Sexta-Feira Santa,14/04/2017
A CRUZ E O CRISTÃO
SEXTA-FEIRA SANTA
Hoje é a Sexta-feira Santa. A Sexta-feira
Santa nos faz lembrar da Paixão de Jesus. E a Paixão de Jesus leva a nossa
memória à cruz de Jesus. Mas qual é a nossa memória sobre a cruz de Jesus. O
que nos faz lembrar da cruz de Jesus? Será que tem sentido de celebrar a Paixão
de Jesus na cruz, uma experiência tão dolorosa, enquanto Jesus já
ressuscitou? Será que um católico tem
prazer de falar da dor? O que aprendemos da cruz de Jesus?
É bom perguntar. Mas é melhor ir atrás de
respostas. Pode ser que tenhamos respostas mais cedo ou ao longo de nossa
existência terrena. Pode ser que uma experiência bem marcante suscite uma
resposta ou sentido para outra experiência que escapou de nossa atenção ou de
nossa reflexão. As nossas perguntas sobre Deus faz parte da providência divina.
Perguntar é o início de uma sabedoria desde que corramos atrás de respostas para
nossas perguntas. Perguntar nos faz encontrar o sentido que faz da nossa vida a
Vida, saciando a nossa fome e sede. “Escalei
o pico da fama e não encontrei nenhum abrigo em sua estéril altura. Meu Guia,
antes que o dia se apague, conduze-me ao vale da tranquilidade, onde a colheita
da vida amadurece em dourada sabedoria. Tu me guiaste pelos ruidosos caminhos
do dia até a minha solidão no entardecer. Agora fico esperando que a
tranqüilidade da noite me revele o que ela significa” (Rabindranath
Tagore). Realmente precisamos de muita tranquilidade divina (silêncio) para
encontrar as respostas para as nossas perguntas. “A doutrina sobre Cristo começa no silêncio... Falar de Cristo significa
calar, calar sobre Cristo significa falar. Um falar correto da Igreja
resultante de um correto calar é o anúncio de Cristo” (D. Bonhoefer).
1. A cruz a partir de Jesus (Deus)
Precisamos estar conscientes de que Deus não
queria a cruz para seu Filho amado, como qualquer pai ou mãe neste mundo não
queria o sofrimento para seus filhos. Com certeza, Jesus também não queria a
cruz (cf. Lc 22,42; Mt 26,39; Mc 14,36). Mas por que, então, Jesus sofreu tanto
na cruz? Coloco aqui apenas duas de tantas razões.
a). A Cruz É A Consequência
De Um Amor Apaixonado De Deus
Ao olhar para a cruz de Jesus sabemos o
quanto Deus nos amou. O nosso Deus é realmente um Deus apaixonado pelo ser
humano: “Deus amou tanto o mundo que
entregou o seu Filho único para que o mundo seja salvo” (Jo 3,16). O nosso
Deus é, realmente, amor (1Jo 4,8.16). “Não importa se Deus existe; importa
saber que Deus é amor” (S. Kierkegaard). E a Bíblia dá a garantia disso mesmo:
que Deus é amor.
E o meio para que o amor de Deus chegue até a
humanidade é a encarnação de Deus em Jesus Cristo. Jesus é a manifestação
tangível do amor do Pai (1Jo 4,9). Jesus é o amor de Deus feito carne. Por
causa do amor, Deus é capaz de abaixar-se só para salvar a humanidade. Deus
abaixa-se tanto em Jesus Cristo por amor até aceitar morrer como se fosse
malfeitor e bandido em solidariedade com todos os inocentes, os injustiçados e os
maltratados da história. Em Jesus encontramos um Deus de bondade que corre
atrás da ovelha perdida (cf. Mt 18,12-14). Em Jesus encontramos um Deus que
fortalece os fracos, ergue os decaídos e defende os indefesos. Toda a atividade
de Deus em Jesus é uma atividade amorosa. Se cria, cria por amor; se governa as
coisas, o faz no amor; quando julga, julga com amor. Tudo quanto faz é
expressão de sua natureza, e sua natureza é amar. Deus ama não para
completar-se, mas para completar; não para realizar-se, mas para realizar.
Deus, amando, não procura sequer a sua glória, mas esta glória nada mais é do
que amar o homem gratuitamente.
A dor de Jesus não se encerra jamais sobre si
mesmo, ao contrário, está totalmente aberta ao próximo. Por isso, o profeta
Isaías citado por Mateus, resumiu: “Ele
tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças” (Mt 8,17). Tão
profundamente sentiu a dor humana, que dedicou sua vida para servir a todos,
para aliviar suas penas e para ensinar-lhes o caminho da superação e o caminho
da fraternidade (Lc 4,18-19). Sua existência esteve totalmente orientada no
sentido de aliviar a dor alheia. Serve a Deus servindo a seu próximo. Não
fechava seu coração para ninguém. Ele fazia cada um ver o amor de Deus que Deus
lhe tinha e seu próprio valor humano. Enquanto outros encontram razões para
condenar, ele as encontra para salvar.
A partir da cruz de Jesus sabemos que somos
amados de Deus. Amados por Deus, qualquer que seja a obscuridade e a
insignificância da nossa situação atual. Somos amados de Deus é uma mensagem
transformante; é uma mensagem que abre todos os nossos horizontes. Embora eu me
sinta abandonado, solitário e perdido num mundo violento e sem rumo, eu sou
amado por Deus. A minha história, por escura que seja, se torna uma história da
salvação porque Deus me ama. Deus se dá
para mim, e ele dá para mim aquilo que ele tem de mais caro: seu Filho único,
Jesus Cristo. Mas esta entrega é perene, e não é apenas um ato passado. Deus
nos ama permanentemente no decorrer humano da nossa vida através de sua
providência e através da eucaristia celebrada e participada.
A vida é uma mistura de alegria, felicidade e
esperança, e também de tristeza, mágoa e dor. Cada um de nós carrega sempre
esse pequeno fardo. Mas quando nos damos conta do amor que Nosso Senhor tem por
nós, quando compreendemos que a sua vida nos revelou o amor que Deus tem por
nós, então temos de ficar cheios de esperança, de alegria e de paz. Por isso,
sei que a resposta se encontra olhando para Cristo crucificado. Madre Teresa de
Calcutá disse: “Se olhamos para a Cruz de Jesus sabemos muito bem como ele nos
amou. Quando olhamos para a Eucaristia, sabemos muito bem como ele nos ama”.
O homem, para acontecer sua realização plena,
é convidado a caminhar na direção do Deus de amor. O resto equivale a se
perder. Basta o homem deixar-se levar por Deus de amor, ele terá uma força
transformadora na sua vida. E com esta força o homem será capaz de apresentar-se
com o aspecto mais compassivo, mais humano e mais misericordioso, e falar com o
estilo mais humano e viver com outro calor humano.
b). A Cruz É O Fruto
De Uma Obediência(Fidelidade) Incondicional Ao Projeto De Deus
Obediência vem do latim “ob-audire” que
significa auscultar, prestar atenção, tender o ouvido, acolher, perceber,
saber, compreender, interpretar. Por isso, indica um encontro, um
relacionamento, um diálogo entre um “eu” e um “tu”. Este termo revela o caráter
dialogal da obediência. Obedecer é criar
relações; é atender ao convite de outrem. Obedecer é fazer próprias as
necessidades do(s) outro(s). A obediência é a resposta a uma solicitação ou
proposta que vem de fora, do outrem. E não há obediência sem fidelidade ao
projeto assumido. Eu sou fiel porque eu
obedeço livre e conscientemente a um valor. Ao obedecer a este valor, eu me
mostro fiel ao mesmo que assumo com liberdade. Neste sentido e no sentido do
próprio termo, a obediência não tem nada a ver com coisa imposta, pois a
imposição tira a liberdade e cria o medo. A imposição aterroriza qualquer
subordinado, e, consequentemente, cria um relacionamento falso. E na imposição
não há diálogo, há apenas ordem para ser obedecida e cumprida. Na imposição não
há amor, somente medo e terror.
A obediência de Jesus não foi nada de
imposição, mas antes uma obediência livre, aberta e sobretudo, uma obediência
baseada no amor e voltada unicamente ao cumprimento da vontade do Pai que é a
salvação dos homens por amor. Jesus assumiu a cruz em sinal de fidelidade ao
amor. Como disse o Papa João Paulo II, Jesus provou “a verdade do amor,
mediante a verdade do sofrimento” (Salvifici Doloris,18).
A cruz de Jesus exprime que Deus ama os
homens, e que o próprio Jesus se diz e se dá como amor e como salvação até ao
extremo: a morte na cruz. Todo amor é vulnerável. Na cruz, Deus passa diante da
humanidade a prova do amor, para que depois possamos também acreditar em seu
poder, o poder triunfante de sua ressurreição. Assim, a ressurreição de Jesus
se transforma para os que sofrem em uma bandeira de esperança. A onipotência
que Deus possui e revela em Cristo é a onipotência do amor doído até o fim sem
voltar para trás. Por isso, o Calvário é a revelação da fidelidade de Jesus ao
amor e revelação do seu amor num mundo de males e sofrimento. Deus é amor, e o
amor torna apto ao sofrimento, e a capacidade de sofrimento se consuma na
entrega e na imolação.
Nós existimos, então, porque Deus nos amou,
somos porque Deus nos ama, fomos redimidos e santificados porque Cristo se
ofereceu por nós por amor. O amor, por isso, é o fundamento e o princípio de
nosso ser e deve sê-lo também do nosso agir, e de nossa obediência a Deus que
se traduz no amor ao próximo.
2. A Cruz De Jesus A Partir Do Homem: Uma Rebeldia Contra O
Sofrimento
Popularmente, a cruz, com frequência, tem
sido tomado apenas como símbolo da dor humana. Às vezes se tem usado para
induzir os homens a não se rebelarem, mas sim a negociar com a dor; tem sido
motivo para justificar o sofrimento e ainda como pretexto para certas formas de
repressão. Com esta concepção, a cruz foi afastada grosseiramente de sua
referência a Jesus. A cruz de Jesus não tem nada a ver com atitudes de
passividade e resignação diante da dor. Isso seria uma cruz sem Cristo.
Adultera-se a cruz quando se faz dela um instrumento de resignação diante dos
males que afligem este mundo. Quem procura Cristo sem a cruz acaba encontrando
a cruz sem o Cristo. Mas quem procura o Cristo, como consciência desta busca,
encontra a cruz cujo ponto alto é a ressurreição. A cruz é a consequência da
opção por Cristo. E a consequência maior desta opção é encontrar o Cristo
ressuscitado e com Cristo encontrar-se-á a páscoa.
A cruz – e a teologia atual a tem sublinhado
com insistência cada vez maior – é um produto terrível do pecado, se a
encaramos da perspectiva humana. Da cruz sabemos que o preço do pecado é a
morte. Jesus morreu porque o ser humano não tolera a defesa do pobre, nem o
desvelamento da hipocrisia, nem a denúncia da injustiça, nem a ruptura das
convenções e privilégios sociais e religiosos. Jesus morreu porque era bom e
não compactou nem se cansou, mas se colocou, do lado dos oprimidos, dos
indefesos, dos abandonados, dos marginalizados e empobrecidos por um sistema
que explora, sem retroceder diante das consequências; porque foi fiel a sua
missão, dando-se sem reservas, sem guardar nada para si, nem sequer o mais valioso:
sua própria vida.
Se não entendemos desta maneira, a morte de
Jesus fica sem sentido para nós. Ele morre pelo choque concreto e real com os
limites implacáveis da realidade, com a força do mal e do pecado. Jesus morre
condenado pela religião e pela política, como tantos profetas de ontem e de
hoje; como, de certo modo, todo aquele que luta, de verdade e sem compromissos
escusos, pelo amor, a verdade, a paz e a justiça.
Jesus luta para criar o bem e vê, não
obstante, como o mal continua proliferando; dá-se com todo o amor aos outros e
sentir-se, não obstante, desconhecido, mal compreendido (como muitas vezes
acontece com qualquer um de nós) e, às vezes, esmagado exatamente por aqueles a
quem se ama. Se, contudo, Jesus persevera até o final, este é o selo do seu
amor, essa é a cifra de sua salvação. Graças a ele. O ser humano pode assumir
na esperança esse fracasso constitutivo da história e entregar-se ao amor,
apesar de toda a incompreensão e ingratidão.
Ao olhar para a cruz de Jesus cada um pode
perceber duas revelações: a cruz de Jesus quer revelar o tamanho de seu amor
por cada um de nós, e ao mesmo tempo quer revelar o tamanho da injustiça
praticada por cada um de nós diante de um irmão com quem Jesus se identifica (cf.
Mt 25,40.45). Da cruz Jesus diz, como um canto diz: Olha para a cruz. Ninguém
te ama como Eu.
3. Nós Pregamos Cristo Crucificado Que Ressuscitou
A teologia atual insiste em que o NT foi
elaborado com a base na experiência pascal: o Crucificado está vivo. Tudo se
esclarece a partir da luz da ressurreição. Nunca poderemos olhar para a cruz
sem nos lembrarmos da ressurreição. Sexta-Feira Santa não tem qualquer
significado sem o Domingo da Páscoa. A morte e a vida estavam entrelaçadas em
conflito no Calvário. A vida ganhou, porque o amor era mais forte que a morte.
Somente a partir dessa perspectiva se pensa, se corrige e se assume o símbolo
da cruz. A redenção é antes de tudo uma vitória. Cristo é o vencedor da morte.
Ele não veio para glorificar a dor, mas sim para dar um fim a seu reinado.
Em alguns ambientes tem-se insistido mais em
falar exclusivamente da ressurreição. Eles pretendem tirar da cruz o seu
aspecto escuro. Falam de ressurreição sem mencionar a crucificação. Falam da
cruz sem o Cristo. Ou falam do Cristo sem a cruz. Assim, acabam se esquecendo
do presente trágico da exploração, da injustiça, da honestidade, da corrupção,
da violência e da dor reinantes em qualquer lugar. Não se pode esquecer de que
Jesus morreu porque o ser humano não tolera a defesa do pobre, nem o
desvelamento da hipocrisia, nem a denúncia da injustiça, nem a ruptura das
convenções e privilégios sociais e religiosos. Jesus ao optar pelos desprezados
e deserdados, está acusando quem fundamenta sua prosperidade ou sua
superioridade no desprezo e na exploração dos demais. A desumanidade do homem
para com o seu semelhante através da história produziu pobreza, fome,
sofrimento e morte. Entendida desse modo, a imagem do Crucificado já não é a
provação do sofrimento, mas sim a rebeldia contra ele. A cruz é o sinal
profético da mais sagrada rebeldia contra o sofrimento humano. Deus não aceita
a sociedade na qual uns homens desprezam e atropelam outros. As cruzes que os
homens levantam para seus irmãos são abomináveis aos olhos de Deus. É preciso
denunciá-las e lutar contra elas, pois Deus as detesta.
Por isso, seguir o Crucificado leva a lutar
para que nesta terra haja mais conhecimento do Deus de amor, mais respeito pela
dignidade humana, mais solidariedade com os crucificados da história, mais
fraternidade entre os seres humanos independentemente de sua pertença religiosa
ou de não- pertença de nenhuma delas. Seguir Jesus crucificado que ressuscitou
supõe afastar-se da adoração do prazer, do possuir e do orgulho ou da
arrogância. Trata-se de optar e compartilhar, em vez de competir; o ser, em
lugar do ter.... Pregar a cruz de Jesus significa que o Deus de amor é o Pai de
todos. É o caminho para a fraternidade universal. E isso não se consegue sem sofrimento.
A cruz de Jesus nos ensina a não fecharmos os nossos olhos para a realidade
negativa do mundo, mas sim a transformar a realidade com os olhos bem abertos.
A sabedoria da cruz de Cristo nos ensina que o objetivo do amor de Deus são os
homens frágeis e pecadores que somos nós.
Pregar e optar pela cruz de Cristo significa
animar-se para assumir livremente a própria existência, limitada, dolorosa e
mortal, sem amargura, renunciando a tudo o que seja desprezo ou exploração do
irmão. Mas não basta carregar a cruz. A novidade cristã é carregá-la como
Cristo a carregou. Jesus, então, nos ensina a sofrer e a morrer de modo
diferente: não ao modo da resignação, mas sim na fidelidade a uma causa repleta
de esperança. Para poder carregar a cruz de Cristo é preciso amar Cristo (Mt
10,37).
Quando
o sofrimento ou a morte é fruto da entrega por amor ao próximo e ao que o
próximo tem de indefeso e inválido, então, se participa plenamente da esperança
da ressurreição. Se Deus esteve na cruz de Jesus, se compartilha dessa forma os
horrores da história, então é possível acreditar em seu poder de ressurreição,
ao menos para os crucificados da história. A ressurreição diz em última análise
aos crucificados que sua esperança é sólida, que está bem fundamentada. E para
viver e anunciar hoje a ressurreição de Jesus é preciso estar de verdade junto
da cruz de Jesus e junto das inumeráveis cruzes atuais, que também são de
Jesus. Viver e pregar Jesus crucificado que ressuscitou significa que a vida
que ressuscitou fala muito mais alto do que a morte; que o amor fala muito mais
alto que o ódio. Sem a ressurreição, o amor não seria verdadeiramente poderoso;
mas sem a cruz, o poder não seria amor. Da união do amor e do poder divinos
surge nossa redenção.
É tão profundo o seu significado até desde a
nossa infância, como católicos, aprendemos a fazer o sinal da Cruz sobre a
nossa testa, os nossos lábios e o nosso coração, dizendo: “Pelo Sinal da Santa
Cruz, livrai-nos Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos” que em seguida
fazemos o sinal da cruz, fazendo uma linha vertical(eu e Deus) e uma linha
horizontal(eu e o próximo). O significado profundo da cruz se reflete nas
nossas celebrações e oração que sempre se começa e terminam com o sinal da
cruz. A cruz é muito importante para nós cristãos, por isso encontramos a cruz
de Jesus em qualquer lugar no ambiente católico(cristão): nos altares, no
culto, nos edifícios sagrados etc., como sinal externo da fé que professamos.
4. Nossas Cruzes E A Nossa Cruz Existencial Sob A Cruz De Cristo:
Um Chamado À Conversão Contínua
Todos nós carregamos alguma cruz na nossa
vida. Há cruzes de todos os tipos. Há cruzes em todos os caminhos. Para
encará-la cada um tem seu próprio modo. Para alguns, a cruz pode ser vivida
como tribulação, para os outros ela pode ser vivida como libertação. Há cruzes
com Cristo, mas há também cruzes sem Cristo. Cada cruz, então, tem uma história
e cada história tem uma cruz. A cruz sem Cristo é a cruz-condenação. É a cruz
de quem deseja ser um deus. É a cruz que não tem finalidade em si mesmo. É a
cruz sem fé, sem amor, sem sentido da vida, sem renúncia por amor. É a cruz de
quem deseja viver numa liberdade sem responsabilidade. Jesus Cristo, que foi
crucificado, transformou a cruz de castigo em bênção.
A mãe de Jesus acompanhava o filho Jesus que
estava carregando a cruz silenciosamente. A cruz do filho é a cruz da mãe. Ela
também carrega esta cruz silenciosamente. A ressurreição do filho é a
ressurreição da mãe. Na Mãe de Jesus podemos ver tantas mães do mundo. Sem
dúvida, muitas mães carregam silenciosamente a cruz ao saber que seu filho se
droga ou se perde no mundo da criminalidade. Crucificadas, essas mães
acompanham a cruz de seu(s) filho(s) com o amor incondicional como a Mãe de
Jesus que se encontrou ao pé da cruz com o amor incondicional.
Todos nós somos convidados a refletir tais
situações e outros tipos de cruz sob a cruz de Jesus ressuscitado que
transformou a cruz em momento de transfiguração cujo ápice é a sua
ressurreição. A partir de Cristo e somente com Cristo podemos sofrer, mas nunca
sofreremos em vão. Sem Cristo é que sofreremos em vão. Este tipo de sofrimento
tortura e angustia e não liberta.
Além das cruzes que encontramos na vida, ou
por nossa própria culpa ou como consequência de uma opção pelos valores
cristãos, carregamos também a cruz existencial. Gostaríamos de viver
eternamente nesta terra, e livres de qualquer contratempo, por um lado, mas os
nossos limites como criaturas não nos deixam sermos o que gostaríamos de ser,
por outro lado. Temos desejo infinito por vida ou pela vida, mas somos
obrigados a aceitar um fato brutal de que temos que morrer. A vida em si, em
sua estrutura, hospeda a morte. Jesus, o homem verdadeiro e o Deus verdadeiro,
participou da estrutura humana. Ele morreu não somente porque os homens O
mataram, mas também porque ele é o homem que morreu como todos nós morremos.
Mas para que esta estrutura de uma criatura limitada se torne em uma
transfiguração, precisamos ser despojados como Cristo para que o Deus da vida,
o Absoluto, o Eterno, o Infinito possa hospedar na nossa estrutura mortal para
transformá-la em uma estrutura imortal. Somente com isto teremos outra
concepção sobre a morte: morrer não é mais um fim de tudo (acabou tudo), e sim
uma peregrinação para a fonte da vida, para o Deus vivo que nos espera. Esta
consciência e a fé nesta certeza nos leva a dizermos que o homem nunca morre e
sim uma criatura que nasce duas vezes: nasce quando deixa o seio materno para
entrar num mundo maior onde ele se junta com outros companheiros de viagem rumo
para o outro nascimento que é a entrada na vida eterna.
Cristo carregou uma cruz mas nunca foi cruz
para os outros nem colocou cruzes nos caminhos dos outros. Quando contrariarmos
a vontade de Deus por causa do pecado que faz ninho dentro de nós, nos
tornaremos cruzes para os outros e colocaremos cruzes em seus caminhos. Quando
os outros contrariarem a vontade de Deus, tornar-se-ão cruzes para nós e
colocarão cruzes em nossos caminhos. Assim, os outros são cruzes para nós e nós
somos cruzes para os outros. Cristo quer que não sejamos cruzes para ninguém
mas imitadores de seu amor apaixonado.
Por isso, pregar a cruz a partir de Cristo
significa ter consciência do pecado que faz ninho no nosso coração que causa
tantas cruzes na própria vida de quem o comete e na vida dos outros com quem
convive. A presença do pecado como uma força destruidora cria muitas cruzes na
convivência humana, pois nunca somente vivemos, mas sempre convivemos. Cada ato
nosso, seja positivo ou negativo, sempre tem consequência direto ou
indiretamente para a vida dos outros. Esta consciência de ser nosso coração a
hospedagem também do pecado, nos leva a um ato de acabar com as muitas cruzes
que criamos através do trabalho contínuo de arrancar o ninho do pecado dentro
de nós através da conversão contínua. Não podemos esquecer que a cruz de Jesus
é uma revolta contra a dignidade humana violada, contra aquilo que deveria ter
evitado para não criar tantos sofrimentos na própria vida e na vida alheia. Pregar
a cruz de Cristo significa convocar as pessoas para um amor e para um perdão
incondicionais, para a capacidade de não permitir que o ódio e suas múltiplas
manifestações reinem o coração humano onde Deus deposita seus segredos. Sem
esta atitude não haverá a paz e a ressurreição; não haverá a passagem do homem
velho para o homem novo criado para o céu. Que sejamos uma ressurreição e não a
cruz para os outros. Que sejamos solução e não problema para os outros.
Mas o sofrimento, considerado em si mesmo,
não é salvador. A cruz, sozinha, nada tem de salvadora. A cruz pela cruz não
passa de uma maldição. Salvadora é a vida toda de Jesus. E a razão é simples: a
vida de Jesus constitui a superação do pecado, da situação de não- salvação.
Pecado, não- salvação consistem na ruptura da relação com Deus, que implica o
desenvolvimento de relações de dominação entre os seres humanos, de relações
mentirosas com o próprio ser interior, de um relacionamento irresponsável face
ao meio ambiente etc. A salvação, entendida como superação do pecado e como
saída da situação não-salvação consiste na abertura ao dom de Deus, na
responsabilidade assumida em relação ao mundo da natureza e na sinceridade no
encontro com a própria verdade interior. A vida vivida por Jesus foi uma vida
salvadora.
Por isso, podemos entender por que a cruz,
considerada em si mesma, não tem valor salvífico. Ela passou a ser salvadora
por causa da vida de Jesus. Na adoração da cruz, não é a ela sozinha que
devemos adorar (o que seria idolatria). Adoramos o imenso amor de Deus,
manifestado na entrega de Jesus, no amor-serviço. Por isso, ele disse: “Ninguém
tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
Basta você amar de verdade qualquer pessoa,
sem dúvida nenhuma, você vai sofrer muito por isso, como Cristo. Verifique seu
coração se dentro dele existe o amor verdadeiro? Onde existe o amor verdadeiro,
lá está Deus, lá está a paixão, mas lá se encontra a semente da ressurreição.
Esta é a nossa esperança.
P. Vitus Gustama,svd
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