29/06/2017
ENTRE FALAR E FAZER NA VIDA
DO CRISTÃO E NA CONVIVÊNCIA COM OUTROS HOMENS
Quinta-Feira
da XII Semana Comum
Primeira Leitura: Gn 16,6b-12.15-16
Naqueles
dias, 6b Sarai maltratou tanto Agar que ela fugiu. 7 Um anjo do Senhor,
encontrando-a junto à fonte do deserto, no caminho de Sur, disse-lhe: 8 “Agar,
escrava de Sarai, de onde vens e para onde vais?” Ela respondeu: “Estou fugindo
de Sarai, minha senhora”. 9 E o anjo do Senhor lhe disse: “Volta para a tua
senhora e sê submissa a ela”. 10 E acrescentou: “Multiplicarei a tua
descendência de tal forma, que não se poderá contar”. 11 Disse, ainda, o anjo
do Senhor: “Olha, estás grávida, e darás à luz um filho e o chamarás Ismael,
porque o Senhor te ouviu na tua aflição. 12 Ele será indomável como um jumento selvagem, sua mão se levantará
contra todos, e a mão de todos contra ele. E ele viverá separado de todos os
seus irmãos”. 15 Agar deu à luz o filho de Abrão; e ele pôs o nome de
Ismael ao filho que Agar lhe deu. 16 Abrão tinha oitenta e seis anos, quando
Agar deu à luz Ismael.
Evangelho: Mt 7,21-29
Naquele tempo, disse Jesus aos seus
discípulos: 21 “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no
Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos
céus. 22 Naquele dia, muitos vão me dizer: ‘Senhor, Senhor, não foi em
teu nome que profetizamos? Não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não
foi em teu nome que fizemos muitos milagres? 23 Então eu lhes direi
publicamente: Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal. 24
Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática, é como um
homem prudente, que construiu sua casa sobre a rocha. 25 Caiu a chuva,
vieram as enchentes, os ventos deram contra a casa, mas a casa não caiu, porque
estava construída sobre a rocha. 26 Por outro lado, quem ouve estas
minhas palavras e não as põe em prática, é como um homem sem juízo, que
construiu sua casa sobre a areia. 27 Caiu a chuva, vieram as enchentes,
os ventos sopraram e deram contra a casa, e a casa caiu, e sua ruína foi
completa!” 28 Quando Jesus acabou de dizer estas palavras, as multidões
ficaram admiradas com seu ensinamento. 29 De fato, ele as ensinava
como quem tem autoridade e não como os mestres da lei.
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É Urgente Reviver Nossa
Fraternidade, Pois Temos Abraão Como Nosso Pai Comum
“Naqueles
dias, Sarai maltratou tanto Agar que ela fugiu” para o deserto. O motivo da briga é: “Olha, estás grávida, e darás à luz um filho
e o chamarás Ismael, porque o Senhor te ouviu na tua aflição. Ele será
indomável como um jumento selvagem, sua mão se levantará contra todos, e a mão
de todos contra ele. E ele viverá separado de todos os seus irmãos”.
Enquanto que
Sara vive sem filho. Mas o anjo do Senhor dá o seguinte conselho para Agar: “Volta para a tua senhora e sê submissa a ela”.
É o episódio a respeito do conflito entre Sara e Agar, a escrava, que lemos na
Primeira Leitura.
Este episódio é muito importante para nossa
atualidade. Ele permite relacionar o mundo mulçumano: Islam (Islã) = Ismael,
com a Aliança e com a fé monoteísta de Abraão. O Concílio Vaticano II (cf.
Nostra Aetate, n. 3) foi necessário
para que os cristãos reconhecessem a dignidade de Islã, depois de séculos de
guerras e oposições. Infelizmente, as feridas entre árabes e judeus não foram
cicatrizadas. Para convencer-se disso, basta evocar a atual situação política
no Oriente Médio que desconhece o fim. O texto da Primeira Leitura que é
aparentemente “alheio” e quase “arqueológico” se revela como de flagrante
atualidade: a trágica rivalidade entre Sara e Agar continua em pleno século XX/XXI
de nossa época sem sabermos até quando vai ter seu fim.
Ao ver que tardava no cumprimento da promessa
da parte de Deus que prometeu uma numerosa descendência, Abrão e Sara
recorreram a um procedimento admitido na época: Sara sugere que seu marido,
Abraão, tenha um filho de uma escrava egípcia, Agar.
Abrão busca Deus e sua vontade através dos
costumes de seu tempo. Mas não é sempre fácil fazer a vontade de Deus. Abraão
por um momento acreditou que o filho com a escrava Agar seria o cumprimento da “promessa”.
Mas não foi assim. De erro em erro, de sofrimento em sofrimento Abarão avança.
Por isso, o que acontecerá depois, como consequência,
vai se repetindo em todos os tempos: na sua gravidez a escrava Agar se anima
diante de sua ama, Sara, e se sente superior ao estéril Sara, sua ama, e quer
que seu filho seja reconhecido como seu. A reação de Sara é expulsar a escrava
Agar da casa. Agar fugiu para o deserto. E Deus continua levando adiante seu
plano de salvação, também através destas misérias humanas.
O filho da escrava Agar parece não ter lugar na história da salvação, mas também a ele alcança
o amor de Deus. O filho será chamado Ismael, que significa “Deus escuta”. Ninguém,
nem sequer o povo eleito no AT nem a Igreja no NT tem o monopólio da graça de
Deus e da salvação. Deus ama também todos os que consideramos que estão fora,
pois todos são seus filhos.
Além do mais, temos que saber reconhecer os
caminhos de Deus também em direções que nos parecem surpreendentes. Porque Deus
é sempre original e se escapa de nossos cálculos. Muitas vezes aquilo que
achamos como solução termina como um grande problema, pois Deus tem seus
próprios planos sobre nós e sobre a humanidade em geral.
O filho que Abraão tem com a escrava Agar será
o pai dos ismaelitas ou agarenos, nómadas beduínos. Portanto, também os árabes
têm Abraão por patriarca. Seu filho Ismael para os árabes e o filho que virá
depois, Isaac, para os judeus, são cabeça de uma dupla descendência numerosíssima.
Visto a partir deste ângulo, parece que judeus e árabes, por sua comum origem, estão
condenados a entender-se. E nós, os cristãos, com os dois. Se um dia, os três irmãos
(judeu, mulçumano e cristão) se compreenderem mutuamente pela mesma origem cujo
patriarca é o mesmo: Abraão, as guerras poderão conhecer seu fim. Se os três trabalharem
juntos, o mundo vai avançar na paz.
Atualmente, há entre 14,2 a 16,5 milhões de judeus pelo mundo (segundo o informe
anual do Instituto de Política do Povo Judeu,28 de junho 2015); há 1,6 bilhão de mulçumanos (O Fórum Pew
para Religião e Vida Pública divulgou na terça-feira 18 Dezembro de 2014); há
em torno de 2 bilhões de cristãos,
isto é, católicos e protestantes (17 de março de 2010). Se os três se reunirem
e unirem suas forças, o mundo vai ter um rosto celestial, pois no mundo eles são
de maioria. Os três são irmãos, pois eles têm Abraão como seu patriarca comum. Por
que não procuramos os pontos de convergência para resolver os problemas
mundiais? Será que temos coragem de assumir que os três também contribuem para
o surgimento das brigas, batalhas e guerras no mundo? Será que Deus em quem
acreditamos e em quem Abraão depositava sua fé e confiança total teria prazer
de ver o sangue de nossos irmãos derramado em nome de uma religião ou em nome
de um suposto Deus em quem acreditamos? As três grandes religiões monoteístas
(judaísmo, cristianismo, e islamismo) temos um ponto comum de referência em
Abraão e sua fidelidade a Deus. Pena que não nos conhecemos nem estamos
reconciliados totalmente.
Segundo o rabino Nilton Bonder há os três maiores segredos para o patriarca Abraão. “O
primeiro sobre si mesmo: que foi criado à imagem e semelhança do divino. O segundo
sobre o próximo: não há outro porque tudo é uma manifestação de Deus. E o
terceiro sobre o comportamento mais importante em um ser humano: ser compassivo
e acolher/hospedar” (Tirando Os
Sapatos: o Caminho de Abraão, Um Caminho Para o Outro p.96).
Nosso Deus é um Deus que compadece. É um Deus
que considera todo homem como filho Seu. É um Deus que está presente,
especialmente no homem que sofre. É um Deus que não se deixa se encerrar ou se
fechar e se prender nos santuários ou nos ritos e sim que está ali junto ao que
sofre como a escrava Agar. É um Deus que não se resigna ver seus filhos
desunidos ou inimigos. Este Deus é o Deus em quem acreditamos.
Valor Do Dizer e Do Fazer Na
Vida Cristã
Estamos ainda no Sermão da Montanha (Mt
5-7). O texto do evangelho de hoje é a
última parte da conclusão do Sermão da Montanha (Mt 7). Como podemos saber se
alguém é um verdadeiro cristão ou somente tem nome de cristão, mas que não tem
nada a ver com a maneira de viver? “De
que vale ter o nome cristão se tua vida não é cristã? Há muitos que se
denominam médicos e não sabem curar. Muitos que se dizem vigilantes noturnos
não fazem mais que dormir a noite inteira. Assim também muitos se chamam
cristãos, mas não o são em seus atos. Em sua vida, moral, fé, esperança e
caridade são muito diferentes do que declara seu nome”, dizia Santo
Agostinho (In epist. Joan. 4,4). O que conta para Deus é o bem que
praticamos. Esta questão é que o texto do Evangelho deste dia quer nos
transmitir.
1. Fazer e Dizer Devem Estar
Em Sintonia Perfeita
“Nem todo aquele que diz ‘Senhor, Senhor’”.
Mais uma vez aparece no evangelho a dialética entre o dizer e o fazer. Há quem
fale continuamente de Deus (“Senhor, Senhor”) e logo se esquece de fazer sua
vontade. Há quem se faça a ilusão de trabalhar pelo Senhor (“profetizamos em
teu nome, expulsamos os demônios, fizemos milagres”), mas logo, no dia das
contas, no dia da verdade, acontece que o Senhor não o conhecerá: “Jamais vos
conheci. Afastai-vos de mim”.
Por isso, existe o perigo de uma oração
(“Senhor, Senhor”) que não é traduzida em vida e em compromisso. Por essa razão
um sábio chegou a dizer: “Não há nada que seja mais perigoso do que a oração”,
porque obriga ou leva quem reza a assumir os compromissos de Deus com seriedade
e perseverança na convivência com os demais homens. Existe o perigo de uma
escuta da Palavra que não se converte em nada prático e operante. Jesus fala
bem claro neste evangelho: os que falam bem, os que “rezam bem”, os que “oram”,
mas não “fazem” não entrarão no Reino. Em outras palavras, a oração precisa ser
transformada em compromisso. Rezemos diante de Deus como uma criança, mas logo
voltemos à nossa vida com nossa responsabilidade de adultos. O final de toda
oração adulta é um só: “Amém”, isto é, aceito a realidade e minha
responsabilidade diante dela.
Por que às vezes ou muitas vezes, a oração
se encerra em si, a escuta da Palavra de Deus não se traduz em vida e o
encontro com os irmãos não se abre ao mundo? A resposta implicitamente se
encontra na própria Palavra de Deus: “Ninguém pode servir a dois senhores”
(Mt 6,24). Por servir a dois senhores, a pessoa, depois de “servir” a Deus com
oração, com a escuta da Palavra e com a reunião eclesial logo serve ao mundo e
a si própria com as opções concretas e cotidianas da vida longes dos valores
cristãos.
Precisamos estar conscientes de que não
existe verdadeira fé sem empenho moral. A oração e a ação, a escuta e a
prática, são igualmente importantes. Há três coisas indispensáveis para a vida
de um cristão: escuta atenta da Palavra de Deus com oração, prática da vontade
de Deus e perseverança até o fim apesar das tempestades da vida.
Jesus não quer que os cristãos cultivem
somente a relação com ele, e sim que sejam seguidores que, unidos a ele,
trabalhem para mudar a situação da humanidade. É viver de acordo com a justiça
e a caridade. Onde há justiça não há pobreza nem exclusão social.
2. Construir a Vida Sobre a
Rocha da Palavra de Deus
Jesus nos convida hoje a sermos seguidores
“rocha” e não seguidores “areia”. Seguidor “areia” é aquele que vive de uma fé
de simples aparência, sem fundamento. Um dia acredita em Deus, em outra ocasião
perde a fé. Crê quando as coisas vão ao seu gosto e se desanima quando tudo não
corresponde àquilo que imaginava. Os seguidores “rocha” são os que fundamentam
sua vida na rocha que é Cristo e sua Palavra. Os seguidores “rocha” se mantêm
firmes em qualquer situação, porque seguram na mão de Deus e sabem em quem
acreditam (cf. 2Tm 1,12c). Para sermos
verdadeiros seguidores “rocha” devemos fazer próprias as palavras do Salmo 78:
“Senhor, não lembreis as nossas culpas do passado, mas venha logo sobre nós
vossa bondade.... Por vosso nome e vossa glória, libertai-nos! Por vosso nome,
perdoai nossos pecados!”. Não corrigir nossas faltas é o mesmo que cometer
novos erros. Muito sabe quem conhece a própria ignorância e procura a viver
mais com sabedoria e prudência.
O evangelho deste dia quer nos dizer que não
importa “dizer Senhor, Senhor, nem falar em seu nome, nem sequer fazer
milagres”. O que importa é a prática. O fazer. As obras. Não o dizer, nem o
pensar, nem o rezar, nem o pregar, nem fazer milagres. A prática é a rocha, por
isso, é firme até diante de Deus. Jesus nos convida a construir nossa vida
sobre a prática. As obras boas praticadas são verdadeiros sinais da abertura
diante da graça de Deus.
Para Refletir:
- O Nome de cristão traz em si a conotação de justiça, bondade, integridade, paciência, castidade, prudência, amabilidade, inocência, e piedade. Como podes explicar a apropriação de tal nome se tua conduta mostra tão poucas dessas muitas virtudes? Não nos deixemos enganar pelo fato de nos chamarem de cristãos. Antes, admitimos ser merecedores de reprovação se usamos um nome ao qual não temos direito... Não existe uma só profissão que não carregue consigo a função correspondente. Como, pois, te atreves a chamar-te cristão, se não te comportas como tal? (Santo Agostinho: De vit. Christ. 6).
P. Vitus Gustama,SVD
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