sábado, 31 de agosto de 2024

05/09/2024-Quintaf Da XXII Semana Comum

TRABALHAR E COLABORAR COM O SENHOR RESULTA NOS FRUTOS ABUNDANTES

Quinta-Feira da XXII Semana Comum

Primeira Leitura: 1Cor 3,18-23

Irmãos, 18 ninguém se iluda: Se algum de vós pensa que é sábio nas coisas deste mundo, reconheça sua insensatez, para se tornar sábio de verdade; 19 pois a sabedoria deste mundo é insensatez diante de Deus. Com efeito, está escrito: “Ele apanha os sábios em sua própria astúcia”, 20 e ainda: “O Senhor conhece os pensamentos dos sábios; sabe que são vãos”. 21 Portanto, que ninguém ponha a sua glória em homem algum. Com efeito, tudo vos pertence: 22 Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro, tudo é vosso, 23 mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus.

Evangelho: Lc 5,1-11

Naquele tempo, 1 Jesus estava na margem do lago de Ge­nesaré, e a multidão apertava-se a seu redor para ouvir a palavra de Deus. 2 Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes. 3 Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões. 4 Quando acabou de falar, disse a Simão: “Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”. 5 Simão respondeu: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”. 6 Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. 7 Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem. 8 Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!” 9 É que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer. 10 Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão, também ficaram espantados. Jesus, porém, disse a Simão: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens”. 11 Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus.

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Viver Conforme o Espírito De Deus Para Viver Na Sabedoria De Deus e Para Viver Com Sentido

Na Primeira Leitura do dia anterior, são Paulo acusava os Coríntios de imaturos e infantis pelas divisões que se suscitavam entre eles. Hoje ele volta ao tema da perspectiva da “sabedoria”. Se são “sábios do mundo”, então está explicada a razão das divisões entre os Coríntios.

 Se algum de vós pensa que é sábio nas coisas deste mundo, reconheça sua insensatez, para se tornar sábio de verdade; pois a sabedoria deste mundo é insensatez diante de Deus”.

A força e a vontade de defender as próprias idéias, a pessoa termina contemplando a si mesma, ouvindo a si mesma e não prestando atenção aos pontos de vista dos outros. Essa pessoa se encerra em sua própria dialética. Há que estar muito “louco” e “insensato” para absolutizar um sistema humano, seja qual for, segundo são Paulo. Tudo que é humano é ambíguo, frágil e provisional/passageiro. Um dia tudo terá o fim. Apoiar-se somente sobre análises humanas, sobre critérios “deste mundo”, é insuficiente para um cristão.

É próprio dos sistemas filosóficos ou políticos pretender encerrar toda a realidade no observável. Do âmbito da fé, o mundo não está encerrado em si mesmo. Alguém tem que se vestir do Espirito de Deus para ver além do aparente para descobri seu sentido. A história não pode reduzir-se pura e simplesmente a mecanismos quase materiais. Quem podia prever a Encarnação de Deus, a Crucificação de Jesus? Mas tudo isso sucedeu. Era uma loucura imaginar coisas semelhantes. Foi a obra da sabedoria imprevisível de Deus! Somente Deus é verdadeiramente Sábio. E seu projeto se cumprirá apesar de todas as aparências contrárias, pois a Palavra de Deus é a última palavra para a humanidade. 

Por isso, nada é absoluto a não ser Cristo e Deus. Os demais, incluído os ministros da comunidade, são relativos. Morreu Apolo e morreu são Paulo, e morrerá o Papa atual e o seguinte. Mas Cristo é sempre o mesmo: ontem, hoje e sempre (Hb 13,8). E que através desta Igreja frágil e caduca levamos Deus a todos. Esta é a chave da sabedoria espiritual, a sabedoria do grupo que busca o Senhor do qual fala o Salmo Responsorial de hoje.

Para são Paulo é preciso julgar as coisas e as pessoas a partir da mentalidade espiritual e madura. São Paulo expressa este olhar com uma profunda e lúcida gradação: “Com efeito, ... tudo é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus”.

Somos de Cristo. Pertencemos a Cristo. O humanismo cristão rejeita tudo o que degrada o homem, tudo o que desfigura a imagem de Deus no homem, tudo o que tenta apagar a imagem de Deus. Mas que o próprio homem respeite a si mesmo como templo de Deus (cf. 1Cor 3,16-17); que o próprio homem não destrua a imagem de Deus que é ele próprio; que o homem não sacrifique a si próprio em função da “sabedoria humana”; que o homem não procure somente “os sábios” do mundo nem viva segundo os critérios do mundo, pois isso desfiguraria e diminuiria a imagem de Deus que é ele mesmo. Se somos de Cristo e Cristo é de Deus, temos que fazer e viver aquilo que Cristo nos ensinou. Se não vivermos aquilo que Cristo ensinou, apagaremos a imagem de Cristo em nós e negaremos que somos de Cristo.

Em nossa vida de comunidade se estabelecem, às vezes, uma série de divisões, mais ou menos sutis, baseadas no que Paulo chama claramente “necessidades”. Damos importância ao que não tem nenhuma importância. Os ministros da comunidade: o Papa, o bispo, os pastores mais próximos, não são os protagonistas nem os donos. Sua eloquência ou seus carismas pessoais não são o fator determinante. Estão ao serviço da comunidade (“são vossos”). São colaboradores de Deus. E todos nós somos chamados, a partir de seu carisma, a colaborar na edificação da Igreja do Senhor.

Trabalhar Com o Senhor Sempre Rende Frutos Abundantes

A narrativa da pesca milagrosa no evangelho de hoje é um relato tipo de vocação em que 1). Quem chama (Deus) mostra seu poder; 2). Quem é chamado (Simão) experimenta sua incapacidade; e 3) Quem chama (Deus) capacita o chamado e o envia (Simão). Estes elementos se encontram em Is 6 sobre a vocação de Isaías.

Jesus tem atuado até agora somente em seu povo e em Cafarnaum. Agora Jesus parte para outro campo de ação: eleger/escolher ajudantes para compartilhar sua tarefa. Jesus vai eleger vários, mas a cena no evangelho de hoje se centra em Simão (Pedro), e a promessa de ser pescador de homens vai ser dirigida somente a Simão (em Marcos aos dois irmãos: Simão e André). Na pesca milagrosa Jesus tem a iniciativa e ordena a Simão e companheiros de sua barca a avançarem para as águas mais profundas e jogarem as redes para pescar. Simão expõe ao Mestre sua experiência de fracasso da noite anterior, porém está disposto a lançar de novo as redes por tua palavra em que Simão confia. E apanharam peixes abundantemente.

A vocação começa com a confissão de Simão, que diante da manifestação do poder de Jesus, experimenta sua pobreza humana perante uma pessoa tão grande, cuja palavra tem uma força extraordinária. Antes Simão chama Jesus de “Mestre”, agora ele O chama de “Senhor”, título divino, e ao seu lado ele se reconhece pobre pecador, não por ser pecador e sim por ser membro de uma humanidade pobre e pecador, indigna de compartilhar com o mundo divino. Experiência do poder do Senhor e de sua palavra e experiência da própria pobreza são o contexto adequado para a vocação. Jesus começa dizendo “Não temas”, mandato que um personagem celestial faz soar nas aparições divinas, permitindo-lhe e capacitando-lhe para compartilhar com ele: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens (anthopous ese zogron). A tarefa de Simão será recolher homens vivos na rede do Reino para dar-lhes a plenitude da vida. As palavras são dirigidas explicitamente a Simão, mas se entendem para todo o grupo. Então levaram as barcas para a terra, e deixando tudo, seguiram a Jesus.

Lucas seguindo a tradição primitiva, concede um lugar especial para Simão. Por isso, com toda segurança não é casual ou não é por acaso que Jesus suba exatamente para a barca de Simão (Lc 5,3) e é encarregado a afastar a barca da margem (Lc 5,4).

Podemos fazer outra leitura sobre o texto do Evangelho de hoje. É narrada no evangelho de hoje a história da pesca milagrosa, ressaltando o papel de Jesus e o dos pescadores. Pedro que é especialista na pescaria se torna um pescador frustrado pelo insucesso da noite inteira, pois nada pescou. Por isso, quando Jesus lhe disse: “Avança para águas mais profundas e lança redes para a pesca” (v.4) veio aquela resposta de desconfiança da parte de Pedro: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos” (v.5). “Deus precisou de apenas uma palavra para criar-nos, mas de seu sangue para redimir-nos. Se às vezes te sentes frustrado por tuas misérias, recorda quanto custaste”, dizia Santo Agostinho (Serm. 36,8).

Espelhando-nos em Pedro frustrado, podemos também citar muitas das nossas situações frustrantes de cada dia: cansei-me muito, gastei muita energia e tempo, empenhei-me a fundo, rezei muito e não aconteceu nada. Rezei muito, mas parece que Deus não quer me escutar. É aquela sensação de derrotismo, de desânimo, de desespero. Dá vontade de desistir de tudo, de fugir, de abandonar tudo. Em outras palavras, quantas vezes experimentamos o cansaço, isto é, aquele estado de esgotamento físico ou emocional que se manifesta como um constante sentimento negativo cujos sintomas são sensação de incapacidade, raiva e aversão, sentimento de culpa, desânimo e indiferença, negativismo, isolamento e retraimento, constante sensação de cansaço e esgotamento.

Apesar dessa sensação negativa, o cansaço nos desafia a perguntarmos a nós mesmos: para onde, na verdade, caminha minha vida? Para onde meu cansaço vai me levar? O que espero da minha vida (de mim mesmo), dos outros e de Deus? Por acaso, tenho humildade de escutar os bons conselhos? Por acaso tenho tempo para escutar a Palavra de Deus mesmo que seja contrária ao bom senso? A partir dessas perguntas e outras perguntas relacionadas à questão, o cansaço nos leva a encontrarmos nosso verdadeiro ser e conseqüentemente, é também um momento transcendente de nossa vida.          

Experimentando a frustração e o cansaço físico e mental, Pedro põe em jogo a própria pessoa, a própria vida e o próprio futuro. Ele e seus companheiros haviam trabalhado durante a noite inteira sem conseguir apanhar um só peixe, e agora, em plena luz do dia, Jesus manda-lhes que lancem as redes para a pesca. Eles conhecem Jesus, mas apenas como Mestre: “Mestre nós trabalhamos...”. Apesar de todas as objeções que um profissional poderia levantar contra ela, a palavra de Jesus tem mais força para Simão do que sua longa experiência de pescador: “Avança para águas mais profundas e lança redes para a pesca”, ordenou Jesus. Pedro tenta superar a própria desconfiança: “Na tua palavra lançarei a rede”.

A palavra de Deus é poderosa, mas é preciso que seja posta em prática para que desenvolva sua força. E Pedro cumpre a palavra de Jesus imediatamente: “Na tua palavra lançarei a rede” (v.5). Notemos quanto há de profundo neste “na tua palavra” porque é a expressão que, na Bíblia, especialmente nos Salmos, designa a atitude do homem diante de Deus. “Confio na Tua Palavra, é Tua Palavra que me dá vida, Senhor; Tu me afligiste. Tu permitiste tantos sofrimentos na minha vida, mas na Tua Palavra confio”. Em outra ocasião, no discurso sobre o Pão da vida, Pedro dirá a Jesus: “Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que Tu és Santo de Deus” (Jo 6,68-69). Certamente, na força da Palavra de Deus, os apóstolos encontram a vida ali onde tudo parecia morto; messe abundante onde tudo parecia vazio; abertura onde tudo parecia fechado. Quando for colocada em prática, a Palavra de Deus sempre dá fruto.         

Na tua palavra lançarei a rede”. Aqui Pedro sai dos cálculos e se atira, confiando na Palavra do Senhor. De fato, à fé, à obediência incondicional de Simão Pedro segue-se o milagre, a manifestação do poder da Palavra criadora de Deus. O poder da Palavra de Deus manifestada em Jesus domina toda esta cena. Toda força, todo poder vem de Deus. Nesta perspectiva devemos situar-nos para compreender o que segue. Mas antes disso, vamos tirar alguma lição.   

Jesus nunca permite o aborrecimento pelo insucesso no nosso trabalho. Não cabe a cada um de nós calcular o último resultado. Cada um deve trabalhar, empenhar-se todo, confiando unicamente na Palavra do Senhor. Empenhar-se significa dar tudo, experimentar tudo, estudar, corrigir, mudar e recomeçar. A eficácia de nossa ação está na obediência à Palavra de Deus. Se agirmos em nome próprio, nossos esforços serão estéreis. A Palavra de Deus é a semente que tem em si uma força criadora, uma potência enorme. Então, por que ainda duvidamos dela? Por que não levamos a sério a Palavra de Deus? Por que não a lemos e meditamos? Com Deus podemos pescar onde parece que não há peixe, podemos plantar justiça ou amor onde outros dizem que não adianta tentar; podemos levar fraternidade onde parece que a competição é a única lei que funciona.         

Vendo a pesca milagrosa, Pedro descobre a manifestação do poder de Deus em Jesus e se lança aos pés dele, dizendo: “Afasta-te de mim, Senhor, pois sou um pecador” (v.8). Ele não chama mais Jesus de “Mestre”, mas de “Senhor”. O poder de Jesus faz sobressair a pecaminosidade de Pedro: Pedro não estava entre os maiores pecadores, mas também ele era um homem que, colocado diante do poder, da santidade de Deus, sentia que muitas coisas de sua vida não funcionavam. Com clarividência instantânea, Pedro percebe a distância entre seu pecado e a santidade de Deus, entre sua pequenez e sua fragilidade e a grandeza e poder de Deus. Pedro sente com uma clareza insuportável que não há lugar para ele, pecador, na presença do Deus santo. Esta experiência da sua indignidade diante da manifestação de Deus é o que causa em Pedro e em seus companheiros o “tremendo espanto” de que nos fala o texto. A Palavra de Deus nos ensina a não temer, mesmo que tenhamos medo, e a temer mesmo quando não temos medo. Temamos, pois, para não temer”, dizia Santo Agostinho (Serm. 65, 1,1). 

Num fragmento de Votos Irlandês encontram-se as seguintes frases: “Deus está sobre mim para dar-me abrigo. Deus está diante de mim para indicar-me o caminho certo. Deus está junto de mim para proteger-me dos perigos à esquerda e à direita. Deus está à minha retaguarda para defender-me da malícia dos maus. Deus está sob mim para reerguer-me quando caio. Deus está em mim para consolar-me quando eu estou triste”. Basta ter fé e vivê-la em todos os momentos de nossa vida, então nossas forças serão renovadas na graça de Deus.          

Da experiência percebemos que enquanto vivemos no meio dos outros homens, fracos e frágeis como nós, não nos damos conta do nosso pecado, de nossa fragilidade, de nossas fraquezas; aliás, comparando-nos com os que estão ao nosso lado, podemos até pensar que sejamos justos, honestos, sinceros, caridosos, misericordiosos e irrepreensíveis. Mas ao entrarmos em contato com Deus, as coisas mudam: constatamos de forma dramática a nossa pobreza, a nossa indignidade, a nossa miséria. Só quem fica perto de uma luz percebe a sujeira da própria roupa. Esta experiência é vivida por todos aqueles que entram em contato com a Palavra de Deus, aquela palavra que é “viva e eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes” (Hb 4,12). É a experiência vivida por Paulo, quando toma consciência da própria indignidade de pregador do Evangelho: “Nós carregamos este tesouro em vasos de barro” (2Cor 4,7).    

A palavra de Deus se manifesta em Jesus Cristo como uma palavra que pacifica, que infunde ânimo, que dá segurança; como uma palavra que escolhe, que chama, que fortalece e que transforma a existência daquele que é chamado. A palavra de Jesus vai superar a distância: “Não temas!” São mesmas palavras que ecoam nas manifestações de Deus no AT (cf. Gn 15,1;21,17;26,24;28,13;Jz 6,23;1Sm 4,20).          

Às palavras de pacificação, de segurança e de coragem, seguem-se as da promessa- missão: “Doravante serás pescador de homens”. A palavra de Jesus tem esse poder de fazer começar uma história nova na vida de um homem.          

A nova missão de Pedro e de seus companheiros será a de “salvar vidas”: entrar mar adentro para tirar os homens das águas profundas, do abismo da morte; “pegar vivos ou para a vida” os homens, assim como eles mesmos foram colhidos- escolhidos. A resposta de Pedro e de seus companheiros às palavras de Jesus foi a disponibilidade absoluta, a da obediência incondicional: “...e deixando tudo, eles o seguiram” (v.11). A renúncia, o “deixar tudo”, é uma conseqüência, e não uma condição prévia, do chamamento de Jesus. A vocação é a vocação para uma missão.

Aprendemos que pecar- salvar sem Jesus é impossível. Todos os saberes e técnicas humanas, horas oportunas (a noite), não são capazes de salvar sem a ajuda de Jesus. O fruto abundante (pesca milagrosa) será constante na atividade missionária se cada cristão seguir as diretrizes de Jesus. Nossas próprias forças não são suficientes para superar tudo. Necessitamos da confiança na Palavra d’Aquele que nos prometeu que nunca nos deixaria sozinhos (cf. Mt 28,20). Quem, como Pedro, aceitar sua limitação, estará em condições de aceitar que os frutos de seu trabalho apostólico não são seus e sim d’Aquele que nos convidou para ser seu instrumento. Jesus chama os apóstolos a serem pescadores de homens, mas o verdadeiro pescador é Ele.          

Diante da força da Palavra de Deus posta em prática a exemplo de Pedro que resultou na pesca abundante, devemos, por acaso, desistir diante das dificuldades? Devemos recusar o convite do Senhor para ser pescadores de homens, para espalhar a Palavra do Senhor? Temos convicção de que a única força que possuímos é a da Palavra de Deus que nos foi confiada? Não nos sentimos, por vezes, inclinados a confiar em outras forças? 

“Meu Senhor e meu Deus, despoja-me de tudo que me afaste de Ti. Meu Senhor e meu Deus, concede-me tudo que me conduz a Ti. Meu Deus e meu Senhor, despoja-me de mim mesmo e faz com que eu pertença totalmente a Ti” (Nicolau de Flüe [1407-1487]).

P. Vitus Gustama,svd

04/09/2024-Quartaf Da XXII Semana Comum

SER SALVO PARA SERVIR O PRÓXIMO E SER COLABORADOR DE DEUS

Quarta-Feira da XXII Semana Comum

Primeira Leitura: 1Cor 3,1-9

1 Irmãos, não pude falar-vos como a pessoas espirituais. Tive de vos falar como a pessoas carnais, como a crianças na vida em Cristo. 2 Pude oferecer-vos somente leite, não alimento sólido, pois ainda não éreis capazes de tomá-lo. E nem atualmente sois capazes de receber alimento sólido, 3 visto que ainda sois carnais. As rivalidades e rixas que existem aí, no meio de vós, acaso não mostram que sois carnais e que procedeis de acordo com os impulsos naturais? 4 Quando um declara: “Eu sou de Paulo”, e outro: “Eu sou de Apolo”, não estais procedendo como pessoas simplesmente naturais? 5 Pois, que é Apolo? que é Paulo? Não passam de servidores, pelos quais chegastes à fé. E cada um deles exerce seu serviço segundo o dom recebido de Deus. 6 Eu plantei, Apolo regou, mas Deus é que fazia crescer. 7 De modo que nem o que planta, nem o que rega são, propriamente, importantes. Quem é importante é aquele que faz crescer: Deus. 8 Aquele que planta e aquele que rega formam uma unidade, mas cada um receberá o seu próprio salário, proporcional ao seu trabalho. 9 Com efeito, nós somos cooperadores de Deus, e vós sois lavoura de Deus, construção de Deus.

Evangelho: Lc 4,38-44

Naquele tempo, 38 Jesus saiu da sinagoga e entrou na casa de Simão. A sogra de Simão estava sofrendo com febre alta, e pediram a Jesus em favor dela. 39 Inclinando-se sobre ela, Jesus ameaçou a febre, e a febre a deixou. Imediatamente, ela se levantou e começou a servi-los. 40 Ao pôr do sol, todos os que tinham doentes atingidos por diversos males, os levaram a Jesus. Jesus punha as mãos em cada um deles e os curava. 41 De muitas pessoas também saíam demônios, gritando: “Tu és o Filho de Deus”. Jesus os ameaçava, e não os deixava falar, porque sabiam que ele era o Messias. 42 Ao raiar do dia, Jesus saiu e foi para um lugar deserto. As multidões o procuravam e, indo até ele, tentavam impedi-lo de as deixar. 43 Mas Jesus disse: “Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu fui enviado”. 44 E pregava nas sinagogas da Judéia.

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Somos Chamados a Edificar a Comunidade e Não Para Criar Grupinhos Rivais Dentro Dela

“As rivalidades e rixas que existem aí, no meio de vós, acaso não mostram que sois carnais e que procedeis de acordo com os impulsos naturais?... Eu plantei, Apolo regou, mas Deus é que fazia crescer. ... Quem é importante é aquele que faz crescer: Deus”.

Os cristãos de Corinto haviam saído do paganismo e do judaísmo. Haviam dado grande passo na caminhada da fé. Mas não tinham uma maturidade suficiente na fé. Eles viviam uma fé infantil que os levava para formar grupinhos rivais dentro da própria comunidade.  A “fé” que eles viviam era exclusivista, fechada e egoísta. Por serem infantis, os Coríntio vivem brigando por causa de líderes, por causa de futilidades.  A imaturidade na fé é que leva as pessoas a formarem grupinhos dentro da comunidade.  São grupinhos que são Paulo já censurou logo no início da Carta (cf. 1Cor 1,10ss). A imaturidade também leva os Coríntios a viverem como pessoas “carnais”. Para são Paulo pessoas carnais têm como características viver na rivalidade e na inimizade, no ódio e na discórdia, na libertinagem e nas brigas  e desunem (cf. Gl 5,19-21). Pessoas do Espírito de Deus vivem  na caridade, na paz, na afabilidade, na bondade, na fidelidade e assim por diante (cf. Gl 5,22-23).

Além disso, o que são Paulo escreveu no texto da Primeira leitura de hoje nos mostra que os Coríntios continuam fechados para a ação do Espírito Santo e não assimilaram a sabedoria de Deus, profunda e misteriosa. São Paulo os acusa de imaturos, incapazes decompreender a mensagem do Crucificado. Para são Paulo, a existência de divisão na comunidade de Corinto é um sinal claro da imaturidade, da falta da verdadeira sabedoria. Percebe-se no texto que formavam “bandos” dentro da comunidade: uns eram “fans” de Paulo e outro de Apolo. Para são Paulo estas divisões acontecem porque alguns seguem uns critérios humanos, “carnais”, e não se deixam guiar pelo Espírito de Deus.  Segundo são Paulo eles são crianças pequenas e por isso não podem alimentar-se mais que de leite, não de alimentos sólidos.

Eu plantei, Apolo regou, mas Deus é que fazia crescer. ... Quem é importante é aquele que faz crescer: Deus”. Para São Paulo os valores fundamentais numa comunidade cristã são a fé e a doutrina e não a pessoa do pregador/evangelizador. A base da comunidade não é o pregador/evangelizador e sim Deus. O trabalho de Paulo e de Paulo é apenas plantar e regar. Todos na comunidade são iguais, cada qual no seu lugar e trabalham de acordo com seu carismo ou dom fromando a obra de Deus. Mas Deus continua sendo agente principal.

Se os Coríntios tivessem o olhar do Espírito, veriam Paulo e Apolo como “agentes de Deus”, servidores, ministros e pregadores da comunidade que somente prepararam o campo para que Deus operasse na vida de cada membro de acordo com os dons recebidos para edificar a comunidade.

Para os gregos, o sábio fala em seu próprio nome (o eu) e quem tem força decisiva e persuasiva são suas qualidades. Mas o olhar dos cristãos deveria estar posto mais em Deus do que em Paulo e Apolo. Como repete o Salmo da meditação de hoje (Sl 32/33): “Feliz o povo cujo Deus é o Senhor...”.

Sabedoria  é como uma forma específico de lidar com a realidade, uma “escola que ensina a ver” ou a observar com atenção, a tomar a sério as experiências cotidianas a fim de decifrar seu sentido. Por isso, viver com sabedoria é inseparável das perguntas sobre o porquê das coisas ou dos acontecimentos. Mas a sabedoria é também um atributo próprio da divindade. Por isso, para o homem a verdadeira sabedoria nasceu da fé. Por isso, a sabedoria não se avalia pelos conhecimentos eruditos e sim pelas atitudes concretas do amor fraterno na vida comunitária. Um termômetro da maturidade para uma comunidade cristã é a existência ou não de cismas/divisões e zelos em seu seio. Por isso, a seguinte pergunta é válida a partir da experiência dos Coríntios: Fomentamos divisões em nossa comunidade, na nossa paróquia, na nossa Igreja, na vida religiosa ou na vida social?

O erro  dos Coríntios é repetido por tantos cristãos hoje em qualquer comunidade e por tantas comunidades em qualquer paróquia. É  o erro de permanecer criança na fé a vida inteira. Crescemos fisicamente, participamos de tantos estudos e nos tornamos adultos em tudo, menos na fé, no conhecimento e na vivência dos ensinamentos de Cristo a quem seguimos. Por isso, os pequenos e insignificantes problemas na comunidade são capazes de nos derrubar e de dividir a comunidade em grupinhos. E cada um é rei de seu pedaço. Às Vezes chegamos a perder a paz e o bom humor por pequenas coisas. E começamos a criar divisão ou desunião. Esta divisão já demonstra, sem querer querendo, nossa negação de nossa fé na existência da Santissima Trindade, a Comunidade-modelo para todos os cristãos, pois nela o amor circula livremente. Aparentemente gostamos mais de “comes e bebes” do que qualquer tipo de formação. Consequentemente, fazemos coisas não pelo seu sentido e sim pelo interesse escondido atrás de cada coisa que fazemos. Nisso atuamos segundo critérios humanos, carnais e não espirituais. 

Deus é o único Autor da salvação. A nós, seus colaboradores, é confiada Sua Palavra para que, como a melhor das sementes, a semeamos no coração de todas as pessoas. Nossa tarefa é semear. Quem faz crescer é o próprio Deus. Vamos semear o bem  e a bondade diariamente sem nos cansar, pois é o único investimento que nos leva até Deus que nos salva. Somos colaboradores do Evangelho. Cumpramos com amor a missão a nos confiada. Procuremos que o coração daquele a quem proclamamos a Boa Nova de salvação não vá atrás de nós e sim atrás de Cristo, até chegar junto com Ele à glória que Deus oferece à humanidade inteira.

Somos Salvos Para Servir e Salvar Os Outros

O que Jesus anunciou na sinagoga de Nazaré, no seu discurso programático (Lc 4,14-30), ele vai o cumprindo passo a passo. Aplicando para si a profecia de Isaias, Jesus diz que vem anunciar a salvação aos pobres e curar os cegos e dar a liberdade aos oprimidos.

Hoje lemos o programa de uma jornada de Jesus “ao sair da sinagoga”: curar a febre da sogra de Pedro, impor as mãos e curar os enfermos que as pessoas trouxeram para Jesus, libertar os possuídos pelo demônio e não se cansar de ir ao encontro do povo para anunciar o Reino de Deus. Mas, no meio de suas atividades missionárias, Jesus nunca deixa de buscar momentos de paz para rezar pessoalmente num lugar solitário.

Depois de sair da Sinagoga, em Nazaré, Jesus e alguns discípulos foram para a casa de Simão Pedro. Jesus saiu de um lugar oficial: Sinagoga (sinagoga é lugar de oração, de ensino e de catequese para os judeus) para um ambiente familiar: casa. Em casa todos tem seu espaço e cada um é chamado pelo nome e não pelo título (se é um doutor, deputado, presidente e assim por diante). Cada um é gente em casa. Em casa um se preocupa com o outro. Basta um membro sofrer, todos sofrerão. Basta um membro ter sucesso, todos experimentarão a felicidade. Ninguém fica feliz sozinho como também ninguém sofre sozinho, pois não somente vivemos, mas convivemos. Nossa vida é cercada por outras vidas. Oxalá possamos viver a espiritualidade familiar também fora de nossa família, como Jesus nos diz hoje: “Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu fui enviado” (Lc 4,43). O cristão existe para os outros. Nisto consiste o sentido de sua vida de cristão.

Pedro encontra sua sogra com febre em sua casa e pede a Jesus para curá-la: “A sogra de Simão estava sofrendo com febre alta, e pediram a Jesus em favor dela”. No pensamento daquela época, a febre era causada pelo demônio. Mas Lucas dá uma detalhe que a “febre era alta” para sublinhar a gravidade da situação e consequentemente para mostrar o poder da palavra curadora de Jesus. Jesus realiza a cura inclinando-se sobre a sogra de Pedro, sem tocá-la como em Marcos (cf. Mc 1,30-31) e ameçando a febre como se expulsasse o dêmino de alguém. “Ameaçarincrepar”, “repreender” (epetímesen), o mesmo verbo empregado na cura do possuído (cf. Lc 4,35), implica que se trata de outra realidade que possuído pelo espírito do mal. Lucas sublinha que a cura se realiza somente com a palavra ameaçadora, sem nenhum gesto como Marcos relatou o mesmo epísódio (Mc 1,30-31). O resultado é que a febre deixou a sogra de Pedro e como prova, em seguida, a sogra de Pedro começou a servir a Jesus e seus discípulos. A sogra de Pedro é a primeira das mulheres que aparecem na obra de Lucas ao serviço de Jesus (cf. Lc 8,1-3; 23,49.55). Lucas, como bom historiador, com este relato prepara a vocação de Simão, que narrará um pouco mais adiante (cf. Lc 5,10-11).

Jesus oferece sua salvação a todos sem distinção de gênero: no relato anterior a um homem (Lc 4,31-37), agora a uma mulher, e tudo isso por meio de sua palavra curadora de acordo com seus discurso programático na sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4,14-21).

Jesus curou a febre da sogra de Pedro e logo em seguida, ela começou a servir Jesus e seus discípulos. A febre representa tudo que nos impede de servirmos aos outros. Cada um pode descobrir que tipo de “febre” que o impede de servir aos outros, “febre” que faz a vida perder seu sentido (ficar deitado todo tempo). O que é que me faz viver uma “vida deitada”, isto é, sem ação, sem ânimo, sem perspectivas. Eu preciso convidar Jesus para entrar na minha casa onde estou “deitado” para que ele se aproxime de mim, me toque e me ajude a me levantar. A palavra “levantar-se” no Novo Testamento, em outros contextos, também significa ressuscitar. Eu preciso me levantar de uma vida estéril (deitar) para uma vida fecunda (servir). Para isso, eu preciso segurar a mão de Jesus, mão que me potencia, mão que me levanta, mão que me cura e liberta, mão que me torna uma mão que ajuda os outros.

Um outro detalhe que chama nossa atenção no evangelho deste dia é que Jesus não deixava os demônios falarem, e os expulsou (Lc 4,41). Nesta marca comum nos antigos exorcismos se descobre que é preciso lutar contra o mal sem deter-se em discutir suas pretensões. 

Todos nós sabemos que o mal pode vestir-se de uma aparência boa, enganando os que procuram escutar suas “orações” ou “pedidos”. Jesus não ficou parado nisto. Jesus sabe que tudo que destrói o homem é perverso e Jesus se esforça para vencê-lo, devolvendo assim a dignidade para as pessoas sofridas.

Outro detalhe que chama bastante nossa atenção é que diante da obra de Jesus surge uma reação bastante egoísta entre as pessoas: querem monopolizar o aspecto mais extenso da atividade de Jesus e utilizá-lo como um simples curandeiro: “As multidões o procuravam e, indo até ele, tentavam impedi-lo de as deixar”.

Podemos ter a tentação ou a tendência para este tipo de relacionamento com Jesus no sentido de que nós aceitamos Jesus simplesmente na medida em que ele nos ajuda a resolver nossos problemas para garantir tranqüilidade psicológica ou uma ordem na família, ou uma garantia na vida financeira. Santo Agostinho nos relembra que a razão de nossa existência neste mundo é a vida eterna. Temos que viver e conviver dentro desta dimensão. Conseqüentemente eu sou uma ocasião de salvação para o próximo e o próximo é uma ocasião de salvação para mim. Jesus nos salva na medida em que cada um se torna uma ocasião de salvação para o outro (cf. Mt 25,40.45; veja também Lc 22,31-32). Estando conscientes disso entenderemos que Jesus é muito maior do que um fazedor de milagres. Ele é a nossa Salvação (cf. Jo 6,68-69). Que Jesus Cristo é nosso Salvador é uma das afirmações mais sólidas e repetidas do Novo Testamento. É a primeira noticia do céu à terra através do anjo falando a uns pastores: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11). A salvação alcança o que foi criado, pessoas humanas em umas condições concretas. Anunciar a salvação é anunciar a vida em todas as suas dimensões, inclusive em algo tão relativo como a saúde (a palavra “salus” [salvar/salvação] exige previamente uma cura. Para um cego, depois da recuperação de vista, Jesus disse: “Tua fé te salvou” [Mc 10,52]). Cada cristão existe para ajudar, proteger e salvar o outro. Se um cristão é egoísta é porque ele deixa de ser cristão. Se um cristão é desonesto, injusto, incoerente, etc., não ele não pode ser chamado mais de cristão, como dizia Santo Agostinho: “O nome de cristão traz em si a conotação de justiça, bondade, integridade, paciência, castidade, prudência, amabilidade, inocência e piedade. Como podes explicar a apropriação de tal nome se tua conduta mostra tão poucas dessas muitas virtudes?” (De vit. christ. 6).

A resposta de Jesus, para a tentação de monopólio, é clara: “Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu fui enviado” (Lc 4,43). Sua exigência se traduz em um dom que fica aberto para todos os que O esperam. Certamente o Evangelho é um presente que enriquece a existência, porém um presente que não se pode encerrar e sim um presente que nos abre sem cessar para os outros.

Podemos revisar alguns traços significativos do texto do evangelho lido neste dia. Em primeiro lugar, o texto diz que Jesus foi para casa de Pedro ao sair da sinagoga. Trata-se de um bom programa para qualquer cristão. “Ao sair da sinagoga...”. Ou seja, na nossa linguagem “ao sair de nossa missa ou de nossa oração”, nos espera uma jornada de trabalho, de pregação e evangelização, de serviço curativo para os demais traduzindo nossas orações em ações. É colocar a oração na vida e a vida na oração. Em segundo lugar, Jesus, em meio de uma jornada com um horário intensivo de trabalho e dedicação missionária, encontra momentos para rezar sozinho. Em terceiro lugar, Jesus não quer “se instalar” num lugar onde ele é bem acolhido: “Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu fui enviado”. É preciso que nós evitemos dois perigos: o ativismo exagerado, descuidando da oração (espiritualidade) e a tentação de ficarmos no ambiente em que somos bem recebidos, descuidando da universalidade de nossa missão. É preciso que olhemos para Cristo para saber o que precisamos fazer: Jesus é evangelizador, libertador, orante. 

Para Refletir Mais...

Uma das atitudes fundamentais de Jesus, que Lucas nos descreveu no seu evangelho, é a sua grande misericórdia. A misericórdia leva Jesus a ser disponível para os demais. Por causa da misericórdia, para Jesus não há momento determinado para ajudar, para curar e para atender aos que O procuram e necessitam dele. Todo tempo de Jesus é para os necessitados, para os quais ele foi enviado (cf. Lc 4,18-19). E todos encontram nele alívio, consolo e força para continuar a seguir adiante na vida. Servir é amar. E amar é viver para sempre, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).

Que “motor” que nos move a trabalharmos como cristãos tanto na Igreja como na sociedade em geral? Como está nossa disponibilidade como cristãos? Existe algum momento dedicado para os outros no nosso dia-a-dia para ajudar, consolar, aconselhar ou simplesmente para escutar o outro?

P. Vitus Gustama,svd

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

03/09/2024-Terçaf Da XXII Semana Comum

TER AUTORIDADE É AQUELE QUE FAZ O OUTRO CRESCER E LEVÁ-LO PARA A COMUNHÃO PLENA COM DEUS

Terça-Feira da XXII Semana Comum

Primeira Leitura: 1Cor 2,10b-16

Irmãos, 10b o Espírito esquadrinha tudo, mesmo as profundezas de Deus. 11 Quem dentre os homens conhece o que se passa no homem senão o espírito do homem que está nele? Assim também, ninguém conhece o que existe em Deus, a não ser o Espírito de Deus. 12 Nós não recebemos o espírito do mundo, mas recebemos o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos os dons da graça que Deus nos concedeu. 13 Desses dons também falamos, não com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com a sabedoria aprendida do Espírito: assim, ajustamos uma linguagem espiritual às realidades espirituais. 14 O homem psíquico – o que fica no nível de suas capacidades naturais – não aceita o que é do Espírito de Deus: pois isso lhe parece uma insensatez. Ele não é capaz de conhecer o que vem do Espírito, porque tudo isso só pode ser julgado com a ajuda do mesmo Espírito. 15 Ao contrário, o homem espiritual – enriquecido com o dom do Espírito – julga tudo, mas ele mesmo não é julgado por ninguém. 16 Com efeito, quem conheceu o pensamento do Senhor, de maneira a poder aconselhá-lo? Nós, porém, temos o pensamento de Cristo.

Evangelho: Lc 4,31-37

Naquele tempo, 31 Jesus desceu a Cafarnaum, cidade da Galileia, e aí os ensinava aos sábados. 32 As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus falava com autoridade. 33 Na sinagoga, havia um homem possuído pelo espírito de um demônio impuro, que gritou em alta voz: 34 “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!” 35 Jesus o ameaçou, dizendo: “Cala-te, e sai dele!” Então o demônio lançou o homem no chão, saiu dele, e não lhe fez mal nenhum. 36 O espanto se apossou de todos e eles comentavam entre si: “Que palavra é essa? Ele manda nos espíritos impuros, com autoridade e poder, e eles saem”. 37 E a fama de Jesus se espalhava em todos os lugares da redondeza.

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Entre o Homem Psíquico e o Homem Espiritual

Ninguém conhece o que existe em Deus, a não ser o Espírito de Deus. Nós não recebemos o espírito do mundo, mas recebemos o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos os dons da graça que Deus nos concedeu”.

Em 1Cor 2,6-3,4 são Paulo fala da verdadeira sabedoria sobrenatural que é reservada aos que fizeram progresso na fé ou aos que se deixam guiar pelo Espirito de Deus. O Espírito não é manipulável, pois sopra para onde quer. Ele é a grande sabedoria de Deus que se revela sempre na história, na Igreja e no povo.

Com efeito, quem é o verdadeiro sábio? Quem pode chegar a conhecer em profundidade as pessoas, as coisas e os acontecimentos?

Paulo inisite: o Espírito sonda tudo, inclusive, a profundidade de Deus: “Ninguém conhece o que existe em Deus, a não ser o Espírito de Deus. Nós não recebemos o espírito do mundo, mas recebemos o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos os dons da graça que Deus nos concedeu”. Para são Paulo tudo procede do Espirito de Deus, tanto o correto conhecimento das coisas de Deus como as palavras adequadas para expressar este conhecimento. Dai  há uma grande importância de ser possuído pelo Espirito de Deus. Por isso, quando nos deixarmos iluminar por este Espírito que não é o espirito do mundo, entenderemos tudo em profundidade.

Para São Paulo há dois tipos de homens. Uns se movem ao “nível humano” que em grego chama-se “physikos anthropos” (psiquikós) ou o homem físico, o homem material que confia nas próprias forças, apenas nas forças humanas. Esse tipo de homem não pode entender a sabedoria de Deus, o plano de Deus, pois as forças humanas não são suficientes para isso. Este tipo de homem não é capaz de captar nem perceber o que é o próprio do Espirito de Deus. Há também “o homem de espírito”,  homem espiritual (pneumatikós), isto é, aquele que se deixa guiar pelo Espirito de Deus e por isso, entende o projeto de Deus, a sabedoria de Deus, não por meio dos próprios conhecimentos ou em virtude de forças humanas e sim tão-somente pelo poder de Deus, pela força operativa do Espírito Santo. E este é capaz de julgar tudo, pois é iluminado e guiado pelo Espirito de Deus.

Se nós ficarmos apenas no aparente e no superficial, não chegaremos nunca a conhecer bem nem a história, nem as pessoas e nem a nós mesmos. Se julgarmos a partir do “critério do Espirito” ou se tivermos a mente de Cristo, sua mentalidade, sua maneira de pensar e hierarquizar os valores, então estaremos no bom caminho: conheceremos o mais profundo do humano e do divino.

O segredo da vida em plenitude e com sentido é contemplar e meditar as coisas e os acontecimentos a partir do olhar de Deus. O olhar do Espirito, simples e penetrante que podem também gozar as pessoas menos cultas é mais importante do que nossas filosofias eruditas. Um cristão simples, com fé e disponibilidade diante do Espirito, sabe mais do que todos os sábios da Grecia.

A Verdadeira Autoridade Faz o Outro Crescer

Estamos nos primeiros dias da pregação publica de Jesus segundo o evangelho de Lucas. Recusado pelo seu povo em Nazaré, Jesus vai a Cafarnaum cuja população era uma mistura de várias nacionalidades. Depois da inauguração do “hoje” da salvação e antes do exorcismo, o evangelista Lucas nos fala da autoridade da palavra de Jesus.  Essa autoridade consiste no poder que ela tem de realizar tudo o que diz, de fazer-se obedecer e de libertar do mal. Em Cafarnaum Jesus fala com autoridade para as pessoas e desperta a admiração de todos, pois Ele prega e liberta.

Todos os evangelhos sinóticos (Mt, Mc, Lc) colocaram em destaque a autoridade extraordinária, o prestigio que emanava da pessoa e da palavra de Jesus (Mt 7,29; Mc 1,22; Lc 4,32). Naquela época tinha bastante “escolas”, grupos de escribas ou de letrados que faziam comentários sobre a Sagrada Escritura. Agora Jesus faz seus próprios comentários que totalmente são novos (sem nenhuma influência de alguma escola). Do fundo de si mesmo surgem pensamentos magistrais revestidos de autoridade que causa a admiração no povo. O evangelista Marcos registrou a admiração do povo diante do ensinamento de Jesus com as seguintes palavras: “Estavam espantados com o seu ensinamento, pois ele os ensinava como quem tem autoridade e não como escribas” (Mc 1,22). No seu ensinamento, Jesus não se apóia nas tradições de escolas rabínicas, pois Ele é enviado de Deus, o Filho de Deus em quem repousa o Espírito de Deus (Mc 1,9-11); Ele a própria Palavra de Deus (Jo 1,1-3.14). Jesus apela diretamente para a consciência de seus interlocutores.

Na Bíblia, a palavra aramaica para “autoridade” é shaltan, dai vem sultão.  Esta palavra (autoridade) indica a própria autoridade de Deus.  Logo, a Palavra de Jesus nos coloca face a face com o próprio poder de Deus.  Todo o poder de Deus criador e salvador está na Palavra de Jesus. Por isso, a autoridade de Jesus não está a serviço de uma instituição, mas está a serviço do ser humano pela sua salvação como o prório Deus quer para que este reconheça sua própria dignidade, seu valor e sua vocação à vida comunitária de irmãos. A nova forma de Jesus ensinar “com autoridade” apela para valores e atitudes fundamentais do ser humano: apela à capacidade de convivência como irmãos do mesmo Pai do céu, apela ao reconhecimento respeitoso e tolerante do outro, apela ao desenvolvimento da auto-estima como condições para uma autêntica libertação da situação de marginalização em que vive a grande maioria. Onde não houver um mútuo respeito, não haverá espaço para a mútua admiração. O Pai que está no céu nos faz irmãos aqui na terra. Ao aceitar o Espírito de Deus o homem se liberta de suas escravidões e se torna irmão do outro.

Por esta razão, Lucas nos relatou também um homem endemoninhado que se encontrou dentro do templo. Um endemoninhado é um homem possuído por uma ideologia que aliena completamente a liberdade e o faz falar como instrumento de outro (lavagem cerebral). Este personagem representa uma parte do público (ele fala em plural: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir?”), que se alarma diante do messianismo que Jesus pretende expor. Esta parte do público tem medo de que o patriotismo nacionalista perca terreno. Se Jesus continuar falando assim (com autoridade), a libertação de Israel vai fracassar. Assim pensa esse grupo.

Jesus não se deixa instrumentalizar. Ele liberta com conjuração o homem possuído por aquela ideologia de morte e lhe devolve sua condição de um homem livre, que pensa por si próprio. A Palavra de Jesus é eficaz: vence o mal. Os seus exorcismos são a continuação de sua vitória sobre satanás, relatada nas tentações (Lc 4,1-13). Com a Palavra ungida com o Espírito criador de Deus Jesus humaniza o homem no meio de tantos oportunistas que se arrogam o poder de Deus em beneficio de seus interesses mesquinhos. “Todo aquele que, ocupando uma posição de autoridade, aproveita para divertir-se, para aumentar seu patrimônio, ou para conseguir lucros pessoais, não é um servidor dos demais, mas um escravo de si mesmo”, dizia Santo Agostinho (Serm. 46,2). Jesus não quer que o cérebro desse homem vire um arquivo para pensamentos alheios. Jesus quer que ele tenha coragem de criar os seus próprios pensamentos e não apenas memorizar os pensamentos alheios.

Por isso, o episódio do homem possuído por um espírito impuro, mais do que demonstrar autoridade de Jesus sobre as forças do mal, quer mostrar como Jesus integra ao seio da comunidade aquele que era excluído e recusado como muitos outros em nome de um poder que desumaniza ou em nome de uma instituição desumanizante.

Se você quer saber quanta autoridade tem, não se pergunte a quantos você submete, mas a quantos você ajudou a crescer. O medo que os outros têm de você não mede sua autoridade, mas seu poder autoritário. A autoridade põe respeito, o autoritarismo põe medo nas pessoas. Quando alguém acredita que a força de sua autoridade está em seu poder e não em seu amor, ele desautoriza a si mesmo como pessoa. Se ou quando alguém precisa apelar para a força e para o poder para ser autoritário é porque como pessoa já não tem mais autoridade. Os títulos e os cargos podem até confirmar a autoridade que cada um tem, mas não lhe dão a que não tem.                 

Jesus fala como quem tem autoridade, assim o evangelista Marcos registrou. O que significa para nós falar com autoridade? Há palavras ou ações que nos aproximam de Jesus. Quais são estas palavras?

Sempre que pronunciarmos uma palavra viva, aquela que não é fingida, aquela que sabe detectar em cada momento aquilo do qual o outro está necessitando, aquela palavra que faz o outro melhorar e crescer, aquela que não semeia a discórdia, a palavra que humaniza, estaremos falando com autoridade. Sempre que pronunciarmos uma palavra compassiva, aquela que consola nos momentos de dificuldade, a palavra que anima quem está desesperado, a palavra sincera de querer ajudar, estaremos falando com autoridade. Sempre que pronunciarmos uma palavra solidária, aquela que coloca as coisas no seu devido lugar, aquela que sai do coração para aliviar a dor do outro, aquela que serena, estaremos falando com autoridade. Sempre que pronunciarmos uma palavra de esperança que diz que nem tudo está perdido, que o melhor está para vir porque Deus está conosco (Mt 28,20) e que “para Deus nada é impossível” (Lc 1,37), estaremos falando com autoridade.                 

É bom cada um de nós fazer um exame de consciência para saber se fala com autoridade como Jesus ou não? É bom cada um se perguntar se está próximo de Jesus no modo de viver e de tratar os demais ou não? Hoje em dia precisamos muito mais das pessoas com autoridade e carisma do que das pessoas com o poder.

P. Vitus Gustama,svd

02/09/2024-Segundaf Da XXII Semana Comum

LIBERTADOS POR JESUS PARA PARA LIBERTAR OS OUTROS A FIM DE CONSTRUIRMOS UMA FRATERNIDADE

Segunda-Feira da XXII Semana Comum

Primeira Leitura: 1Cor 2,1-5

1 Irmãos, quando fui à vossa cidade anunciar-vos o mistério de Deus, não recorri a uma linguagem elevada ou ao prestígio da sabedoria humana. 2 Pois, entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. 3 Aliás, eu estive junto de vós, com fraqueza e receio, e muito tremor. 4 Também a minha palavra e a minha pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, 5 para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus e não na sabedoria dos homens.

Evangelho: Lc 4,16-30

Naquele tempo, 16 veio Jesus à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura. 17 Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: 18 “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos 19 e para proclamar um ano da graça do Senhor”. 20 Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 21 Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. 22 Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca. E diziam: “Não é este o filho de José?” 23 Jesus, porém, disse: “Sem dúvida, vós me repetireis o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum”. 24 E acrescentou: “Em verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria. 25 De fato, eu vos digo: no tempo do profeta Elias, quando não choveu durante três anos e seis meses e houve grande fome em toda a região, havia muitas viúvas em Israel. 26 No entanto, a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a uma viúva que vivia em Sarepta, na Sidônia. 27 E no tempo do profeta Eliseu, havia muitos leprosos em Israel. Contudo, nenhum deles foi curado, mas sim Naamã, o Sírio”. 28 Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. 29 Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até o alto do monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício. 30 Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho.

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Entre a Sabedoria Da Cruz de Cristo e a Sabedoria Humana

1Cor 2 é um tipo de conclusão do tema: sabedoria de Deus/ sabedoria do homem sobre o qual Paulo refletia no capítulo anterior (cf. 1Cor 1,17). No texto de hoje Paulo mostra que o êxito da pregação do Evangelho para a comunidade de Corinto não dependeu da capacidade própria de Paulo: palavras, competência, e sim da força do Espírito Santo, sabedoria de Deus, que foi quem fez sua palavra frutificar. Nisto, Paulo é um homem que se deixa Espírito Santo trabalhar através dele e por isso deu fruto no seu trabalho de evangelização para a comunidade de Corinto. Quando o homem deixa o Espírito Santo operar nele será manifestado nele o poder operativo de Deus. Para salvar a humanidade Deus exige a colaboração humana, sem a qual frustra´ra a ação de Deus.

Por isso, depois de ter provado a superioridade do Evangelho sobre os sistemas de sabedoria humana (1Cor 1,18-25), são Paulo explica por que não pregou uma doutrina de sabedoria humana a não ser Cristo Crucificado que é a força e a sabedoria de Deus: “Entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado... A minha palavra e a minha pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus e não na sabedoria dos homens”, escreveu São Paulo aos Coríntios que lemos na Primeira Leitura.

São Pauolo é o homem que confia na força da mensagem de Deus, pois é a mensagem do próprio Senhor Crucificado que ele tem que transmitir aos outros. No fundo, a fé é a partilha e a transmissão de uma vivência pessoal e comunitária com o Senhor. São Paulo não põe seu ponto de apoio na sabedoria humana e sim no conhecimento de Cristo Crucificado. Pela origem da palavra, o verbo “conhecer” quer dizer “com-nascer, nascer com, fazer-se um com outro. Somente conhecemos o outro, entregando-nos a ele e aceitando que ele se entregue a nós. Trata-se de uma relação existencial. O conhecimento de Cristo Crucificado é o que possuíram os santos ao longo da história da Igreja. Inclusive, os mais sábios humanamente se submeteram seu saber a Cristo, e se deram conta de que a sabedoria humana não tinha nenhum valor em comparação com o conhecimento de Deus, pois “para os que são chamados, tanto judeus como gregos, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é dito insensatez de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1,24-25). 

A eloquência e a sabedoria humanas não levam são Paulo à verdade desnuda da Cruz de Cristo. Ele não quer apresentar-se aos Coríntios falando com palavras altíssonas  e fazendo alarde de eloquência. Ele lhes pregou simplesmente Jesus Cristo Crucificado sem triunfalismos. São Paulo se apresentou diante dos Corintos como um pobre homem, débil e temeroso. Mas sua debilidade presta o único e o melhor serviço ao assunto de Jesus, evitando o equívoco e mostrando que não era a palavra avassaladora de um homem culto e sim a força de Deus que operava na pregação cristã. 

São Paulo não prega uma doutrina da sabedoria humana e sim apresenta um testemunho: “Irmãos, quando fui à vossa cidade anunciar-vos o mistério de Deus, não recorri a uma linguagem elevada ou ao prestígio da sabedoria humana” (1Cor 2,1). O testemunho vale em razão da qualidade do acontecimento que apresenta e não em razão da retorica com que arroupa. As palavras da testemunha são os fatos vividos que falam por si mesmas. No entanto, são Paulo realizou uma seleção nos sucessos de que dá testemunho: institiu mais em torno da Cruz do que em torno da soberania de Cristo (1Cor 2,2); em torno da humildade de Jesus do que em torno de sua sabedoria.

São Paulo recusa decididamente os discursos de uma sabedoria humana, que seria persuasivos por si mesmos (1Cor 2,4) e que fariam da fé uma adesão de ordem puramente humana (1Cor 2,5). Sua pregação é muito mais uma demonstração do poder do Espirito que vem de Deus e requer, consequentemente, uma adesão de outro ordem: a do Espirito: “A minha palavra e a minha pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus e não na sabedoria dos homens” (1Cor 2,4-5).

São Paulo quer nos mostrar que a autenticidade do trato com o Senhor é o pedestal da verdadeira pregação. É real que nossa força, a única força nossa como cristãos é a fé vivida e vivida profundamente pessoal e comunitariamente. A fé dá liberdade, segurança e independência para testemunhar diante das situações mais adversas, sem perder a esperança nem ser vítima da decepção e do desespero, a exemplo de são Paulo, pois a Palavra de Deus não conhece fracasso. 

O mundo de hoje não parece tampouco ter ouvidos prestos a escutar a mensagem de Cristo Crucificado. A comunidade cristã, desde mais de dois mil anos, se apresenta diante do mundo “ débil e temeroso”, como são Paulo na Gréica, porque sabe que a mensagem que prega é difícil (Cristo crucificado). Mas por outro lado, a própria palavra que ele anuncia tem uma força intrínseca capaz de fazer frutificar nos ambientes menos predispostos. Para Deus, a força verdadeira está no simples e no débil. Na Cruz de Cristo, símbolo de fracasso e da fragilidade para o mundo, está a sabedoria e a chave para a salvação.

Nos momentos atuais de exaltação do homem e de sua tecnologia relativamente avançada é bom, de vez em quando, refletir sobre a debilidade humana e mostrar os verdadeiros valores para que ninguém se perca no meio do avanço tecnológico. 

Deus Vem Para Nos Libertar a Fim De Estar Com Ele Eternamente

O texto do evangelho de hoje nos fala do início da pregação pública de Jesus segundo Lucas. A pregação inaugural (discurso programático em Nazaré: Jesus traçou aqui o que Ele vai fazer na sua missão) tem como lugar numa sinagoga em Nazaré, por ocasião de um culto sinagogal no Sábado. E a leitura que Jesus fez e sobre o qual comentou é o texto do Trito-Isaias (cf. Is 61,1-2) que fala da missão do Messias. E a missão do Messias, do Ungido de Deus, é proclamar a Boa Notícia que consiste na libertação dos prisioneiros do sofrimento, da opressão, da injustiça e proclamar a Boa Notícia, preferencialmente, para os pobres, os escravos, os marginalizados: os leprosos, os doentes, os publicanos, as mulheres. E Jesus se apresenta como o Ungido, o Messias (cf. Lc 3,21-22). Em outras palavras, o que o livro de Isaias anunciava se cumpriu em Jesus: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Jesus veio ao encontro do homem para devolver sua dignidade como pessoa humana e filho (filha) de Deus. 

Trata-se de uma cena bem significativa, programática que se pode dizer que dá sentido a todo ministério messiânico de Jesus: sua primeira pregação na sinagoga de seu povo de Nazaré. Trata-se de uma cena densa, muito bem narrada por Lucas com uma série de detalhes significativos: o costume de ir à sinagoga todos os sábados; o convite para que leia a Palavra de Deus; o comentário de Jesus sobre a leitura do Livro de Isaias cujo conteúdo é o programa do ministério de Jesus: “Hoje se cumpriu a Escritura...”; as primeiras reações e aprovação por parte dos seus conterrâneos que ficam bloqueados em seu caminho de fé, pois conhecem demais Jesus: “Não é este o filho de José?”; a queixa de Jesus sobre essa falta de fé; a reação de ira. 

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”.  No poder do Espírito de Deus, Jesus inicia o seu ministério e inaugura o ano jubilar no qual se vive a paternidade de Deus na farternidade entre os irmãos. Jesus se apresenta como aquele que traz bênção de Deus para todos sem exclusão e realiza n´Ele a promessa.

Nisto entendemos que Jesus veio para libertar, para unir e reunir, para salvar. A idéia de libertação, de liberdade, está subjacente em todo o Evangelho de Lucas (e outros evangelhos). Toda vez que Deus visita e se aproxima do homem, Ele o faz para libertá-lo: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo...” (Lc 1,68). E toda vez que o homem se aproxima de Deus, ele ganha a libertação e a liberdade. A aproximação de Deus em Jesus Cristo tem como objetivo libertar o homem: libertar para ser livre. 

Jesus vem ao encontro do homem para que este se torne mais humano e mais irmão dos outros, e para fazer que o homem seja capaz de se levantar contra si próprio, isto é, contra àquilo que não é humano dentro de si, penetrando até o intimo de seu ser para destruir o que é caduco e podre dentro de si próprio a fim de fazer florescer o que tem de esplêndido e admirável dentro de si. Jesus vem ao encontro do homem para que este seja capaz de jogar para longe as cadeias de seu egoísmo que prejudica a convivência fraterna. Jesus vem ao encontro do homem para que este seja capaz de sentir-se, com todas as suas conseqüências, filho de Deus e irmão dos demais homens. Jesus vem para libertar o homem em sua totalidade a fim de fazê-lo apto para construir o hoje e o aqui do Reino de Deus que Ele anuncia e quer construir como tarefa prioritária de sua vida e missão. Jesus vem para libertar o homem daquilo que se chama “pecado” e que consiste em subverter a escala de valores e no lugar de buscar o Reino de Deus e sua justiça (cf. Mt 6,33), buscar a própria e direta satisfação acima de qualquer valor. Jesus vem para que, ao libertar o homem, desaparecem da terra o ódio, a guerra, a violência, a extorsão, a exploração, a injustiça, a miséria, a opressão, a intolerância, e assim por diante. Jesus vem para construir o homem novo capaz de colaborar na realização da nova terra e do novo céu (cf. Ap 21,1-8). 

Jesus veio como o verdadeiro Libertador dos homens. Convém pensar serenamente na passagem do Evangelho deste dia e saborear a cena num momento no qual vivemos na atualidade com proliferação dos que se dizem “libertadores” ou “os liberais” e que pregam tantas “liberdades” ou “libertinagem”. Estamos rodeados dos libertadores oficiais que nos querem liberar para gozar do sexo, da vida, de cada momento que se escapa de nossas mãos como rapidez. No entanto, nunca o homem está tão prisioneiro de si próprio, prisioneiro, precisamente, daquilo por onde dizem que vem a libertação ou uma simples liberação de tudo. Trata-se de uma liberação ou libertinagem que arranca um sorriso limpo e estimulante de tantos lábios, a violência mortal ao impor os próprios modos de conceber a vida a ponta de uma pistola ou de um revolver, a fome que é possível morrer em nossas civilizadas e estupendas cidades, uma solidão que enche de vazio nossas populosas cidades, a injustiça que se traduz em pobreza institucionalizada. Esses são os frutos da liberação ou da libertinagem que nos anunciam os messias de turno. Diante deles se levanta Jesus, com a Escritura na mão, anunciando que real e verdadeiramente libertação consiste em romper as cadeias pessoais para conseguir ser o que se deve ser: filhos de Deus e irmãos dos demais homens. Para um cristão o que deve ser é ser um sincero e verdadeiro filho de Deus, com toda a amplitude e a exigência que essa realidade traz consigo. É preciso escutar a Palavra anunciada por Jesus, a Palavra do Pai.

Na sinagoga Jesus leu uma passagem da Escritura e fez o comentário sobre ela. Os nazarenos ficaram admirados com a explicação de Jesus, mas, ao mesmo tempo, se escandalizaram porque para eles Jesus é o filho de um simples carpinteiro. Jesus que anuncia é tão “humano” e por isso, ele é uma presença de Deus. O anúncio tão humano de Jesus não se trata de filantropia ou de ação social, mas trata-se, precisamente do projeto de Deus e da ação do Espírito Santo: “O Espírito do Senhor está sobre mim para...”. A presença de Jesus é uma chuva de benefícios para todos: para os pobres, para os cativos, para os cegos, para os oprimidos...   

Quando escutamos a Palavra de Deus, temos que recebê-la não como um discurso humano e sim como uma Palavra que tem um poder transformador em nós, pois tudo o que diz está profundamente cheio de sentido e de amor. Deus não fala para nossos ouvidos e sim para nosso coração. A Palavra de Deus é uma fonte inextinguível de vida. A Palavra de Deus sai do próprio coração de Deus. Desse Coração, do seio da Trindade veio Jesus, a Palavra do Pai, para os homens (cf. Jo 1,1-4.14). 

Por isso, cada dia, quando lemos ou escutamos o Evangelho, nós temos que dizer, como Maria: “Faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1,38). Ao que Deus nos responderá: “Hoje se cumpriu a Escritura que acabastes de ouvir”. Os nazarenos não compreenderam as palavras de Jesus, pois olhavam somente com os olhos humanos: “Não é este o filho de José?” (Lc 4,22). Viam a humanidade de Jesus, mas se escondia a Sua divindade aos olhos dos nazarenos. Toda vez que escutamos a Palavra de Deus, além de seu estilo literário, da beleza das expressões ou da singularidade da situação, temos que saber e estar conscientes de que é Deus Quem nos fala. 

O Senhor “me enviou para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos”. A vida de Jesus é nossa vida. A missão de Jesus é nossa missão. Temos missão de libertar as pessoas de suas “ataduras” de vida; de fazer as pessoas enxergarem sua vida e a realidade ao redor para tomar posição como cristão, de viver na alegria do Senhor apesar dos contra-tempos. Mas para podermos libertar os outros temos ser, primeiro, livres, pois somente quem é livre pode libertar.

P. Vitus Gustama,svd

XXV Domingo Comum, Ano "B",22/09/2024

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