quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Domingo 30/10/2022: Caminho de Conversão É o Caminho de Amor

CONVERSÃO E SUAS EXIGÊNCIAS NO CAMINHO DO AMOR REDENTOR

XXXI DOMINGO COMUM C 

Primeira Leitura: Sb 11,22-12,2

22Senhor, o mundo inteiro, diante de ti, é como um grão de areia na balança, uma gota de orvalho da manhã que cai sobre a terra. 23Entretanto, de todos tens compaixão, porque tudo podes. Fechas os olhos aos pecados dos homens, para que se arrependam. 24Sim, amas tudo o que existe, e não desprezas nada do que fizeste; porque, se odiasses alguma coisa não a terias criado. 25Da mesma forma, como poderia alguma coisa existir, se não a tivesses querido? Ou como poderia ser mantida, se por ti não fosse chamada? 26A todos, porém, tu tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor, amigo da vida. 12,1O teu espírito incorruptível está em todas as coisas! 2É por isso que corriges com carinho os que caem e os repreendes, lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor.

Segunda Leitura: 2Ts 1,11-2,2

Irmãos: 11Não cessamos de rezar por vós, para que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação. Que ele, por seu poder, realize todo o bem que desejais e torne ativa a vossa fé. 12Assim o nome de nosso Senhor Jesus Cristo será glorificado em vós, e vós nele, em virtude da graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo. 2,1No que se refere à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa união com ele, nós vos pedimos, irmãos: 2não deixeis tão facilmente transtornar a vossa cabeça, nem vos alarmeis por causa de alguma revelação, ou carta atribuída a nós, afirmando que o Dia do Senhor está próximo. 

Evangelho: Lc 19,1-10

Naquele tempo, 1Jesus tinha entrado em Jericó e estava atravessando a cidade. 2Havia ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos cobradores de impostos e muito rico. 3Zaqueu procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia, por causa da multidão, pois era muito baixo. 4Então ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali. 5Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse: “Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa”. 6Ele desceu depressa, e recebeu Jesus com alegria. 7Ao ver isso, todos começaram a murmurar, dizendo: “Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!”8Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”. 9Jesus lhe disse: “Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. 10Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido”.

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Um Olhar Geral Sobre As Leituras Deste Domingo: O amor de Deus Enche o Universo 

O amor de Deus permeia ou enche cada página da Bíblia e da liturgia cristã. Nos textos deste domingo eles se destacam de maneira especial. O amor de Deus por todas as criaturas, porque todas têm a sua razão de ser no amor de Deus (Primeira Leitura). O amor de Deus por todos os homens, sem qualquer distinção, porque todos são seus filhos (Evangelho). O amor de Deus pelos cristãos, "para que o nome de Jesus seja glorificado em vós, e vós nele, segundo a graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo" (Segunda Leitura). 

Um amor sem fronteiras. Assim é o amor de Deus. Ele não tem a fronteira do tempo, porque ama no tempo e antes do tempo e além do tempo. Não tem a fronteira do espaço, porque Ele criou o espaço e o encheu de obras que surgem unicamente do seu amor: o céu, a terra e tudo o que neles habita (Primeira Leitura). Ele não está limitado pela fronteira de idade, condição social ou econômica, do estado de vida dos homens, porque o que mais conta para Deus é que cada um é sua imagem e ele ama a todos como filhos. Deus não ama o cego de Jericó porque é pobre (Lc 18,35-43) ou Zaqueu porque é rico, mas porque ambos são seus filhos. Para Deus, essas barreiras não contam, que muitas vezes contam tanto para os homens. Deus não ama por "méritos", mas em total liberdade. Nem Deus é restringido em seu amor pela barreira do pecado. Os homens são pecadores, Zaqueu é um pecador público. Não importa. O pecado não é, por assim dizer, uma derrota do amor, mas uma oportunidade para o amor de Deus se manifestar com novo esplendor. E poderiam nossas preocupações, nossos medos, nossos pensamentos sobre a "iminência" do "fim da história" ser um muro intransponível do amor de Deus? Deus sempre maior. Deus está acima de todos os limites e de todos os espaços que os homens podem colocar em seu amor. Deus também é maior e está além da morte, aquele monstro em cujo território parece que nem mesmo o amor de Deus tem acesso. Deus é "amigo da vida" (Primeira Leitura) ou, numa tradução talvez mais fiel, "autor da vida". Ele não tem medo da morte como é para nós, pobres mortais, ele cruza sua barreira e a destrói, para que os homens, seus filhos, possam viver para sempre. Realmente, para Deus a fronteira do amor é o amor sem fronteiras. 

A realidade é vista de uma maneira muito diferente quando você tem os olhos para o amor ou quando não os tem. Olhos para amar a Deus na grandeza e esplendor do firmamento! Posso contemplar uma estrela em uma noite de primavera com o olhar perscrutador do cientista que indaga sobre sua distância da Terra, sua idade ou o material de que é composta. E posso contemplá-la com o olhar singelo de quem nela descobre um reflexo da beleza de Deus, um dom de Deus naquela encantadora noite primaveril. Olhos para ver o amor de Deus no poder e na beleza da natureza! Aquela natureza que revive após o inverno e ao ressuscitar. Aquela natureza pela qual Deus lembra ao homem a lei da renovação permanente e reivindica sua vocação para a ressurreição com Cristo na glória. Olhos para admirar o amor de Deus manifestado no homem e nas magníficas obras do seu pensamento! É diferente considerar a inteligência do homem como fruto do acaso evolutivo do que ver nela a obra mais preciosa e sublime do amor criador de Deus. O tratamento que darei a um homem é muito diferente se fico apenas no fato de que ele é um quadrúpede inteligente ou se, olhando para além do reino corporal, o vejo como um filho de Deus, nascido para uma feliz eternidade no amor. 

Os homens costumam ter olhos para o mal, para a crítica, para o lixo do mundo. Tudo bem, mas temos que olhar tudo isso com olhos de amor, com os mesmos olhos com que Deus  o vê. E sobretudo devemos abrir bem os olhos para o bem, para a bênção, para a verdade, a beleza e a santidade que há no mundo. Em última análise, ter olhos para o amor é ter olhos para Deus. 

Que o amor seja criativo, acredita-e que ninguém duvida. Já conhecemos a criatividade do amor de Deus: a Sagrada Escritura, a Igreja como instituição do amor redentor, a presença de Jesus Cristo na Eucaristia, ou a perfeição do cérebro humano, e a imensidão do cosmos e suas galáxias, para dar alguns exemplos. Quem ignora o poder "criativo" de uma carícia ao marido, ao filho, à mãe, à namorada? Quem não conseguiu verificar a criatividade de uma palavra, de um olhar, de um abraço? Busque a criatividade no amor todos os dias dentro da família. Pequenas coisas de amor, não importa, mas novas, inesperadas, surpreendentes! Busque a criatividade no amor para melhor servir os outros, como funcionário em um escritório, como padre, como enfermeiro em um hospital, como assistente social em uma casa de repouso, como professor em uma escola ou professor em uma universidade, etc. E acima de tudo, procure a criatividade em nosso amor a Deus. Criativo quando falamos com Deus para lhe dizer a mesma coisa, mas com linguagem e música diferentes. Criativo em multiplicar o máximo possível as obras de amor, as formas de expressar o amor. Criativo para pensar e formular o amor de Deus e comunicá-lo criativamente aos homens. Criativo para falar com Deus e falar de Deus. Criatividade! Criatividade no amor! O amor não é criativo por sua própria natureza? Se por acaso o amor deixasse de ser criativo, seria tédio, rotina, tédio. Deixaria de ser amor. O que fazer para exercitar diariamente a criatividade do amor? 

Belo texto do livro da Sabedoria que lemos na Primeira Leitura. Bela reflexão e oração cantando a grandeza de Deus na criação como mistério de sua "sabedoria". O que é criado faz ou tem sentido, não só porque vem das mãos de Deus, mas também porque é bom e tem um significado positivo para a humanidade. É verdade que o texto culmina com uma revisão da história do pecado do Egito que teve o povo eleito em suas mãos. Deus poderia ter reduzido aquele povo a “nada”. Mas não foi assim. 

É por isso que o final deste capítulo é impressionante: Deus não pode destruir nada que ele criou com seu poder. Refere-se às pessoas, à humanidade, aos homens, às pessoas. Deus, o Deus da Sabedoria, não pode destruir ninguém para triunfar; embora tenha sido apresentado dessa forma muitas vezes. Este texto respira sabedoria religiosa e contempla como tudo tem um significado e como também surgem da mão de Deus as oportunidades de mudar, de ser outras pessoas, de embarcar em um novo caminho. O mundo vive de mãos dadas com Deus e o homem, de qualquer etnia ou religião, é um hino à dignidade que cada um carrega no coração. Por isso a religião deve ser uma luz quando olha para a interioridade da pessoa, porque nessa interioridade é onde mora o "espírito", a "sabedoria" -que seria a mesma-, de Deus. 

O ser humano tem sido definido como um ser de deficiências ou de carências. Nascemos sendo o animal mais frágil, precisamos de uma luta forte, com a ajuda de outros. Para sobreviver, vivemos em contínua ameaça à nossa existência. E, além disso, não fazemos tudo bem, somos os inimigos mais fortes do nosso ser, do simplesmente existir e principalmente do caminhar para ser o que deveríamos ser. Em nós, a nossa dignidade humana convive mais ou menos pacificamente, mais ou menos em conflito contínuo, com forças que a degradam. 

A maior desgraça para nós seria acreditar que nossa imperfeição não tem remédio ou viver ignorando-a. Mas a Palavra de Deus nos mostra que nunca há motivo para desespero, nem para presunção.

Para “todos”, porque “todos murmuraram” quando viram que Jesus ficou em sua casa, Zaqueu é um ser essencialmente pecador, não pode ser chamado de filho de Abraão, como os demais judeus. Definido pelo pecado de ser publicano; talvez rico por seu cargo de arrecadador de impostos... nada de positivo existe nele. 

Jesus é o único que viu algo positivo, mesmo que fosse apenas a possibilidade de salvação. E a salvação se aproxima de Zaqueu. Acontece então que Zaqueu não era tão pecador: nele há generosidade com os pobres e a justiça de quem quer corrigir ações injustas contra o outro da única maneira possível, restituindo o que havia roubado e de forma qualificada “quatro vezes mais”. Zaqueu era um ser humano com suas misérias e sua grandeza, "um filho de Abraão". 

Zaqueu representa o tipo de ser humano que Jesus quer conhecer. Ele não veio para os justos, isto é, para aqueles que presunçosamente acreditam que não precisam dele, porque ele não pode lhes trazer nada. O que soa como salvação não significa nada para eles; eles não precisam disso, eles já estão salvos. 

A salvação é uma graça, não a recompensa de um esforço. A salvação vem a nós com Cristo. Zaqueu não foi salvo por sua generosidade e magnanimidade em devolver o que havia sido desviado ou roubado. Zaqueu é salvo porque Jesus entrou e ficou em sua casa. “Hoje a salvação entrou nesta casa”. 

Abramos, pois, as portas a Jesus, ao seu evangelho, à sua presença ressuscitada na nossa vida, bem como na do nosso irmão. Abramos as portas a Cristo na Eucaristia, sacramento dessa presença de Jesus em nossa casa. Apesar do nosso pecado, apesar de parecer que não temos perdão para nossos pecados, é que Jesus se convide e venha estar em nós, entre nós. “Hoje a salvação entrou nesta casa”. 

Ele nos dirá, se ainda não o compreendemos, que é necessário nos preparar para que ele se faça presente, com nossa generosidade para com o outro, especialmente para com os necessitados -também sacramento da presença de Cristo-; com uma atitude de arrependimento autêntico, que, sendo autêntico, tentará corrigir generosamente o que é indigno ou injusto que fizemos. 

Há, portanto, razões para, como Zaqueu, receber Cristo Senhor "com muita alegria". Há motivos para se alegrar no seu dia, domingo, dia do Senhor. 

Um Olhar Um Pouco Mais Profundo Sobre o Evangelho Deste Domingo        

O texto se encontra no complexo literário de Lc 17,11-19,28 onde se fala da chegada do reino que é a terceira etapa do caminho de Jesus a Jerusalém. Nesta etapa Jesus continua a fazer suas instruções sobre alguns aspectos importantes da vida cristã: a chegada do Reino de Deus e a vinda do Filho do homem(Lc 17,11-37: onde se encontra o 28º  domingo “C”), a importância da oração perseverante e humilde(Lc 18,1-14: os 29º e 30º domingos “C”), e o seguimento de Jesus e o abandono das riquezas(Lc 18,15-19,28). Dentro deste contexto é que podemos entender a história de Zaqueu(Lc 19,1-10).          

Novamente encontramos aqui o tema mais querido por Lucas: a conversão e suas exigências. A conversão de Zaqueu em Jericó é o último episódio da viagem de Jesus a Jerusalém. Por esta razão precisamos ler esta passagem com a alusão a alguns textos lucanos, como Lc 3,10-14 sobre a pregação sobre a ética de João Batista; Lc 18,9-14 sobre o fariseu e o publicano que vão ao templo para rezar e Lc 18,18-23 sobre o jovem rico que não aceitou o convite de Jesus para segui-Lo. Particularmente, Zaqueu é outro lado da história do jovem rico. Se o jovem rico recusou o convite de Jesus por ter muitos bens, Zaqueu abandona tudo para segui-Lo. Zaqueu representa os excluídos de Palestina para quem Jesus veio para salvá-los(cf. Lc 15,1-7 ou Lc 15,1ss). 

1. Zaqueu, Um Cobrador De Impostos. Quem São Os Cobradores De Impostos?          

A história de Zaqueu se encontra apenas no Evangelho de Lucas. “Zaqueu” deriva do hebraico e aramaico Zakkay, forma abreviada de Zekaryá: Zacarias, que significa “Deus lembrou-se de novo”. Era cobrador de impostos. De estatura pequena. Por isso, alguém brinca que Zaqueu tem pernas curtas mas suas mãos são “grandes”, por isso é chamado não de Zaqueu, e sim de Saqueador.   

Zaqueu morava em Jerico. Jericó é a parada obrigatória para os peregrinos que chegam do norte(a Jerico moderna encontra-se a cerca de 35 km de Jerusalém). Jericó estava situada numa importante rota comercial e devia ser um centro importante para a tarefa de um chefe de arrecadadores de impostos. Nessa cidade se encontram também os funcionários da alfândega e do fisco na qual  Zaqueu é o cobrador- chefe de impostos.          

Os cobradores de impostos na época não eram funcionários do Estado, mas empresários que adquiriam do Estado o direito de arrecadar impostos. Para isso, pagavam determinado valor para o Estado e depois podiam cobrar como quisessem nessas alfândegas. Evidentemente cobravam bem caro o que não deviam. Eles cobravam pedágios por calçadas, passagens, pontes e vaus em portos, nas fronteiras provinciais, pela entrada e saída de produtos nas cidades e pelo comércio, especialmente de roupas, pérolas e escravos. Por isso, os chefes do sistema eram pessoas muito ricas. E alguns deles eram membros do Sinédrio.          

Por cobrarem o que não deviam, aos olhos de todo sacerdote e fariseu e escribas como também de toda a população eles eram considerados pecadores públicos e impuros(inclusive eram impuros suas casas, suas roupas e seus objetos porque se relacionavam com as pessoas impuras, os romanos que estabeleciam os tipos de alfândegas), visto que para os judeus o único imposto legítimo era o que se pagava ao Templo. Eles eram considerados também como traidores da nação já que eles cobravam impostos para os romanos, poder estrangeiro(colonialista) e se beneficiavam disso. Por isso, eram excluídos das promessas de Abraão. Os cobradores de impostos não podiam ser juizes, nem testemunhas num processo. Portanto, eles não eram apenas pecadores na concepção da época, mas também eram pessoas marginalizadas. Dentro desta descrição encontra-se Zaqueu. 

2. Zaqueu Quer Ver Jesus, Mas De Fato Jesus Quer Vê-Lo (A Iniciativa É De Jesus)          

Zaqueu passa lá, naquele local, para ver Jesus porque as pessoas falam muito dele. E Jesus certamente passa no mesmo local para ver Zaqueu(Zaqueu significa Deus lembrou-se de novo). Na verdade, a iniciativa é sempre do Senhor. Zaqueu está ansioso para ver Jesus, mas por sua baixa estatura e a multidão  que o impede, ele não consegue ver Jesus. Pode-se dizer que exatamente por ser baixinho, e sentir-se pequeno, ele tentava recompensa seus sentimentos de inferioridade ganhando o máximo possível de dinheiro. A riqueza devia ajudar o próprio Zaqueu a se sentir valorizado. Ele só rebaixando os outros(subir numa árvore) que ele podia acreditar na sua própria grandeza. Ele tinha que se colocar acima dos outros, porque ao lado dos outros ele se sentia pequeno demais. Mas o seu próprio esforço não conseguia tirá-lo do círculo vicioso da solidão e da rejeição. Ele estava precisando do encontro particular com Jesus para voltar a viver dignamente como um ser humano. Quantas pessoas gostariam de conhecer Jesus, mas encontram vários obstáculos, como mentalidade materialista, especialmente das “multidões cristãos” que não vivem de acordo com os valores cristãos.          

Zaqueu não desiste e não se entrega. Ele é apenas de baixa estatura, mas não é curto de idéias e intuições. Até uma coisa pouco ridícula, como árvore, ele usa só para ver Jesus. Ele sobe numa árvore(figueira). Zaqueu olhou Jesus e Jesus viu Zaqueu. Ninguém escapa do olhar de Deus, muito menos para aqueles que têm a ansiedade de conhecê-Lo. Uma pessoa perseverante e paciente sempre encontra qualquer solução para qualquer problema pois Deus sempre está “de olho” nela e ela está sempre “de olho” em Deus. 

3. Dois Olhares Que Resultam Em Salvação          

O olhar de Jesus e o de Zaqueu se encontram. Jesus viu Zaqueu e Zaqueu o viu. Dizemos que Deus está “nas alturas e o ser humano está na terra. Mas aqui encontramos o contrário que chama nossa atenção. Deus que está “nas alturas” e que se encontra na terra, olha de baixo para cima(para Zaqueu de baixa estatura). Enquanto isto, o homem que é humilde(humus, terra, chão, pó, que deveria estar na terra) olha de cima para baixo, pois sempre quer estar nas alturas. Deus está na terra. O homem está nas alturas, querendo ser deus e nunca o conseguirá. Precisamos sempre aprender a descer de nossos tronos, de “nossas árvores” para sermos seres humanos novamente e sermos irmãos e próximos uns dos outros.           

“Zaqueu, desça depressa, porque hoje tenho que hospedar-me em tua casa”, diz Jesus. Três vezes no evangelho de Lc fala-se dessa situação de pressa. Maria foi visitar sua parenta Isabel apressadamente(Lc 1,39). Os pastores foram depressa a Belém para ver o recém-nascido(Lc 2,16). “Depressa” indica a prontidão diante de alguma coisa de grande importância ou de grande valor ou interesse.          

Jesus se autoconvida para ir comer com Zaqueu. Essa iniciativa de Jesus ir comer na casa do cobrador de impostos, Zaqueu, é um gesto profético. Comer juntos na mesa era uma expressão de união íntima. Por esta razão é que alguns começaram a murmurar sobre a atitude de Jesus: “Ele foi se hospedar na casa de um pecador!”(v.7). Ao ir à casa de Zaqueu, Jesus testemunha publicamente a misericórdia de Deus que se oferece aos pecadores. Não somente o homem justo é que vai ao encontro de Deus, mas também Deus vai ao encontro do homem pecador, banido, atormentado, excluído, carente, para salvá-lo. A misericórdia de Deus não conhece impedimentos em relação ao homem. Deus sempre vem a nós e bate continuamente à nossa porta. Zaqueu não esperava tudo isso, mas também não quer perder sua oportunidade. Não é fácil descer de uma árvore como quando subir; imagine descer depressa, pois de cima(da árvore) vemos uma distância dobrada que causa medo de cair. Mas não dá para ficar eternamente em cima, temos que aprender a descer com muita coragem como a coragem de querermos subir. Numa linguagem figurativa ou simbólica, podemos dizer que quantas pessoas na vida gostam somente de subir e de ficar “nas alturas”, mas quando chega o momento de ter que descer, são dominados totalmente pelo medo. “O que vou fazer da minha vida!?” Não podemos esquecer que tudo que sobe, desce. Ao subir, temos que pensar também no descer que muitas vezes é um descer depressa para o próprio bem e o bem comum. Zaqueu desce depressa para acolher aquilo que é o maior do que o ato de subir sempre: a salvação.          

Zaqueu desce da árvore depressa e fica humilde, humilis, familiar com a terra e recebeu Jesus com alegria(v.6). A alegria é uma necessidade vital É uma vontade existencial para que possamos enfrentar as adversidades da vida de forma serena e confiante. Lc sempre acentua a alegria da salvação(Lc 1,44;2,3;24,52). A história da salvação é uma história de alegria, apesar da cruz. A graça de Deus é fonte de alegria que nos dá força mais que suficiente para enfrentar tudo na vida.       

Certamente, lá embaixo, no chão quando Zaqueu desce, acontece o milagre de transformação: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se eu defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”. A misericórdia de Jesus desperta a justiça de Zaqueu. 50% dos seus bens não lhe pertence mais. Cumpriu-se em Zaqueu o que João Batista pediu aos ouvintes como uma prova de conversão: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem. E quem tiver comida, faça a mesma coisa”(Lc 3,11). Restam apenas 50% dos seus bens. Destes, Zaqueu ainda decide: “...e se eu defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”. A lei judaica previa a restituição do quádruplo apenas num caso(Ex 21,37). Zaqueu torna essa exceção norma para ressarcir os que roubou. A conversão de Zaqueu é tão profunda que lhe chegou até o bolso, que é o segundo coração do homem, pois o dinheiro é o deus cujo altar é o coração do homem. Com isso, Zaqueu ficou livre de toda a riqueza que o prendia para torna-se rico do Reino de Deus. Este é o “hoje” de Zaqueu.          

“Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão”. No Evangelho de Lc encontramos várias vezes o termo “hoje”. No nascimento de Jesus os anjos anunciam aos pastores: “Hoje nasceu para vós o Salvador...”(Lc 2,11). Ao bom ladrão Jesus promete: “Hoje estarás comigo no paraíso...”(Lc 23,43). No Pai Nosso Jesus nos ensina: “ O pão nosso de cada dia dai-nos hoje”(Lc 11,13). No texto sobre o qual estamos meditando, aparecem duas vezes o termo “hoje”. Cada dia é um hoje em que Deus opera suas maravilhas. Por isso, não se refere somente àquele dia em que Zaqueu encontrou-se com Jesus. Nesse encontro aconteceu o hoje de Zaqueu. Ele voltou a ser um filho de Abraão, herdeiro das promessas de salvação. 

O encontro verdadeiro com Cristo faz abrir o coração e as mãos. O gesto de Zaqueu nasce da conversão interior, da mudança de vida, provocada pelo encontro com Jesus. Encontrando o Amor, descobrindo que é amado, torna-se alguém capaz de encontrar os outros. Capaz de olhá-los com os olhos diferentes.

P. Vitus Gustama, SVD

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