segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

VI Domingo Comum "A": 12/02/2023

O CRISTÃO É AQUELE QUE SE ESFORÇA PARA SER O MELHOR NO AMOR 

VI DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”

Primeira Leitura: Eclo 15,16-21

16Se quiseres observar os mandamentos, eles te guardarão; se confias em Deus, tu também viverás. 17Diante de ti ele colocou o fogo e a água; para o que quiseres, tu podes estender a mão. 18Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal; ele receberá aquilo que preferir. 19A sabedoria do Senhor é imensa, ele é forte e poderoso e tudo vê continuamente. 20Os olhos do Senhor estão voltados para os que o temem. Ele conhece todas as obras do homem. 21Não mandou a ninguém agir como ímpio e a ninguém deu licença de pecar.

Segunda Leitura:1Cor 2,6-10

Irmãos: 6Entre os perfeitos nós falamos de sabedoria, não da sabedoria deste mundo nem da sabedoria dos poderosos deste mundo, que, afinal, estão votados à destruição. 7Falamos, sim, da misteriosa sabedoria de Deus, sabedoria escondida, que desde a eternidade Deus destinou para nossa glória. 8Nenhum dos poderosos deste mundo conheceu essa sabedoria. Pois, se a tivessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor da glória. 9Mas, como está escrito, “o que Deus preparou para os que o amam é algo que os olhos jamais viram nem os ouvidos ouviram nem coração algum jamais pressentiu”. 10A nós Deus revelou esse mistério através do Espírito. Pois o Espírito esquadrinha tudo, mesmo as profundezas de Deus.

Evangelho: Mt 5,17-37

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 17Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento. 18Em verdade, eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra. 19Portanto, quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será considerado o menor no Reino dos Céus. Porém, quem os praticar e ensinar será considerado grande no Reino dos Céus. 20Porque eu vos digo: Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus. 21Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: 'Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal'. 22Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: 'patife!' será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de 'tolo' será condenado ao fogo do inferno. 23Portanto, quando tu estiveres levando  a tua oferta para o altar, e ali te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa a tua oferta ali diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai apresentar a tua oferta. 25Procura reconciliar-te com teu adversário, enquanto caminha contigo para o tribunal. Senão o adversário te entregará ao juiz, o juiz te entregará ao oficial de justiça, e tu serás jogado na prisão. 26Em verdade eu te digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo. 27Ouvistes o que foi dito: 'Não cometerás adultério'. 28Eu, porém, vos digo: Todo aquele que olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração. 29Se o teu olho direito é para ti ocasião de pecado, arranca-o e joga-o para longe de ti! De fato, é melhor perder um de teus membros, do que todo o teu corpo ser jogado no inferno. 30Se a tua mão direita é para ti ocasião de pecado, corta-a e joga-a para longe de ti! De fato, é melhor perder um dos teus membros, do que todo o teu corpo ir para o inferno. 31Foi dito também: 'Quem se divorciar de sua mulher, dê-lhe uma certidão de divórcio'. 32Eu, porém, vos digo: Todo aquele que se divorcia de sua mulher, a não ser por motivo de união irregular, faz com que ela se torne adúltera; e quem se casa com a mulher divorciada comete adultério. 33Vós ouvistes também o que foi dito aos antigos: 'Não jurarás falso', mas 'cumprirás os teus juramentos feitos ao Senhor'. 34Eu, porém, vos digo: Não jureis de modo algum: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; 35nem pela terra, porque é o suporte onde apoia os seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do Grande Rei. 36Não jures tão pouco pela tua cabeça, porque tu não podes tornar branco ou preto um só fio de cabelo. 37Seja o vosso 'sim': 'Sim', e o vosso 'não': 'Não'. Tudo o que for além disso vem do Maligno.

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Em Jesus Toda a Profécia Se Cumpriu

O texto do Evangelho deste domingo faz parte do Sermão da Montanha (Mt 5-7). Continuamos a acompanhar, então, a reflexão sobre os ensinamentos de Jesus Cristo neste conjunto.

Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento. Em verdade, eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra, disse Jesus. 

Com estas palavras Jesus nos ensina duas coisas. Primeiro, que o Antigo Testamento (AT) faz parte autêntica da revelação de Deus. Segundo, que não há mandamentos pequenos ou ensinamentos banais na Sagrada Escritura. Certamente que o AT, por ter escrito em um tempo e cultura distantes de nós, nem sempre é fácil de entendê-lo. No entanto, isto não quer dizer que não devamos buscar também no AT a vontade de Deus. Por outro lado, é certo também que nem tudo do que entendemos, inclusive do Novo Testamento (NT), é fácil de cumprir. Diante de tudo isso, requer a firme convicção de que isso é o que Deus quer e que como tal devemos respeitá-lo e atuar como ele nos vai propondo. Estejamos sempre atentos e tenhamos como fonte de sabedoria a Palavra de Deus, e como fonte de conhecimento o “Magistério Ordinária da Igreja”.

Os fariseus, fanáticos obsessivos do cumprimento da lei havia posto a vontade de Deus em elementos secundários, que não buscavam de modo algum o estabelecimento de uma sociedade mais fraterna e justa. Eles davam mais importância a suas interpretações e tradições que os levavam a transgredir a Lei pensando que a observavam. 

Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas”, disse Jesus. A lei é boa, pois ordena aquilo que faz a vida crescer e proibe tudo o que a diminui. A lei propõe o bem e condena o mal. A lei é uma afirmação da coexistência do bem e do mal. Porém, a lei em si não salva ninguém (cf. Mc 10,17-31). Além disso, paradoxalmente, a lei com sua proibições e seus preceitos permite ao pecado exprimir a sua potencialidade negativa, indicando o que fazer para acontecer os pecados. É driblar a lei para cometer algo errado. Se todos vivessem o amor fraterno ou conforme o amor fraterno, como Jesus propõe nas antíteses que seguirão, não teria mais a necessidade de qualquer outra lei, pois “O amor não pratica o mal contra o próximo. Portanto, o amor é o pleno cumprimento da lei” (Rm 13,10). Portanto, as “antíteses” (ouvistes....porém vos digo...) que seguirão  não serão contra a lei e sim o seu cumprimento. Quem não ama, vê as leis, as normas como impossíveis de serem observados ou como ocasião de transgressão. Quem ama, cumpre livremente tudo, porém por força do amor. 

Além do mais, esta expressão (Mt 5,17-20) surgiu como resposta para a questão na comunidade de Mateus nos anos oitenta: Será que somos obrigados a cumprir a Lei de Moises, sendo seguidores de Cristo?  Se Cristo tem a autoridade maior do que a de Moisés, porque Jesus não aboliu, então, a Lei de Moisés? Onde consiste a novidade dos ensinamentos de Jesus? O evangelista Mateus quer dizer à sua comunidade que a missão de Jesus tem como objetivo não abolir o que já foi revelado e sim promulgar definitivamente a vontade de Deus que se cumpriu nele. 

“Em verdade, eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra”,disse Jesus. Jesus cumpre a vontade do Pai ao amar os irmãos, sem medida. O verdadeiro amor não esquece nem mesmo o mínimo detalhe, que outros poderiam esquecer. O amor mostra a própria grandeza até nos seus mínimos detalhes. 

Porém, ao mesmo tempo, Jesus Cristo representa uma ruptura com a Lei de Moisés. Por isso, nas antíteses que serão apresentadas encontraremos a seguinte expressão: “Vocês ouviram... Eu, porém, lhes digo”. Nisto a autoridade de Jesus é maior do que a de Moisés. Moisés recebeu a Lei de Deus, mas Jesus promulga a Lei. 

Em outras palavras pode-se dizer que Jesus não muda a lei. Mas nos convida a irmos além da pura letra. Convida-nos a descobrirmos o significado profundo da lei para as nossas vidas. Convida-nos a irmos além do puro cumprimento que tantas vezes se torna para nós um "cumpro e minto". Todos nós sabemos que há maneiras de cumprir a letra da lei e, ao mesmo tempo, trair seu espírito. Possivelmente todos nós já fizemos isso muitas vezes em nossa vida. Jesus simplesmente nos convida a enfrentarmos a realidade, com o sentido autêntico de nossos atos. O adultério não é apenas o ato físico. O adultério já ocorre em nossos corações quando nos deixamos levar pelos maus desejos. Matar uma pessoa é um crime hediondo. A grande maioria de nós nunca fez isso. Nem o faremos. Mas quantas vezes matamos o outro em nossos corações? Quantas vezes desejamos sua morte? Quantas vezes o matamos com nosso desprezo ou com nossas palavras?

A sabedoria do Espírito de que fala São Paulo na Segunda Leitura é o que guia Jesus ao deixar claro que entrar no Reino é algo mais do que cumprir meticulosamente cada um dos preceitos da lei em seu sentido externo. Para ser um bom cristão não é necessário conhecer todos os detalhes da lei. Para ser cristão é preciso deixar-se levar pela sabedoria do Espírito. Para ser cristão é preciso conhecer e assumir no coração a lei do amor que é, ou deveria ser, o centro e a origem de todos e cada um dos mandamentos. Seguir a lei do amor é o que nos torna perfeitos. Diante dessa primeira e fundamental lei do amor, devemos nos situar. É aí que devemos escolher entre a morte e a vida, entre o fogo e a água, como diz a Primeira Leitura. Não nos enganemos, dizendo a nós mesmos que já cumprimos a lei porque vamos à missa todos os domingos e porque cumprimos as demais leis da Igreja. Ser cristão é uma questão de amor. Ou melhor, amar. E nada mais.

Por esta razão Jesus exige: “Eu vos digo: se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da lei e dos fariseus, vós não entrareis no reino dos céus”. Jesus afirma que para entrar no Reino não basta conhecer e executar a lei (cf. Mc 10,17-31). É necessária uma justiça que ultrapasse os limites da lei. Trata-se daquela justiça do Pai, que ama, perdoa e salva gratuitamente os seus filhos. É mais do que quelquer justiça humana, pois a justiça de Deus tem o amor sem medida como seu motor. Aqueles que amam os outros como irmãos acima de qualquer bondade ou qualidade são filhos do Reno do Pai. A perfeção que Jesus exige de cada cristão (Mt 5,48) consiste em amar a todos. 

Por isso, o Reino que Jesus anuncia supõe a prática da justiça. A nova justiça anunciada por Jesus não será medida em termos “quantitativos” como observância externa de uns preceitos, mas será medida em virtude da adesão do coração às exigências do Reino. Mas não se trata de uma justiça legal nem formal. Trata-se de uma justiça profunda e de razão profunda. Sempre é mais fácil seguir uma norma a comprometer-se por amor ou a trabalhar por amor. Uma pessoa comete a maior injustiça quando não ama. As outras injustiças são conseqüência da falta de amor. Por isso, a justiça não é questão de números e quantidades, mas de amor. 

O inimigo do bom é o melhor. Na Igreja de Cristo não basta ser bom. É preciso ser melhor: “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da lei e dos fariseus, vós não entrareis no reino dos céus”. O cristão é aquele sempre faz uma passagem do bom para o melhor diariamente. Cada dia o cristão deve ser melhor do que seu estado anterior no amor. Entre o bom, o cristão faz o melhor. 

O que é ser melhor concretamente no contexto do Sermão da Montanha? As antíteses vão nos mostrar do que se trata. Jesus enumera seis exemplos dessa nova justiça e os apresenta de maneira antitética (Antíteses). Neste dia lemos as quatro primeiras antíteses (Mt 5,21-37). 

O evangelista Mateus é um educador cristão que quer mostrar em seu evangelho como se pode ser discípulo de Jesus em uma comunidade de irmãos com um homicídio, adultério, divórcio, juramentos, lei da Talião (dente por dente, olho por olho) e amor aos inimigos. As quatro primeiras antíteses aparecem no evangelho de hoje. O evangelho do próximo domingo tratará das duas últimas. 

Antíteses Baseadas Sobre o Amor 

Todas as antíteses tem como motor o amor. Viver no amor é participar da vida do outro; é criar e recriar vida; é ajudar a crescer. Para conseguir a felicidade, a plenitude, a realização, a bem-aventurança ou a santidade não podemos ficar apenas conformados com o direito ou com a lei. É preciso amar. A maior a injustiça é a falta de amor. O amor à vida do próximo é o que cria, aprofunda e nos leva para a eternidade rompendo espaços temporais e permitindo-nos a transcendência. 

A vida cresce quando o homem passa do direito ao amor; ao deixar de lado a defesa somente do que é meu, pois a caridade significa dar a alguém o que é meu. Quando o amor aparece na vida do homem, todos os direitos se tornam obsoletos e pobres. O amor e a lei não são antagônicos, mas não podem ocorrer juntos, pois o amor prevalece sobre a lei ou direito. Quando se ama não é preciso que sejam ditadas leis para viver junto com a pessoa amada. Mas quando o amor desaparece pode aparecer até traição. A vida do homem desenvolve-se entre os dois pólos do amor e do direito, de um ao outro e se ambos estiverem ausentes, serve-se da crise, da catástrofe ou do cataclismo. O amor potencia nossa própria persinalidade e desenvolve a personalidade do outro. Amar é crescer e ajudar a crescer. 

Mt 5,21-26 lembram o respeito pelo outro  na vida. Por isso, não basta não o matar, também a ira, o insulto e o desprezo são formas de matar (Mt 5,21-22). O acordo fraterno é tão importante que a reconciliação precede qualquer culto religioso (Mt 5,23-24). E o não acordo com o irmão é a condenação de não ser filho (Mt 5,25-26). 

Mt 5,27-30: recordam o respeito ao outro no seu bem fundamental: a sua relação de casal. Não há somente o adultério do corpo, mas também aquele adultério do coração (Mt 5,27-28). É preciso ter firmeza para tirar aquilo que induz ao mal (Mt 5,29-30). E se o divórcio era permitido pela lei mosaica (Mt 5,31-32), Jesus reconduz a união homem/mulher a seu estado original (Mt 19,3-9).

Mt 5,33-37 recordam o juramento e a palavra, forma fundamental de relacionamento humano. Jesus afirma que a palavra que sai da boca seja transparente de tudo o que está no coração. 

Na primeira antítese Jesus nos convida a darmos um passo adiante na fraternidade: Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal’. Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: ‘patife!’ será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de ‘tolo’ será condenado ao fogo do inferno .

No texto de hoje Jesus faz sua reflexão sobre o quinto mandamento do Decálogo: “Não matarás”. Esta lei continua válida, porém Jesus propõe uma interpretação mais exigente desta disposição que abarca não somente as ações ou os atos culpáveis nessa ordem, mas também a raiz de onde brotam essas ações ou esses atos: o sentimento e a interioridade do ser humano. A proibição do homicídio inclui na nova interpretação de Jesus a proibição de todo sentimento de ira e animosidade, maledicência, insulto, desprezo contra o irmão. Para Jesus a ira e as palavras ofensivas contra o irmão são equiparadas ao homicídio. De fato, antes de matar um adversário/inimigo com uma arma, ele o mata ou o fere com a palavra que sai do coração. Para Jesus a relação com o irmão adquire uma tal seriedade que com ela se chega a decidir o destino definitivo da pessoa humana diante de Deus. Portanto, Jesus não se limita a condenar quem mata materialmente (fisicamente), mas também quem mata o irmão no coração, que elimina seu irmão da própria vida.

Portanto, nesta primeira antítese Jesus nos afirma que não basta não matar o irmão fisicamente, importa respeitá-lo, ter consideração para com ele, respeitar sua dignidade e sua honra, não se acha superior a ele. Não só matar alguém fisicamente, pode-se matar com palavras, com um julgamento severo, com uma atitude de desprezo, com difamação, com comentários maldosos, com discriminação, e assim por diante. Pode-se matar o irmão deixando-o de lado, fazendo extinguir-se seu entusiasmo e seus bons projetos, não lhe permitindo expressar-se livremente. Não se pode honrar a Deus se o irmão é desonrado, pois Deus não só está no céu, mas também está em cada irmão que encontramos, especialmente nos pobres, nos pequenos, nos humildes desprezados, naqueles que nós, às vezes, chamamos de cretinos (cf. Mt 25,40.45). Para Jesus é impossível o culto autêntico a Deus sem amor ao próximo, pois o próximo é a passagem obrigatória para chegar até Deus. Em outras palavras, o culto e a religião devem refletir a vida, e vice-versa.        

Por isso, Jesus enfatiza a importância da reconciliação fraterna para estar bem com Deus. A oferenda que levamos ante o altar carecerá de valor, se esquecermos o irmão, se não nos reconciliarmos com o próximo. Não se trata de escrúpulos pessoais, o assunto é objetivo: se um “irmão seu tem alguma coisa contra você” (v.23). Essa é referência, o outro/o irmão. A reconciliação com o irmão implica respeitar os seus direitos e abrir-lhe o nosso coração através de gestos concretos. Mas tampouco devemos ficar nisso; é necessário voltarmos para apresentar a oferenda (v.24). O círculo se fecha. Oração e compromisso são inseparáveis. A Eucaristia exige a criação da fraternidade humana.

Na segunda e terceira antítese Jesus fala do amor conjugal: “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração”.       

Com o sexto mandamento (Ex 20,14.17), a Lei proibia o adultério. Mas Jesus coloca um princípio: o ato externo é somente a conclusão material daquilo que tem lugar no coração. Antigamente, o ato externo, em relação ao adultério, era um simples ato de injustiça contra o marido, pois a mulher era considerada como propriedade do marido. A mulher casada era o bem do marido; o homem era o dono da mulher (esposa). 

Jesus não segue esta linha de pensamento. Jesus quer reabilitar a mulher. Jesus vê mulher como pessoa e não como objeto de propriedade. Por isso, tanto homem como mulher cometeram o mesmo adultério e não somente a mulher é culpada. 

Por isso, Jesus insiste na limpeza de coração (em seu interior = em seu coração). O adultério é injustiça e também o desejo de cometê-lo. “O olho” simboliza o desejo; “a mão”, a ação. Ceder ao impulso de um ou outra leva o homem à morte. 

Nesta antítese Jesus volta a insistir na limpeza de coração (em seu interior = em seu coração). O adultério é injustiça contra a família, contra o matrimonio. E o desejo de cometê-lo também é injustiça. Enquanto seus contemporâneos preocupam-se com o ato exterior de adultério, Jesus preocupa-se com o ato interior, onde tem início o desrespeito ao mandamento divino. Por isso, é preciso eliminar o mau desejo com a pureza de coração (uma das bem-aventuranças: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus” –Mt 5,8). O cristão é exortado a olhar para a mulher do próximo (ou o homem do próximo) com pureza de coração, sem se deixar envolver pelo desejo de possuí-la (lo). Só o coração não pervertido pela maldade pode olhar uma mulher (um homem) de maneira respeitosa, sem convertê-la (lo) em objeto de pensamentos maliciosos.

Com estas palavras Jesus convida o cristão a dar um passo adiante no amor. O amor do homem e da mulher não é desejo e busca egoísta da própria satisfação. O amor é querer o bem do amado, é encontro livre e libertador. A atração física sem amor é sinal de alienação e imaturidade profunda, é a negação da liberdade e da dignidade da pessoa, é tentativa de destruir o outro para fazer dele coisa, objeto de desejo ou de ambição.       

Um amor verdadeiro, com raiz na totalidade da pessoa, se insere na corrente única de amor que é Deus, Amor que dá/entrega o Filho: dom total. A família deve viver estas características de amor, que a marcam profundamente e solidificam a unidade. Dom total. Total até dar-se, sacrificar-se completamente.

Na quarta antítese Jesus fala da necessidade da sinceridade na convivência. A palavra “sinceridade” provém do latim sincérus que significa 'puro, sem mistura; leal, franco, verdadeiro'. Ser sincero significa fazer ou falar sem artifício nem intenção de enganar ou de disfarçar o seu pensamento ou sentimento; é aquilo é dito ou feito de modo franco, isento de dissimulação. Uma pessoa sincera é uma pessoa em quem se pode confiar, pois ela é verdadeira, leal e pura de coração, que demonstra afeto e cordialidade para com os demais. 

No reino de Deus, na Igreja de Cristo a sinceridade é regra: Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás para com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém, vos digo: não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o trono de Deus. Seja o vosso Sim, sim e o vosso não, não. Tudo o que for além disso vem do Maligno.     

Quando se pratica o juramento é porque se pratica também a mentira. Se não existisse a mentira não teria necessidade de fazer juramento. Na comunidade cristã, onde a sinceridade é regra (Mt 5,8: limpos de coração), o juramento é supérfluo; e mais, seria sinal de corrupção das relações humanas. A falta de sinceridade nasce da ambição, da mentira, da incoerência, da duplicidade e assim por diante 

Era recomendado o cumprimento, com fidelidade, dos juramentos e dos votos que a Lei exigia (Lv 19,12; Ex 20,7; Nm 30,3; Dt 23,22; Sl 50,4). Jurar significa chamar Deus como testemunha da verdade dita, pois Deus é verdade (Jo 14,6). Jurar significa fazer de Deus como garantia da própria vida de quem faz o juramento. Daí o mandamento: ”Não jurarás falso “. Neste sentido, “juramento” é o ato que sacraliza ao máximo as relações humanas. O livro de Levítico acrescenta: “Não jurareis falso em meu nome, porque profanaríeis o nome de vosso Deus. Eu sou o Senhor (Lv 19,12; cf. Ml 3,5; Jr 7,9; Zc 5,3; Sb 14,25). Tudo isso quer dizer que a Lei e os Profetas proíbem o juramento falso. E está claro que Jesus está de acordo. 

O juramento se praticava na sociedade pela falta de sinceridade entre os homens. No Reino de Deus, onde a sinceridade é regra, o juramento é supérfluo; além disso, seria sinal de corrupção das relações humanas. A falta de sinceridade nasce da ambição e de um interesse pessoal. Para Jesus, a mentira e o dolo são incompatíveis com o proceder do cristão. Quem recorre a este tipo de procedimento, renega sua adesão ao Senhor. 

Mas Jesus vai muito além. Jesus propõe a exclusão de qualquer tipo de juramento: “Eu, porém, vos digo: Não jureis de modo algum”. Com o juramento a pessoa abusava, em certa forma, da autoridade de Deus. Era como querer desculpar a deficiência da veracidade das próprias palavras e compromissos com a intervenção de Deus. O juramento se praticava na sociedade pela falta de sinceridade entre os homens.        

Outro objetivo da proibição de Jesus sobre o juramento falso é evitar a vulgarização de Deus. O juramento falso infringe o mandamento que proíbe usar em vão do nome de Deus. O sim do cristão é sim e o seu não é não. Não lhe interessa enganar. Tudo quanto é dito fora destes limites não vem de Deus. Por isso, tem de ser evitado. Enganar os outros significa deturpar o sinal da palavra, torná-la sinal de divisão e confusão, em lugar de comunhão, de fraternidade e de limpidez de coração. Ser verdadeiro no falar é uma forma de imitar o modo de ser de Deus. A religião de Israel era toda baseada na Palavra de Deus. Seria impossível imaginar que Deus quisesse se enganar o seu povo. Do mesmo modo, seria inimaginável que o cristão abusasse da boa-fé de seu próximo. 

Em resumo, para o cristão é suficiente um sim ou um não. Se isto não é suficiente é porque há algo que vem do Maligno; é porque não somos puros de coração, não somos verdadeiros discípulos do Senhor, corremos o risco de nos dirigir a Deus de forma incorreta, de abusar de Seu nome. Em poucas palavras Jesus aboliu a lei do juramento nas relações interpessoais, pois o cristão deve falar a verdade. Ser verdadeiro no falar é uma forma de imitar o modo de ser de Deus. A religião de Israel era toda baseada na palavra de Deus. Seria impossível imaginar que Deus quisesse se enganar o seu povo. Do mesmo modo, seria inimaginável que o cristão abusasse da boa-fé de seu próximo.

P. Vitus Gustama,svd

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