segunda-feira, 10 de abril de 2017

Sexta-Feira Santa,14/04/2017

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A CRUZ E O CRISTÃO


SEXTA-FEIRA SANTA


Hoje é a Sexta-feira Santa. A Sexta-feira Santa nos faz lembrar da Paixão de Jesus. E a Paixão de Jesus leva a nossa memória à cruz de Jesus. Mas qual é a nossa memória sobre a cruz de Jesus. O que nos faz lembrar da cruz de Jesus? Será que tem sentido de celebrar a Paixão de Jesus na cruz, uma experiência tão dolorosa, enquanto Jesus já ressuscitou?  Será que um católico tem prazer de falar da dor? O que aprendemos da cruz de Jesus?


É bom perguntar. Mas é melhor ir atrás de respostas. Pode ser que tenhamos respostas mais cedo ou ao longo de nossa existência terrena. Pode ser que uma experiência bem marcante suscite uma resposta ou sentido para outra experiência que escapou de nossa atenção ou de nossa reflexão. As nossas perguntas sobre Deus faz parte da providência divina. Perguntar é o início de uma sabedoria desde que corramos atrás de respostas para nossas perguntas. Perguntar nos faz encontrar o sentido que faz da nossa vida a Vida, saciando a nossa fome e sede. “Escalei o pico da fama e não encontrei nenhum abrigo em sua estéril altura. Meu Guia, antes que o dia se apague, conduze-me ao vale da tranquilidade, onde a colheita da vida amadurece em dourada sabedoria. Tu me guiaste pelos ruidosos caminhos do dia até a minha solidão no entardecer. Agora fico esperando que a tranqüilidade da noite me revele o que ela significa” (Rabindranath Tagore). Realmente precisamos de muita tranquilidade divina (silêncio) para encontrar as respostas para as nossas perguntas. “A doutrina sobre Cristo começa no silêncio... Falar de Cristo significa calar, calar sobre Cristo significa falar. Um falar correto da Igreja resultante de um correto calar é o anúncio de Cristo” (D. Bonhoefer).


1. A cruz a partir de Jesus (Deus)


Precisamos estar conscientes de que Deus não queria a cruz para seu Filho amado, como qualquer pai ou mãe neste mundo não queria o sofrimento para seus filhos. Com certeza, Jesus também não queria a cruz (cf. Lc 22,42; Mt 26,39; Mc 14,36). Mas por que, então, Jesus sofreu tanto na cruz? Coloco aqui apenas duas de tantas razões.


a). A Cruz É A Consequência De Um Amor Apaixonado De Deus


Ao olhar para a cruz de Jesus sabemos o quanto Deus nos amou. O nosso Deus é realmente um Deus apaixonado pelo ser humano: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único para que o mundo seja salvo” (Jo 3,16). O nosso Deus é, realmente, amor (1Jo 4,8.16). “Não importa se Deus existe; importa saber que Deus é amor” (S. Kierkegaard). E a Bíblia dá a garantia disso mesmo: que Deus é amor.


E o meio para que o amor de Deus chegue até a humanidade é a encarnação de Deus em Jesus Cristo. Jesus é a manifestação tangível do amor do Pai (1Jo 4,9). Jesus é o amor de Deus feito carne. Por causa do amor, Deus é capaz de abaixar-se só para salvar a humanidade. Deus abaixa-se tanto em Jesus Cristo por amor até aceitar morrer como se fosse malfeitor e bandido em solidariedade com todos os inocentes, os injustiçados e os maltratados da história. Em Jesus encontramos um Deus de bondade que corre atrás da ovelha perdida (cf. Mt 18,12-14). Em Jesus encontramos um Deus que fortalece os fracos, ergue os decaídos e defende os indefesos. Toda a atividade de Deus em Jesus é uma atividade amorosa. Se cria, cria por amor; se governa as coisas, o faz no amor; quando julga, julga com amor. Tudo quanto faz é expressão de sua natureza, e sua natureza é amar. Deus ama não para completar-se, mas para completar; não para realizar-se, mas para realizar. Deus, amando, não procura sequer a sua glória, mas esta glória nada mais é do que amar o homem gratuitamente.


A dor de Jesus não se encerra jamais sobre si mesmo, ao contrário, está totalmente aberta ao próximo. Por isso, o profeta Isaías citado por Mateus, resumiu: “Ele tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças” (Mt 8,17). Tão profundamente sentiu a dor humana, que dedicou sua vida para servir a todos, para aliviar suas penas e para ensinar-lhes o caminho da superação e o caminho da fraternidade (Lc 4,18-19). Sua existência esteve totalmente orientada no sentido de aliviar a dor alheia. Serve a Deus servindo a seu próximo. Não fechava seu coração para ninguém. Ele fazia cada um ver o amor de Deus que Deus lhe tinha e seu próprio valor humano. Enquanto outros encontram razões para condenar, ele as encontra para salvar.


A partir da cruz de Jesus sabemos que somos amados de Deus. Amados por Deus, qualquer que seja a obscuridade e a insignificância da nossa situação atual. Somos amados de Deus é uma mensagem transformante; é uma mensagem que abre todos os nossos horizontes. Embora eu me sinta abandonado, solitário e perdido num mundo violento e sem rumo, eu sou amado por Deus. A minha história, por escura que seja, se torna uma história da salvação porque Deus me ama.  Deus se dá para mim, e ele dá para mim aquilo que ele tem de mais caro: seu Filho único, Jesus Cristo. Mas esta entrega é perene, e não é apenas um ato passado. Deus nos ama permanentemente no decorrer humano da nossa vida através de sua providência e através da eucaristia celebrada e participada.


A vida é uma mistura de alegria, felicidade e esperança, e também de tristeza, mágoa e dor. Cada um de nós carrega sempre esse pequeno fardo. Mas quando nos damos conta do amor que Nosso Senhor tem por nós, quando compreendemos que a sua vida nos revelou o amor que Deus tem por nós, então temos de ficar cheios de esperança, de alegria e de paz. Por isso, sei que a resposta se encontra olhando para Cristo crucificado. Madre Teresa de Calcutá disse: “Se olhamos para a Cruz de Jesus sabemos muito bem como ele nos amou. Quando olhamos para a Eucaristia, sabemos muito bem como ele nos ama”.


O homem, para acontecer sua realização plena, é convidado a caminhar na direção do Deus de amor. O resto equivale a se perder. Basta o homem deixar-se levar por Deus de amor, ele terá uma força transformadora na sua vida. E com esta força o homem será capaz de apresentar-se com o aspecto mais compassivo, mais humano e mais misericordioso, e falar com o estilo mais humano e viver com outro calor humano.


b). A Cruz É O Fruto De Uma Obediência(Fidelidade) Incondicional Ao Projeto De Deus


Obediência vem do latim “ob-audire” que significa auscultar, prestar atenção, tender o ouvido, acolher, perceber, saber, compreender, interpretar. Por isso, indica um encontro, um relacionamento, um diálogo entre um “eu” e um “tu”. Este termo revela o caráter dialogal da obediência.  Obedecer é criar relações; é atender ao convite de outrem. Obedecer é fazer próprias as necessidades do(s) outro(s). A obediência é a resposta a uma solicitação ou proposta que vem de fora, do outrem. E não há obediência sem fidelidade ao projeto assumido.  Eu sou fiel porque eu obedeço livre e conscientemente a um valor. Ao obedecer a este valor, eu me mostro fiel ao mesmo que assumo com liberdade. Neste sentido e no sentido do próprio termo, a obediência não tem nada a ver com coisa imposta, pois a imposição tira a liberdade e cria o medo. A imposição aterroriza qualquer subordinado, e, consequentemente, cria um relacionamento falso. E na imposição não há diálogo, há apenas ordem para ser obedecida e cumprida. Na imposição não há amor, somente medo e terror.


A obediência de Jesus não foi nada de imposição, mas antes uma obediência livre, aberta e sobretudo, uma obediência baseada no amor e voltada unicamente ao cumprimento da vontade do Pai que é a salvação dos homens por amor. Jesus assumiu a cruz em sinal de fidelidade ao amor. Como disse o Papa João Paulo II, Jesus provou “a verdade do amor, mediante a verdade do sofrimento” (Salvifici Doloris,18).


A cruz de Jesus exprime que Deus ama os homens, e que o próprio Jesus se diz e se dá como amor e como salvação até ao extremo: a morte na cruz. Todo amor é vulnerável. Na cruz, Deus passa diante da humanidade a prova do amor, para que depois possamos também acreditar em seu poder, o poder triunfante de sua ressurreição. Assim, a ressurreição de Jesus se transforma para os que sofrem em uma bandeira de esperança. A onipotência que Deus possui e revela em Cristo é a onipotência do amor doído até o fim sem voltar para trás. Por isso, o Calvário é a revelação da fidelidade de Jesus ao amor e revelação do seu amor num mundo de males e sofrimento. Deus é amor, e o amor torna apto ao sofrimento, e a capacidade de sofrimento se consuma na entrega e na imolação.


Nós existimos, então, porque Deus nos amou, somos porque Deus nos ama, fomos redimidos e santificados porque Cristo se ofereceu por nós por amor. O amor, por isso, é o fundamento e o princípio de nosso ser e deve sê-lo também do nosso agir, e de nossa obediência a Deus que se traduz no amor ao próximo.


2. A Cruz De Jesus A Partir Do Homem: Uma Rebeldia Contra O Sofrimento


Popularmente, a cruz, com frequência, tem sido tomado apenas como símbolo da dor humana. Às vezes se tem usado para induzir os homens a não se rebelarem, mas sim a negociar com a dor; tem sido motivo para justificar o sofrimento e ainda como pretexto para certas formas de repressão. Com esta concepção, a cruz foi afastada grosseiramente de sua referência a Jesus. A cruz de Jesus não tem nada a ver com atitudes de passividade e resignação diante da dor. Isso seria uma cruz sem Cristo. Adultera-se a cruz quando se faz dela um instrumento de resignação diante dos males que afligem este mundo. Quem procura Cristo sem a cruz acaba encontrando a cruz sem o Cristo. Mas quem procura o Cristo, como consciência desta busca, encontra a cruz cujo ponto alto é a ressurreição. A cruz é a consequência da opção por Cristo. E a consequência maior desta opção é encontrar o Cristo ressuscitado e com Cristo encontrar-se-á a páscoa.


A cruz – e a teologia atual a tem sublinhado com insistência cada vez maior – é um produto terrível do pecado, se a encaramos da perspectiva humana. Da cruz sabemos que o preço do pecado é a morte. Jesus morreu porque o ser humano não tolera a defesa do pobre, nem o desvelamento da hipocrisia, nem a denúncia da injustiça, nem a ruptura das convenções e privilégios sociais e religiosos. Jesus morreu porque era bom e não compactou nem se cansou, mas se colocou, do lado dos oprimidos, dos indefesos, dos abandonados, dos marginalizados e empobrecidos por um sistema que explora, sem retroceder diante das consequências; porque foi fiel a sua missão, dando-se sem reservas, sem guardar nada para si, nem sequer o mais valioso: sua própria vida.


Se não entendemos desta maneira, a morte de Jesus fica sem sentido para nós. Ele morre pelo choque concreto e real com os limites implacáveis da realidade, com a força do mal e do pecado. Jesus morre condenado pela religião e pela política, como tantos profetas de ontem e de hoje; como, de certo modo, todo aquele que luta, de verdade e sem compromissos escusos, pelo amor, a verdade, a paz e a justiça.


Jesus luta para criar o bem e vê, não obstante, como o mal continua proliferando; dá-se com todo o amor aos outros e sentir-se, não obstante, desconhecido, mal compreendido (como muitas vezes acontece com qualquer um de nós) e, às vezes, esmagado exatamente por aqueles a quem se ama. Se, contudo, Jesus persevera até o final, este é o selo do seu amor, essa é a cifra de sua salvação. Graças a ele. O ser humano pode assumir na esperança esse fracasso constitutivo da história e entregar-se ao amor, apesar de toda a incompreensão e ingratidão.


Ao olhar para a cruz de Jesus cada um pode perceber duas revelações: a cruz de Jesus quer revelar o tamanho de seu amor por cada um de nós, e ao mesmo tempo quer revelar o tamanho da injustiça praticada por cada um de nós diante de um irmão com quem Jesus se identifica (cf. Mt 25,40.45). Da cruz Jesus diz, como um canto diz: Olha para a cruz. Ninguém te ama como Eu.


3. Nós Pregamos Cristo Crucificado Que Ressuscitou


A teologia atual insiste em que o NT foi elaborado com a base na experiência pascal: o Crucificado está vivo. Tudo se esclarece a partir da luz da ressurreição. Nunca poderemos olhar para a cruz sem nos lembrarmos da ressurreição. Sexta-Feira Santa não tem qualquer significado sem o Domingo da Páscoa. A morte e a vida estavam entrelaçadas em conflito no Calvário. A vida ganhou, porque o amor era mais forte que a morte. Somente a partir dessa perspectiva se pensa, se corrige e se assume o símbolo da cruz. A redenção é antes de tudo uma vitória. Cristo é o vencedor da morte. Ele não veio para glorificar a dor, mas sim para dar um fim a seu reinado.


Em alguns ambientes tem-se insistido mais em falar exclusivamente da ressurreição. Eles pretendem tirar da cruz o seu aspecto escuro. Falam de ressurreição sem mencionar a crucificação. Falam da cruz sem o Cristo. Ou falam do Cristo sem a cruz. Assim, acabam se esquecendo do presente trágico da exploração, da injustiça, da honestidade, da corrupção, da violência e da dor reinantes em qualquer lugar. Não se pode esquecer de que Jesus morreu porque o ser humano não tolera a defesa do pobre, nem o desvelamento da hipocrisia, nem a denúncia da injustiça, nem a ruptura das convenções e privilégios sociais e religiosos. Jesus ao optar pelos desprezados e deserdados, está acusando quem fundamenta sua prosperidade ou sua superioridade no desprezo e na exploração dos demais. A desumanidade do homem para com o seu semelhante através da história produziu pobreza, fome, sofrimento e morte. Entendida desse modo, a imagem do Crucificado já não é a provação do sofrimento, mas sim a rebeldia contra ele. A cruz é o sinal profético da mais sagrada rebeldia contra o sofrimento humano. Deus não aceita a sociedade na qual uns homens desprezam e atropelam outros. As cruzes que os homens levantam para seus irmãos são abomináveis aos olhos de Deus. É preciso denunciá-las e lutar contra elas, pois Deus as detesta.


Por isso, seguir o Crucificado leva a lutar para que nesta terra haja mais conhecimento do Deus de amor, mais respeito pela dignidade humana, mais solidariedade com os crucificados da história, mais fraternidade entre os seres humanos independentemente de sua pertença religiosa ou de não- pertença de nenhuma delas. Seguir Jesus crucificado que ressuscitou supõe afastar-se da adoração do prazer, do possuir e do orgulho ou da arrogância. Trata-se de optar e compartilhar, em vez de competir; o ser, em lugar do ter.... Pregar a cruz de Jesus significa que o Deus de amor é o Pai de todos. É o caminho para a fraternidade universal. E isso não se consegue sem sofrimento. A cruz de Jesus nos ensina a não fecharmos os nossos olhos para a realidade negativa do mundo, mas sim a transformar a realidade com os olhos bem abertos. A sabedoria da cruz de Cristo nos ensina que o objetivo do amor de Deus são os homens frágeis e pecadores que somos nós.


Pregar e optar pela cruz de Cristo significa animar-se para assumir livremente a própria existência, limitada, dolorosa e mortal, sem amargura, renunciando a tudo o que seja desprezo ou exploração do irmão. Mas não basta carregar a cruz. A novidade cristã é carregá-la como Cristo a carregou. Jesus, então, nos ensina a sofrer e a morrer de modo diferente: não ao modo da resignação, mas sim na fidelidade a uma causa repleta de esperança. Para poder carregar a cruz de Cristo é preciso amar Cristo (Mt 10,37).


 Quando o sofrimento ou a morte é fruto da entrega por amor ao próximo e ao que o próximo tem de indefeso e inválido, então, se participa plenamente da esperança da ressurreição. Se Deus esteve na cruz de Jesus, se compartilha dessa forma os horrores da história, então é possível acreditar em seu poder de ressurreição, ao menos para os crucificados da história. A ressurreição diz em última análise aos crucificados que sua esperança é sólida, que está bem fundamentada. E para viver e anunciar hoje a ressurreição de Jesus é preciso estar de verdade junto da cruz de Jesus e junto das inumeráveis cruzes atuais, que também são de Jesus. Viver e pregar Jesus crucificado que ressuscitou significa que a vida que ressuscitou fala muito mais alto do que a morte; que o amor fala muito mais alto que o ódio. Sem a ressurreição, o amor não seria verdadeiramente poderoso; mas sem a cruz, o poder não seria amor. Da união do amor e do poder divinos surge nossa redenção.


É tão profundo o seu significado até desde a nossa infância, como católicos, aprendemos a fazer o sinal da Cruz sobre a nossa testa, os nossos lábios e o nosso coração, dizendo: “Pelo Sinal da Santa Cruz, livrai-nos Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos” que em seguida fazemos o sinal da cruz, fazendo uma linha vertical(eu e Deus) e uma linha horizontal(eu e o próximo). O significado profundo da cruz se reflete nas nossas celebrações e oração que sempre se começa e terminam com o sinal da cruz. A cruz é muito importante para nós cristãos, por isso encontramos a cruz de Jesus em qualquer lugar no ambiente católico(cristão): nos altares, no culto, nos edifícios sagrados etc., como sinal externo da fé que professamos.


4. Nossas Cruzes E A Nossa Cruz Existencial Sob A Cruz De Cristo: Um Chamado À Conversão Contínua


Todos nós carregamos alguma cruz na nossa vida. Há cruzes de todos os tipos. Há cruzes em todos os caminhos. Para encará-la cada um tem seu próprio modo. Para alguns, a cruz pode ser vivida como tribulação, para os outros ela pode ser vivida como libertação. Há cruzes com Cristo, mas há também cruzes sem Cristo. Cada cruz, então, tem uma história e cada história tem uma cruz. A cruz sem Cristo é a cruz-condenação. É a cruz de quem deseja ser um deus. É a cruz que não tem finalidade em si mesmo. É a cruz sem fé, sem amor, sem sentido da vida, sem renúncia por amor. É a cruz de quem deseja viver numa liberdade sem responsabilidade. Jesus Cristo, que foi crucificado, transformou a cruz de castigo em bênção.


A mãe de Jesus acompanhava o filho Jesus que estava carregando a cruz silenciosamente. A cruz do filho é a cruz da mãe. Ela também carrega esta cruz silenciosamente. A ressurreição do filho é a ressurreição da mãe. Na Mãe de Jesus podemos ver tantas mães do mundo. Sem dúvida, muitas mães carregam silenciosamente a cruz ao saber que seu filho se droga ou se perde no mundo da criminalidade. Crucificadas, essas mães acompanham a cruz de seu(s) filho(s) com o amor incondicional como a Mãe de Jesus que se encontrou ao pé da cruz com o amor incondicional.


Todos nós somos convidados a refletir tais situações e outros tipos de cruz sob a cruz de Jesus ressuscitado que transformou a cruz em momento de transfiguração cujo ápice é a sua ressurreição. A partir de Cristo e somente com Cristo podemos sofrer, mas nunca sofreremos em vão. Sem Cristo é que sofreremos em vão. Este tipo de sofrimento tortura e angustia e não liberta.


Além das cruzes que encontramos na vida, ou por nossa própria culpa ou como consequência de uma opção pelos valores cristãos, carregamos também a cruz existencial. Gostaríamos de viver eternamente nesta terra, e livres de qualquer contratempo, por um lado, mas os nossos limites como criaturas não nos deixam sermos o que gostaríamos de ser, por outro lado. Temos desejo infinito por vida ou pela vida, mas somos obrigados a aceitar um fato brutal de que temos que morrer. A vida em si, em sua estrutura, hospeda a morte. Jesus, o homem verdadeiro e o Deus verdadeiro, participou da estrutura humana. Ele morreu não somente porque os homens O mataram, mas também porque ele é o homem que morreu como todos nós morremos. Mas para que esta estrutura de uma criatura limitada se torne em uma transfiguração, precisamos ser despojados como Cristo para que o Deus da vida, o Absoluto, o Eterno, o Infinito possa hospedar na nossa estrutura mortal para transformá-la em uma estrutura imortal. Somente com isto teremos outra concepção sobre a morte: morrer não é mais um fim de tudo (acabou tudo), e sim uma peregrinação para a fonte da vida, para o Deus vivo que nos espera. Esta consciência e a fé nesta certeza nos leva a dizermos que o homem nunca morre e sim uma criatura que nasce duas vezes: nasce quando deixa o seio materno para entrar num mundo maior onde ele se junta com outros companheiros de viagem rumo para o outro nascimento que é a entrada na vida eterna.


Cristo carregou uma cruz mas nunca foi cruz para os outros nem colocou cruzes nos caminhos dos outros. Quando contrariarmos a vontade de Deus por causa do pecado que faz ninho dentro de nós, nos tornaremos cruzes para os outros e colocaremos cruzes em seus caminhos. Quando os outros contrariarem a vontade de Deus, tornar-se-ão cruzes para nós e colocarão cruzes em nossos caminhos. Assim, os outros são cruzes para nós e nós somos cruzes para os outros. Cristo quer que não sejamos cruzes para ninguém mas imitadores de seu amor apaixonado.


Por isso, pregar a cruz a partir de Cristo significa ter consciência do pecado que faz ninho no nosso coração que causa tantas cruzes na própria vida de quem o comete e na vida dos outros com quem convive. A presença do pecado como uma força destruidora cria muitas cruzes na convivência humana, pois nunca somente vivemos, mas sempre convivemos. Cada ato nosso, seja positivo ou negativo, sempre tem consequência direto ou indiretamente para a vida dos outros. Esta consciência de ser nosso coração a hospedagem também do pecado, nos leva a um ato de acabar com as muitas cruzes que criamos através do trabalho contínuo de arrancar o ninho do pecado dentro de nós através da conversão contínua. Não podemos esquecer que a cruz de Jesus é uma revolta contra a dignidade humana violada, contra aquilo que deveria ter evitado para não criar tantos sofrimentos na própria vida e na vida alheia. Pregar a cruz de Cristo significa convocar as pessoas para um amor e para um perdão incondicionais, para a capacidade de não permitir que o ódio e suas múltiplas manifestações reinem o coração humano onde Deus deposita seus segredos. Sem esta atitude não haverá a paz e a ressurreição; não haverá a passagem do homem velho para o homem novo criado para o céu. Que sejamos uma ressurreição e não a cruz para os outros. Que sejamos solução e não problema para os outros.        


Mas o sofrimento, considerado em si mesmo, não é salvador. A cruz, sozinha, nada tem de salvadora. A cruz pela cruz não passa de uma maldição. Salvadora é a vida toda de Jesus. E a razão é simples: a vida de Jesus constitui a superação do pecado, da situação de não- salvação. Pecado, não- salvação consistem na ruptura da relação com Deus, que implica o desenvolvimento de relações de dominação entre os seres humanos, de relações mentirosas com o próprio ser interior, de um relacionamento irresponsável face ao meio ambiente etc. A salvação, entendida como superação do pecado e como saída da situação não-salvação consiste na abertura ao dom de Deus, na responsabilidade assumida em relação ao mundo da natureza e na sinceridade no encontro com a própria verdade interior. A vida vivida por Jesus foi uma vida salvadora.


Por isso, podemos entender por que a cruz, considerada em si mesma, não tem valor salvífico. Ela passou a ser salvadora por causa da vida de Jesus. Na adoração da cruz, não é a ela sozinha que devemos adorar (o que seria idolatria). Adoramos o imenso amor de Deus, manifestado na entrega de Jesus, no amor-serviço. Por isso, ele disse: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).


Basta você amar de verdade qualquer pessoa, sem dúvida nenhuma, você vai sofrer muito por isso, como Cristo. Verifique seu coração se dentro dele existe o amor verdadeiro? Onde existe o amor verdadeiro, lá está Deus, lá está a paixão, mas lá se encontra a semente da ressurreição. Esta é a nossa esperança.


P. Vitus Gustama,svd

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