sábado, 11 de fevereiro de 2023

VII Domingo Comum "A", 19/02/2023

VIVER CONFORME O AMOR MISERICORDIOSO DE DEUS

VII DOMINGO COMUM A

Primeira Leitura: Lv 19,1-2.17-18

1O Senhor falou a Moisés, dizendo: 2“Fala a toda a comunidade dos filhos de Israel e dize-lhes: ‘Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo. 17Não tenhas no coração ódio contra teu irmão. Repreende o teu próximo, para não te tornares culpado de pecado por causa dele. 18Não procures vingança, nem guardes rancor dos teus compatriotas. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor!’”

Segunda Leitura: 1Cor 3,16-23

Irmãos: 16 Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós? 17 Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois o santuário de Deus é santo, e vós sois esse santuário. 18Ninguém se iluda: Se algum de vós pensa que é sábio nas coisas deste mundo, reconheça sua insensatez, para se tornar sábio de verdade; 19 pois a sabedoria deste mundo é insensatez diante de Deus. Com efeito, está escrito: “Aquele que apanha os sábios em sua própria astúcia”, 20e ainda: “O Senhor conhece os pensamentos dos sábios; sabe que são vãos”. 21Portanto, que ninguém ponha sua glória em homem algum. Com efeito, tudo vos pertence: 22 Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro; tudo é vosso, 23mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus.

Evangelho: Mt 5,38-48

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 38“Vós ouvistes o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente!’ 39Eu, porém, vos digo: Não enfrenteis quem é malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda! 40Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto! 41Se alguém te forçar a andar um quilômetro, caminha dois com ele! 42Dá a quem te pedir e não vires as costas a quem te pede emprestado. 43Vós ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo!’ 44Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! 45Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos. 46Porque, se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa? 47E se saudais somente os vossos irmãos, o que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? 48Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito!”

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Estamos ainda no Sermão da Montanha (Mt 5-7). O evangelho deste dia fala das ultimas instruções de Jesus para seus seguidores em forma de antítese. A estrutura literária é semelhante à dos precedentes. O preceito de Torah é introduzido pela fórmula: “Ouvi o que foi dito” (ekoúsate óti erréthe). O preceito é seguido pelo comentário de Jesus ou sua reflexão profunda que é introduzido com a seguinte fórmula: “Eu, porém, vos digo” (egò dè légo ymin). “Nosso Senhor, eliminando a ocasião, evita as causas dos pecados. Como a Lei se repara a culpa, mas aqui se evitam os pecados desde o princípio” (São Jerônimo). 

A Primeira Leitura nos deu a chave para entender o Evangelho deste dia: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”. A seção central da "lei da santidade" e a mais compacta do Levítico (Lv 17-26), trata de modelar a ordem humana a partir da santidade de Deus. A santidade é aqui um conceito que não fala tanto de Deus em si, mas de Deus como o fundamento do mundo (origem de tudo e de todos, e de tudo que é bom). É uma exigência radical do próprio mundo para ser verdadeiramente o que é ou para o qual é chamado a ser. A lei é dirigida ao povo de Deus no mundo, para ensiná-lo o caminho do acesso à santidade de Deus ou à plena realização de si mesmo. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, daí a exigência de ser e se comportar como nosso Deus. Somos cristãos, seguidores de Jesus Cristo, daí a urgência de se assemelhar a Jesus em tudo.

De acordo com um pequeno código de preceitos inserido no centro da lei da santidade (Primeira Leitura), o homem não precisa fazer muitos rodeios para responder à exigência de ser santo. A passagem da santidade é o irmão, o próximo para chegar até Deus. Nesse pequeno código, eco em sua forma e em seu conteúdo do decálogo de Moisés, o próximo também é chamado de parente, concidadão, irmão. Ele é o homem da comunidade humana, na qual todos têm direitos e deveres. O cumprimento dos deveres faz com que o próximo obtenha seus direitos. No relacionamento certo está a realização de um e de todos. E é isso que o Deus santo exige do mundo. 

É o raciocínio de são Paulo na Segunda Leitura. Nós somos templos de Deus, isto é, Deus habita em nossos corações pelo Seu Espírito. Logo, devemos, como consequência, deixar que o Espírito de Deus se manifeste em nossas obras, trabalhando com a alteza a partir do olhar e do amor de Deus. E sendo templo de Deus, cada homem deve ter consciência de que o outro é também templo de Deus. Essa consciência nos leva a respeitar, a honrar e a proteger o outro. Não podemos maltratar ou destruir o templo de Deus que é o próprio homem. Deus está no homem e não mora nas paredes de um templo material. Nós nos reunimos no templo, sim. E estamos fazendo isso em silêncio e com meditação para expressar o respeito que a presença de Deus aqui merece. Porém, nós somos o verdadeiro templo de Deus: "Não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?". O Senhor está em nós e conosco, que nos reunimos em seu nome para celebrar o memorial de sua morte e ressurreição. Por isso, cada celebração deve ser uma expressão do respeito e amor que devemos uns aos outros. Por outro lado, a Eucaristia deve ser o ponto de partida para levar ao mundo o calor e o testemunho do amor cristão, amor que deve chegar até ao inimigo. 

Jesus, no Evangelho de hoje, concretizou mais ainda essa lei do amor. A lei do talião (olho por olho, dente por dente) não deve mais se aplicar à vida dos seus seguidores (cristãos). Os seguidores de Jesus devem aprender a nova lei, a lei do amor. Não se vingue do mal com o mal, mas esforce-se a vencê-lo com o bem. "Dê a outra face", “dê a ele o manto", "ande com ele não apenas uma milha, mas duas", são expressões muito plásticas do novo estilo de vida no amor fraterno apresentado por Jesus Cristo, nosso Mestre e Salvador. O intuito principal é ser ocasião de salvação para o outro. Por isso, vale todo tipo de esforço mesmo que seja duro e tem a aparência de impossibilidade. Com Deus e a partir de Deus tudo se torna possível. Sozinho tudo se torna difícil e impossível.

Portanto, trata-se de um modo de ser e de viver em contradição aberta com os modos de vida em uso (hábitos de vingar-se etc.). É uma maneira de ver e entender a vida, de vivê-la também, ou seja, trata-se de uma sabedoria, que só é possível com fé e a partir da fé. Uma sabedoria que configura um modo de ser (ser cristão)  e que se manifesta em um modo de viver e de trabalhar: o cristão não somente é chamado a amar ao próximo, mas também a amar (quer o bem) ao inimigo. Nisto aparece com nitidez a grandeza do amor cristão, a grandeza do amor de Cristo, a de Deus em Cristo, a dos filhos de Deus. é um desafio de cada dia! 

Consequentemente, não podemos dizer que honramos a Deus, se logo não imitamos Sua maneira de atuar conosco: lento à ira, compreensivo, está pronto para nos perdoar, rico em clemencia. A caridade com o irmão/próximo aparece como uma consequência absolutamente ligada a nossa fé no Deus de amor e de misericórdia. Amar não deve significar cruzar-se de braços e renunciara uma possível ação comprometida na luta contra as situações injustas. Por isso, amar jamais significa calar-se, pois o silêncio, às vezes, seria colaboração com o mal. Ás vezes o amor inclui, como enfatiza a Primeira Leitura, a correção fraterna.

Vamos Meditar Sobre As Duas Últimas Antíteses! 

Na primeira instrução neste texto, que é a quinta antítese, Jesus faz seu comentário sobre a lei de talião do Antigo Testamento. No Livro do Êxodo lemos: “Vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe(Ex 21,23-25; cf. Lv 20,17-22). 

A lei de talião era conhecida em todo o Oriente Antigo. Ela é encontrada no Código Hammurábi, nas leis assírias, na Torah bem como também entre os gregos e os romanos. A finalidade primordial dessa lei era colocar um limite a uma vontade desenfreada de vingança em uma sociedade em que a vingança era quase que institucionalizada (cf. Gn 4,23-24). Portanto, a intenção dessa lei era proteger os direitos da pessoa contra os excessos de violência. 

Na quinta antítese do Sermão da Montanha Jesus nos diz: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Olho por olho e dente por dente’. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao homem mau. Pelo contrário, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante um quilômetro, caminha dois com ele. Dá a quem te pedir e não vires as costas a quem te pede emprestado”  (Mt 5,38-42). 

Dentro desta quinta antítese, Jesus propõe cinco regras ou normas pelas quais os cristãos podem vencer o mal. Primeiro, “Não ofereçais resitência ao malvado...”. A primeira regra para vencer o mal é resistir ao mal e não resistir ao malvado. O mal prejudica, antes de tudo, quem o faz, e não será devolvido. O malvado, primeiro vítima do mal, é um irmão meu, filho do Pai do céu. O meu ódio para com ele torna-se sintoma para minha convivência com o mal. o meu amor para com ele torna-se sintoma para minha liberdade dele. Jesus ama os pecadores e odeia o pecado. Quando eu odeio os pecadores é porque eu amo o pecado, logicamente. A minha antipatia pelos pecadores revela a minha simpatia pelo pecado. Somente um coração puro, como Jesus o tem, ama com ternura um pecador.

A segunda regra/norma: “O que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra”. Nesta segunda regra se enfatiza a disposição de suportar o dobro em vez de não o duplicar. A “tolerância” cristã não é indiferente para com o mal e sim força para carregar em si o mal do outro; é a capacidade de “carregar” o peso uns dos outros, cumprimento da lei de Cristo: “Ajudai-vos uns aos outros a carregar os vossos fardos, e deste modo cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6,2). 

A terceira regra/norma: “Ao que quiser te processar para tomar tua túnica, dá-lhe também o manto”. (Ex 22,25s; Dt 24,13). Nesta terceira regra a fim de vencer o mal é necessário que o cristão renuncie ao seu direito, consciente de seu dever de filho do mesmo Pai do céu, isto é, dever de não se opor ao irmão. 

Quarta regra/norma:Se alguém te obriga a acompanhá-lo por mil passos, caminha dois mil com ele”. Todo homem é filho de Deus e por isso, ele é o rimão da humanidade. Como filho de Deus e irmão dos outros, o cristão tem o dever de ajudar a carregar os fardos dos outros. As necessidades dos outros são deveres de cada cristão. 

Quinta regra/norma: “Dá a quem te pedir”. Trata-se da disponibilidade para “dar”, vitória sobre “tomar” ou “roubar”. O tomar para possuir, sem pensar nas necessidades dos outros é o princípio de todo mal. O dar é princípio de comunhão, de fraterndade. Onde há o ato de “dar” ou de “partilhar” o egoismo é superado. 

Com esta quinta antítese Jesus coloca como alternativa à violência, não a lei de talião (olho por olho, dente por dente), mas a não-violência. Na verdade o princípio da não-violência já era conhecido no AT (cf. Lv 19,18; Si 28,1-2; Pr 20,22). Este princípio também tinha entre os membros da Comunidade de Qumran como regra: “Eu não retribuirei o mal a ninguém; mas é pelo bem que perseguirei o outro; porque em Deus está o julgamento de todo aquele que vive, é ele quem retribuirá a cada um” (Regra da Comunidade 10,17-21). O mesmo princípio São Paulo formula de maneira mais radical ainda em Rm 12,17-21: Não pagueis a ninguém o mal com o mal; a vossa preocupação seja fazer o bem a todos os homens. Se for possível, no que depende de vós, vivei em paz com todos. Amados, não façais justiça por própria conta, mas deixai a ira de Deus agir, pois o Senhor diz na Escritura: ‘A Mim pertence a vingança; Eu mesmo vou retribuir’. Mas, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; desse modo, farás o outro corar de vergonha. Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem”. 

A reação paradoxal que Jesus sugere aos cristãos, seus seguidores, diante da violência, tem uma finalidade concreta: mostrar as possibilidades extremas de aplicação do seu mandamento de amor. Quem é movido por um amor incondicional ao próximo, descentrando-se de si mesmo, será capaz de fazer gestos radicais para coibir a violência, sem responder com a mesma moeda. Tudo supõe que se tenha um coração limpo. A lei do talião é excluída pela limpeza ou pureza de coração e pela compaixão. Uma vez que você chega ao ponto em que se sente completamente convencido da preciosa necessidade da compaixão e da tolerância, você vivencia a sensação de haver sido tocado, tem a impressão de ter sido transformado por dentro” (Dalai Lama, em: Dalai Lama Fala de Jesus). Quando te vingas de alguém, por acaso evitas que ele te volte a ferir? Muito ao contrário, assim o instigas a te ferir, porque a cólera não se corrige com a cólera, antes a acende” (Pseudo-Crisóstomo).       

Os cristãos, na linha das Bem-aventuranças, se caracterizam como mansos e pacíficos. Por serem mansos, recusam-se terminantemente a recorrer à violência. Por serem pacíficos, eles fazem tudo para que os laços com o próximo não sejam rompidos, mesmo à custa de gestos paradoxais. No lugar de ódio, o desejo do bem (amor e oração). Ser filho de Deus significa parecer-se com ele no modo de agir (Mt 5,9). O que torna o homem perfeito (inteiramente bom) e semelhante a Deus, não é a observância da Lei, como disseram os fariseus, mas é amor que não conhece exceções.

Na ultima antítese, a sexta antítese, Jesus nos diz: “Ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’”. A parte relativa ao amor ao próximo é tirada de Lv 19,18. Enquanto que a parte do ódio ao inimigo é tirada da tradição judaica. A tradição judaica, na época, considerava próximo apenas o judeu ou o estrangeiro que morava no país.

O comentário de Jesus é este: Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos. Se amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem a mesma coisa os publicanos? E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito”.  Este é o ponto culminante da serie de prescrições que Jesus sugere aos seus seguidores. Todos os preceitos mencionados anteriormente sozinhos (como fraternidade, amor conjugal, sinceridade) seriam em si inviáveis e não deixariam nenhuma sociedade subsistir. O que lhes dá alma e sentido é a razão que vem logo a seguir: a do amor sem exceção (até inimigo). 

Amar os inimigos e rezar por eles quando nos tratam mal superam todo preceito. É uma exigência que se apóia no exemplo do próprio Deus, que vê todos, bons e maus, como os seus filhos. Amar nossos inimigos significa enxergá-los como indivíduos que estão presos num ciclo de medo e de opressão, mas que apesar de tudo, são indivíduos. Amar nossos inimigos é esperar e ansiar que, em vez de viverem uma forma de autodestruição, encerrados em seu próprio orgulho e poder, eles possam ser libertados. Amar os inimigos é gratuidade do amor que é vivido na presença de Deus e palavras que encontram a sua garantia na própria prática de Jesus. Na cruz Jesus rezou pelos inimigos: “Pai perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Eles não chegaram a reconhecer a gravidade do crime cometido. O Perdão é a maior necessidade de toda a humanidade, pois somente através do perdão de nossos pecados e através do perdão que oferecemos aos outros é que alcançaremos paz de espírito, sem o qual a vida se tornará um tormento, uma infindável procura de uma satisfação que jamais chega. Na cruz do calvário Jesus tomou o nosso lugar. Mais ainda: ele tomou o nosso pecado e nossas dores (cf. Mt 8,17; Is 53,4). Tão integral foi sua identificação com os pecadores e criminosos, que ele teve que suplicar ao Pai que perdoasse aos responsáveis por sua crucificação. Dalai Lama mais uma vez disse: A pessoa que tem uma tremenda reserva de paciência e de tolerância, tem um certo grau de tranqüilidade e de calma em sua vida. Essa pessoa não é só feliz e mais profunda nas suas emoções, porém também parece ser mais saudável fisicamente, menos suscetível a doenças. Possui uma vontade firme, tem bom apetite e dorme com consciência tranqüila. Se você faz o bem, você experimenta resultados desejáveis; e se você faz o mal, você experimenta resultados indesejáveis(Dalai Lama Fala de Jesus).       

Todos são filhos e filhas de Deus. Ser filho (a) de Deus significa parecer-se com ele no modo de agir (Mt 5,9) tanto para os bons como para aqueles que ainda não descobriram a importância da bondade. “Sede perfeitos como o vosso Pai é perfeito” concluiu Jesus. O que torna o homem perfeito (inteiramente bom) e semelhante a Deus, não é a observância da Lei, como diziam os fariseus, mas é o amor que não conhece exceções. Além disso, Toda pessoa, também o agressor, deve ser um santuário de Deus e devemos reconhecê-lo (1Cor 3,16). 

Jesus não dá apenas leis novas para os cristãos e para as pessoas de boa vontade. Ele dá aquilo que não cabe dentro de nenhuma lei: uma atitude totalmente nova que não se explica humanamente.  “Amigo” e “inimigo” não serão nem salvos por minha simpatia, nem malditos por meu ódio. Pelo contrário, o que será julgado, salvo ou maldito, será meu ódio e meu amor. No relacionamento com o próximo, na minha facilidade de distinguir amigos e inimigos, o julgado sou eu. “Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isso também os pagãos? (Mt 5,47). O decisivo, portanto, não é o meu sentimento, mas a fé de que eles também estão colocados diante da face de Deus. 

Portanto, não é suficiente ser bonzinho; é necessário ser bom. Não basta “agüentar” os maus; devemos fazer, por eles, algo de positivo. Jesus não quer bobos, mas fortes, capazes de fazer algo para que o mundo mude ou melhore. Não é suficiente sofrer, enquanto tivermos ainda uma possibilidade de fazer positivamente o bem. 

O próprio Jesus, após ter sofrido escárnio e ultraje, faz o que é incomparavelmente mais do que apenas “agüentar”: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Esta atitude Jesus é força de conversão e causa de toda confiança para todas as consciências culpadas (cf. Mt 11,28-30). 

Não é possível viver odiando em inimizade profunda e irreversível. O dano interior provocado por uma relação esfarrapada corrói nossas melhores energias e o Templo de Deus em nós se deteriora e sentimentos de vingança o deformam lentamente. O perdão é o testamento escrito por Jesus na cruz. Deus nos cura com seu perdão que desce como chuva sobre justos e injustos para devolver-lhes a vivacidade para nossa rigidez e severidade; é um dom a implorar, procedente do alto, que podemos compartilhar com os demais. O Senhor quer que superemos a lei do amor humano mediante a lei do amor evangélico.  

Deveríamos realizar um progressivo desarme intelectual, moral e religioso. Não justificar o injustificável. É crer na força do amor. É tirar da Eucaristia a certeza de curar nossas feridas profundas. Toda vez que fazemos memória da morte e ressurreição de Cristo, o mesmo Senhor nos introduz, pelo Espírito, na plenitude de sua existência pascal. 

Com Jesus começa a história do perdão. Na medida em que os homens se juntarem a Cristo, será prolongado o perdão da cruz e a história do perdão prossegue. A história do perdão é a história do verdadeiro amor e, portanto, é a história da salvação.  Esta história do perdão é indissoluvelmente a história do perdão divino e a do perdão mútuo entre os homens. O perdão é a expressão suprema do dom total, do amor fraternal vivido em suas ultimas possibilidades. Portanto é um dos sinais por excelência da salvação alcançada em Jesus Cristo.

Durante a missa, quando o sacerdote estende as mãos sobre o pão e o vinho, invoca o Espírito Santo não somente para que estes elementos se convertam no Corpo e no Sangue de Cristo, mas também para que nós, unidos com Cristo, nos transformemos em oferenda agradável, capazes de nos comprometer na história da salvação pelo Reino de amor e de paz. Na Eucaristia o Espírito atua em nós para que nossa memória se cure de qualquer tipo de rancor e ressentimento e se cumule de recordações agradecidas.

P. Vitus Gustama,SVD

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