COM JESUS VENCEREMOS AS TENTAÇÕES
I DOMINGO DA QUARESMA DO ANO “C”
Primeira Leitura: Dt 26,4-10
Assim Moisés falou ao povo: 4“O sacerdote receberá de tuas mãos a cesta e a colocará diante do altar do Senhor teu Deus. 5Dirás, então, na presença do Senhor teu Deus: ‘Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egito com um punhado de gente e ali viveu como estrangeiro. Ali se tornou um povo grande, forte e numeroso. 6Os egípcios nos maltrataram e oprimiram, impondo-nos uma dura escravidão. 7Clamamos, então, ao Senhor, o Deus de nossos pais, e o Senhor ouviu a nossa voz e viu a nossa opressão, a nossa miséria e a nossa angústia. 8E o Senhor nos tirou do Egito com mão poderosa e braço estendido, no meio de grande pavor, com sinais e prodígios. 9E conduziu-nos a este lugar e nos deu esta terra, onde corre leite e mel.10Por isso, agora trago os primeiros frutos da terra que tu me deste, Senhor’. Depois de colocados os frutos diante do Senhor teu Deus, tu te inclinarás em adoração diante dele”.
Segunda Leitura: Rm 10,8-13
Irmãos: 8O que diz a Escritura? “A palavra está perto de ti, em tua boca e em teu coração”. Essa palavra é a palavra da fé, que nós pregamos. 9Se, pois, com tua boca confessares Jesus como Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. 10É crendo no coração que se alcança a justiça e é confessando a fé com a boca que se consegue a salvação. 11Pois a Escritura diz: “Todo aquele que nele crer não ficará confundido”. 12Portanto, não importa a diferença entre judeu e grego; todos têm o mesmo Senhor, que é generoso para com todos os que o invocam. 13De fato, todo aquele que invocar o Nome do Senhor será salvo.
Evangelho: Lc 4,1-13
Naquele
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Um Olhar Geral Sobre As Leituras Deste Domingo
As leituras deste
Primeiro Domingo da Quaresma nos oferecem três elementos característicos para
viver a Quaresma:
· Ação de graças
·
Profissão
de fé
· Purificação através da Palavra
Açao De Graças
O texto da Primeira Leitura é tirado do livro de Deutronômio. É um texto litúrgico ambientado na “Festa das Primícias”: “O sacerdote receberá de tuas mãos a cesta e a colocará diante do altar do Senhor, teu Deus” (Dt 26,4). É uma pequena porção da colheita que cabe numa cestinha. O que importa não é a quantidade e sim o significado. Trata-se de um gesto “eucarístico”. É o reconhecimento de que tudo vem de Deus, e tudo deve voltar para Deus no louvor e na ação de graças (eucaristia).
A colheita dos campos (primícias), antes de ser fruto do trabalho do homem, é dom, bênção de Deus. Por conseguinte, a oferenda cultual não é tanto uma iniciativa humana, quanto uma resposta à ação benéfica de Deus.
Por isso, o judeu não pergunta: “Quem é Deus?” e sim, “O que foi Deus para nós?” (é aquele que libertou o povo eleito da escravidão e Ele o conduziu para a Terra Prometida). Não lhe interessa tanto o que Yahve é em Si, quanto o que Yahve faz em favor de seu povo. Ou seja, a fé de Israel nasce da experiência de Deus, documentável historicamente, entendida como presença eficaz, operante através dos acontecimentos. Não “O que Ele é” e sim “ O que Ele está aqui, atua, intervem”. Não é o Ser-em-si e sim o Ser para.
No fragmento do “Credo histórico” que lemos hoje são colocadas em evidências três “ações” (gestos) de Yahve: Primeiro, a eleição, começando pelos patriarcas. Uma eleição gratuita que cai sobre uma realidade miserável: “Meu pai era um arameu errante”. Segundo: a libertação: “Os egípcios nos maltrataram e oprimiram, impondo-nos uma dura escravidão. ... E o Senhor nos tirou do Egito com mão poderosa e braço estendido, no meio de grande pavor, com sinais e prodígios”. Terceiro, o dom da terra: “E o Senhor nos conduziu a este lugar e nos deu esta terra, onde corre leite e mel”.
Como conclusão, há ai o gesto eucarístico: “Por isso, agora trago os primeiros frutos da terra que tu me deste, Senhor”. (compare com a oração sobre o pão e o vinho, na preparação do ofertório... Bendito sejais, Senhor Deus do universo, pelo pão que recebemos de vossa bondade, fruto da terra e do trabalho humano, que agora vos apresentamos e para nós se vai tornar pão da vida...). Para os judeus a oferenda, repetida todos os anos, atualiza para cada membro do povo de Deus a entrada na Terra prometida e a tomada de posse da Terra prometida, acontecimentos realizados em tempos remotos.
Não nos esqueçamos que o louvor, ou seja, o reconhecimento do que Deus, em seu amor, faz por nós, representa um dever primário do cristão. Se não queremos nos transformar em possuidores abusivos dos dons de Deus, devemos, cada dia, fazer eucaristia: dar graças a Deus por tudo que temos e somos e por tudo que recebemos da bondade de Deus.
Profissão De Fé
São Paulo, no texto da Carta aos Romanos (Segunda Leitura), nos coloca no centro da fé cristã: o reconhecimento de que “Jesus é o Senhor”. Trata-se de uma fé reconduzida ao evento fundamental: a exaltação-glorificação de Cristo que “Deus o ressuscitou dos mortos”.
Professa-se esta fé com o coração e com a boca. Ou seja, é a fé que implica uma adesão profunda e total da pessoa. E esta fé comporta uma “confissão” pública, externa, diante de todos. “Com a boca” não significa somente as palavras e sim o testemunho essencial, pelo qual se prega que “Cristo é o Senhor”, também com a conduta que expressa este “absoluto” na nossa vida cotidina.
Purificação Através da Palavra
O texto do Evangelho de hoje nos apresenta o relato das tentações de Jesus no deserto. Deserto é lugar teológico e não meramente geográfico. O deserto é o lugar onde se pode começar a ver a “obra” nova de Deus (Is 43,19). Sendo um lugar provisório, aponta para Terra Prometida e definitiva de repouso. O deserto é lugar de passagem. Sem pontos de referência nem marcos de sinalização. Se o rumo não estiver bem definido, o viandante corre os risco de se perder no deserto da vida e de nunca chegar à Vida verdadeira.
O diabo (é aquele causa a desunião) pretende desviar e separar/desunir Cristo do projeto do Pai. Em primeiro lugar, em vez do caminho da humilhação por amor, do rebaixamento, do amor, da cruz como prova de amor, o diabo apresenta um triunfo fácil, a popularidade, os gestos espectaculares, o poder, a força, a libertação parcial do homem (interessa-se pelo pão, ou seja, limitar-se aos problemas econômicos, em vez de seguir o caminho da salvação total). Em segundo lugar, o diabo quer apresentar o próprio pão, o pão que o diabo amassou, em vez de receber pão da Palavra dado por Deus (Dt 8,3). Além disso, o diabo quer fazer a oferta de todos os reinos deste mundo e da sua glória para Jesus em troca do afastamento de Deus (Lc 4,5-7). A resposta decidida de Jesus remetendo para a Sagrada Escritura e para Deus: “Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás” (Lc 4,8). Em terceiro lugar, a tentação do sucesso fácil em Jerusalém, mas com muita firmeza Jesus recusa a sugestão do diabo (Lc 4,9-13).
Jesus recusa uma e outra vez as sugestões do Diabo citando as palavras da Sagrada Escritura e consequnetemente, ratificando sua determinação de fazer unicamente, e até o fundo, até as últimas consequências, a vontade do Pai, de cumprir a própria missão na linha estabelecida pelo Pai (cf. Jo 3,16).
Também para nós o tempo da Quaresma pode ser ocasião própícia para verificar se nosso projeto corresponde ao de Deus.
Portanto, as leituras deste Primeiro Domingo da Quaresma são toda uma profissão da fé, um “Credo”. Os israelitas professam, na Primeira Leitura, seu Credo no templo: “Meu pai era um arameu errante, ... E o Senhor conduziu-nos a este lugar e nos deu esta terra, onde corre leite e mel. Por isso, agora trago os primeiros frutos da terra que tu me deste, Senhor”. No Evangelho, Jesus responde três vezes ao diabo como reafirmação do que Ele crê: “Não só de pão vive o homem”; “Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás”; “Não tentarás o Senhor teu Deus”. Finalmente, a Segunda Leitura contém uma antiga profissão da fé cristã: “Jesus é o Senhor”: “Se, pois, com tua boca confessares Jesus como Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo”.
O momento da tentação que lemos no Evangelho de hoje é um momento existencial. É um momento em que as circunstâncias inclinam para uma queda. Jesus conquista em seu momento da tentação afirmando a Palavra do Deus vivo. Na primeira tentação, material e econômica (transformar pedra em pão), Jesus afirma que há bens maiores do que o alimento, e que o homem não é somente um consumidor (um homo economicus). Na segunda tentação, um convite de utilizar meios ilícitos e injustos para ganhar o poder e a influência, jesus afirma que somente o poder de Deus é absoluto (adorarás ao Senhor, teu Deus). Nesta segunda tentação o diabo se apresenta como mentiroso, pois ele não é o dono do mundo inteiro e sim o Deus Criador. O diabo se faz dono para enganar os homens. Na terceira tentação, o diabo provoca Jesus, com a Escritura e a religião, a forçar um milagre de Deus, e Jesus afirma que nunca se deve pôr Deus à prova (não tentarás o Senhor, teu Deus).
As tentações que Jesus experimenta neste texto do Evangelho são as tentações dos israelitas no deserto e as tentações de toda a humanidade. Os israelitas sucumbiram, mas Jesus venceu as tentações e nos permite a nós vencê-las se aceitamos o mistério da Redenção.
A profissão da fé que fazemos na liturgia não está composta de uma série de ideias elevadas da essência de Deus, das qualidades, dos conceitos do homem ou do mundo. O Credo dos israelitas, de Jesus e da comunidade cristã reflete altos e baixos da história. O Credo de Israel começa coma história de Jacó, um arameu errante e seus descendentes, conduzidos por Deus, através dos séculos, para a terra prometida. O Credo dos cristãos está fundado na história de Jesus de Nazaré, ressuscitado dentre os mortos e o seu Pai o faz Senhor.
A tentação nos acompanha através de nossa vida. O tentador está só, e é tão arrogante que não tem nenhum escrúpulo em tentar inclusive o Filho de Deus.
À medida que as culturas e os costumes mudam, o tentador mudou suas táticas, mas os ingredientes são sempre os mesmos: poder, conhecimento e prazer. Como crentes, afirmamos orgulhosamente nossa fé que as tentações são uma oportunidade de dar testemunho de Jesus Cristo, nosso Senhor e Deus, e através do nosso testemunho venceremos a tentação com o poder de Deus. Não devemos ter medo da tentação: “Esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé. Quem é o vencedor do mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?” (1Jo 5,4-5).
Nós cristãos somos débeis como qualquer pessoa e o sabemos. Porém, sabemos que temos grande poder de Deus e que quando confiamos n´Ele podemos estar seguros que os ataques do tentador, não importa quão poderosos que sejam, não podem nos derrotar. Jesus venceu as tentações. Estando com Cristo, venceremos também as tentações do mundo ou do tentador.
Estendamos Nosso Olhar Sobre o Texto Do Evangelho Deste Domingo
1. O Espirito De Deus Levou Jesus Ao Deserto
O evangelho do Primeiro Domingo da quaresma fala das tentações de Jesus. Como discípulos do Senhor, também nunca estamos isentos de qualquer tentação no seguimento do Senhor. Confiando no Senhor e seguindo Seu exemplo superaremos também as tentações. Quando somos tentados é sinal de que estamos caminhando com o Senhor. Com o Senhor, que venceu as tentações, venceremos também as tentações.
O episódio das tentações está intimamente unido ao relato da cena do Batismo. Jesus recebe uma unção especial do Espirito e Este leva Jesus ao deserto. Lucas enfatiza o protagonismo do Espirito (ele menciona duas vezes no texto de hoje). O Espirito está com Jesus desde sua concepção (Mt 1,18; Lc 1,35) e foi atualizado no Batismo (Lc 3,21-22). E agora o Espirito atua de forma especial dirigindo seu ministério: aqui o Espirito leva Jesus ao deserto, lugar da prova para que se confirme no propósito de atuar sempre de acordo com a vontade de Deus. Assim acredita-se como autêntico Messias e Filho de Deus. Jesus abandona o Jordão e o Espirito o leva ao deserto em que foi tentado pelo diabo durante quarenta dias, tempo de preparação e de purificação. O texto nos relata que precisamente as tentações acontecem durante quarenta dias e todo este processo de tentação se produz sob a ação do Espirito que ajuda Jesus a superar todas as tentações.
Quem se deixar guiar pelo Espirito de Deus, fará somente o bem, a bondade, a caridade, a justiça e assim por diante. Quem é guiado pelo Espirito de Deus é incapaz de praticar o mal, a maldade e a malícia.
Jesus foi tentado no deserto (Lc 4,1-2). O deserto é o lugar do silêncio, da solidão; é um afastamento das ocupações diárias, do ruído e da superficialidade. O deserto é o lugar do absoluto, o lugar da liberdade, que coloca o homem diante das questões fundamentais de sua vida. O deserto é o lugar onde o monoteísmo surgiu. Nesse sentido, é o lugar da graça. Quando ele se esvazia de suas preocupações, o homem encontra seu Criador. O deserto é também o lugar da morte: ali não há água, elemento fundamental da vida. E assim, este lugar, de ardente e intensa luz se mostra como o extremos oposto da vida.
Caminhar pelo deserto é a pedagogia de Deus que leva os homens a buscar dentro de si mesmos seu próprio caminho. Caminhos de libertação e de salvação para renovar cada dia nosso ideal de viver. O deserto não é algo pretérito; não é área passada. Todos nós cristãos somos chamados permanentemente ao deserto, à purificação, à presença íntima do Espirito. Entrar no deserto desnudos, sem peso, para descobrir nossa aridez interior, para ter a coragem de nos olhar tal como somos. É a conquista de nossa liberdade interior como forma de conseguir outros valores fundamentais em nosso viver diário. A Quaresma é um tempo para nos encher de esperança e de razões de viver.
Grandes coisas sempre começam no deserto, no silêncio, na pobreza. Todas as obras primas são fruto do silêncio prolongado. Ninguém poderá participar da missão de Jesus, na missão do Evangelho, se não participar da experiência do deserto, sem sofrer sua pobreza, sua fome. É aquela abençoada fome de justiça, da verdade, da comunhão fraterna, da igualdade, da bondade, do perdão, dos quais o Senhor nos fala no Sermão da Montanha. E não nos esqueçamos que o deserto do Senhor não terminou nas suas tentações. Seu último deserto, seu extremo deserto, será o do Salmo 21: "Meu Deus, meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mc 15,34). E deste deserto brotam as águas da vida do mundo.
2. O Que É Tentação?
Tentar é uma tradução do verbo grego “peirazo” que significa propriamente fazer uma tentativa, provar alguma coisa, colocar alguma coisa à prova. “Prova-se alguém para se saber se está pronto para praticar o bem... Se estiveres pronto para o bem, há indício de que é grande tua virtude... Deus prova alguém, não porque se Lhe esteja oculta sua virtude, mas para que todos a conheçam e que sirva de exemplo... Deus tenta incitando ao bem... e prova-se alguém incitando-se ao mal. Quem resistir bem à tentação, a ela não consentindo, dará um bom indício de virtude; se a ela sucumbir, mostra que ainda é fraco” (Sto. Tomás de Aquino, em Comentário ao Pai Nosso, “Pater Noster” Expositio).
Segundo a Teologia Moral, entende-se por tentação toda aquela sugestão interior que, procedendo de causas tanto internas como externas, incita o homem a pecar. A tentação expressa a inclinação humana para a grave queda moral e espiritual, para a desagregação pessoal e social. As tentações apelam para o lado mais obscuro do homem, para as potencialidades do egocentrismo ilimitado, da soberba e presunção, da ambição desapiedada, da desonestidade e engano, de ódio, de hostilidade e de abuso dos outros. Somos tentados por desejos ilusórios, por um gênero de vida unicamente existente na fantasia. Somos tentados a esconder-nos dos outros, apresentando uma imagem de nós mesmos que não seja autêntica. Cada um é tentado a servir-se dos outros para satisfazer a si mesmo; a manipulá-los em nome da amizade e do amor, para subjugá-los a seus próprios desejos. O ser humano é tentado a idolatrar a si mesmo e a idolatrar seu poder, e isto o faz cair no pecado de soberba que perturba as relações dos homens entre si. As tentações podem estar adormecidas, mas nunca ausentes. Elas são capacidades latentes, que muitas vezes, escondidas sob uma variedade de atitudes virtuosas aparentes, de valores aparentemente autênticos, de comportamentos presumidamente respeitáveis, e possuem a capacidade de transformar qualquer coisa não definitiva em centro de interesse definitivo. Por isso, o cristão, para poder prosseguir sua caminhada atrás de Cristo, vencedor de todas as tentações, precisa orar sem cessar (Lc 18,1), pois a vida cristã é constante confronto e contínua superação das tentações diariamente. “Vigiai e orai para não cairdes em tentação” (Mt 24,41).
As tentações são pecado, não quando as sentimos, mas só quando voluntariamente as consentimos. Importa compreender com clareza que a tentação só pode “incitar” a pecar, mas nunca obriga a vontade. Nenhuma força interna ou externa pode obrigar o homem a pecar. Nenhuma tentação é superior às nossas forças (cf. 1Cor 10,13).
3. As Tentações De Jesus
Há dois episódios que antecedem as tentações de Jesus: o de Batismo e o da genealogia. No Batismo uma voz do céu dizia a Jesus: “Você é o meu Filho amado, que muito Me agrada” (3,22). Aqui Deus Se revela como Pai que gera e garante a missão do Filho. Em outras palavras Deus quer dizer a Jesus assim: “Eu vou Te cuidar, por que te amo. Tu deves acreditar em Mim totalmente”. E na genealogia, sendo filho de Adão, Jesus é chamado a ser Filho de Deus. Filho de Deus é aquele que confia em Deus como Pai, aquele que opta mais pela fragilidade sustentada por Deus, cuja força é Deus que termina na glória eterna, do que pela força mundana que terminará na perdição e perda eternas. Ao contrário, ser filho de Adão é aquele que tem desconfiança de Deus, que garante a própria vida, aquele que tem medo de fragilidade humana. Como consequência de tudo isso, ele acumula riqueza (como segurança), detém nas mãos o poder, prazer e saber. Nas tentações o diabo como se dissesse a Jesus: Eu te garanto a tua vida. Mas tu precisas de poder econômico, político e messias triunfalista. Tudo isso vai dar-te a segurança. Deves ter a desconfiança de Deus. Jesus resiste-se diante de tudo isso porque prefere ser Filho de Deus que não tem medo de fraqueza e da existência porque para ele Deus é a força que dá a segurança para sua vida.
Segundo o evangelista Lucas Jesus foi tentado pelo Diabo. Este termo vem do grego, do verbo “diaballo”/ “diabolôs” que quer dizer jogar um obstáculo entre duas coisas para provocar a sua divisão. Diabo, portanto, é aquele que provoca divisão e desunião, seja dentro da pessoa ou entre as pessoas. Por isso, ele está em todos os lugares em que as pessoas, as estruturas e as instituições impedem a realização da justiça e da união fraterna que libertará as vítimas das relações desiguais que a humanidade cria e perpetua como “ordem”, muitas vezes com a petulância de chamar isso de vontade de Deus. Por isso, não se pode, sem mais nem menos, associar diabo à enfermidade. Desta forma, o diabo se torna um bode expiatório muito conveniente e desvia o homem de suas próprias responsabilidades no mundo.
Jesus foi tentado “três vezes”. O três indica o completo e o definitivo (Is 6,3:os três vezes santo). A tríplice tentação de Jesus, portanto, compendia todas as tentações. Isto quer dizer que Jesus foi tentado durante a vida inteira. Até na cruz ele foi tentado para usar o poder como Filho de Deus para libertar-se e libertar os dois criminosos que foram crucificados ao seu lado (Lc 23,35.37.39).
3.1. Tentação Do Ter (abundância, riqueza, dinheiro, posses, bens temporais)
Jesus é tentado para transformar as pedras em pão. Mas Jesus não aceita esta tentação: “Não só de pão o homem vive”. A resposta é curta e profunda que faz o tentador partir para outra tentação. Esta tentação é considerada como inadequada porque a vida que Cristo veio comunicar não pode ser reduzida ao puro e simples bem-estar do corpo, pois isso seria esquecer que a pessoa vive mais propriamente em seu pensamento, em seu amor, e em sua liberdade.
A tentação do ter é uma tentação de toda a pessoa humana, por conseguinte de Jesus. Esta tentação é tanto mais perigosa por se tratar de um valor ambíguo (bom e mau ao mesmo tempo). Muitas Igrejas pregam que o ter (dinheiro) é sinal da bênção de Deus, e, assim sendo, a pobreza é sinal de desagrado por parte de Deus. Elas seguem esta filosofia: “Ame a Jesus e enriqueça!” Muitas Igrejas estão saturadas de meios prontamente disponíveis para se obter bem-aventurança, que vão desde fórmulas matemáticas exatas (Deus o abençoará sete vezes mais. Deus lhe dará em dobro. Assim, Deus sempre fica devendo, pois o homem passa a dívida para Deus sem escrúpulo para ficar livre de qualquer cobrança), até formas muito mais sutis, porém igualmente destrutivas.
O medo diante de qualquer perigo que possa ameaçar a própria segurança e prosperidade corporal tenta o homem a esquecer os valores pessoais mais autênticos e a perder a perspectiva correta. Sabemos que Ter é uma função normal de nossa vida: a fim de viver nós devemos ter coisas. Além do mais devemos ter coisas a fim de desfrutá-las. Todo ser humano tem alguma coisa: um corpo, roupas, habitação etc. Viver sem ter alguma coisa é virtualmente impossível. Mas para uma cultura ou uma sociedade que valoriza muito o ter cria facilmente a divisão entre os homens e desigualdade tremenda. Porque para esta cultura ou sociedade a essência de ser é ter. Consequentemente quem nada tem, ele não é ou sem valor (cf. Erich Fromm: Ter ou Ser?).
Jesus criticou a tentativa de resolver o problema da vida através do sonho da abundância, porque atrás deste sonho se escondem as piores injustiças. Numa situação econômica, tanto o povo daquele tempo, como o de hoje, está disposto a entregar tudo em troca de pão; é nesse momento que a fome do povo pode ser explorada, tornando-se instrumento de dominação.
Jesus responde ao tentador: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. Não basta satisfazer a fome do pão. É preciso saciar todas as outras fomes, como roupa, moradia, escola, assistência médica, lazer etc., sem enganar aquela fome radical de absoluto, que mantém o homem sempre aberto para horizontes ilimitados de vida e liberdade.
3.2. Tentação Do Poder (dominação, mando, autoritarismo, tirania)
O poder nos atinge em nossos relacionamentos. Ele exerce impacto profundo sobre nossos relacionamentos interpessoais, nossos relacionamentos sociais, e nosso relacionamento com Deus. Nada nos toca mais profundamente para o bem ou para o mal do que o poder. O poder pode destruir ou criar. Ele pode destruir relacionamentos, confiança, diálogo e integridade. O pecado do poder é o desejo de ser mais do que aquilo para o qual fomos criados. O poder precisa obter mais a supremacia, possuir mais, acumular mais e conquistar mais para manter-se no mesmo. O instinto de dominar sobre os outros está profundamente arraigado no coração humano que até mesmo o pobre sente o desejo irrefreável de prevalecer sobre quem é ainda mais fraco do que ele. Não acontece, por exemplo, que para conseguir um documento ou um serviço ao qual tem direito, a pessoa deva sujeitar-se a humilhações e resignar-se a ouvir palavras ofensivas até do mais insignificante dos empregados?
Às vezes cedemos a esta tentação sem nem mesmo perceber. Cede-se a esta tentação quando a autoridade, ao invés de ser posta a serviço da comunhão, torna-se um espaço em que se celebra a própria superioridade; onde quer que se exerça o domínio sobre a pessoa humana, onde quer que alguém, em nome do poder que lhe foi conferido, mesmo espiritual, venha privar os outros dos seus direitos e da sua liberdade, onde quer que alguém seja reduzido à condição de escravo, ali entra a lógica deste mundo ou lógica do diabo na linguagem de Lc.
A proposta de Jesus é completamente diferente: grande é aquele que se coloca a serviço dos outros, aquele que se ajoelha diante do irmão mais pobre para lavar-lhe os pés.
3.3. Tentação Do Prestígio Ou Do Valer (nome, honrarias, títulos, status e aparências)
O homem precisa do reconhecimento dos outros. Pelo contrário, a sua vida parece carecer de sentido. Contudo, a busca da vaidade, da vanglória, das honrarias é um perigo, tanto mais que estas estão normalmente aliadas à riqueza e ao poder.
A busca do maravilhoso e do espetacular é uma tentação típica do povo, que acredita facilmente naqueles que fazem coisas fora do comum. Todo mundo está disposto a andar atrás daqueles que conseguiram sucesso, prestígio, status. Quem está fora sempre acaba acreditando e engolindo que “essa pessoa é mesmo um deus”. O pior é que, como consequência inevitável, o povo acaba pensando que ele próprio não vale nada, não é capaz e nem presta para nada. Cada um é capaz de fazer algo na vida e por isso é que Deus o mandou para esta terra. Cada um está no mundo por causa de Deus. Muitas vezes confiamos tanto em Deus, até esquecemos que Deus também deposita sua confiança em cada um de nós. Como se Deus dissesse a cada um: “Vá meu filho/minha filha, você é capaz”.
Jesus recusou o prestígio porque isso falsificaria completamente o seu projeto. A regra apontada por Jesus é bastante clara: “Quanto a vós, não permitais que vos chamem Rabi, pois um só é o vosso Mestre e todos vós sois irmãos”.
As três tentações de Jesus são um grito de alarme para qualquer crente ou cristão para não criar um deus à medida de seus caprichos e necessidades temporais imediatas, um deus domesticado. O Deus e Pai de Jesus Cristo é o Transcendente que está muito além do que cremos, do que desejamos na mesquinhez de cada dia. O cristão fiel luta, como Cristo e com Cristo, contra a propostas de domesticar Deus, de aferrar-se ao pão do materialismo, às ânsias de poder. A conversão da Quaresma é identificação com Jesus pobre, confiado nas mãos do Pai, servo de todos e não dominador poderoso.
O evangelho deste domingo resume, de certa maneira, como Jesus vive a sua missão salvadora até o fim. Ele é tentado a usar do seu poder messiânico para fins egoístas. Em outras palavras, ele é tentado a viver na autossuficiência, dispensando Deus e seu projeto de salvação. Mas Jesus vence essas tentações, sempre. Jesus não põe Deus a seu serviço, mas ele se põe a si mesmo totalmente a serviço de Deus e seu plano de amor.
Hoje em dia somos educados e tentados, de muitas maneiras, a viver de maneira autossuficiente e egoísta. Somos educados a usar os nossos conhecimentos e o nosso saber para fins egoístas, somos tentados à “esperteza” de querer só “levar vantagem em tudo”, colocando Deus e seu projeto de fraternidade em segundo plano. Dentro da mentalidade consumista de hoje, que prioriza o ter acima do ser, nós todos somos tentados a fazer até mesmo do templo e da religião um lugar onde Deus existe apenas para nos servir. Chega de sermos consumidores de fé, vamos ser colaboradores de Deus.
P. Vitus Gustama,svd
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