QUARTA-FEIRA DE CINZAS:
ÉS PÓ E AO PÓ VOLTARÁS
Primeira Leitura:
Joel 2,12-18
12“Agora, diz o Senhor, voltai
para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos;
13rasgai o coração, e não as vestes;
e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e
compassivo, paciente
e cheio de misericórdia,
inclinado a perdoar o castigo”.
14Quem sabe, se ele
se volta para
vós e vos
perdoa, e deixa atrás
de si a bênção,
oblação e libação
para o Senhor, vosso Deus?
15Tocai trombeta em
Sião, prescrevei o jejum sagrado, convocai a assembleia; 16congregai o povo, realizai cerimônias
de culto, reuni anciãos,
ajuntai crianças e lactentes;
deixe o esposo seu
aposento, e a esposa,
seu leito.
17Chorem, postos entre
o vestíbulo e o altar,
os ministros sagrados
do Senhor, e digam: “Perdoa, Senhor,
a teu povo,
e não deixes que
esta tua herança sofra infâmia e que
as nações a dominem”. Por que se
haveria de dizer entre
os povos: “Onde
está o Deus deles?” 18Então o Senhor encheu-se de
zelo por sua terra e perdoou ao seu povo.
Segunda Leitura:
2Cor 5,20-21.6,1-2
Irmãos: 20Somos
embaixadores de Cristo,
e é Deus mesmo
que exorta através
de nós. Em
nome de Cristo,
nós vos
suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus. 21Aquele
que não
cometeu nenhum pecado,
Deus o fez pecado
por nós,
para que nele
nós nos
tornemos justiça de Deus.
6,1Como colaboradores de Cristo, nós vos exortamos a não
receberdes em vão
a graça de Deus,
2pois ele
diz: “No momento favorável,
eu te
ouvi e, no dia da salvação, eu te socorri”.
É agora o momento
favorável, é agora
o dia da salvação.
Evangelho:
Mt 6,1-6.16-18
Naquele tempo, disse Jesus aos seus
discípulos: 1“Ficai atentos para não praticar a vossa justiça
na frente dos homens,
só para
serdes vistos por
eles. Caso
contrário, não
recebereis a recompensa do vosso
Pai que
está nos céus.
2Por isso,
quando deres esmola,
não toques
a trombeta diante
de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas
e nas ruas, para
serem elogiados pelos homens. Em verdade vos digo: eles já
receberam a sua recompensa.
3Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz
a tua mão direita,
4de modo que
a tua esmola fique oculta. E o teu
Pai, que
vê o que
está oculto, te
dará a recompensa. 5Quando
orardes, não sejais como
os hipócritas, que
gostam de rezar de pé,
nas sinagogas e nas esquinas
das praças, para
serem vistos pelos
homens. Em
verdade vos
digo: eles já
receberam a sua recompensa.
6Ao contrário, quando orares,
entra no teu quarto,
fecha a porta,
e reza ao teu Pai
que está oculto.
E o teu Pai,
que vê
o que está escondido, te dará a recompensa. 16Quando jejuardes, não
fiqueis com o rosto
triste como
os hipócritas. Eles
desfiguram o rosto, para
que os homens
vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua
recompensa. 17Tu,
porém, quando
jejuares, perfuma a cabeça
e lava o rosto,
18para que
os homens não
vejam que tu
estás jejuando, mas somente
teu Pai,
que está oculto.
E o teu Pai,
que vê
o que está escondido, te dará a recompensa”.
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Quaresma-Conversão
Com
a Quarta-feira de Cinzas
iniciamos a nossa Quaresma.
Quaresma é um
programa, um
caminho, um
esforço para revisar e renovar nosso ser de cristãos, que
consiste radicalmente em viver a vida de Cristo já desde agora, enquanto
somos peregrinos e testemunhas
do Reino de Deus.
Quaresma é um caminhada da penitência feita por cada cristão, seguidor de
Cristo. Esta caminhada vai durar durante quarenta dias a partir
da Quarta-feira de Cinzas até a Ceia do Senhor, exclusiva (Paschalis
Sollemnitatis: A Preparação e Celebração das Festas Pascais, n.27,
da CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO, 16 de janeiro de 1988).
Hoje o sinal
identificador do início da Quaresma é a Cinza.
A imposição da cinza comunica com facilidade sua mensagem de humildade e de
conversão. O sacerdote se impõe ele mesmo a cinza, porque ele também é
débil, necessita converter-se à Páscoa do Senhor. Em seguida, o sacerdote impõe
a cinza sobre a cabeça/fronte dos fiéis.
Na imposição das cinzas
temos duas fórmulas, igualmente tradicionais: “Convertei-vos
e Crede no Evangelho” ou “Lembra-te que és pó, e ao pó hás
de tornar”. O sentido
da conversão penitencial (Convertei-vos)
e o da caducidade (és pó) são igualmente predicáveis ao homem
de hoje. Nesta vida
breve o homem
velho há que
alcançar o fogo
e a luz do homem
novo, ressuscitado na Páscoa.
Morte e vida,
cinza e água
convivem na Quaresma.
O gesto simbólico
deste dia é aquele que penetrou na comunidade cristã e pode ser muito
pedagógico se for feito com autenticidade, sem precipitação; com sobriedade,
mas de forma expressiva. A imposição da cinza facilmente comunica sua mensagem
de humildade e conversão.
As três leituras
de hoje expressam claramente o programa de
conversão que Deus quer de nós durante a
Quaresma: converter-se e acreditar no Evangelho;
Volte-se para mim de todo o seu coração; Tem misericórdia, Senhor, porque
pecamos; deixai-vos reconciliar com Deus; Deus é compassivo e misericordioso...
Cada um de nós, a
comunidade e toda a sociedade, precisa ouvir este chamado urgente (conversão)
para a mudança pascal, porque somos todos fracos e pecaminosos e porque, sem
perceber, estamos sendo derrotados pelo critério deste mundo. Para melhorar a
comunidade e o mundo temos que ter coragem de nos converter. Sem a conversão
nada mudará e seremos um fator de destruição da comunidade.
Há a
triple direção desta conversão que aponta o Evangelho
para nos ajudar a reorientarmos nossa
vida para a Páscoa. Primeiro, é a abertura
aos demais através
da esmola que
é, antes de tudo,
caridade, compreensão,
amabilidade, perdão
e assim por
diante. Segundo, a abertura a Deus, que é escuta da Palavra,
oração pessoal e familiar, participação
mais ativa e frequente na Eucaristia e o sacramento da Reconciliação. Terceiro, o
jejum, que é autocontrole, busca de um equilíbrio em nossa escala de valores,
renúncia à coisas supérfluas, sobretudo, se expressa na ajuda aos necessitados.
O caminho da conversão
pascal começa
com o símbolo
da Cinza e terminará na Vigília Pascal com o símbolo
do fogo, a água
e a luz.
É uma unidade dinâmica
que quer
comprometer a cada
cristão em
seu seguimento
de Cristo e comunicar-lhe a graça pascal. Com a renúncia
de tudo que
não é de Deus
chegaremos à nova existência
de ressuscitados. O homem velho deve dar lugar para o homem novo.
Neste sentido a
Quaresma nos convida a praticar o espirito da penitência no sentido de elevar
nosso espirito, libertando-nos do mal e fazendo passos para a plenitude da
vida. Penitência serve, então, como remédio, como reparação, como mudança de
mentalidade para nos dispor à fé e à graça. Portanto, a penitência expressa
nosso compromisso no seguimento de Cristo.
A cinza
nos fala de nossa fragilidade, de nossa condição humana:
mortal e pecadora. Mas as palavras que acompanham iluminam o rito e elevam
nosso olhar: “Convertei-vos
e crede no Evangelho”. Assim pois, a cinza nos convence da necessidade do
Evangelho, da necessidade de aceitar e crer na Boa Notícia. É um Evangelho que
nos salva da fragilidade e da morte. Por isso é Boa Notícia. É um Evangelho
capaz de transformar nossa cinza em luz. Hoje nos impomos a cinza para
propiciar nossa conversão e para nos ajudar a crer mais no Evangelho. Hoje nos
impomos a cinza para nos convencer de que nossa própria cinza pode ser redimida
e ressuscitada, cinza iluminada, cinza consagrada. A imposição da cinza eleva
nosso espirito para a realidade eterna, para Deus que é o princípio e o fim, o
Alfa e o Ômega de nossa existência (cf. Ap 21,6).
Cinza E Seu
Significado Para Nossa Vida
“Hoje, para encontrar a
rota, é-nos oferecido um sinal: cinzas na cabeça. É um sinal que nos faz pensar
naquilo que trazemos na cabeça. Frequentemente, os nossos pensamentos seguem coisas
passageiras, coisas que vão e vêm. Os grãos de cinza que receberemos
pretendem dizer-nos, com delicadeza e verdade: de tantas coisas que trazes na cabeça,
atrás das quais corres e te afadigas diariamente, nada restará. Por mais que te
afadigues, não levarás contigo qualquer riqueza da vida. As realidades
terrenas dissipam-se como poeira ao vento. Os bens são provisórios, o poder
passa, o sucesso declina. A cultura da aparência, hoje dominante e que induz a
viver para as coisas que passam, é um grande engano. Pois é como uma fogueira:
uma vez apagada, ficam apenas cinzas. A Quaresma é o tempo para nos libertarmos da
ilusão de viver correndo atrás de pó. A Quaresma é descobrir que somos feitos para o fogo que
arde sempre, não para a cinza que imediatamente se some; para Deus, não para o
mundo; para a eternidade do Céu, não para o engano da terra; para a liberdade
dos filhos, não para a escravidão das coisas. Hoje podemos
interrogar-nos: De que parte estou? Vivo para o fogo ou para as
cinzas?”
(Papa Francisco: Quarta-feira, 6 de março de 2019).
O significado
simbólico da cinza está ligado com sua semelhança com o pó e com o fato de que ela é o resíduo
frio e ao mesmo
tempo purificado da queima
após a extinção
do fogo. Por
isso, em
muitas culturas ela
é símbolo da morte, da transitoriedade, do arrependimento e da penitência,
mas também
da purificação e da ressurreição. Para expressar
luto, os gregos,
os egípcios, os judeus, os árabes e as tribos
primitivas espalhavam cinzas sobre a cabeça ou assentavam-se ou
rolavam-se sobre as cinzas
(alguns textos
bíblicos para entender o que foi dito: Gn 18,27; Jó 2,8;13,12;
Is 44,20;61,3; Jr 6,26; Ez 27,30; Lm 3,16;2Sm 13,19;J n 3,6; Mt 11,21). O homem expressa com isso (cf.
Gn 18,27)
a consciência da relativa
nulidade da criatura diante do Criador.
Ao recebermos as cinzas
ouvimos uma das fórmulas usadas: “Tu és pó, e em pó te hás de tornar”
(Gn 3,19). A cinza recorda ao homem o reconhecimento
de sua origem.
A cinza é leve
e por isso,
ela é a imagem
das coisas frágeis e efêmeras. Tudo é caduco.
E toda a vaidade,
todo o brilho
falso e esta vida
mortal, um
dia conhecerão um
fim. Recebemos as cinzas
para nos relembrar de que
somos pó; é uma lembrança
de que somos pó,
de que não
temos morada certa
neste mundo, de que
a morte é a única
realidade inevitável
no futuro de nossa
existência. Na verdade,
não é a morte
que é absurda
e sim a vida
sem a morte. Muitos se esquecem da morte
e por isso,
acabam vivendo absurdamente e acabam vivendo
somente em função do prazer. Como foi dito
uma vez, quem
vive em função
do prazer, não
tem prazer de viver. O prazer deve ser resultado de um
viver bem. E para nós cristãos viver bem significa viver de acordo com os valores cristãos.
A cinza é uma lembrança
incômoda para
quem acredita que
o presente histórico
é absoluto. Mas
esta lembrança, na verdade,
nos ajuda
a vivermos bem, a colocarmos as coisas
no seu devido
lugar para ganhar seu justo valor e sua justa perspectiva.
Com as cinzas recebidas o homem
experimenta o próprio
nada. Para
expressá-lo, cobre-se de cinza. Quando o homem experimenta o seu
nada, não
há lugar nele para
a arrogância. Ao contrário,
ele volta
a ser humilde:
humus, pó, criatura
dependente de Deus.
Quando vivemos a humildade
que é a nossa
própria existência
o poder e a glória
mundanos não
vão nos
atingir. Mas quando o homem deixar de reconhecer sua condição de
criatura, querendo igualar-se a Deus, ele se
tornará um pó
morto e por
isso, terá que
voltar à terra de que fora
tirado, “porque és pó,
em pó
te hás de tornar”
(Gn 3,19).
E somente quando o homem reconhece que
é pó, que
faz parte da terra,
e que tudo
o mais provém de Deus,
brotará novamente a vida
desse pó e deixará de ser soberbo ou arrogante. E certamente as cinzas usadas na Quarta-feira de Cinzas
provêm das palmas do Domingo de Ramos
do ano anterior,
palmas triunfais
do Cristo vitorioso
sobre o pecado
e a morte. Cristo,
morrendo, deu nova vida
à terra, conquanto
o homem se reconheça como terra, pó. A quem assim confessa o próprio nada faz-se ouvir a promessa de Jesus Cristo
que vem triunfar
do pecado e da morte,
consolar os aflitos
e dar-lhes, em lugar
de cinzas, um
diadema, uma coroa
de um rei.
Ao receber as cinzas, o
cristão testemunha
o absoluto de Deus
em sua
vida.
E como consequência da profissão sobre
o absoluto de Deus,
o cristão relativiza todas as coisas. Isto quer dizer que as coisas somente têm seu valor em relação ao seu Criador. Sob o sinal
das cinzas, o cristão
reafirma hoje a sua
liberdade de filho
de Deus e ao mesmo
tempo reafirma sua
condição como
pó ou
criatura e que
só pode sobreviver
como tal
por causa da misericórdia de Deus.
E Deus não
tem como não
ajudá-lo, pois o ser humano foi feito
de acordo com
a própria imagem
de Deus (cf. Gn 1,26). Devemos ler,
portanto, as três práticas de piedade apresentadas através do evangelho deste
dia que abre nossa caminhada quaresmal.
Hoje, todos nós somos convidados a reconhecer
nossa fraqueza. Quanta distância existe entre nós e o Evangelho, entre nós e a
vida de fidelidade, totalmente entregues, de Jesus! Hoje somos convidados a ser
sinceros, de verdade, com nós mesmos. Se nos colocarmos diante de Deus, não
podemos nos gloriar em nada.
Hoje, somos convidados a ser sinceros. Neste
começo da Quaresma, temos de ter um olhar introspectivo e reconhecer o nosso
pecado. E, ao mesmo tempo, olhemos para Deus, nosso Pai, e reafirmemos nossa
confiança em seu amor. Hoje, a imposição das cinzas em nossa cabeça será esse
sinal de reconhecimento. Será como dizer: somos fracos, somos pecadores, mas
nosso Deus é o Pai misericordioso e por isso, posso voltar a Ele.
A leitura
do Evangelho quer
responder a seguinte
pergunta: “Como
agradar a Deus?”.
A prática da esmola, da oração e do jejum
tem finalidade de sintonizar-nos com a vontade
do Pai, de forma
a preparar-nos da melhor maneira possível,
para a celebração
da Páscoa.
Jesus enuncia o princípio
geral sobre
a prática dessa piedade.
Estas obras de piedade
não se devem praticar
para ganhar prestígio diante
dos homens e com
isso, adquirir
posição de poder
ou privilégio.
Os que fazem assim
privam-se da comunicação divina, cessa a relação
de filho-Pai com Deus.
Segundo Jesus, ninguém
merece a graça de Deus
se ele finge executar
ação que não corresponde à atitude interior que ele chama de hipocrisia.
Obras
Da Piedade Quaresmal
O Evangelho nos mostra três obras de piedade
como expressão de fé em Deus: Esmola, Oração e Jejum. Estas três piedades vão
aparecendo durante a Quaresma nas leituras da santa missa. A esmola, a oração e
o jejum (Tb 12,8) são três pilares da religião que definem o nosso
relacionamento com os outros, com Deus e com as coisas. Neles vivemos ou não a
nossa verdade de filhos. Neles vivemos ou não conforme a justiça de Deus. A
justiça de Deus se concretiza na esmola, na oração e no jejum, em um correto
relacionamento com os irmãos, com o Pai do céu e com as coisas.
Para a prática desses três pilares (esmola,
oração e jejum) tem o mesmo critério: tudo deve ser feito em segredo, diante de
Deus e não em público para ser glorificado pelos homens.
Pela experiência humana, qualquer ação nossa
pode ser realizada de duas maneiras opostas: realizamos as coisas para o nosso
autoprazer (egolatria) com o intuito de receber elogios e reconhecimento dos
homens, ou realizamos tudo para agradar Aquele que nos reconhece como filhos
seus.
Na vida cotidiana, o ser humano tem necessidade
de ser visto e reconhecido, pois para a mentalidade de muitos, quem não é visto
por ninguém, não existe. Aqui está a “escravidão” dos olhos em função da vanglória.
Mas somente quem sabe que é filho de Deus, amado infinitamente, está livre da
vanglória, pois ele possui a verdadeira glória. Por isso, não pode acreditar em
Deus quem procura a glória dos homens (cf. Jo 5,44).
A esmola (vv.1-4)
A linguagem
utilizada por Mt nesta passagem e nas outras duas seguintes
revela uma forte polêmica
entre cristãos
e judeus. Os hipócritas
são os fariseus
do tempo do evangelista
que praticavam e queriam impor
aos outros um
cumprimento externo
da Lei de Moisés. Segundo
Jesus aos quer querem entrar
no Reino dos céus
devem cumprir a vontade
do Pai sem
ostentação.
A expressão
utilizada por Mt para
descrever esta atitude e comportamento (praticar a
justiça) somente
aparece neste evangelho (sete vezes. Cinco delas se encontram em
Mt 5-7) e
tem uma grande importância
para a teologia
de Mt. Mas não
se trata da justiça
como a entendemos. Quando
se fala da justiça
nos círculos
judaicos trata-se do conjunto de atos
que fazem o homem
merecedor da salvação. Entre os fariseus
do tempo de Jesus estes
atos de piedade
eram fundamentalmente três: a esmola, a oração e o jejum.
Mas para muitos estas práticas
se tornavam uma questão puramente
externa e um
motivo de orgulho,
até o ponto
de que alguns
faziam exibição pública
de sua religiosidade (justiça).
Os profetas
do AT falam frequentemente do dever da compaixão para com o pobre, mas eles
acentuam muito mais
a justiça do que
a caridade. O mendigo
ou o pobre
é acusação de um
sistema injusto
que gera pobres
e miseráveis, dependentes
da “bondade” alheia. Mendigo é o fruto de uma sociedade que não quer partilhar seus bens para os outros (Mas de outra
lado, certo
mendigo é aquele
que quer
uma vida fácil,
pois pela experiência, muitos
não querem trabalhar,
apesar de alguém
oferecer-lhe trabalho. Mas
eles são
apenas um
grupo pequeno).
A esmola deve ser expressão da misericórdia que
existe no coração de quem se faz solidário
com a carência
alheia. A solidariedade
acontece quando o homem
tem compaixão, quando
sente na própria pele
o sofrimento alheio. O que sobra para nós, por pouco que seja, sempre
faz falta para
os outros que
não tem nada.
Mas sempre
ficamos incomodados, pois sabemos que isso nunca resolverá completamente
o problema do mendigo
ou do pobre.
Mas a esmola
é um sinal,
um lembrete
de que devemos lutar
por um
sistema econômico
que realmente
faça uma partilha justa dos bens. Reflitamos as palavras
de São Basílio (+ 379): “Ao
faminto pertence o pão que guardas. Ao homem nu,
o manto que
guardas até
nos teus
cofres. Ao que
anda descalço,
o calçado que
apodrece em tua casa.
Ao miserável,
o dinheiro que
guardas escondido. É assim que vives
oprimindo tanta gente
que poderias ajudar”. E Santo Agostinho acrescenta: “O Senhor
te fez servo
bom, mas
tu criaste em
teu coração
um mau
senhor. Ficas alegres
por causa da riqueza do cofre e não te lamentas
pela pobreza
de teu coração?
Há acréscimo em
tua arca, mas
observa bem o que
diminui em teu
coração”.
O próprio Jesus
menciona a esmola para censurar a ostentação
(cf.
Mt 6,22ss).
Isso devemos começar
dentro de nossa
família. Enquanto
isso não
acontece, ficamos incomodados.
Ao dar a esmola Jesus pede a separação
da pessoa quem
a dá do seu gesto:
“...a tua mão
esquerda ignore aquilo
que faz a direita...E
o teu Pai...dar-te-á
a recompensa” (vv.3-4). A
nossa tarefa como seguidores de Jesus Cristo é fazer o bem sem sermos
contadores de nossos méritos, pois
deixamos o resultado para Deus. O resultado do bem fica escondido ao homem
que recusa de ser
o juiz de seus
atos.
O único capaz
de apreciar é um
Deus invisível
que habita no segredo
e não presta conta
a ninguém. E quem dá ao pobre empresta a
Deus (Pr
19,17). Um dito
popular diz: “Se você
fizer um benefício,
nunca se lembre dele; se receber
um, nunca
se esqueça dele”. A vida vivida apenas para satisfazer a própria pessoa nunca satisfaz ninguém.
Não há melhor
exercício para
fortalecer o coração
do que estender
o braço para baixo e erguer pessoas. A bondade é o único
investimento que
nunca falha.
A oração (vv5-6)
A instrução
sobre a oração
(vv.5-15) é a mais extensa
das três práticas
de piedade judaica
e está situada no centro literário do Sermão
da Montanha. Esta instrução
é composta por
uma introdução sobre
a forma de orar (vv.5-8), o Pai-Nosso
(vv.9-13)
e uma conclusão que fala do perdão (vv.14-15).
Através deste texto Mt quer fazer uma catequese sobre a oração
cristã, semelhante a de Lc (Lc 11,1-11), mas cada
um dos dois evangelistas se dirige a um
grupo distinto.
Lc escreve para uma comunidade
que necessita aprender
a orar. Mt, ao contrário,
escreve para uma comunidade
que já
sabe orar, mas
necessita aprender a fazer
a oração de outra
maneira (“Quando orardes, não
sejais como os hipócritas...”
v.5.7). Lc
tem diante de si
uma comunidade de origem
pagã que não
tem hábito de orar
(será que viraremos pagãos
se pararmos de orar?). Mt, ao contrário,
está diante de uma comunidade
onde há bastantes
judeus que
haviam aprendido a orar três
vezes por
dia desde
sua infância.
Mt enfrenta um
problema em
relação à prática
de oração. A oração
como as demais
práticas religiosas os fariseus convertem em
um motivo
de ostentação e em
uma prática pura
externa. A oração
não é mais
um momento
de falar com
Deus, mas
serve de instrumento para
alcançar honra
e prestígio diante
dos homens.
Mt convida os cristãos
a recuperar o sentido
religioso da oração,
purificando-a daquilo que há desviado a oração de seu fim. Para Mt a oração do cristão
deve estabelecer um
relacionamento íntimo com o Pai: “...entra no teu
quarto, fecha
a porta, e reza ao teu
Pai” (v.6a), num clima de abandono
e confiança em
Deus: “O Pai de vocês
já conhece as necessidades
que vocês
têm” (v.8). Os cristãos devem orar como Jesus
orava. E o estilo desta oração é condensado na oração
do Pai-Nosso (vv.9-13).
Uma das principais
raízes da vida cristã que nos ajuda a sugar a energia inesgotável
do amor divino
é a prática da oração.
Nossa oração
deve ser discreta,
vivida na intimidade
de nosso coração,
repleta de silêncio
capaz de perceber
as insinuações do Espírito
Santo. Mas
só se cresce na vida
de oração, reservando a ela, diariamente, o mesmo
tempo, pelo menos, que
reservamos às refeições que nutrem o nosso
corpo.
O Jejum(vv. 16-18)
O jejum lembra as relações com o outro, com
Deus, com as coisas e consigo próprio. Na relação com o outro, o jejum é aquela
limitação de vida que a sua presença impõe limite que se torna um princípio de
relacionamento, de comunicação e de comunhão. Na relação com Deus, o jejum é
como a oração do corpo, que a própria vida não é absoluta e sim o próprio Deus
e a sua Palavra. Na relação com as coisas, o jejum é um corretivo necessário para
a ânsia de “possuir” as coisas (temos apenas o direito de usar as
coisas. Este direito terminará assim que partirmos deste mundo. Tudo será
deixado em termos de bens). Na relação consigo mesmo, o jejum nos conduz a um correto
direcionamento com a nossa vida e nossa morte. O jejum é também necessário para
alcançar a “sobriedade”, que consiste no servir-se das coisas tanto quanto são
úteis para amar a Deus e ao próximo. O ser humano ou aprende a ser
senhor de seus sentidos (cinco sentidos) e de suas faculdades, orientando-os ao
fim próprio, ou será escravo de seu apetite.
Sobre o jejum
Mt utiliza o mesmo esquema
literário que
há utilizado nas duas instruções anteriores (quando...não façam como
os hipócritas: v.2.5.16). Como
já foi refletido no domingo
anterior, o jejum
era uma prática
estendida entre os grupos
religiosos ao redor
de Jesus (Mt
9,14). Os fariseus jejuavam duas vezes
por semana
(Lc
18,12).
Mt relata que
Jesus praticou o jejum para
preparar-se antes de exercer
sua missão
(Mt 4,12). E a comunidade de Mt
praticava o jejum (Mt
9,15), mas Mt quer
dar um sentido novo a esta prática, evitando toda
a ostentação exterior.
Com o jejum
evitamos que os bens
deste mundo não
nos escravizem. Faz uso
deles para o bem próprio e do próximo, e neles
degusta o Bem maior
que é Deus.
Jejuar, então,
significa abster-se de alimento, tomar
uma atitude de respeito
e de liberdade diante
das coisas, fazer
espaço para
os outros e para
Deus, confiar
na providência de Deus;
constituir um
ato de conversão
a Deus através
das coisas. Neste tempo
quaresmal devemos aprender a morrer
com Cristo
para renascer com ele. Com a ajuda de sua graça,
devemos combater tudo
aquilo que,
na nossa vida,
impede o nascimento do homem novo anunciado pelo Evangelho: nossas tendências
burguesas, nossos pequenos
apegos, o comodismo ou
o medo que nos impedem uma atuação
mais eficaz,
nosso farisaísmo
em só
querer fazer aquilo que nos dá vantagem
ou prestígio,
nosso vício/nossa dependência
da TV ou do mundo
virtual como
a internet etc.
Muita gente
acha que a quaresma é apenas
um tempo
em que
não se come carne
às sextas-feiras. No Brasil a grande maioria não
come carne em
dia nenhum
não por
causa de dieta
ou por
questão de saúde,
mas porque
não tem condição
para comprar carne.
Por isso,
aqueles que
não passam necessidade,
devem mesmo por
uma questão de solidariedade
aos necessitados, privam-se de carne ou de outras coisas.
O jejum que agrada a Deus, diz o profeta
Isaías (Is
58,1-14) é
quebrar as cadeias
injustas, libertar os oprimidos,
realizar a justiça.
A quaresma,
neste sentido, é o tempo
em que
reassumimos a nossa vida
cristã com um
engajamento efetivo de transformação do mundo em vista do Reino
de Deus.
Hoje a liturgia nos convida a reconhecer nossa
fraqueza ou debilidade. Quanta distância existe entre nós e o Evangelho, entre
nós e a vida de fidelidade, totalmente, entregue de Jesus! Hoje, se olharmos
para nós mesmos, em nosso modo de viver, agir, brotará das profundezas de nossos
corações as palavras que rezamos no Salmo Responsorial: “Tende piedade, ó
meu Deus, misericórdia! Na imensidão de vosso amor, purificai-me! Lavai-me todo
inteiro do pecado e apagai completamente a minha culpa!”
Hoje somos convidados a ser sinceros,
verdadeiramente, com nós mesmos. Se nos colocarmos diante de Deus, não poderemos
nos gloriar em nada. Quanto nossos desejos e interesses nos dominam! Quantos
desejos que temos que impõem nossos critérios e nossa vontade! Que pouca
capacidade de renunciar (de dinheiro, tempo, tranquilidade) para o serviço dos
outros! Quão pouco nos esforçamos para compreender os que não pensam como nós.
Quão pouco temos rezado! Hoje Jesus me convida a rezar mais, a fazer mais
caridade e a me controlar mais. Tudo isso deve ser meu programa para esta
quaresma para poder experimentar a vida glorificada, a vida pascal.
P. Vitus Gustama,SVD
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