Quinta-Feira Santa,13/04/2017
QUINTA-FEIRA
SANTA DE AMOR
Jo 13,1-15
O texto
Jo 13,1-15 faz parte do discurso da despedida de Jesus (Jo 13,1-17,26). Na
realidade, o discurso de despedida se encontra apenas nos capítulos
13,31-14,31. A continuação lógica de Jo 14,31 encontramos em Jo 18,1, no relato
da paixão. Jo 15-17(três capítulos) havia sido introduzido neste espaço aberto
por evangelista-redator para incluir no evangelho o material precioso que até
agora não tem encaixado dentro do esquema do evangelista.
Amar
Até o Fim
O texto começa com esta frase: “Antes da festa da Páscoa, sabendo
Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os
seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”. Este primeiro versículo do capítulo 13 é
muito solene; e é uma abertura e uma espécie de síntese de toda a segunda parte
do Evangelho de João (Jo 13,1-20,29).
Fala-se neste versículo a chegada da hora de Jesus que vinha
sendo preparado passo a passo na parte anterior (Jo 2,4; 7,6.30; 8,20;9,3-5; 12,23).
Jesus vive em função dessa “hora”. “Chegou a hora” significa chegou o momento
da glorificação. A morte para Jesus não é o fim e sim é um momento de
glorificação.
Por isso, fala-se também da páscoa (passagem).
Jesus vai passar ao Pai (páscoa, passagem). É uma passagem nova e diferente,
porque para chegar ao Pai ele tem que passar pela cruz onde ele se entrega para
dar a vida ao homem por amor. Por isso, a páscoa do Senhor se caracteriza pelo
amor: “Ele, que tinha amado os seus que
estavam no mundo, amou-os até o fim”.
O seu
amor se expressa no máximo grau dando a vida por seus amigos (Jo 15,13). Por isso, Jo usa o termo ágape, aqui, quando se fala do amor.
Ágape é o amor divino
cujas características são estas: gratuita, total, imutável e definitiva.
Estas características nos mostram que Jesus está totalmente com Deus, a ponto
de ele amar como Deus ama. Jesus ama sem medida, ama até o fim.
Um ser
humano que ama desta maneira significa que ele foi modelado por Deus de amor. Quem é modelado por
Deus totalmente sempre tem vontade para fazer o bem em qualquer lugar e
situação e para qualquer pessoa em necessidade. Quem é modelado totalmente por
Deus somente tem amor no coração. Quem é modelado por Deus se torna simples e é
capaz de simplificar o que é complicado. Este é a última etapa passada por
Jesus. O que vem a seguir é explicação e aprofundamento do que significa “amar
até o fim”.
Jesus quer
que façamos esta páscoa
(passagem ). É uma passagem ,
na linguagem de São
Paulo, do homem velho
ao homem novo ,
do fermento da malícia
aos pães não
fermentados de pureza e de verdade (cf. 1Cor
5,8). Esta passagem é um modo de viver de um a um outro modo : do viver para o mundo e conforme o mundo ,
ao viver para o Pai . É uma passagem
do “eu ” para Deus e do “eu ” para o outro .
A páscoa
é caminhar em
direção de Deus .
É deixar-nos modelar por Deus e deixar-nos iluminar pela luz de Deus e expor nossa vida ao Seu Julgamento e ao seu perdão . É preciso abrirmos “as janelas ”
de nosso coração
para deixar a luz divina entrar nele. Por isso , é uma passagem
à liberdade e à alegria .
Se formos sinceros ,
somos ainda escravos
de tantas coisas . E Deus
nos convida a sairmos de tudo isto . Isto se chama a
páscoa , uma passagem .
Como é bom
ser livre !
Como é bom passar a vida fazendo o bem, pois isto significa passar para a vida
de Deus mesmo que os pés ainda pisem sobre a terra.
A expressão “os seus ” é característica nesta passagem . Ela indica a intensidade
do amor , a predileção
e a pertença a Cristo .
Esta expressão é unida a outra : “que
estavam no mundo ” para
sublinhar a situação
de solidão , de perseguição e de estranheza dos discípulos
no mundo . A relação
“discípulo-mundo” aparece com frequência
nos capítulos
13-17.
A expressão “até o fim ” (eis telos),
que significa duplamente :
“total , absolutamente ”
e “até o último
momento da vida ,
até a plenitude
ou no mais
alto grau ”,
prepara a exclamação
de Jesus na cruz : “Está consumado ” (Jo 19,30; 19,28).
Jesus ama sem medida . Em Jo
15,13 se apresenta a morte voluntária
como a expressão
suprema do amor :
“Ninguém tem maior
amor do que
aquele que
dá a vida por
seus amigos ”.
Servir
Como Estilo de Vida
“Tirar o manto ”
significa abrir mão
de todo privilégio
ou posição
social . O ato de “lavar os pés ” (nos vv. 5-14 ocorre 8 vezes
o verbo “niptein”,
“lavar ”, num total
de 13 vezes no NT) era
comum no Antigo
Oriente para honrar um hóspede que
viera por caminhos
poeirentos . Este gesto
fazia parte da hospitalidade .
Quem prestava esse
serviço podiam ser ,
com uma conotação
de carinho , os filhos
ou a esposa ,
ou , como
manifestação de dedicação ,
o próprio anfitrião
(cf. Lc 7,44), mas normalmente era
feito por
algum escravo .
O gesto tinha
uma conotação de humilhação
tão forte
até certos
rabinos proibiam que
os escravos judeus
fossem obrigados a prestar
esse serviço
a seus patrões .
Jesus se
põe a fazer o que
faziam os escravos não-judeus ou as mulheres . Jesus garante que a felicidade
não está nos
títulos , honra ,
ou posição
social que
as pessoa ocupam, mas
está em descobrir
o caminho do serviço
que entrega
a vida por
amor .
O evangelho não diz quem foi o primeiro a ter
os pés lavados. Isso é sinal de que Jesus não privilegia ninguém. Todos recebem
seu amor-serviço de modo igual e imparcial, inclusive o traidor, Judas.
Simão Pedro reage com energia. Ele viu no
gesto de Jesus lavar os pés um mero gesto de humilhação; Jesus, porém, a
dedicação da própria vida. Ele continua acreditando que é muito normal que numa
comunidade alguns sejam senhores e outros sejam servos, os primeiros cheios de
direitos e privilégios e os segundos cheios de deveres. Ele crê piamente numa
sociedade de desiguais. Por isso, ele representa aquelas que seguem a Jesus mas
ainda não se encontraram.
Jesus diz que
sem lavar os pés , Pedro não
terá parte com
Jesus. “Ter parte ”
é uma expressão semítica .
A parte é a herança
que Deus
concede ao seu povo (Gn 31,14;2Sm
20,1;1Rs 12,16). Na meditação judaica , o tema
da herança aprofundou-se em três direções : individual ,
espiritual e escatológica. A herança , por isso , não é mais simplesmente
a Terra Prometida, mas
a comunhão com
Deus , a salvação ou a vida , na linguagem de João; e não
mais uma realidade
presente , mas
futura . O gesto de Jesus, então , deve ser
compreendido no sentido de participar do dom
escatológico. E não é possível comungar da vida de Jesus sem
aceitar sua
lógica do serviço
radical .
Deixar-Se
Purificar Por Amor
No diálogo
com Pedro, Jesus afirma: “Também vós
estais limpos , mas
não todos ” (v.10b). Jesus está falando
do traidor (Judas ).
Por isso ,
é bom ler o
v.21 logo depois
do v.11 para ver sua sequência lógica .
Cristo não
exclui o traidor do benefício do rito
do lava-pés . Todavia ,
o rito não
terá para ele
nenhuma utilidade . Mas
mesmo diante
daquele que o trairá, o Senhor
se abaixa .
Ao dizer “nem todos estão limpos ”
Jesus se refere à pureza que nasce do coração
da acolhida à Palavra e que cresce na fé .
No relato mais
adiante , Jesus identificará o traidor com
estas palavras : “É aquele a quem eu der pão que vou umedecer no molho ”
(Jo 13,26). O ato de Jesus de oferecer o pão umedecido no molho a Judas é
o sinal de carinho
especial . Isto
quer dizer que até o traidor Jesus ama
até as últimas consequências, de maneira extraordinária
e quer sua
salvação. Mas Deus
continua respeitando a liberdade de escolha do homem .
Deus sempre
provoca as pessoas à tomada de decisão .
A única
coisa que Deus faz é oferecer o seu amor ao ser humano até o fim , pois “Deus é amor ”(1Jo 4,8.16). E infelizmente ,
Judas não
aceita esta oferta de amor . É duro não querer ser
amado . É incompreensível
não querer aceitar o carinho . Aquele que é capaz de receber amor do Outro e
dos outros , é capaz
também amar
os outros .
Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus
retoma o manto e senta de novo à mesa, ou seja, volta à condição de pessoa
livre pois os dois gestos “retomar as vestes” e “sentar-se” indicam a condição
da pessoa livre (os escravos permaneciam de pé, prontos para executar as ordens
do seu senhor).
Aqui há um detalhe importante: o evangelho
não diz que Jesus tenha tirado a toalha, símbolo do serviço por amor. Esse
pormenor é muito significativo, pois o serviço de Jesus continuará até a cruz.
A toalha ou o avental é o símbolo
do serviço ao irmão . O serviço ao irmão
é o distintivo que
o cristão jamais
pode depor , deve vesti-lo vinte quatro
horas por
dia , pois a todo momento
pode haver um
irmão que
precisa dele e ele
deve estar sempre
pronto a prestar-lhe o seu serviço . Se
não aceita gastar
a vida no humilde
serviço aos necessitados, nada tem em comum com Jesus:
“Dei-vos o exemplo ,
para que
façais a mesma coisa
que eu
fiz” (v.15). É um indicativo e um
imperativo ao mesmo
tempo . O que
devemos fazer (imperativo )
está fundado sobre
algo que
nos foi dado
por Cristo (indicativo ), algo
que é anterior
à nossa obrigação .
Antes da obrigação
moral vem o dom
de Deus em
Jesus. Importa “deixar lavar
os pés (ser salvo ) por
Jesus, mas devemos também
“lavar os pés
uns dos outros ”(serviço
fraterno ). Jesus amou primeiro
(cf. 1Jo 4,10.19), mas a partir
daí é nossa vez .
Continuar as ações
de Cristo não
é repetir ritos
mas atitudes :
amor e serviço .
O amor sincero
e o serviço alegre ,
ao estilo de Jesus, há de ser
o modo de presença
de cada cristão
neste mundo .
O serviço
pode ser animado
pelo amor
devotado (o dos pais pelos filhos ). Mas muitas vezes
esse mesmo
amor pode ser
corrompido pela vontade
de poder que
se aninha no coração do homem , tornando-se o serviço
prestado uma maneira de levar
o outro a depender
da pessoa em questão . Não podemos esquecer que a morte de Jesus é um grande dom para nós porque nos liberta . Só quando tivermos assimilado esse
fato de esvaziamento de Deus para nós , seremos capazes
de “lavar os pés ”
uns aos outros sem
nos tornarmos importantes
ou impormos nossa
“caridade ”. Imitar
Jesus é imitar Deus
que se esvazia por
nós .
De que modo podemos traduzir em gestos
concretos o lava-pés na nossa vida cotidiana e o amar até o fim? Você será
capaz de amar até o fim? Não poderemos exercer o amor até o fim, se nosso
coração não estiver despojado.
Somos
Uma Igreja No Amor Fraterno
A Quinta-Feira Santa está carregada de
sentido eclesial. É um dia em que se congrega a Igreja como uma comunidade
maior, como uma comunidade diocesana em torno de seu pastor, o bispo, para a consagração
dos santos óleos com os quais se realizará durante a celebração dos sacramentos.
O bispo, como pai e bom pastor, nos convoca e nos congrega num rebanho como
sacramento do verdadeiro Bom Pastor que é o Senhor Jesus Cristo.
Mesmo que por razoes pastorais esta celebração
(dos santos óleos) seja feita em outro dia, ainda assim, ao receber em nossas
comunidades os santos óleos nós reconhecemos o sinal de nossa eclesialidade.
Os santos óleos serviram sempre na Igreja
para realizar a mediação sacramental da doação do Espirito Santo em diversas
circunstancias da vida; simbolizaram fortaleza, agilidade, medicina, bom odor. Todas
as significações que podem ser relacionadas com os óleos santos nos remitem ao
Espirito de Deus que na Igreja é nos comunicado permanentemente pelo Senhor
Jesus Cristo.
O sacramento do serviço (lava-pés) como
mandato do Senhor, é realizado neste dia como expressão vivida do Espirito que
tem que animar os seguidores do Mestre que não vem para ser servido e si para
servir (cf. Mc 1045).
Na presidência do bispo celebramos com
especial solenidade a Ceia do Senhor, o Sacramento da fraternidade, congregados
pela memória do Senhor que morre e ressuscita e que quer que sejamos a Igreja. A
Eucaristia faz a Igreja, pois somos alimentados pelo mesmo Pão da Palavra de
Deus e pelo Pão Eucarística. Na Eucaristia todos nós formamos uma comunidade de
irmãos e por isso, de iguais.
Dom Do
Sacerdócio
E ao mesmo tempo, o sacramento do sacerdócio
foi sempre proclamado neste dia como a mediação da presença de Jesus Cristo, o
Bom Pastor. Celebramos a instituição do sacerdócio neste dia. Qual é o valor
deste sacramento? O Papa Francisco nos relembra com as seguintes palavras:
·
O
Senhor ungiu-nos em Cristo com óleo da alegria, e esta unção convida-nos a
acolher e cuidar deste grande dom: a alegria, o júbilo sacerdotal. A alegria do
sacerdote é um bem precioso tanto para si mesmo como para todo o povo fiel de
Deus: do meio deste povo fiel é chamado o sacerdote para ser ungido e ao mesmo
povo é enviado para ungir. Na nossa alegria sacerdotal, encontro três
características significativas: uma alegria que nos unge (sem nos tornar
untuosos, sumptuosos e presunçosos), uma alegria incorruptível e uma alegria missionária que
irradia para todos e todos atrai a começar, inversamente, pelos mais distantes.
·
Uma alegria que
nos unge. Quer dizer: penetrou no íntimo do nosso
coração, configurou-o e fortificou-o sacramentalmente. Os sinais da liturgia da
ordenação falam-nos do desejo materno que a Igreja tem de transmitir e
comunicar tudo aquilo que o Senhor nos deu: a imposição das mãos, a unção com o
santo Crisma, o revestir-se com os paramentos sagrados, a participação imediata
na primeira Consagração... A graça enche-nos e derrama-se íntegra, abundante e
plena em cada sacerdote. Ungidos até aos ossos... e a nossa alegria, que brota
de dentro, é o eco desta unção.
·
Uma alegria
incorruptível. A integridade do Dom – ninguém lhe pode
tirar nem acrescentar nada – é fonte incessante de alegria: uma alegria
incorruptível, a propósito da qual prometeu o Senhor que ninguém no-la poderá
tirar (cf. Jo 16, 22). Pode ser adormentada ou sufocada pelo
pecado ou pelas preocupações da vida, mas, no fundo, permanece intacta como o
tição aceso dum cepo queimado sob as cinzas, e sempre se pode renovar.
Permanece sempre atual a recomendação de Paulo a Timóteo: reaviva o fogo do dom
de Deus, que está em ti pela imposição das minhas mãos (cf. 2 Tm 1,
6).
·
Uma alegria missionária.
Sobre esta terceira característica, quero alongar-me mais convosco
sublinhando-a de maneira especial: a alegria do sacerdote está intimamente
relacionada com o povo fiel e santo de Deus, porque se trata de uma alegria
eminentemente missionária. A unção ordena-se para ungir o povo fiel e santo de
Deus: para batizar e confirmar, para curar e consagrar, para abençoar, para
consolar e evangelizar (Basílica
Vaticana Quinta-feira, 17 de Abril de 2014).
P. Vitus Gustama,svd
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