Paulo, em vez de perseguir, ele foi perseguido por Cristo. A entrada de Jesus na vida de Paulo não foi pacífica, mas sim de uma maneira violenta.          

Deus não pediu licença a Paulo. Ele entrou e o derrubou (At 9,4;22,7;26,14). Caído no chão, Paulo se entregou. Lucas não diz que Paulo caiu do cavalo, mas “cai por terra”, porque essa é a fraseologia usada em alguns textos bíblicos para descrever a reação humana diante da manifestação divina. Paulo é interpelado duas vezes pelo seu nome hebraico, transcrito em grego: “Saoúl, Saoúl” (v.4). A repetição do nome corresponde ao esquema de diálogos de revelação aos patriarcas bíblicos: Abraão, Jacó, Moisés (Gn 22,1;46,2; Ex 3,4). A novidade na experiência de Paulo é a pergunta: “Por que você me persegue?” (v.4). Ela revela uma situação singular. Aquele que fala com Paulo, no contexto de uma luz divina, se identifica com aqueles que Paulo está perseguindo (v.5 ). A identificação de Jesus com os seus discípulos perseguidos coloca Paulo diante de uma escolha sem alternativas (cf. Mt 25,40.45). Ele precisa mudar radicalmente os seus projetos.          

Uma luz o envolveu (v.3) e era tão forte que Paulo ficou cego. Ele começou a enxergar até que Ananias interveio para dar-lhe o sentido da sua aceitação na Igreja e da certeza de caminhar na via que leva a Deus. Paulo ressuscitou no exato momento em que foi acolhido na comunidade como irmão(v.18).          

Paulo ganhou novos olhos. Ele via as mesmas coisas de sempre: a vida, as pessoas, a Bíblia, o povo, a sinagoga, o trabalho e tudo que pertencia ao seu mundo. Mas a nova experiência do amor de Deus em Jesus (Rm 8,39) mudou os olhos, e o ajudou a descobrir novos valores que antes não via. A visão de Deus é luz, mas para a carnalidade do homem é motivo de espanto e faz com que o homem perceba toda a escuridão em que se encontra. Em contato com Deus que é luz, o homem se reconhece que é trevas.                

O nascimento de Paulo, segundo 1Cor 15,8, para Cristo não foi normal. Deus o fez nascer de maneira forçada. Paulo foi arrancado de dentro de seu mundo, como se arranca uma criança do seio da mãe por meio de uma operação.          

A partir da experiência de Damasco, Paulo não consegue confiar naquilo que ele faz por Deus, mas só naquilo que Deus fez por ele. Já não coloca sua segurança na observância da Lei, mas sim no amor de Deus por ele (Gl 2,20s; Rm 3,21-26). Essa experiência chama-se Gratuidade. Essa foi a marca de experiência de Paulo na estrada de Damasco que renova por dentro todo o seu relacionamento com Deus. Essa experiência da gratuidade do amor de Deus vai dar rumo à vida de Paulo e vai sustentá-lo nas coisas que virão. Essa experiência é a nova fonte da sua espiritualidade que faz brotar nele uma “poderosa energia” (Cl 1,29), energia muito mais forte e muito mais exigente do que a sua vontade anterior de praticar a Lei e de conquistar a justificação. Essa experiência levou Paulo a desocupar o barraco da sua vida para deixar Jesus entrar nela.  Ele cresce tanto no amor de Cristo, a ponto de dizer: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Essa “desapropriação” de si mesmo, porém, não lhe tira a liberdade. Pelo contrário, ele diz: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1;2,4). A experiência da gratuidade do amor de Deus faz Paulo suportar lutas e perseguições, viagens e canseira, o peso do dia-a-dia (2Cor 11,23-27); sofrer com aqueles que sofrem (2Cor 11,29). Essa experiência mudou os olhos de Paulo e o ajudou a descobrir novos valores que antes não via.          

Pálido, doente e acabado, Paulo foi levado a um vale solitário chamado Aquae Salviae em Roma. Seu corpo foi açoitado pela última vez. Inclinou a cabeça à espera da espada que o conduziria ao martírio. O lugar onde ele foi martirizado, hoje chama-se Tre Fontane como recordação de Cabeça de Paulo que por três vezes bateu no chão antes de parar no instante dramático da morte. Realizou, assim, o único desejo de sua vida: estar com seu Senhor e Mestre Jesus Cristo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).          

O Deus do Evangelho e da misericórdia é Aquele que no instante em que me faz compreender que errei completamente com relação a Ele, porque me coloquei em seu lugar, demonstra-me a sua misericórdia ao perdoar-me e me dá confiança ao chamar-me ao seu serviço, confiando-me a sua própria Palavra.          

Este instante resume para Paulo tudo o que ele sabia de Deus de maneira errada. O escuro se torna claro, o violento se torna misericordioso.          

O evento de Damasco é algo tão rico que devemos aproximar-nos com muita humildade e reverência, convencidos de que compreendemos pouco, que sabemos pouco com relação a isto, mas que poderemos conhecer muito mais pela graça de Deus. Então, compreenderemos melhor a nós mesmos, o caminho da nossa vida e as nossas conversões.          

A experiência de Paulo nos faz perguntar: “Quando foi que me converti? Existe em minha vida um “quando” da conversão ao qual posso referir-me como momento histórico? Mesmo que não tenha havido um “quando” temporal, certamente aconteceram momentos de mudança, de transformação, de crise que nos levaram a uma nova compreensão do mistério de Deus.          

Se nunca realizamos a fundo esta mudança de mentalidade que é essencial para a vida cristã, ainda não chegamos a compreender o que é a novidade do caminho cristão. Se não compreendo bem as coisas ditas sobre Paulo, provavelmente é difícil que compreenda o que aconteceu em mim.        

2. Pedro e Paulo Nos Trazem a Mensagem da Esperança

Eis por que sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte”, contou-nos São Paulo sua experiência (2Cor 12,10). 

As duas figuras, Pedro e Paulo, nos trazem uma mensagem de esperança. Na vida podemos ter muitos defeitos e fraquezas a ponto de não conseguirmos sair deles, mas ninguém pode escapar do amor de Deus desde que acolhamos este amor com muita humildade. Pedro e Paulo são testemunhas de tudo isto. Como se os dois quisessem nos dizer: “Não desista! Tudo tem seu tempo e sua solução, pois Deus te ama”.           

Deus conta com o tempo para formar cada um de nós, como conta também com a nossa boa vontade. Se tivermos a boa vontade de Pedro e de Paulo, se formos dóceis à graça de Deus, iremos convertendo-nos em instrumentos idôneos para servir o Mestre e para levar a cabo a missão que nos confiou. Até os acontecimentos que parecem mais adversos, os nossos próprios erros e vacilações, se recomeçarmos uma vez e outra, se abrirmos o coração ao Senhor e às pessoas capacitadas na direção espiritual, haverão de ajudar-nos a estar mais perto do Senhor que não se cansa de suavizar os nossos modos rudes e toscos. É provável que, em momentos difíceis de nossa vida, cheguemos a ouvir como Pedro: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31). E veremos Jesus ao nosso lado, estendendo-nos a mão para nos ajudar.        

Todos nós recebemos, de diversas maneiras, uma chamada concreta para servir o Senhor. E ao longo da vida chegam-nos novos convites para segui-lo, e temos de ser generosos com Ele em cada novo encontro. Temos de saber perguntar a Jesus na intimidade da oração, como São Paulo: “Que devo fazer, Senhor? Que queres que eu deixe por Ti? Em que desejas que eu melhore? Neste momento da minha vida, que posso fazer por Ti? 

3. Alguma Mensagem do Evangelho 

4.1. A Identidade De Jesus Segundo O Povo: Simplesmente Um Profeta          

Quem sou Eu?”, pergunta Jesus. É uma pergunta surpreendente que não é nada natural. Ao personagem mais insólito não se pergunta quem ele é; são perguntados-lhe os motivos e as razões do seu comportamento. Os profetas, por ex., devem responder à pergunta que lhe é feita sobre porque eles vivem e falam de determinada maneira. Por isso, eles narram a sua vocação e explicam porque tomaram esse estilo de vida (Is 8,11; Jr 15,17). Para Jesus, ao contrário, a pergunta decisiva é a de saber quem ele é.  A profissão de Cesareia, por isso, não é uma proclamação qualquer, mas é uma profissão de fé (profissão de fé petrina). Para que essa profissão seja realmente profissão de fé, Jesus procede em dois tempos, fazendo sucessivamente a pergunta: quem é Jesus na opinião dos homens (povo) e na opinião dos próprios discípulos de Jesus. Há, portanto, duas maneiras de compreender Jesus, uma que fica do lado de fora e a outra que atinge a realidade profunda.         

Quem dizem os homens ser o Filho do Homem (Filho do Homem = Eu. cf. Ez 2,1)?”. Os discípulos comunicam várias avaliações. Os discípulos partem sua resposta a partir de o “ouvir falar”. Para o povo (os homens), Jesus não tem personalidade própria. O povo simplesmente assimila Jesus a personagens conhecidos do AT como Elias que era muito venerado pelo povo e foi arrebatado até Deus de maneira milagrosa (2Rs 2,11) e cujo retorno estava esperado como precursor do Messias (Ml 3,23-24; Eclo 48,10); como João Batista (Herodes Antipas considerou Jesus como João Batista ressuscitado dentre os mortos. cf. Mt 14,2); e como Jeremias que era associado a uma renovação do culto no Templo; ou então, como um dos profetas. Todas as quatro respostas localizam Jesus na tradição profética. Jesus, então, é visto em continuidade com o passado. O povo não consegue descobrir a novidade trazida por Jesus. Por isso também o povo não é capaz de saber a originalidade de Jesus. A resposta do povo fica na superfície e na margem da realidade verdadeira e profunda.          

Será que sabemos ou conhecemos Jesus a partir de “ouvimos falar” ou porque o conhecemos? Ficamos, assim, na superfície da realidade. 

3.2. A Identidade De Jesus Na Profissão Petrina: Cristo, Filho De Deus Vivo          

Jesus continua a perguntar para os mais íntimos, os seus discípulos: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” (v.15). Esta pergunta tem um sentido entre dois seres que se amam e que descobrem o que são no olhar e no coração do outro. Tem um sentido para aquele que assume uma responsabilidade para com os outros e que tem necessidade de que ela seja reconhecida. Nesta pergunta coincidem completamente o ser e a função. Ser o Messias significa existir exclusivamente para todos os homens e ser Jesus significa ser aquele que salva (Mt 1,21) todos os homens. Por isso, é preciso que a resposta seja real, que exprima uma experiência autêntica. Uma resposta puramente escolar ou a repetição duma fórmula cuidadosamente registrada, criaria um equívoco total. Por isso, a pergunta de Jesus nada contém que possa encaminhar, mas obriga o homem a colocar-se de todo perante esse personagem misterioso, a encontrar a resposta exclusivamente na contemplação da sua pessoa e a empenhar todo o seu ser na resposta.          

Em nome dos discípulos, Pedro responde: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo” (v.16). Esta é a primeira vez que um discípulo usa o termo “Cristo”, embora os leitores de Mt saibam isto desde o início do Evangelho (cf. Mt 1,1.16.17.18; veja também 2,4;11,2) e os discípulos tinham feito uma confissão comparável em Mt 14,33. A resposta de Pedro atinge a verdadeira personalidade de Jesus, a sua relação com Deus, diferente de tudo quanto conheceram os profetas e o povo, e a sua missão no mundo, a qual interessa diretamente a todos os filhos de Israel e, através deles, à humanidade inteira. A resposta de Pedro à pergunta de Jesus é a mais comprometida. É uma profissão de fé messiânica que adquire dimensão teológica. Estes dois títulos “Messias (a profissão de fé pré-pascal) e “Filho de Deus vivo” (a profissão de fé pós-pascal) resumem a fé da Igreja de Mateus.          

O “Messias” ou “Cristo” (“Mashiah”, hebraico = “Ungido”) é uma expressão mais importante das esperanças de salvação no AT e no judaísmo subsequente. No contexto da teologia bíblica, a questão do Messias tem especial relevância, porque este título, em sua tradução grega “christos”, além de ser título (Jesus, o Cristo), tornou-se praticamente o nome de Jesus (Jesus Cristo). No NT este termo “Christos” é atribuído 530 vezes a Jesus de Nazaré.          

Quando Pedro reconhece em Jesus o Messias, não renuncia à sua esperança de judeu, mas dá a essa esperança o rosto que tem diante de si. É aquele que o seu povo espera, aquele que vai mudar o destino das nações, que Pedro descobre sob os traços de Jesus.           

Mt sublinha que Jesus é o Messias enviado ao povo de Israel. As genealogias o vinculam com Davi e Abraão (Mt 1,1). Mt afirma que Jesus é o Filho de Davi (Mt 1,1.17.20) e, portanto, o Messias de Israel (Mt 2,6). Segundo Mt, Jesus tem relação especial com Israel por ser o cumprimento de suas tradições: suas vitórias finais sobre os adversários, sobre a morte pela ressurreição etc. são a concretização das esperanças apocalípticas judaicas. Mt, então, apresenta Jesus à luz do AT como seu cumprimento.   

Se Jesus é o Messias, então, é preciso procurá-lo e é mister segui-lo. Mas, certamente, acontece o contrário. Mt sublinha também o fato de Israel desprezar o Messias que lhe foi enviado, principalmente foi desprezado pelas autoridades (Mt 2,1-12;9,33s;12,23s;21,45s;26,4s etc...).          

Pedro também professa que Jesus é o “Filho de Deus vivo”. O título “Filho de Deus” era usado comumente para honrar e exaltar imperadores, especialmente Augusto. Os imperadores eram considerados e reconhecidos como agentes da vontade e poder dos deuses expressos pelo governo romano. Por isso, designar Jesus como “Filho de Deus” é contestar e desafiar essas reivindicações de soberania e representação.          

Filho de Deus” é o título mais importante de Jesus, mas, sobretudo, é o mistério íntimo de sua pessoa. Este segundo título, nesta profissão petrina, indica que Jesus tem relação especial com Deus, como seu Filho. “Filho de Deus” é título tradicional para líderes judaicos com aprovação divina. Esta expressão “Filho de Deus” concorda com a perspectiva de Deus sobre Jesus (cf. Mt 2,15;3,17) com as próprias declarações de Jesus (cf. Mt 11,25-27) e repete a confissão dos discípulos em Mt 14,33: “Tu és verdadeiramente o Filho de Deus”. A autoridade e o poder de Jesus vêm de Deus que o legitima em seu batismo (Mt 3,17) e na sua transfiguração (Mt 17,5) e no reconhecimento da parte dos próprios discípulos como tal quando Jesus anda sobre as águas (Mt 14,33). Jesus é, certamente, tentado três vezes na sua qualidade de Filho de Deus (Mt 27,39-43). Estas três tentações no final afirmam uma clara relação com três tentações do início do relato (Mt 4,1-11). No deserto Jesus, recém-proclamado Filho de Deus no batismo, é tentado por Satanás para que use desta filiação numa demonstração de poder em benefício próprio. Mas Jesus não é o Filho de Deus pela demonstração de seu poder, mas na aceitação da condição humana e na plena fidelidade à vontade de Deus, seu Pai, na aceitação da cruz como consequência de sua fidelidade ao projeto do Pai onde se manifesta a sua filiação divina.         

Neste segundo título, Mt acrescenta também o adjetivo “vivo”: “Filho de Deus vivo”. Jesus como o “Filho de Deus vivo” equivale à fórmula “Deus Conosco/Emanuel” (Mt 1,23; 18,20; 28,20). Se Deus sempre está conosco porque Ele é vivo. “Vivo” (cf. 2Rs 19,4.16; Is 37,4.17;Os 2,1;Dn 6,21) opõe o Deus verdadeiro aos ídolos mortos; significa o que possui a vida e a comunica para quem acredita nele. O Deus de Jesus é vivo e vivificante. Jesus é o Filho de Deus vivo, portanto também é doador de vida e vencedor da morte. O Deus de Jesus Cristo é o Deus da vida (Dt 5,26; Js 3,10;1Sm 17,26.36; 2Rs 19,4.16;Sl 42,2;84,2;Os 1,10;Dn 6,20). Isto quer dizer que ele é criativo, ativo, fiel e justo. Ser o Deus vivo e vivificante, possuir a vida e comunicá-la é a característica do Deus verdadeiro. Os “deuses”, os ídolos não têm vida própria e por isso, não podem comunicá-la. Ao contrário, eles exigem sacrifícios humanos e escravizam e devoram todos os que se tornam seus adoradores. E como Filho, Jesus expressa esta vida em suas palavras e ações (curas, alimentar o povo faminto, exorcismos etc. cf. Mt 11,2-6) e criando uma comunidade que participa no império de Deus. 

Quem aceitar Jesus e estiver pronto para segui-Lo deve proteger a vida em todas as suas instâncias.  Ninguém pode decidir se alguém pode viver ou pode ser eliminado. Cada ser humano é o próprio templo de Deus (cf. 1Cor 3,16-17; 6,19). A vida humana é o sopro ou o hálito de Deus (cf. Gn 2,7).         

Pedimos hoje a São Pedro e ao Apóstolo dos pagãos, Paulo, um coração como o deles, para sabermos passar por cima das pequenas humilhações ou dos aparentes fracassos que acompanham necessariamente a ação apostólica, ou a nossa vida em geral. E dizemos a Jesus que estamos dispostos a conviver com todos, a oferecer a todos a possibilidade de conhecê-lo e amá-lo, sem nos importarmos com os sacrifícios nem pretendermos êxitos imediatos. Assim seja!

P. Vitus Gustama,svd

quarta-feira, 26 de junho de 2024

29/06/2024-Sábado Da XII Semana Comum

UM “PAGÃO” QUE ENSINA O CRENTE A CRER NA EFICÁCIA DA PALAVRA DE DEUS

Sábado da XII Semana Comum

Primeira Leitura: Lamentações 2,2.10-14.18-19

2 O Senhor destruiu sem piedade todos os campos de Jacó; em sua ira deitou abaixo as fortificações da cidade de Judá; lançou por terra, aviltou a realeza e seus príncipes. 10 Sentados no chão, em silêncio, os anciãos da cidade de Sião espalharam cinza na cabeça, vestiram-se de saco; as jovens de Jerusalém inclinaram a cabeça para o chão. 11 Meus olhos estão machucados de lágrimas, fervem minhas entranhas; derrama-se por terra o meu fel diante da arruinada cidade de meu povo, vendo desfalecerem tantas crianças pelas ruas da cidade. 12 Elas pedem às mães: “O trigo e o vinho, onde estão?” E vão caindo como derrubadas pela morte nas ruas da cidade, até expirarem no colo das mães. 13 Com quem te posso comparar, ou a quem te posso assemelhar, ó cidade de Jerusalém? A quem te igualarei, para te consolar, ó cidade de Sião? Grande como o mar é tua aflição; quem poderá curar-te? 14 Teus profetas te fizeram ver imagens falsas e insensatas, não puseram a descoberto a tua malícia, para tentar mudar a tua sorte; ao contrário, deram-te oráculos mentirosos e atraentes. 18 Grite o teu coração ao Senhor, em favor dos muros da cidade de Sião; deixa correr uma torrente de lágrimas, de dia e de noite. Não te concedas repouso, não cessem de chorar as pupilas de teus olhos. 19 Levanta-te, chora na calada da noite, no início das vigílias, derrama o teu coração, como água, diante do Senhor; ergue as mãos para ele, pela vida de teus pequeninos, que desfalecem de fome em todas as encruzilhadas.

Evangelho: Mt 8,5-17

Naquele tempo, 5 quando Jesus entrou em Cafarnaum, um oficial romano aproximou-se dele, suplicando: 6 “Senhor, o meu empregado está de cama, lá em casa, sofrendo terrivelmente com uma paralisia”. 7 Jesus respondeu: “Vou curá-lo”. 8 O oficial disse: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado. 9 Pois eu também sou subordinado e tenho soldados sob minhas ordens. E digo a um: ‘Vai!’, e ele vai; e a outro: ‘Vem!’, e ele vem; e digo a meu escravo: ‘Faze isto!’, e ele faz”. 10 Quando ouviu isso, Jesus ficou admirado, e disse aos que o seguiam: “Em verdade, vos digo: nunca encontrei em Israel alguém que tivesse tanta fé. 11 Eu vos digo: muitos virão do Oriente e do Ocidente, se sentarão à mesa no Reino dos Céus, junto com Abraão, Isaac e Jacó, 12 enquanto os herdeiros do Reino serão jogados para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes”. 13 Então, Jesus disse ao oficial: “Vai! E seja feito como tu creste”. E, naquela mesma hora, o empregado ficou curado. 14 Entrando Jesus na casa de Pedro, viu a sogra dele deitada e com febre. 15 Tocou-lhe a mão, e a febre a deixou. Ela se levantou, e pôs-se a servi-lo. 16 Quando caiu a tarde, levaram a Jesus muitas pessoas possuídas pelo demônio. Ele expulsou os espíritos, com sua palavra, e curou todos os doentes, 17 para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta Isaías: “Ele tomou as nossas dores e carregou as nossas enfermidades”.

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Em Deus Encontramos a Proteção e a Salvação

Lemos em 2Rs 24,8-17 (Primeira Leitura da Quinta-Feira passada) a conquista de Jerusalém pelo rei babilônico, o Templo de Jerusalém destruído e os elites deportados para Babilônia. Em épocas anteriores, Deus interviera para livrar o Povo eleito do ataque dos sírios (Is 7,1-9) e mais recente, das tropas de Senaquerib (2Rs 19).

Desta vez (que lemos também na Primeira leitura), na leitura dos deuteronomistas, Deus se colocou contra o povo que foi infiel a Ele. Segundo a tradição deuteronomista o estado atual do povo responde a uma lógica: o mau comportamento termina com o mau resultado. Logo, o sofrimento é merecido. Segundo este paradigma, os inimigos não são culpáveis e sim são instrumentos de Deus e fizeram o que a lógica ordenava. Neste sentido, Deus é inteiramente justo com seu povo. Podemos dizer que, a partir da lógica deuteronomista, o âmbito da dor não faz parte da realidade, ou melhor dizer, não fica totalmente integrada, tão somente é uma nota adicional ao drama que se vive ou à infidelidade que se pratica contra Deus.

Os profetas, entre eles o profeta Jeremias (Jr 25,9;26,9;28,14), tinham anunciado o desastre causado pelo pecado e pela persistência do povo no pecado (Jr 22,3). A destruição de Jerusalém, que é a sede das promessas de Deus, de sua presença e de sua justiça, significa, para o povo eleito, uma ruptura de toda a fé acumulada durante séculos. 

Dentro deste contexto, podemos entender o conteúdo do Salmo Responsorial de hoje (Sl 73/74): “Senhor, por que razão nos rejeitastes para sempre e vos irais contra as ovelhas do rebanho que guiais? Recordai-vos deste povo que outrora adquiristes, desta tribo que remistes para ser a vossa herança, e do monte de Sião que escolhestes por morada! Dirigi-vos até lá para ver quanta ruína: no santuário o inimigo destruiu todas as coisas; puseram fogo mesmo em vosso santuário! Rebaixaram, profanaram o lugar onde habitais! Recordai vossa Aliança!”. 

A Primeira Leitura de hoje é tirada do Livro das Lamentações. É muito conveniente que ao terminar a seção histórica do Livro dos Reis, a Igreja nos proponha uma página de um “homen inspirado” que escreveu as Lamentações. Quem escreveu as Lamentações é um grande poeta cujo coração é bastante sensível e é um homem de Deus. Ele se solidariza com a desgraça do povo, inclusive quenado este povo é culpável. 

O Livro das Lamentações é breve: somente tem cinco capítulos. Trata-se de uma coleção de cinco poemas anônimos em torno ao tema comum da queda de Jerusalém.

O texto que lemos na Primeira Leitura de hoje é um canto patético de dor: a cidade destruída, os anciãos silenciosos, as lágrimas nos olhos de todos, as crianças mortas e as crianças desfalecidas de fome, o povo destinado ao desterro e assim por diante. Mas o autor do Livro convida o povo a dirigir-se a Deus com sua oração e suas mãos erguidas para o céu, que se resume no Salmo Responsorial de hoje: “Recordai-vos deste povo que outrora adquiristes, desta tribo que remistes para ser a vossa herança, e do monte de Sião que escolhestes por morada! Recordai vossa Aliança!”. 

Como os judeus, temos que erguer nossas mãos até Deus e lamentar-nos de situações dramáticas de nossa época. Hoje em dia, há muita abundância em certos países, mas ao mesmo tempo há muitíssimas crianças que gritaram pedindo pão e moradia, especialmente as crianças refugiadas vítimas de guerras civis e suas mães não sabem o que fazer. Sem a ajuda de Deus e o socorro da humanidade, todas as crianças serão condenadas a partir deste mundo antes do tempo. Quando refletirmos e interpretarmos nossa história pessoal de dor ou as desgraças da comunidade cristã (muitos cristãos foram assassinados pelos fanáticos de outras crenças) ou da sociedade humana a partir da fé, todos nos tornaremos mais humildes e recorreremos a Deus como maior confiança, pois somente Deus tem as chaves da história e continua querendo nossa salvação. Muitos dos Salmos que lemos ou rezamos nos servem para expressar também nossos sentimentos e nos ajudam a lermos a história com sentido religioso e por isso, nunca perderemos nossa esperança em Deus que nos ama. O milagre dos milagres é o olhar amoroso de Deus para mim, para você, para nós todos e para a humanidade em geral. Confiamos neste olhar amoroso de Deus e estar dentro deste olhar amoroso. 

Um “Pagão” Que Tem Fé Em Deus

Ontem lemos o relato da cura do leproso, quando Jesus desceu do Monte do Sermão. Hoje escutamos mais dois milagres: em favor do empregado de um centurião  e da sogra de Pedro. Ontem Jesus curava um leproso, um recusado pela sociedade. Hoje atende a um estrangeiro que está destaque no texto do evangelho de hoje. Jesus tem uma admirável liberdade diante das normas convencionais de seu tempo. Jesus transmite a salvação de Deus como e quando quer.

Segundo Mateus, o primeiro milagre operado por Jesus, que é a cura do leproso, foi para um membro do povo de Deus. O segundo milagre foi em favor de um pagão. Tudo é um programa. O movimento missionário da Igreja já está presente nesse segundo milagre. A salvação de Deus não está reservada para uns poucos. Deus ama a todos os homens; seu amor rompe as barreiras que levantamos entre nós. Jesus fez seu segundo milagre em favor de um oficial romano, em favor de um pagão. E os romanos eram mal vistos pelo Povo eleito.  

O centurião romano se aproxima de Jesus com respeito ao chamá-lo de “Senhor”: “Senhor, meu empregado está de cama, paralitico”, disse o centurião a Jesus. O centurião reconhece o poder de Jesus para curar. Por isso, a resposta de Jesus é esta: “Vou curá-lo”. É digno de notar que todos os gestos do centurião revela uma profunda atitude de fé (Mt 8,6.8-9). O centurião é um patrão cheio de amor pelo empregado. Um patrão (centurião) faz o papel de ponte para suplicar a outro patrão em nome do empregado. É muito nobre a atitude desse centurião. 

O militar é “pagão”, romano, ou seja, da potência ocupante. Mas a graça não depende do homem se é um judeu ou romano, e sim de sua atitude de fé. E o centurião dá mostras de uma grande fé e humildade. A fé abre as portas que conduzem à proximidade de Deus e de seu Filho, Jesus Cristo. O milagre possibilita também a descobrir Deus dentro da própria humanidade. Jesus com seus milagres cura a humanidade de dentro, tira as barreiras que põem a exclusão e a marginalização e aproxima o ser humano para Deus. O milagre dos milagres é o olhar amoroso de Deus para a humanidade que busca a libertação. 

O oficial romano não pertence a uma Igreja ou a uma religião, ou ao Povo eleito, porém se comporta como um verdadeiro homem de Deus. Ele se comporta muito humano com os outros, especialmente com aquele que no olhar da sociedade não tem importância para se tratar daquela maneira. Por isso, esse oficial romano é um verdadeiro e autêntico homem de Deus. O homem de Deus trata o outro de maneira humana, pois o outro é o filho de Deus, templo do Espírito Santo (cf. 1Cor 3,16-17). Por essa razão, podemos encontrar os cristãos em qualquer religião, crença ou grupo, pois “Vós os reconhecereis pelos seus frutos” (Mt 7,16.20). Com efeito, o paganismo não depende da pertença ou não a uma religião. O paganismo depende do modo de viver e de se comportar com os demais homens. Por isso, um cristão pode ser um pagão por causa do seu modo de viver não cristão. E aquele que se diz pagão pode ser um verdadeiro cristão se ele comportar-se como o oficial romano que se preocupa com o bem do outro e acredita no poder de Deus. Em outras palavras, existem os cristãos pagãos como existem também os pagãos cristãos a partir do modo de viver e de conviver.           

Ao atender esse oficial “pagão” Jesus quer nos mostrar que ele não aceita nossas divisões, nem nossos racismos nem nossas discriminações. O coração de cada seguidor de Jesus deve ser universal e missionário, como o próprio coração de seu Mestre, Jesus Cristo. E cada cristão deve reconhecer e aceitar com facilidade qualquer pessoa do bem, independentemente de sua crença.         

Senhor, meu empregado está de cama, paralitico”. Jesus é o Senhor cuja palavra tem a autoridade de Deus.A oração desse homem serve de exemplo para nós. Ele expõe simplesmente a situação; descreve a doença. E o mais notável é que ele pede em favor do outro, de seu empregado. É uma oração de intercessão. Será que eu rezo somente por mim mesmo e somente pela minha família? Será que tem lugar na minha vida uma oração de intercessão? Será que eu rezo pelos outros, especialmente pelos necessitados e por aqueles dos quais não gosta de mim ou por aqueles das quais eu não gosto? (cf. Mt 5,43-47). 

O Senhor sente em todo caso o grito de sofrimento, apesar de o doente não estar presente. O Senhor não é insensível. Sua reação é imediata: "Vou curá-lo". 

Mas é impressionante a profunda humildade desse oficial ao dizer a Jesus: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado”. Este pagão é muito consciente de que a lei judaica o recusa por ser pagão. Ele não quer pôr Jesus em uma situação de “impureza legal” entrar na casa de um “pagão”. Por isso, ele quer evitar que Jesus entre em sua casa. “Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado“, diz o oficial a Jesus. Este homem valoriza a Palavra de Jesus, porque a Palavra de Deus está cheia de autoridade e de poder. O que interessa ao evangelista Mateus é algo muito distinto: a força da Palavra de Jesus que atua ou opera em quem crê. O oficial romano estava muito seguro do poder de Jesus, e por isso, ele disse: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado”. Ele olha para Jesus como quem tem autoridade em Sua palavra, pois entende que a enfermidade e o mal têm que obedecer a Ele assim como os soldados obedecem ao seu general: “Pois eu também sou subordinado e tenho soldados sob minhas ordens. E digo a um: ‘Vai!’, e ele vai; e a outro: ‘Vem!’, e ele vem; e digo a meu escravo: ‘Faze isto!’, e ele faz”. Para ele, Jesus Cristo é um grande “general” de todas as forças do universo. É uma maravilhosa comparação. O mais maravilhoso ainda é o tamanho da fé desse oficial romano.

Pela fé na Sua Palavra Jesus elogia esse homem: “Em verdade, vos digo: em ninguém em Israel encontrei tanta fé”. Aqui Jesus fala com autoridade divina. Jesus constata que somente um pagão acredita sem hesitação no poder da Palavra do Senhor. É a fé de quem se considera “pagão”. Mas se comporta como um verdadeiro cristão. Somente a fé ativa em Jesus e em sua força e Palavra salvadora é capaz de devolver a vida de quem se encontra à beira da morte.           

Jesus põe em contraste a incredulidade dos seus contemporâneos judeus com a fé do pagão: “Em verdade, vos digo: em ninguém de Israel encontrei tanta fé”. O tamanho da fé do “pagão” não se encontra no meio do Povo eleito. A fé que se encontra no “pagão” não se encontra naqueles que se dizem fieis ou crentes.  O “pagão” ensina o crente a acreditar na Palavra de Deus, pois ela é eficaz. É uma grande ironia! A fé que Jesus exige é um impulso de confiança e de abandono pelo qual o homem renuncia a apoiar-se em seus pensamentos e em suas forças para abandonar-se à Palavra e ao poder de Aquele em quem acredita. 

Antes de receber o Corpo do Senhor na comunhão, repetimos a frase desse oficial romano: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha morada. Dize uma só palavra, serei salvo”. A Eucaristia quer curar nossas debilidades. O próprio Senhor Jesus se faz nosso alimento e nos comunica sua vida: “O Pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo. Quem come minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna” (Jo 6,51.54). A vida de Cristo que recebemos na comunhão deve transformar nossa vida em vida para os demais homens. O oficial romano nos ensina a nos preocuparmos com o bem do outro e a crermos no poder eficaz da Palavra de Deus.

P.Vitus Gustama, SVD

23/11/2024-Sábado Da XXXIII Semana Comum

CREMOS NO DEUS DA VIDA E POR ISSO CREMOS NA RESSURREIÇÃO QUE NOS FAZ RESPEITARMOS A DIGNIDADE DA VIDA DOS OUTROS Sábado da XXXIII Semana C...