19/02/2020
CONHECER JESUS E SEU MISTÉRIO GRADUALMENTE
Quarta-Feira Da VI Semana Comum
19 Meus queridos irmãos, sabei que todo homem deve ser pronto para
escutar, mas moroso para falar e moroso para se irritar. 20 Pois a
cólera do homem não é capaz de realizar a justiça de Deus. 21 Por esta
razão, rejeitai toda impureza e todos os excessos do mal, mas recebei com
humildade a Palavra que em vós foi implantada, e que é capaz de salvar as
vossas almas. 22 Todavia, sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes,
enganando-vos a vós mesmos. 23 Com efeito, aquele que ouve a Palavra e não
a põe em prática é semelhante a uma pessoa que observa o seu rosto no espelho:
24 apenas se observou, vai-se embora e logo esquece como era a sua aparência.
25 Aquele, porém, que se debruça sobre a Lei da liberdade, agora levada à
perfeição, e nela persevera, não como um ouvinte distraído, mas praticando o
que ela ordena, esse será feliz naquilo que faz. 26 Se
alguém julga ser religioso e não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo: a
sua religião é vã. 27 Com efeito,
a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai
é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar
contaminar pelo mundo.
Evangelho: Mc 8,22-26
Naquele
tempo, 22Jesus e seus discípulos chegaram a Betsaida. Algumas
pessoas trouxeram-lhe um cego e pediram a Jesus que tocasse nele.23Jesus
pegou o cego pela mão, levou-o para fora do povoado, cuspiu nos olhos dele, pôs
as mãos sobre ele, e perguntou: “Estás vendo alguma coisa?” 24O homem
levantou os olhos e disse: “Estou vendo os homens. Eles parecem árvores que
andam”. 25Então Jesus voltou a pôr as mãos sobre os olhos dele e ele
passou a enxergar claramente. Ficou curado, e enxergava todas as coisas com
nitidez. 26Jesus mandou o homem ir para casa, e lhe disse: “Não
entres no povoado!”
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Ser Cristão Ideal
Continuamos a acompanhar a leitura da Carta
de São Tiago. No texto da Primeira Leitura de hoje, São Tiago nos apresenta as
recomendações cheias de sabedoria, numa página muito densa e atual. É um ideal
para ser um verdadeiro cristão. Como ideal, é algo a ser praticado e avaliado
todos os dias. O ideal de ser cristão são os seguintes critérios segundo são Tiago: Que sejamos prontos
para escutar, lentos para falar e lentos para a ira; Que acolhamos a Palavra de
Deus em nossa vida, porque é a única capaz de nos salvar; Que em relação à
Palavra de Deus o importante não é apenas escutá-La e sim levá-la à prática,
pois isso é que conduzirá à felicidade; Que ninguém pode ser chamado de
religioso, se não domina ou controla sua língua; e que a religião pura é ajudar
os órfãos e viúvas e não se deixar contaminar pelo mundo.
É um programa para ler este texto (Primeira
Leitura) lentamente e confrontá-lo com o que costumamos fazer em nossas vidas.
Primeiramente, São Tiago nos
escreveu: “Todo homem deve ser pronto para escutar,
mas moroso para falar e moroso para se irritar”.
“Pronto para escutar...!”. Escutar é uma coisa
mais séria, requer uma certa dose de interesse, de preocupação, de atenção. Há
que parar-se para detectar o que ouvimos, para clarificá-lo, para assimilá-lo e
para respondê-lo. Escutar é um exercício humano para certa categoria. Muitas
vezes acontece que ouvimos mas não escutamos. Escutar é uma certa
disponibilidade ativa, uma atenção alerta. São Tiago nos apresenta aqui um
ideal de homem muito simpático, decididamente está voltado para o outro.
Somente aquele que sabe calar e escutar tem condições
de pronunciar palavras plenas de sentido e de autoridade. Toda palavra deve ser
precedida, acompanhada e seguida da escuta e do silêncio. A capacidade de
escutar é o primeiro caminho para entender aquilo que o outro diz. A virtude de
escutar é indispensável ao cristão, quer ele esteja dialogando com Deus, quer
ele esteja dialogando com outro cristão ou com alguém mais simples no critério
da sociedade. Deus
é honrado com o silêncio porque o silêncio é louvor ao Altíssimo.
Em segundo lugar, é necessário moroso para
falar e moroso para se irritar.
“Moroso para falar....”. Uma certa reserva, um
sinal de interioridade, também é uma manifestação de nosso respeito pela
personalidade dos outros. Deixe-os o máximo de espaço possível. Não os esmaguemos.
Todos têm direito de se expressar, de manifestar sua opinão. Moroso para falar é
um dos segredos para um bom e fértil diálogo.
Quantas vezes falhamos no final do dia com
palavras precipitadas das quais precisamos nos arrepender? Hje nos é dado um
lema muito sábio que podemos lembrar sempre: estar "pronto para ouvir e
lento para falar". Isso nos fará muito bem e fará bem para os outros com
quem conversamos e convivemos
“Moroso para se irritar....”. Caim matou o irmão,
Abel, por não controlar sua irritação. E tantos assassinatos aconteceram porque
seus atores foram incapazes de controlar sua irritação. Quantas brigas poderiam
ser evitadas, se cada um de nós soubesse se controlar na sua emoção. Tardar
para se irritar é porque a ira do homem não realiza a justiça de Deus.
A doçura é sinal de Deus, porque Deus é
paciente, doce, benigno, discreto. A ira, a violência, a agressão são sinais da
ausência de Deus.
Em terceiro lugar, saber acolher a
Palavra de Deus. “A Palavra
que em vós foi implantada, e que é capaz de salvar as vossas almas. Todavia, sede
praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos”.
A Palavra não é apenas uma doutrina, um
ensinamento, e sim é uma certa Presença de Deus para aqueles que realmente a
ouvem. Deus fala, e, muitas vezes, sussurra tão suavemente que pensamos que ele
está calado. Somente aqueles que buscam a Deus, os simples, os humildes, ouvem
a Palavra de Deus. A arrogância do orgulhoso tem o terrível poder de fechar o
coração e os ouvidos. Escutar Deus é fazer a vida germinar; é introduzir uma
nova vitalidade divina em nós e através de nós para nosso redor.
Para São Tiago, a Palavra de Deus é um “espelho”.
Ela faz que nos conheçamos melhor. Ela põe de manifesto as manchas de nossa
vida que provoca uma revisão de nossa vida. Na Palavra ouvida, lida e meditada,
o homem contempla quem é ele realmente por razão da Palavra.
Por isso, São Tiago nos alerta contra o
perigo de nos contentarmos em ouvir apenas a Palavra de Deus, sem fazer nenhum
esforço para praticá-la, ou contra a falsa idéia de uma religião que se
satisfaça com as palavras, enquanto o que agrada Deus é a obra: ajudar os
outros e não ser contaminado pelos costumes do mundo. A comparação é muito
sugestiva: para que serve olhar no espelho e ver qualquer mancha ou defeito que
possamos ter, se deixarmos e esquecermos o que vimos e não tentarmos
corrigi-lo? Quantas vezes nos olhamos no espelho por dia para ver se tudo está
bem. Não será bom olharmos para nossa vida várias vezes ao dia para que
possamos nos corrigir logo?
Além disso, São Tiago nos recorda a parábola
do semeador (Cf. Mt 13,1-9). Disse são Tiago que “a Palavra foi implantada em vós”.
Se a
esquecermos assim que a missa terminar, a Palavra não produzirá nenhum fruto em
nós. Enquanto quem leva a sério o que ouve, "encontrará a
felicidade".
O Salmo Responsorial (Sl 14) recolhe esse
pensamento sobre o que é a verdadeira religião: “Quem morará em vosso Monte Santo,
Senhor?”. O autor do Salmo faz uma enumeração de coisas muitos
elementares, mas profundas: "É
aquele que caminha sem pecado e pratica
a justiça fielmente; que pensa a
verdade no seu íntimo e não solta em calúnias sua língua. Que em nada prejudica o seu irmão, nem cobre de insultos seu vizinho; que não dá valor algum ao homem ímpio, mas honra os que respeitam o Senhor.
Não empresta o seu dinheiro com usura, nem se
deixa subornar contra o inocente”.
A fé não pode ser tão somente uma adesão
abstrata e intelectual a umas doutrinas. É necessário que a fé mude as relações
sócias, que transforme as relações entre os ricos e os pobres. Tudo que se adquire
aqui. Neste mundo, materialmente, vai ficar aqui assim que terminar a passagem
do homem neste mundo.
No Senhor e Com o Senhor
Enxergamos Melhor a Vida e Seu Sentido
O texto do evangelho de hoje pode ser chamado
de “o
evangelho interior”, pois o relato pretende mostrar a progressão da
fé, a progressão do descobrimento da pessoa de Jesus.
O texto nos relatou que “Jesus pegou o
cego pela mão, levou-o para fora do povoado, cuspiu nos olhos dele, pôs as mãos
sobre ele” (Mc 8,23). Estes gestos de Jesus são os mesmos gestos que, no
tempo de São Pedro se faziam sobre os catecúmenos, para conduzi-los da
incredulidade à iluminação da fé. Teologicamente há que relacionar este milagre
com a cura do “surdo-mudo” (Mc 7,31-37), que se encontra depois da primeira
multiplicação dos pães (Mc 6,30-44) e a cura deste cego depois da segunda
multiplicação (Mc 8,1-9).
“Jesus cuspiu nos olhos do cego” e este ficou
curado da cegueira. A saliva indica que algo da vida de Jesus, de seu alento
vital entra no cego. E “Pôs as mãos sobre o cego”. O gesto das mãos indica a
bênção do céu desce sobre o cego.
Este processo nos recorda também o itinerário
sacramental: com o contato, a imposição de mãos e a unção, Cristo nos quer
comunicar sua salvação por meio de sua Igreja. A pedagogia dos gestos
simbólicos, unida à palavra iluminadora é a própria dos sacramentos cristãos em
sua comunicação da vida divina.
O que nos chama a atenção é que quando Jesus
perguntou ao cego se estava vendo algo? E o cego respondeu que não estava vendo
bem (ver as pessoas como se fossem árvore). Vem a pergunta para nossa cabeça:
por acaso Jesus não foi capaz de fazer milagre?
A cura do cego, gradualmente, é colocada aqui
de propósito num contexto em que se fala também da cegueira dos fariseus e dos
discípulos. Por isso, trata-se de uma indicação simbólica.
A cura do cego acontece gradativamente. Primeiro
o cego vê os outros como se fossem árvores (ele troca gente por árvores) e
depois quando recebe o outro toque de Jesus, ele começa enxergar perfeitamente.
Marcos, através deste detalhe, vê a lentidão do caminhar dos discípulos para
chegar à fé profunda e para chegar à compreensão plena da mensagem de Jesus.
Trata-se de uma cegueira espiritual capaz de não entender as palavras de Jesus
ou capaz de deturpá-las. Faltava para os discípulos uma visão perfeita sobre
quem era Jesus. Para eles Jesus era um messias rei cheio de poder e de glória
(cf. Mc 10,35-45). Os discípulos são os que necessitam ser tocados nos olhos
por Jesus, porque têm olhos, mas não veem (Mc 8,18). Jesus os toca, isto é,
levar gradualmente, pouco a pouco, ao conhecimento profundo de Seu mistério.
A fé é um dom de Deus, mas a fé é também um
caminho, um itinerário. Ela, às vezes ou muitas vezes, se encontra entre luzes
e sombras, entre a claridade e a escuridão, tem seus avanços como seus recuos;
às vezes ela nos dá coragem e em outras vezes, ela nos causa medo. O dom da fé
requer nossa colaboração permanentemente, pois a fé não é um tesouro adquirido
de uma vez só.
Por causa de nossa debilidade também nós
avançamos lentamente para a fé no poder da Palavra de Deus. Muitas vezes
ficamos meio cegos por algum tempo. Mas por nos esforçamos no nosso seguimento
acabaremos compreendendo o significado da Palavra de Deus e enxergaremos melhor
sobre o sentido da vida e de seus acontecimentos. É preciso que nos mantenhamos
no caminho do progresso da fé em Jesus, o progresso do descobrimento da pessoa
de Jesus diariamente. Somente convivendo com uma pessoa diariamente é que
acabaremos conhecendo melhor quem é ela.
Além disso, freqüentemente nos encontramos
muito cegos espiritualmente que nos incapacita a vermos o essencial para nossa
vida. A falta de uma visão clara do essencial faz com que tenhamos uma visão
deturpada de tudo na nossa vida. O contato permanente com Jesus devolve nossa
capacidade de percebermos e de vermos com clareza para cada coisa no seu devido
lugar. É um grande dom manter o olhar limpo para o bem, para encontrarmos Deus
no meio de nossas ocupações de cada dia, para vermos os homens como filhos de
Deus, para penetrarmos no que verdadeiramente vale a pena para a edificação do
homem, para vermos a beleza de Deus no universo. É preciso termos um olhar
limpo para que o coração possa amar e mantê-lo jovem.
Não tenhamos que perder a paciência nem com
nós mesmos nem com aqueles que queremos ajudar em seu caminho de fé. Não
podemos exigir resultados imediatos. Cristo teve paciência com todos os
discípulos e com as demais pessoas. Para um cego ele impôs as mãos duas vezes
até que ele começou a enxergar completamente. Deve ficar claro para nossa vida
comunitária que Jesus se chega passo a passo fora dos cálculos humanos. As
intervenções de Deus são também pedagógicas e pacientes com uma sabedoria que
nós não conhecemos e por isso, nem sempre compreendemos. Quando tivermos um
pouco de amor no coração, a paciência vai nos ajudar a ter mais forças para
superar tudo.
“Tu vês algo?”. É a pergunta de Jesus ao cego.
Esta mesma pergunta é dirigida a cada um de nós. Será que podemos responder que
estamos vendo bem? Jesus nos pergunta se nós vemos com os olhos da fé, isto é,
se em tudo que fazemos/fizermos tem por trás a mão de Deus? O que é que vemos
em um ser humano? Que conceito temos sobre um ser humano? Vemos um ser humano
como um objeto (árvore) ou como um irmão, pois ele é o filho de Deus? Um
verdadeiro conceito sobre um ser humano muda nosso modo de tratar as pessoas.
Mas sem a ajuda de Deus, sem o contato permanente com Deus não conseguiremos
ver a beleza do dom da vida, das pessoas, do universo. Por falta dessa visão
clara tropeçaremos permanentemente nesta vida.
P. Vitus Gustama,svd
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