Domingo,01/03/2020
QUEM ESTÁ E ANDA COM O
SENHOR É TENTADO
I DOMINGO
DA QUARESMA Ano A
I Leitura: Gn 2,7-9; 3,1-7
7O Senhor
Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o
homem tornou-se um ser vivente. 8Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em
Éden, ao oriente, e ali pôs o homem que havia formado. 9E o Senhor Deus fez
brotar da terra toda sorte de árvores de aspecto atraente e de fruto saboroso
ao paladar, a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do
bem e do mal. 3,1A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos
que o Senhor Deus tinha feito. Ela disse à mulher: “É verdade que Deus vos
disse: ‘Não comereis de nenhuma das árvores do jardim?’” 2E a mulher respondeu
à serpente: “Do fruto das árvores do jardim nós podemos comer. 3Mas do fruto da
árvore que está no meio do jardim, Deus nos disse: ‘Não comais dele, nem sequer
o toqueis, do contrário, morrereis’”. 4A serpente disse à mulher: “Não, vós não
morrereis. 5Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se
abrirão e vós sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal”. 6A mulher viu que
seria bom comer da árvore, pois era atraente para os olhos e desejável para se
alcançar o conhecimento. E colheu um fruto, comeu e deu também ao marido, que
estava com ela, e ele comeu. 7Então, os olhos dos dois se abriram; e, vendo que
estavam nus, teceram tangas para si com folhas de figueira.
II Leitura: Rm 5,12.17-19
Irmãos:
12 Consideremos o seguinte: O pecado entrou no mundo por
um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os
homens, porque todos pecaram...17 Por um só homem, pela falta de um só
homem, a morte começou a reinar. Muito mais reinarão na vida, pela mediação de
um só, Jesus Cristo, os que recebem o dom gratuito e superabundante da justiça.
18 Como a falta de um só acarretou condenação para todos os homens, assim o ato
de justiça de um só trouxe, para todos os homens, a justificação que dá a vida.
19 Com efeito, como pela desobediência de um só homem a humanidade toda foi
estabelecida numa situação de pecado, assim também, pela obediência de um só,
toda a humanidade passará para uma situação de justiça.
Evangelho: Mt 4,1-11
Naquele
tempo, 1o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. 2Jesus
jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome.
3Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda
que estas pedras se transformem em pães!” 4Mas Jesus respondeu: “Está escrito:
‘Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus’”.
5Então o diabo levou Jesus à Cidade Santa, colocou-o sobre a parte mais alta do
Templo, 6e lhe disse: “Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo! Porque está
escrito: ‘Deus dará ordens aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas
mãos, para que não tropeces em alguma pedra’”. 7Jesus lhe respondeu: “Também
está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus!’” 8Novamente, o diabo levou
Jesus para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os reinos do mundo e sua
glória, 9e lhe disse: “Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim,
para me adorar”. 10Jesus lhe disse: “Vai-te embora, Satanás, porque está
escrito: ‘Adorarás ao Senhor, teu Deus, e somente a ele prestarás culto’”.
11Então o diabo o deixou. E os anjos se aproximaram e serviram a Jesus.
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Neste Primeiro Domingo da Quaresma, a Igreja
nos apresenta duas grandes figuras que centram toda a história humana: Adão e
Jesus Cristo. Adão é o primeiro homem no plano do tempo, inclusive na realidade
tanto para o varão como para a mulher. Jesus é o Filho de Deus em forma de
homem varão, se associa também a sua missão uma mulher, Maria de Nazaré, Sua
mãe.
Adão Na Encruzilhada
Nas leituras de hoje aparecem enfrentados e, ao
mesmo tempo, relacionados entre si estes dois “homens” (Adão e Jesus). Na Primeira Leitura,
o primeiro homem, Adão, é tentado, posto na encruzilhada de dois caminhos diferentes
e opostos, que hoje poderíamos denominar como o princípio do prazer e o
princípio do dever. Todavia, significam algo mais profundo: se o homem conhecesse
e reconhecesse que não vem de si mesmo, e sim que é “doado”, agraciado, que vem
de Alguém, ele escolheria os caminhos de Deus de Quem o criou.
Portanto, se o homem/se você vem de Alguém
(Deus o criou) a questão fundamental de sua existência é esta: você tem total e
absoluta confiança nos caminhos de Deus que o criou? Você se deixará guiar e conduzir
por Ele? Você se jogará nos braços de Deus com confiança amorosa e abandono
filial? Mas Adão, o homem e a mulher, não confia em Deus; eles duvidam e
desconfiam de Seus projetos e caminhos; eles se decidem por conta própria.
Perdida a comunhão com Deus e abandonados os caminhos de Deus, os únicos onde o
homem poderia encontrar a vida, a alegria e a paz, o homem perdido encontra
apenas caminhos de amargura, dor e morte.
Na Segunda Leitura (Rm 5,12.17-19),
São Paulo constata esta triste experiência e esta herança de desgraça que os
primeiros pais nos deixaram: “O pecado entrou no mundo por um só homem.
Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os homens,
porque todos pecaram...”. Todos nós caímos, tropeçamos, cedemos diante
do princípio do prazer, diante do orgulho e da autossuficiência. Desde que
existimos, temos a tendência de nos rebelar, de querer ser independente, de nos
afastar de Deus e de Seus caminhos.
Jesus Na Encruzilhada
Jesus também está na encruzilhada entre seguir
a vontade própria e obedecer à vontade de Deus. A mesma leitura de São Paulo
(Segunda Leitura) e o Evangelho de são Mateus nos apresentam a figura do Homem
Novo, do Novo Adão, Jesus de Nazaré. Ele é posto também na encruzilhada entre
dois caminhos. Ele é o Filho de Deus; Ele é o Messias. Ele não saberia
encontrar seus caminhos, e escolher esses caminhos por conta própria? E ele não
teria o direito, na terra, para o sucesso, a honra, o poder e a riqueza?
E, no entanto, se o Pai permitiu que, no jogo
das circunstâncias da história, Jesus há que escolher o caminho não apenas da
humildade, mas também da humilhação; não apenas de esforço, mas da dor; não
apenas a inevitável ambiguidade da encarnação, onde o divino deve se expressar
nos limites do humano, mas o óbvio escândalo do fracasso; não apenas da
responsabilidade e autonomia da condição humana, mas do abandono nos braços da
morte, então Ele aceita com confiança e com amor o desígnio do Pai, o caminho
do Pai, de Belém ao Calvário, e sempre diz ao tentador, seja para Satanás ou
seja para Pedro: "Afaste-se de mim!".
Ao longo de sua vida diz ao Pai, e mais
especialmente nos momentos cruciais como nas tentações do deserto, do Getsêmani
ou da Cruz: "Pai, em tuas mãos encomendo
meu espírito, minha vida, meu trabalho, minha esperança. Quero que meus
caminhos sejam seus caminhos".
Quaresma: Renovação Batismal
Graças a essa entrega de Jesus aos caminhos de
seu Pai, Jesus triunfou da morte e nos deu a vida, essa vida e esse triunfo que
a Igreja nos aplica em sua pregação, sua oração, seus sacramentos, suas atenções
ou cuidados pastorais.
Se no nascimento, como filhos de
homens, fomos inseridos no velho Adão, o tronco do pecado e da morte, pelo
batismo, fomos inseridos no novo Adão, para sermos filhos no Filho:
filhos de Deus. A Igreja nos convida a nos preparar para renovar nosso batismo
na próxima Páscoa, meta principal da Quaresma.
A quaresma é tempo de conversão, de renovação e
de aprofundamento de nossa vida cristã. Tempo de intensificar nossa oração e de
revisar nossos caminhos, para adaptá-los cada vez mais aos caminhos de Deus, ao
seguimento de Jesus Cristo.
Em cada Eucaristia, o Senhor renova sua Aliança:
uma Aliança Nova e Eterna. Jesus Cristo sempre foi fiel, tanto ao Pai como a
nós, para nos salvar. Renovemos também neste tempo nossa entrega ao Pai, com
Cristo e com a comunidade. Por meio da comunhão na Eucaristia, deixemo-nos
penetrar e plenificar de Sua Presença, para que, com seu amor e com sua força,
com sua sabedoria e com sua companhia, possamos caminhar pelos caminhos do
Senhor.
Estendamos nossa reflexão a
partir do texto do Evangelho deste Primeiro Domingo da Quaresma que fala das
tentações de Jesus!
O Evangelho deste primeiro domingo da quaresma
fala das tentações de Jesus. Toda a vida de Jesus foi uma luta formidável, uma
tomada de posição decidida, no grande combate contra o adversário (o número “três” nas suas
tentações indica o completo e o definitivo. A tríplice negação de Pedro
significa, por exemplo, sua renúncia total a ser discípulo, cf. Mc 14,30).
O trabalho do Tentador às vezes é discreto, mas
nenhum campo lhe escapa. A tentação sempre começa com uma falsa ideia de Deus
que entra na mente do homem. O homem quer substituir o lugar de Deus na sua
vida. Quando o homem se esquece que é uma criatura e quer se tornar como Deus,
então, ele se destrói porque não sabe fazer as escolhas certas e ele se deixa
guiar pelas suas paixões: pelo orgulho/arrogância, pela ira, pela inveja, pela
luxúria e consequência disto, ele acaba chamando bem o que é mal e achando o
amargo é doce e o que é doce é amargo. Esta tentação de se tornar independente
de Deus é representada pela serpente (na primeira leitura). Serpente não faz
barulho, ninguém a percebe, mas é muito perigosa porque provoca a morte.
As tentações são pecado, não quando as sentimos
(Jesus as sentiu também), mas somente quando voluntariamente as consentimos. As
tentações só podem estimular a pecar, mas nunca obriga nossa vontade. Como
dizia Santo Agostinho: “As tentações são como o cão acorrentado que pode
latir muito, mas não morde ninguém”. Ele morde quem fica perto dele.
Nenhuma força interna ou externa pode obrigar o homem a pecar.
As consequências de substituir lugar de Deus
são trágicas na vida do homem. Quando abre os olhos, o homem percebe que o
recusar-se a depender de Deus o conduz muito para baixo, envergonha-se de si
mesmo, sente-se nu, um não-homem. Viver nu é a condição dos animais
(com muito respeito para o movimento nudista ou naturalista). Quando o homem
não respeita o projeto de Deus, quando não respeita a sua lei e quer
substitui-la por uma lei moral própria, então tudo fica estragado e
desarrumado. Por isso, a negação do absoluto primado de Deus é a raiz profunda
de uma cultura incapaz de defender os valores mais substanciais da honestidade
e de promover a vida nos lugares onde ela está sendo ameaçada.
A Bíblia diz que como consequência de tudo
isto, o homem recebe a maldição de Deus. Não é que Deus castigue o homem. Deus
não faz isto, ele somente salva, pois “Deus é Amor” (1Jo 4,8.16). Fomos criados
para viver com tranquilidade, na intimidade com Deus, cuidando do mundo como se
cuida de um jardim. Por isso, não é à toa que, depois de cada obra da criação,
o texto bíblico repete como um refrão:” E Deus viu que tudo era bom”. Por isso,
quando a Bíblia fala de maldição quer somente alertar a respeito das consequências
do pecado. Não é Deus, é próprio homem que, praticando o mal, se castiga e cria
sofrimento para si e para os outros: acaba com o seu casamento, com o seu
emprego, com suas amizades, destrói a criação e acaba se tornar infeliz. Deus é
Pai que quer o nosso bem. Desconfiar do seu amor é o início de nossa
infelicidade.
Ao contrário de Adão, Jesus Cristo reconhece
sua própria dependência de Deus, sempre é fiel e obediente ao Pai e se torna
Senhor da Vida. Lembre-se que no Batismo uma voz do céu declarou Jesus como
Filho amado (Mt 3,17). E Jesus vive a identidade como Filho amado. Certamente
as tentações de Jesus, principalmente as duas primeiras, partem da própria
identidade de Jesus como Filho de Deus: “Se és Filho de Deus...” (vv.3.6). Pelo
fato de ser amado, ele não precisa mais de outra segurança, pois Deus é a sua
segurança, sua garantia. E todos os que o seguem e o imitam na obediência à lei
de Deus, serão transformados em justos e solidários. Por isso, dentro deste
contexto a tentação é um momento de verificação a respeito da solidez de nossa
identidade e de nossas escolhas, como aconteceu com Jesus Cristo.
As tentações de Jesus, que também são nossas,
partem frequentemente das necessidades humanas fundamentais, como pão em abundância,
o prestígio e o poder e apelam para o uso das capacidades que são também reais.
Falemos um pouco de cada uma delas.
Diabo,
Satanás, Demônio
Jesus foi levado ao deserto e lá ele é
incomodado pelo tentador. O tentador, por excelência, nos é apresentado com
vários nomes na Bíblia. Segundo Mateus e Lucas, Jesus foi tentado pelo Diabo (Mt 4,1-11; Lc 4,1-13). A palavra
“diabo” vem do grego “diábolos”, uma
forma substantiva do verbo “diabállo”,
que significa jogar um obstáculo entre duas coisas para provocar a sua divisão.
Portanto, Diabo é aquele que provoca divisão e desunião tanto dentro da pessoa
como entre as pessoas. Qualquer um de nós pode ser diabo quando provoca a
desunião e divisão dentro das pessoas e entre as pessoas.
O evangelista Marcos usa o termo “Satanás” para caracterizar o tentador de Jesus
nas suas tentações (Mc 1,12-13). A palavra “satanás” vem do grego “satanás”,
que, por sua vez, é uma tradução do hebraico “satan”, que deu o nosso “Satã”. A
palavra “Satã” só aparece em três livros do AT: Jó, Zacarias e 1 Crônicas. O
verbo hebraico “satan” significa “incomodar”. Como substantivo, “satan” é o
nome de tudo aquilo que contraria alguma coisa, e por isso, é traduzido para o
português por “adversário”, tanto o adversário geral, como a função jurídica do
promotor público no tribunal com seu papel de acusar e contradizer o réu,
tentando comprovar a sua culpabilidade (cf. Jó 1-2). Originariamente, “Satanás”
ou “Satã” significa “estorvo”, “interferência”, “oposição”. Satã equivale a
oponente, “adversário”, “inimigo” no campo de batalha.
“Satanás é, portanto, tudo aquilo que procura
incomodar e contrariar uma determinada realidade ou disposição; pode ser uma
pessoa adversária ou inimiga, ou uma estrutura, uma instituição etc.... Ao dar
ao tentador de Jesus o nome “Satanás”, o evangelista Marcos quer nos dizer que
Jesus teve que enfrentar muitos adversários para realizar seu projeto de
anunciar e tornar próximo o Reino de Deus, o Reino de amor fraterno, de
igualdade, de comunhão fraterna e assim por diante. Que são “Satanás” hoje em
dia?
Na Bíblia edição Ave Maria (edição Claretiana
1993- 75ª Edição) usa-se o termo “Demônio”
(Mt 4,1-11; Mc 1,12-13; Lc 4,1-13). O termo “demônio” aparece 19 vezes no AT em
grego das quais nove vezes se encontram no livro de Tobias. No livro de Tobias,
trata-se do demônio Asmodeu, que enamorado de Sara, vai matando sucessivamente
os sete maridos dela nas sucessivas noites de núpcias. A chegada de Tobias
acompanhado pelo anjo Rafael (Deus cura), proporcionará um final feliz.
Em outros seis textos, o termo “demônio” serve
para designar os ídolos (Dt 32,17; Sl 96,5; 106,37; Is 65,3.11; Br 4,7; veja
também Is 13,21; 34,14; Br 4,35; Sl 91,6). Nenhum desses textos dá margem para
pensarmos que nos encontramos diante de um ser pessoal.
Portanto, o demônio, diabo, satanás são figuras
míticas que simbolizam a rebeldia do mundo diante de Deus ou os poderes que
escravizam o homem. Estas figuras nos servem para dar nome ao mal. Satanás,
demônio, diabo não podem servir de desculpa para o mal que nós mesmos
perpetramos ou produzimos. Satanás, demônio, diabo não são culpados pelas
catástrofes naturais. Eles não servem de bode expiatório para a culpa humana.
Quem se se desculpa dizendo que Satanás o tentou está na realidade fazendo uma
autoacusação. “Não culpes o demônio por tudo que vai mal. Muitas vezes o homem é seu
próprio demônio” (Santo
Agostinho: Serm. Frangipane 5,5).
Precisamos
Criar Deserto Para Nos Encontrarmos, Para Encontrarmos Deus e o Próximo
No deserto, Jesus começou a fazer um jejum de
quarenta dias, que recordam a experiência de Moisés (Ex 34,28), a de Elias
(2Rs1 19,8) e a marcha heroica, extenuante, do povo de Israel pelo deserto, que
foi até o limite das próprias forças. O deserto é o lugar da solidão, da
secura, da fome, como também do silêncio e da oração. O deserto também é o
lugar das escolhas, porque o homem tem condições ideais para, nele, fazer a si
mesmo as perguntas existenciais mais fundamentais e dramáticas. Deserto é o
momento para ver o invisível. Somente quem é capaz de perceber o Invisível,
pode fazer o impossível, a exemplo de Jesus. É momento para silenciar para
começar a escutar com atenção. É o momento de retirar-se para se encontrar,
para encontrar Deus e para encontrar o próximo. O momento de deserto me faz
desistir das minhas fugas e procurar ser quem sou: meus desejos, minhas reais
necessidades, meu caos interior, meus medos, e assim por diante, para saborear
a misericórdia de Deus no momento. Deus mora também na nossa ferida. Nossa
ferida é também o santuário de Deus. Esta ferida está em cada um de nós.
Jesus estava para começar sua vida pública e,
aproveitando deste longo retiro no silêncio e na solidão, ele quer decidir-se
sobre seu programa: ele não pensa em si, ele não preocupa com o próprio corpo,
ele não tirará proveito do seu poder de fazer milagres, como mostram as
tentações, mas será o Messias humilde, obediente, que escuta a Palavra de Deus.
As
Três Tentações de Jesus
A
1ª Tentação: A Do Pão
O alimento é muito importante, sem pão não se
pode viver. Por mais altos que forem os voos do espírito e por mais profundos
os mergulhos da mística, o ser humano sempre depende de um pouco de pão, de um
copo de água, enfim de uma pequena porção de matéria. Ele é a base de tudo que
se pensar, projetar e fizer. O pão sempre faz parte de preocupação de cada
pessoa e de cada família. Até o próprio Jesus nos ensina a pedir o pão
cotidiano ao Pai Celeste. Nós mesmos, disse Jesus, seremos julgados pelo pão
distribuído ou negado a quem tinha fome (Mt 25,31-46).
Todavia, a vida do homem não depende somente do
pão ou dos bens que possui. Alguém pode ser rico, possuir casas, carros,
roupas, mas afinal, se não há a paz na família, se não sabe educar os filhos,
se é tão corrupto a ponto de roubar o pão do irmão, beberrão, perguntamos: este
conduz a vida realmente feliz? É claro que não.
O pão que comemos fruto da exploração do irmão,
fruto de corrupção, resultado da desonestidade e da injustiça, fruto da roubalheira
não é o pão abençoado por Deus, por isso não vale a pena comê-lo pois não tem
nenhum sabor. É pão que apenas nutre mas não alimenta a vida humana que é
somente humana enquanto vive na reta ordem da justiça e da fraternidade. O pão
injusto não é nosso; ele pertence ao outro. O pão para ser nosso exige que
transformemos o mundo e libertemos a sociedade de seus mecanismos de riqueza
feita à custa do pão tirado da boca do outro.
O pão, por isso, nos convoca para a conversa
coletiva e comunitária. Entra aqui a campanha da fraternidade, campanha de ser
irmão para os outros que estão passando necessidade. A comunidade tem que unir
as forças, pelo menos, para dar um pouco do pão que tem, formando cestas
básicas para os irmãos que estão sem trabalho. Ser cristão é ser pessoa que
vive em atitude de esmola: ser esmola, ser generoso, ser dom para o próximo, a
exemplo de Deus criador e de Jesus Cristo dando sua vida por todos. A oração
verdadeira e profunda transforma cada um de nós em pão que é repartido. Feito
pão, somos distribuídos não uma vez, mas muitas vezes e sempre de novo.
A raiz desta fraternidade (irmandade) é o Pai
celeste. A descoberta de Deus como Pai transforma cada um de nós em irmão(ã) e
transforma nossa vida em compromisso, ajudando os irmãos que vivem sem pão.
A 2ª
Tentação: A Do Prestígio
A 2ªtentação não parte mais de uma
necessidade biológica, mas do messianismo espetacular: o prestígio. Em relação
ao prestígio, não há quem que não goste de ser conhecido, famoso, elogiado e
glorificado. Esta tentação é um esforço
de transformar a religião num exibicionismo de “milagres inúteis”. Seria
brincar com o poder de Deus, transformando-o em magia teatral, numa espécie de
consagração da vitória sem guerra, do triunfo sem luta, de ganhar dinheiro sem
estudar e trabalhar, de ganhar diploma sem frequentar nenhuma escola.
A confiança de Jesus no Pai não depende de
“milagres”. Ele não precisa de provas para acreditar que o Pai o ama, porque o
próprio Deus chama Jesus de o Filho amado no batismo (Mt 3,17), e que está
permanentemente ao seu lado. Por isso, Jesus diz ao diabo: “Não tentarás o
Senhor, teu Deus”.
Tenta Deus hoje em dia quem espera que ele faça
aquilo que nos compete fazer, quem se omite e deixa tudo por conta de Deus. Não
podemos pedir a Deus que nos livre (na base de milagre) de todas as
dificuldades. Temos que pedir-lhe, isto sim, que em qualquer situação,
agradável ou triste, nos conceda a luz e a força para sairmos sempre vencedores
e mais amadurecidos, mais homens.
A 3ª
Tentação: A Do Poder
Infelizmente tem sido muito comum em toda a
história humana a saber, que a felicidade está mesmo no poder, na glória, nos
prazeres e nas riquezas. Jesus recusa a proposta do tentador, pois é contrária
ao projeto do Pai. Na sua fidelidade ao Deus – Amor, que não se impõe pela
força nem por qualquer tipo de dominação, ele confirma a vocação de serviço.
Por isso, é diabólica qualquer forma de autoridade que se traduz em domínio,
opressão, imposição das próprias ideias.
Tanto nossa comunidade, quanto nós pessoalmente
sempre estamos sujeitos de escolher o deus poderoso, o deus que concede o
domínio sobre os demais, o deus que nos dá muita fama, muitos títulos, muitos
que nos beijem a mão, muitos que nos reverenciam. O Pai de Jesus oferece aos
seus filhos somente serviço a prestar, com humildade, aos irmãos. Este é o
caminho verdadeiramente cristão.
Jesus venceu as
tentações por nós. E logo depois “os anjos o serviram” (v.11). É uma afirmação
que enfatiza a plenitude de comunicação entre o céu e a terra, e no centro está
a pessoa de Jesus. Ele é servido pelos anjos como aquele que é reconhecido como
o Filho amado de Deus. Ele restabelece a harmonia no cosmos e por causa disto
os anjos o servem.
Nesta situação,
Jesus é o símbolo de toda pessoa que, depois de ter atravessado as provações
fortes, é reconhecida como filho e readquire o domínio sobre si, sobre as
forças obscuras da própria psique, sobre as forças destrutivas que se agitam
nela, e passa a conviver harmoniosamente com elas, em familiaridade com Deus,
com as outras pessoas e com os anjos.
Se Jesus, nosso
Senhor, venceu as tentações por nós, venceremos também as mesmas se estivermos
sempre unidos a Ele. Porque sem ele nada podemos fazer (Jo 15,5). Mas com
Cristo não há nada que possa nos separar do seu amor por nós (cf. Rm 8,31-39).
As tentações nos
fazem mais próximos de Jesus. Elas são paradigmáticas para o nosso
discernimento e a nossa conduta. Não estamos a sós nas nossas tentações. Se
Jesus, nosso Senhor, venceu as tentações por nós, venceremos também as mesmas
se estivermos sempre unidos com ele. Porque sem ele nada podemos fazer (Jo
15,5).
“Prova-se alguém para se saber se está pronto para
praticar o bem... Se estiveres pronto para o bem, há indício de que é grande
tua virtude..... Deus prova alguém, não porque se Lhe esteja oculta sua virtude,
mas para que todos a conheçam e que sirva de exemplo... Deus tenta incitando ao
bem... e prova-se alguém incitando-se ao mal. Quem resistir bem à tentação, a
ela não consentindo, dará um bom indício de virtude; se a ela sucumbir, mostra
que ainda é fraco” (Sto. Tomás de Aquino: Comentário ao
Pai Nosso, “Pater Noster” Expositio).
P.
Vitus Gustama,svd
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