28/02/2020
O
JEJUM QUE DEUS QUER DE CADA UM DE NÓS
Assim
fala o Senhor Deus: 1“Grita forte, sem cessar, levanta a voz como trombeta e
denuncia os crimes do meu povo e os pecados da casa de Jacó. 2Buscam-me cada
dia e desejam conhecer meus propósitos, como gente que pratica a justiça e não
abandonou a lei de Deus. Exigem de mim julgamentos justos e querem estar na
proximidade de Deus: 3“Por que não te regozijaste, quando jejuávamos, e o
ignorastes, quando nos humilhávamos?”. É porque no dia do vosso jejum tratais
de negócios e oprimis os vossos empregados. 4 É porque, ao mesmo tempo que
jejuais, fazeis litígios e brigas e agressões impiedosas. Não façais jejum com
esse espírito, se quereis que vosso pedido seja ouvido no céu. 5 Acaso é esse
jejum que aprecio, o dia em que uma pessoa se mortifica? Trata-se talvez de curvar
a cabeça como junco, e de deitar-se em saco e sobre cinza? Acaso chamas a isso
jejum, dia grato ao Senhor? 6 Acaso o jejum que prefiro não é outro: quebrar as
cadeias injustas, desligar as amarras do jugo, tornar livres os que estão
detidos, enfim, romper todo tipo de sujeição? 7 Não é repartir o pão com o
faminto, acolher em casa os pobres e peregrinos? Quando encontrares um nu,
cobre-o, e não desprezes a tua carne. 8 Então, brilhará tua luz como a aurora e
tua saúde há de recuperar-se mais depressa; à frente caminhará tua justiça e a
glória do Senhor te seguirá. 9ª Então invocarás o Senhor e ele te atenderá,
pedirás socorro, e ele dirá: “Eis-me aqui”.
Evangelho: Mt 9, 14-15
Naquele
tempo , 14os discípulos de João aproximaram-se de Jesus e
perguntaram: “Por que
razão nós
e os fariseus praticamos jejuns , mas os teus discípulos
não ?” 15Disse-lhes Jesus: “Por acaso , os amigos do noivo podem estar de luto enquanto o noivo está com eles ? Dias virão em que o noivo será tirado do meio deles. Então ,
sim , eles
jejuarão”.
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As leituras
de hoje nos
falam do JEJUM.
O jejum sempre
tem sentido de “privação ”
ou de “renúncia ”.
Jejuar consiste essencialmente
em nos
privar de alimento pelo sentido da palavra , mas em geral é
referido a qualquer tipo
de privação . O jejum
começa a reentrar
na nossa cultura
atual por
razões de dieta
e de estética , ou
aconselhado por certas
formas de religiosidade, com origem no Oriente .
O jejum
é um dos componentes
fundamentais da Quaresma .
Mas podemos entender
mal as suas
motivações ou até
cair no egoísmo
e no orgulho . Por
isso , a Igreja
nos alerta
para duas dimensões
essenciais do jejum :
a sua referência
a Cristo e a sua
dimensão de solidariedade .
Mais que
a privação de alimentos ,
é o espírito com
que se realiza o jejum
que determina o verdadeiro sentido do
jejum. O jejum deve ser
uma expressão do desejo
profundo de conversão. Santo Agostinho
dizia: “Para jejuar deveras há que
abster-se, antes de mais, de todo pecado”.
Fazer jejum significa saber renunciar a algo
e dá-lo aos demais; é saber controlar nossas apetências; é saber nos defender
com liberdade interior das contínuas urgências do mundo de consumismo. É jejuar
em função da partilha, especialmente para os mais necessitados. Jejuar é
purificador. Jejuar não seria privar-se de tudo e sim usar moderação em tudo,
isto é, ser sóbrios. Jejum supõe um grande domínio de si, de disciplina de
olhos, da mente e da imaginação. A falta de sobriedade é uma das causas pelas
quais se obscurecem e se debilitam as melhores iniciativas e decisões de um
cristão. A sobriedade é certamente uma garantia da capacidade de orar e de
apreciar o Espírito Santo. Com a renúncia às coisas Cristo nos chama à alegria,
a uma alegria profunda, nascida da paz da alma. Fazer jejum é renunciar a algo
para dá-lo aos necessitados. O jejum com uma dimensão de solidariedade nos tira
do egoísmo, nos tira de uma vida vazia. Paradoxalmente a vida vazia é pesada
para quem a tem. Sou livre quando a graça pesa mais do que as regras e não o contrário.
O jejum deve conduzir o cristão para uma
abertura maior para com os demais, especialmente para os necessitados. É Jejuar
para poder dar mais aos pobres. Se a falta da caridade continuar, se a
injustiça estiver presente em nosso modo de atuar com os demais, pouco poderá
agradar a Deus nosso jejum e nossa Quaresma. Poderemos queixar, como os judeus
do tempo do profeta Isaías, de que Deus não nos escuta, se não cuidarmos os
filhos e filhas de Deus que estão passando por necessidade pelo básico?
O profeta
Isaias, na Primeira Leitura de hoje, descreve qual
é o verdadeiro jejum
que agrada
a Deus (Is 58,6-9). Deus não quer o jejum formalista
que não
tem em conta
a vida do outro ,
e muito menos
a justiça . Nada
valem as ações que
excluem o amor ao próximo .
O verdadeiro jejum ,
no pensamento do profeta ,
remete ao comportamento capaz de renunciar à ganância , à avareza para começar a ser
generoso e solidário; capaz de renunciar ao tempo pessoal para ir
ao encontro do necessitado (doente , prisioneiro , idoso etc.) para estar com ele a fim de aliviar uma parte de sua dor . O jejum verdadeiro
consiste em quebrar
todas as cadeias injustas, em repartir o pão com o faminto . Segundo
o profeta Isaias, o culto
deve estar unido à solidariedade
com os necessitados. Caso contrário, não agrada a Deus e é estéril. As
manifestações exteriores de conversão têm a sua prova real na caridade e na
misericórdia para com os necessitados, com os pobres, com os carentes do
essencial como um ser humano para viver. O verdadeiro jejum é um verdadeiro
compromisso com os irmãos necessitados e empobrecidos ou injustamente são
presos.
O texto do qual foram extraídos os dois
versículos do Evangelho de hoje descreve a refeição que Mateus, o publicano,
ofereceu a Jesus e a seus discípulos depois de ter recebido o convite de seguir
o Messias.
Os discípulos de João Batista ficaram
admirados pelo fato de que Jesus e seus discípulos não jejuem como eles, de
maneira rigorosa. Na sua resposta Jesus diz que os discípulos de João Batista
não viram ainda em Jesus “o esposo” messiânico. Se tivessem visto,
compreenderiam que então o jejum não tinha o mesmo significado.
Jejum está relacionado com o tempo da
espera. O próprio Jesus jejuou no deserto resumindo em sua pessoa a longa
preparação da humanidade em vista da instauração do Reino de Deus. Mas quando
começa seu ministério público, Jesus pode dizer com pleno direito que o Reino
está presente, que o Esposo chegou e que não é conveniente aos amigos do Esposo
jejuarem enquanto o Esposo está com eles. O jejum não tem mais sentido no tempo
de realização. Somente depois da Ressurreição, o jejum retomará sua
significação na medida em que o tempo da Igreja deverá ainda integrar a
dimensão da preparação e construção do Reino de Deus.
Este é o ritmo da Igreja: o que ela já
possui, dá o verdadeiro sentido àquilo que ainda está construindo e o que ela
ainda constrói lhe dá consciência daquilo que já possui. Neste ritmo é que tem
lugar o jejum: ele está ligado pela Igreja aos dias dedicados à espera e à
preparação.
Tendo presentes
estas dimensões, entendemos melhor o sentido do jejum que nos é recomendado e
pedido pela Igreja, e mais facilmente evitamos cair na busca de uma perfeição
individualista e fechada, sem nos preocuparmos com Cristo presente nos outros
irmãos necessitados (Mt 25,40.45) como bem enfatizou o profeta Isaías na
Primeira Leitura.
Em outras palavras, o verdadeiro jejum
consiste em que cessam as palavras, mas que falem os fatos e as obras de
caridade; que cale o entendimento, mas que grite o coração. Não há nada que
seja mais eloquente do que um minuto de silêncio. Um minuto de silêncio pode
ser um minuto de escuta, um minuto de reflexão, um minuto de compromisso, um
minuto de amor, um minuto solidariedade, um minuto de ação compassiva para o
necessitado. Um dia de jejum deve ser também um dia de amor e uma semente de
esperança. Cada dia de jejum deve ser traduzido em um passo contra o egoísmo,
um esforço de compreensão, um compromisso pela justiça, um trabalho pela paz,
uma força irresistível de amor para amar quem não merece ser amado.
Um dia de jejum não nos converte, mas nos
faz conscientes da necessidade de nos convertermos; não soluciona o problema da
fome, mas nos solidariza com os famintos; não nos liberta do consumo, mas nos
inicia no exercício da liberdade. É protesto contra a injustiça e o consumismo
desenfreado; é chamada à conversão, é grito profético. Se alguém se castiga a
si mesmo através do jejum é para que os outros não sejam castigados de fome
pelo básico. Quando fazemos parar o estomago é para que o espírito trabalhe em
nós. Quando nos privamos de alimentos é para que nos privemos dos vícios.
Por isso ,
o jejum cristão
não consiste apenas
em abster-se de alimentos .
Consiste, sobretudo , em
desejar o encontro
com Jesus salvador
e o encontro com
irmão , especialmente
com irmão
carente do básico
para viver e sobreviver como um ser humano .
Jejuamos para nos
tornarmos sensíveis à fome e à sede
de tantos irmãos
e para assumirmos a nossa
responsabilidade na resolução
dos problemas dos pobres
e carentes . A memória
da paixão de Jesus não
é um simples
ritual , mas
um ato
de misericórdia , no sentido
da palavra do Senhor :
«Prefiro a misericórdia ao sacrifício » (cf. Mt 9, 13). A sua
paixão é obediência
ao Pai , mas
também um
gesto de extrema
caridade , de solidariedade
com todos
nós . Não
podemos restringir o jejum
em não
comer a carne .
A maioria de nossa
gente nem
arroz tem e muito
menos a carne .
O verdadeiro jejum
é dividir o que
temos para oferecer a quem nada tem para viver . É dar
nossas roupas não
mais usadas para
cobrir quem
está sem nada
para se vestir (cf. Mt
25,31-46). Sabemos que jamais podemos arrancar totalmente o sofrimento alheio ,
mas uma parte
dele pode ser aliviada com
nossa solidariedade
e compaixão . Ninguém
pode entrar no céu
feliz deixando o irmão
passando fome e outras necessidades básicas para um ser humano
viver dignamente .
A febre
do consumismo hoje em dia é um grande
desafio para praticar um profundo jejum, isto é, o verdadeiro encontro com Deus
e com o próximo. Jejum é um dos caminhos da libertação.
O melhor jejum nestes tempos da quaresma é reconciliar-nos com o
irmão a quem insultamos, é aceitar seu perdão e apoiá-lo em suas necessidades. O
melhor jejum que podemos oferecer nestes tempos de quaresma é voltar os olhos
para Deus amando ao próximo e perdoando de coração a quem nos fez dano.
P. Vitus Gustama,svd
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