quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Dedicação Da Basílica De Latrão - Domingo, 09/11/2025

SOMOS TEMPLO DE DEUS FUNDAMENTADO SOBRE JESUS CRISTO

FESTA DA DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DO LATRÃO

Primeira Leitura: Ez 47,1-2.8-9.12

Naqueles dias, 1 o homem fez-me voltar até a entrada do Templo e eis que saía água da sua parte subterrânea na direção leste, porque o Templo estava voltado para o oriente; a água corria do lado direito do Templo, ao sul do altar. 2 Ele fez-me sair pela porta que dá para o norte, e fez-me dar uma volta por fora, até à porta que dá para o leste, onde eu vi a água jorrando do lado direito. 8 Então ele me disse: "Estas águas correm para a região oriental, descem para o vale do Jordão, desembocam nas águas salgadas do mar, e elas se tornarão saudáveis. 9 Onde o rio chegar, todos os animais que ali se movem poderão viver. Haverá peixes em quantidade, pois ali desembocam as águas que trazem saúde; e haverá vida onde chegar o rio. 12 Nas margens junto ao rio, de ambos os lados, crescerá toda espécie de árvores frutíferas; suas folhas não murcharão e seus frutos jamais se acabarão: cada mês darão novos frutos, pois as águas que banham as árvores saem do santuário. Seus frutos servirão de alimento e suas folhas serão remédio".

Primeira Leitura: 1Cor 3,9c-11.16-17

Irmãos, 9c vós sois construção de Deus. 10 Segundo a graça que Deus me deu, eu coloquei — como experiente mestre de obra — o alicerce, sobre o qual outros se põem a construir. Mas cada qual veja bem como está construindo. 11 De fato, ninguém pode colocar outro alicerce diferente do que está aí, já colocado: Jesus Cristo. 16 Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós? 17 Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois o santuário de Deus é santo e vós sois esse santuário.

Evangelho: Jo 2,13-25

13 Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. 14 No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados. 15 Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. 16 E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” 17 Seus discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz: “O zelo por tua casa me consumirá”. 18 Então os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agir assim?” 19 Ele respondeu: “Destruí este Templo, e em três dias o levantarei”. 20 Os Judeus disseram: “Quarenta e seis anos foram precisos para a construção deste santuário e tu o levantarás em três dias?” 21 Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo. 22 Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele.

_______________

Novembro é um mês projetado para a eternidade, porque a liturgia agrupa uma serie de festas que tem um profundo sentido escatológico.

A Igreja celebra a solenidade de Todos os santos no dia primeiro do mês para nos relembrar que somos chamados diariamente à santidade: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4,3). Ser santo é viver o amor, que é a vocação primária dos cristãos, pois no amor se cumpre toda a lei: “O amor é o pleno cumprimento da Lei” (Rm 13,10; cf. Gl 5). O amor é a base ou fundamento e a culminação ou ponto alto de todos os mandamentos, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).

Logo no dia 2 de novembro a Igreja comemora o Dia de finados e quer nos recordar o sentido pascal da morte que é trânsito dos que descansam em Cristo e esperam o “lugar” da luz e da paz. Somos de Cristo, seja na vida, seja na morte (cf. Rm 8,31-39). Pela fé no Cristo ressuscitado não vivemos mais para morrer e sim, morremos para viver (cf. 1Cor 15,12-19). A fé na ressurreição nos leva a afirmarmos: “Senhor para os que creem em Vós a vida não é tirada, mas transformada” (Prefácio Dos Defuntos I)

Também no mês de Novembro a Igreja celebra as dedicações das basílicas do Salvador/Latrão (9 de novembro) e as de São Pedro e são Paulo (18 de Novembro). Tudo isso nos faz pensarmos através da igreja material, tabernáculo de Deus entre os homens, na Igreja do céu “adornada como uma noiva que sai para receber a esposo”. Esta recordação quer avivar em nós a vinda do Senhor no fim dos tempos.

Celebramos a Dedicação Da Basílica de Latrão neste dia. “Dedicar/consagrar” um lugar a Deus é um rito de todas as religiões: “reservar” a Deus um lugar, onde dar-lhe honra e glória. A Palavra “reservar” está entre aspas porque Deus é Onipresente e por isso, não pode estar “preso” num lugar. Deus está conosco todos os dias (cf. Mt 28,20).

O SIGNIFICADO DO TEMPLO

Evidentemente, o templo é um lugar de encontro entre a humanidade e Deus. O templo é tão antigo quanto a própria humanidade. Em todas as civilizações, em todas as culturas, o templo aparece com absoluta certeza. Isso é lógico. A humanidade é um ser social e sensível: coletiva e materialmente, ela precisa de um lugar para se aproximar de Deus, um lugar onde seu Deus seja adorado e onde ela possa falar com Ele em paz e serenidade.

Os judeus amavam seu Templo com verdadeira devoção. Orgulhavam-se de seu esplendor e grandeza. Era a morada tangível e visível de Javé, o lugar onde a Arca da Aliança era guardada. Naquele Templo em Jerusalém, o judeu sentia-se seguro, absolutamente certo de que Deus habitava nele e que sua oração seria ouvida ali. Toda essa realidade, porém, não impediu que o Templo fosse profanado, oferecendo um espetáculo que provocou uma reação francamente irada de Jesus Cristo, como relatou o texto do Evangelho de hoje. As mesas dos cambistas caíram ao chão, e bois e ovelhas fugiram aterrorizados diante do chicote trovejante do Senhor. A grandeza espiritual de Jesus Cristo, Seu amor pelo Pai, Seu conhecimento de Deus, eram totalmente incompatíveis com uma alteração tão substancial do Templo. Naquele Templo esplêndido e precioso, o Deus que Ele conhecia, amava e servia não podia ser encontrado; era necessário purificar toda aquela confusão que surgia em torno de Deus e de Sua adoração para que, certamente, o homem pudesse se aproximar da divindade ali presente.

Como sempre, Jesus nos mostra claramente o caminho que deseja traçar para aqueles que O seguem. Vale a pena lembrar disso quando celebramos a "dedicação da Basílica de Latrão", a Catedral do Papa e, em certo sentido, a mãe de todas as igrejas do mundo. Vale a pena ouvir com atenção as belas palavras de Jesus à mulher samaritana: "Vocês não adorarão a Deus nem neste monte nem em Jerusalém. A hora vem, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade". E vale a pena conectar essas duas realidades porque, para os cristãos, pode acontecer que tenhamos tanto orgulho de nossas magníficas igrejas físicas (materiais) quanto os judeus tinham do seu Templo, e que Deus às vezes veja nelas algo semelhante ao que viu no Templo de Jerusalém. Embora não seja certo que existissem mesas de cambistas ou ovelhas e bois para sacrifício pode-se imaginar um grupo de pessoas que frequentam os templos, mas que dificilmente encontram Deus, talvez por não se colocarem na disposição de "espírito e verdade" que Ele deseja para seus verdadeiros adoradores.

São importantes os templos, mas o que realmente importa são as pessoas que os frequentam e o estilo ou a atitude com que o fazem. “O Templo de Deus é sagrado; esse templo é você” (Segunda Leitura). O cristianismo não é uma religião de "coisas sagradas", e sim, de "pessoas santas". Cada um é templo sagrado de Deus. Deus não se manifesta em objetos inanimados (uma pedra, um animal, uma planta, uma imagem, um edifício...). Deus se manifesta no homem Jesus de Nazaré e nos fiéis que constituem a Igreja: um edifício construído por Deus sobre o fundamento que é Jesus Cristo, uma expansão do "corpo de Cristo" animado e permeado pelo mesmo Espírito de Deus que guiou Jesus ao longo de sua vida e que, uma vez ressuscitado, nos envia "como as primícias", como uma nova criação: "E soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo" (João 20:22). O tema do santuário/templo estende-se de Jesus a nós, os fiéis.

É bem possível, quase certo, que aqueles mercadores e cambistas que frequentavam o Templo de Jerusalém com tanta frequência não tenham encontrado Deus ali, porque para encontrar Deus na intimidade do Templo, é preciso tê-Lo encontrado no próprio coração antes de chegar lá. Quando Yuri Gagarin retornou de sua viagem espacial, fez uma declaração "solene" e "oficial": durante sua jornada pelo espaço, ele não havia encontrado Deus. Um padre em Moscou respondeu com uma réplica apropriada: isso é natural; se você não encontrou Deus na Terra, nunca O encontrará no Céu.

No Evangelho, Jesus fala do Templo do Seu Corpo. A sua morte e ressurreição são o grande sinal que o credencia como o Messias e O autoriza a purificar, como fora predito (Mt 3,14), o Templo em Jerusalém ("a casa do Pai"), de forma mais profunda do que com a expulsão dos mercadores. Jesus é, portanto, o Templo. Do seu lado transpassado brota (como na visão de Ezequiel: 1ª leitura) uma fonte viva e vivificante que purifica as águas salgadas do Mar Morto (que voltam à vida, repletas de peixes) e faz crescer todo tipo de árvores frutíferas e plantas medicinais onde quer que a fonte chegue.

Nós somos o Templo de Deus, como enfatiza a Segunda Leitura, que é sagrado e no qual habita o Espírito de Deus, construído pelo próprio Deus, com a colaboração humana, sobre um único fundamento: Jesus Cristo, o Templo pessoal de Deus, em quem o Espírito de Deus habita em sua plenitude (Mt 3,16; Mc 1,10; Lc 3,22; Jo 1,32-33; Lc 4,16-21).

Os edifícios visíveis onde nos reunimos representam esta realidade: igrejas, a Igreja; templos, o Templo; altares, o Altar. São casas de oração, lugares da presença e da ação de Deus (prefácio). Mas a Igreja não termina neste mundo; antes, abre-se à Jerusalém Celeste (oração, prefácio, pós-comunhão).

Ou seja, o verdadeiro Templo é a humanidade de Jesus. Sobre este fundamento nós, a comunidade de fé, a Igreja, somos edificados: somos também, cada um de nós e juntos, templos de Deus. Os templos de pedra onde nos reunimos são consagrados com uma bênção especial, mas não são "sagrados" em si mesmos, como se possuíssem uma presença especial de Deus e um poder santificador especial que agisse sobre aqueles que neles entram. Não é o lugar que confere santidade à assembleia; é a assembleia que ali se reúne (o Povo de Deus, o Templo de Deus, a Igreja) e o que ali faz (oração, sacramentos, a Eucaristia) que santifica o lugar. O templo não nos santifica, mas a nossa presença santa santifica o templo.

Uma Pequena História Da Festa

“Quando o imperador Constantino deu plena liberdade aos cristãos (ano 313), não pouparam esforços para construir templos ao Senhor. Por isso, muitas igrejas foram construídas naquela época. O próprio imperador deu o exemplo, mandando construir uma magnífica Basílica no Monte Célio, em Roma, no lugar do antigo Palácio de Latrão, que o Papa Silvestre I havia dedicado ao Santíssimo Salvador (318 ou 324). Ali, foi construída uma Capela dedicada a São João Batista, que servia de batistério: no século IX, o Papa Sérgio III confirmou a dedicação a João Batista. Por fim, no século XII, Papa Lúcio II também a dedicou a São João Evangelista. Daí a denominação da Basílica Papal do Santíssimo Salvador e dos Santos João Batista e Evangelista de Latrão. A Basílica é considerada pelos cristãos como a principal, a mãe de todas as igrejas do mundo” (Vatican News).

A Basílica do Latrão é um dos primeiros templos que os cristãos puderam erguer depois da época das perseguições. Foi consagrada pelo Papa Silvestre I no dia 09/11/324. A festa, que a princípio era celebrada apenas em Roma, passou a ser festa universal no rito romano, em honra dessa igreja chamada “Mãe e Cabeça de todas as igrejas de Roma e de todo o mundo” (Urbis et Orbis: à cidade [de Roma] e ao mundo) como sinal de amor e de unidade para com a Cátedra de São Pedro. A história desta Basilica evoca a chegada à fé de milhares de pessoas que ali receberam o Batismo.        

Latrão era um palácio, propriedade romana da família dos Laterani. Nos inícios do século IV pertencia a Fausta, esposa do imperador Constantino, que fez a doação desse patrimônio à Igreja. Constantino mandou construir no lugar do palácio (por volta de 324) uma suntuosa basílica em honra a Cristo Redentor que se tornou a catedral de Roma e a primeira basílica patriarcal. No início do século X, sob a gestão do papa Sérgio III (904-911), ela foi consagrada adicionalmente a São João Batista e a São João Evangelista, e desde então é conhecida pelo nome de basílica “São João de Latrão”. Segundo a inscrição, o Papa Clemente XII (1730-1740), conhecido como um papa promotor das artes e das ciências, mandou afixar que essa basílica é a “mãe e cabeça de todas as igrejas da Urbe e do Orbe” (“Mater et Magistra omnium Ecclesiarum”, e “cardo totius urbis et orbis”).          

Nessa basílica foram realizados os cinco concílios ecumênicos: Concílio de Latrão I, o nono concílio (1123); Concílio de Latrão II, o décimo concílio (1139); Concílio de Latrão III, o décimo primeiro concílio (1179); Concílio de Latrão IV, o décimo segundo concílio (1215); e o Concílio de Latrão V, o décimo oitavo concílio (1512-1517).         

A basílica lateranense ocupa lugar único e preponderante entre as basílicas romanas. Nessa basílica os papam haviam residido durante quase mil anos (do tempo de Constantino até o exílio de Avinhão). Depois da morte do papa Bento XI (1303-1304), o conclave se realizou em Perúgia. O Colégio Cardinalício dividira-se em duas facções: a francesa e a italiana. O conclave teve 11 meses de duração. Finalmente foi eleito o candidato dos franceses, Clemente V (1305-1314). Com essa eleição iniciava-se o exílio dos papas em Avinhão, a partir de 1309, que duraria 70 anos. A partir de 1309 o papa passou a residir em Avinhão, França. Somente a partir do Papa Gregório XI (1370-1378: papa francês) começou o retorno para Roma. Gregório XI deixou Avinhão, acompanhado de 13 cardeais, em 13 de setembro de 1376, ingressando solenemente em Roma

·      A partir de Clemente V começou a dominação francesa. Foram eleitos os papas franceses sucessivamente: João XXII (1316-1334), sucessor de Clemente V; Bento XII (1334-1342); Clemente VI (1342-1352); Inocêncio VI (1352-1362); Urbano V (1362-1370). Este papa decidiu o regresso a Roma, porque também Santa Brígida da Suécia, inclusive Santa Catarina de Siena, solicitara que o fizesse. Mas por causa da pressão dos cardeais franceses esse regresso não teve sucesso, embora esse papa chegasse a entrar em Roma, mas voltou novamente para Avinhão; Gregório XI ((1370-1378). Com Gregório XI morreu o último papa francês a ocupar a cátedra de Pedro.          

A festa da consagração da Basílica do Latrão que celebramos hoje deve nos levar a revivermos e a pensarmos na unidade de toda a Igreja como Cristo sempre quer: “Que eles sejam um”, assim ele rezou antes de sua morte (cf. Jo 17). A palavra “igreja” em si significa “assembléia”, “comunidade”. Se a comunidade não existe, os corações se fecham e morrem. Mas a unidade não significa a uniformidade, pois negaria o dom de cada um e empobreceria a convivência. Por isso, Santo Agostinho dizia: No essencial unidade, na dúvida liberdade, mas em tudo a caridade”. Certamente a autenticidade da comunhão e da comunidade se manifesta no esforço constante de amar seus irmãos e irmãs, com enorme fidelidade, sem julgar nem condenar.

*************

II. Outra Reflexão Sobre o Evangelho Deste Dia

O texto do evangelho de hoje é lido em função da festa mencionada.  Esse texto se encontra na primeira parte do quarto Evangelho que costuma ser chamada de “Livro dos Sinais” (Jo 2,1-12,50). Chama-se assim porque referem-se aos sete sinais realizados por Jesus (Jo 2,1-11;4,46b-54;5,1-9;6,1-15;6,16-21;9,1-41;11,1-44). Estes sinais são reunidos por evangelista do quarto Evangelho na seção que vai de Jo 2 até Jo 12.          

No quarto Evangelho, como já sabemos, não se fala de milagre (dynamis), fala-se de sinal (semeion). No quarto evangelho usa-se o termo “sinal”. Chama-se de “sinal” porque o espectador/ leitor é obrigado a mergulhar no mistério do sinal para captar seu significado. Os sinais são ações simbólicas que impulsionam o espectador/ leitor a buscar, muito além do episódio concreto, uma realidade mais profunda até a qual aponta o relato narrado. O sinal leva por si ao conhecimento de realidade superior.       

O relato da “purificação do Templo” (X. Léon-Dufour não aceita o uso desta expressão no quarto Evangelho, pois segundo ele, a expressão “purificação do Templo” se usa nos sinóticos e não no quarto Evangelho) ou “substituição do Templo(Johan Konings usa o termo “suplantar” em vez de “substituir”) se encontra também nos evangelhos sinóticos (cf. Mc 11,15-19; Mt 21,10-17; Lc 19,45-48). Mas o quarto evangelho tem suas próprias acentuações. Os sinóticos colocam este episódio na última semana da atividade de Jesus. O quarto Evangelho o coloca logo no início da vida pública de Jesus. Para o quarto evangelho este episódio é um gesto programático (compare Lc 4,16-30) que, como tal, deve figurar ao princípio da atividade de Jesus.

O episódio é introduzido mediante a afirmação sobre a proximidade da festa judaica da páscoa. Esta forma de mencionar a festa principal dos judeus indica distância e separação entre o objetivo da festa e a prática atual dos judeus, na época. A páscoa era uma festa de libertação. Ela evocava o passo da escravidão à libertação (cf. Ex 12,17;13,10). Em tempos de opressão, o pensamento da libertação se acentuava mais. Ao desviar-se do próprio objetivo da festa (não é mais uma festa de libertação), surgia inevitavelmente a idéia de uma nova libertação. E este era o caso em tempos de Jesus. Além disto, o templo, que é o símbolo e a síntese do sistema religioso, a partir de agora será “substituído” ou suplantado pela presença de Jesus. Não é por acaso que este episódio se coloca logo depois do primeiro sinal (Jo 2,1-11) que simboliza as núpcias de Deus com sua comunidade no tempo final. E desde início de sua atividade Jesus é o “lugar santíssimo” de Deus.

O que tem por trás do gesto de Jesus em expulsar os vendedores do Templo?         

Em primeiro lugar, a Páscoa que era uma festa familiar e festa de libertação se transforma numa festa da maior exploração. Os peregrinos que vêm de longe não podem trazer consigo os animais para ser sacrificados. Eles compram os animais no próprio Templo. E os donos dos animais são os latifundiários pertencentes à elite religiosa. A Páscoa para eles é o momento de lucro, pois eles aumentam o preço dos animais exageradamente. E os peregrinos não têm outra opção a não ser comprar esses animais apesar do preço alto. A Páscoa não é mais um momento de celebrar e de reviver a libertação, mas se torna uma festa de exploração. As elites religiosas exploram o povo por meio do culto. O “deus” do Templo, para estas elites religiosas, é o dinheiro. A religião se transforma num instrumento que acoberta a injustiça e exploração. Por isso já não é mais “a casa de meu Pai”, e sim um mercado. Como se vive a religião hoje em dia?            

Em segundo lugar, quem pode comprar os animais maiores (como boi, ovelhas) são os ricos. Surge aqui outra mentalidade. O sacrifício se torna como que uma moeda pela qual compra-se de Deus a salvação. A salvação não mais depende de dois lados simultaneamente (de Deus que oferece e do homem que corresponde), mas somente do homem que a compra. Isto quer dizer que quem não for capaz de comprar a salvação, ficará fora dela. E os pobres e miseráveis?             

O que nos chama atenção, no quarto Evangelho, é o fato de Jesus se dirigir somente aos vendedores de pombas. Para eles é que Jesus diz: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio” (v.16). Porque a pomba era o animal sacrificado nos holocaustos (cf. Lv 1,14-17) e nos sacrifícios (Lv 12,8;15,14.29) oferecidos especialmente pelos pobres, por meio dos sacerdotes, para reconciliar-se com Deus e para purificar-se (Lv 5,7;14,22.30-31; cf. Lc 2,44). Os vendedores de pombas são os que, por dinheiro, oferecem aos pobres a reconciliação com Deus, e representam os sacerdotes do Templo que fazem comércio com a graça de Deus. Em outras palavras, a hierarquia sacerdotal explora especificamente os pobres, oferecendo-lhes por dinheiro para ganhar favores ou benefícios de Deus. Eles apresentam Deus como um comerciante, pois convertem a casa de Deus num mercado.                     

Jesus expulsa os vendedores do Templo. Ele quer limpar o templo de todo tipo de exploração e de injustiça. A limpeza do templo é um gesto de profundo simbolismo. O homem deve limpar sempre a morada de Deus que é ele mesmo de todo tipo de “sujeira” através de uma conversão contínua todos os dias de sua vida. O culto verdadeiro consiste na mais profunda união do homem ao divino, na mais pura e incondicional entrega à vontade de Deus. O culto do cristão é um culto de Espírito (Jo 4,23). O templo não santifica o nosso culto, e sim nosso amor fraterno santifica nosso culto e a comunidade. Deus habita no próprio ser humano, e não em edifícios (2Cor 6,16). Cada cristão é ele próprio templo de Deus enquanto membro do Corpo de Cristo (1Cor 3,16; 6,19). E as pedras vivas deste edifício espiritual são os que pertencem ao novo povo de Deus. Devemos amar os nossos semelhantes porque são nossos irmãos; e devemos reverenciá-los, pois são filhos de Deus e devemos respeitá-los, pois são templo de Deus. Assim quem desrespeita o ser humano está desrespeitando o próprio Deus e toda a pessoa humana, chamada a ser templo de Deus (1Cor 3,16-17; 6,19).

2. 1. Jesus é o novo Templo de Deus

Quando João escreve seu evangelho, ele o faz sob a luz da experiência pascal. E do seu ponto de vista, o ponto de vista da fé na ressurreição de Jesus, ele interpreta as palavras de Jesus referindo-as ao seu corpo morto e ressuscitado aos três dias: “Destrua este Templo e em três dias eu o levantarei!” (Jo 2,19). João sublinha a alusão à ressurreição ao empregar não o termo “edificar” e sim “levantar” (egeirein), o verbo diretamente relacionado com os termos neotestamentários que designam a ressurreição de Cristo. Isto quer dizer que a partir de então Jesus é o novo templo de Deus. Deus revela sua glória no amor leal que se manifesta na entrega de Jesus na cruz e na vida que, pela força do amor de Deus, acaba vencendo a morte e continua manifestando sua glória e fazendo-se presente em cada homem e em cada grupo que intenta amar com a mesma lealdade. Em Jesus, o Novo Templo, nos encontramos com Deus.

Se Jesus é o verdadeiro templo, compreende-se, então, sua oposição a qualquer outro templo, que pretenda se situar como algo sagrado acima do homem. Jesus é o Templo, o âmbito do encontro dos homens com Deus, culto a Deus em espírito e em verdade (Jo 4,23).

Jesus é o Templo; e os que se incorporam a Jesus pela fé formam com ele um verdadeiro templo. Consequentemente, a igreja material para os cristãos é a casa do povo de Deus. O povo de Deus, reunido em nome de Cristo, incorporado à missão de Cristo, é a verdadeira casa ou templo de Deus (1Cor 3,16-17). 

Com efeito, o culto verdadeiro consiste na mais profunda união do homem ao divino, na mais pura e incondicional entrega à vontade de Deus que se concretiza no amor ao próximo, que é o Templo de Deus também.. Deus somente cabe no homem que, por amor, entrega e gasta a vida pelo bem do próximo e pela sua libertação.

Com isso, o templo-edifício não santifica o nosso culto, e sim o nosso culto santifica o lugar, o templo-edifício e a comunidade. O templo deixa de ser lugar de encontro com Deus, Pai de todos, quando nossa vida se transformar em um mercado onde reinam apenas interesses. Não pode haver uma relação filial com Deus Pai quando nossas relações com os demais estão midiatizadas somente por interesse ou por egoismos. O culto do cristão é um culto em espírito e em verdade (Jo 4,23).

2.2.  O Ser Humano Também É Templo De Deus

Deus está também em cada um de nós (cf. Mt 25,40.45). Por isso, somos templo de Deus, como diz São Paulo: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós(1Cor 3,16-17). 

Deus habita no próprio ser humano, e não em edifícios (2Cor 6,16). Cada cristão é ele próprio Templo de Deus enquanto membro do Corpo de Cristo (1Cor 3,16). Assim, quem desrespeita o ser humano está desrespeitando o próprio Deus e toda a pessoa humana, chamada a ser Templo de Deus (1Cor 3,17).

Se cada ser humano é um Templo de Deus, isto significa que oprimir, desprezar, maltratar um homem é um “sacrilégio”. Deus está presente em cada homem. Jesus Cristo está no homem que é oprimido, desprezado e maltratado.

Infelizmente, o homem- templo, onde Deus habita, é uma grande ideia que o homem de hoje perdeu. Consequentemente, ele perdeu o respeito ao outro, à vida do homem, à liberdade do homem e aos direitos do homem. Onde Deus for excluído, entrará a ditadura, a opressão, o crime, as torturas, injustiça e a desonestidade institucionalizados.

Por isso, a limpeza do templo é um gesto de profundo simbolismo. O homem deve limpar sempre a morada de Deus que é ele mesmo de todo tipo de “sujeira” através de uma conversão contínua todos os dias de sua vida.       

O evangelho deste dia, por isso, nos traz de volta a consciência de sermos templo de Deus e de respeitar novamente, como Deus sempre quer, aos outros como habitação de Deus. Além disto, este evangelho nos leva ao arrependimento de tudo que cometemos em relação à dignidade humana desrespeitada, que se expressou através de violência moral-verbal e física, difamação etc. E este arrependimento deve se tornar em conversão sem fim, pois o homem velho dentro de nós sempre tenta nos levar ao passado pecador.

Pe. Vitus Gustama,svd

Nenhum comentário:

16/12/2025- Terçaf Da III Semana Do Advento

O DIZER E O FAZER DO CRISTÃO DEVEM ESTAR EM SINTONIA Terça-feira da III Semana do Advento   Primeira Leitura: Sf 3,1-2.9-13 Ass...