sexta-feira, 1 de setembro de 2023

XXII Domingo Comum "A"-03/09/2023

CONDIÇÕES PARA SEGUIR A JESUS

XXII OMINGO DO TEMPO COMUM “A”

Primeira Leitura: Jr 20,7-9

7 Seduziste-me, Senhor, e deixei-me seduzir; foste mais forte, tiveste mais poder. Tornei-me alvo de irrisão o dia inteiro, todos zombam de mim. 8Todas as vezes que falo, levanto a voz, clamando contra a maldade e invocando calamidades; a palavra do Senhor tornou-se para mim fonte de vergonha e de chacota o dia inteiro. 9Disse comigo: “Não quero mais lembrar-me disso nem falar mais em nome dele”. Senti, então, dentro de mim um fogo ardente a penetrar-me o corpo todo; desfaleci, sem forças para suportar. 

II Leitura: Rm 12, 1-2

1 Meus irmãos, eu vos peço pela misericórdia de Deus que ofereçais os vossos corpos como uma oferta viva, santa e agradável a Deus. Que este seja o vosso culto espiritual. 2 Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do espírito, para chegardes a conhecer qual seja a vontade de Deus, a saber, o que é bom, agradável e perfeito.                                        

Evangelho: Mt 16,21-27

Naquele tempo, 21 Jesus começou a mostrar a seus discípulos que devia ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar no terceiro dia. 22 Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo, dizendo: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!” 23 Jesus, porém, voltou-se para Pedro e disse: “Vai para longe, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!” 24 Então Jesus disse aos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. 25 Pois, quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. 26 De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida? 27 Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta”.

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No domingo anterior Pedro professou sua fé em Jesus dizendo: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16). Mas não basta proferir a fórmula certa sobre a identidade de Jesus. Importa compreendê-la dentro do espírito do próprio Jesus. Pedro, sob o influxo da revelação do Pai acertou a identidade de Jesus, mas a compreendeu a seu modo e nisso foi corrigido com palavras duríssimas por Jesus depois que Jesus falou do anúncio de sua paixão (Mt 16,22-23). Jesus convida os discípulos a entenderem o seu caminho. Por isso, Jesus apresenta-lhes as condições para segui-Lo (Mt 16,24), os motivos das condições em forma de ditos paradoxais (Mt 16,25-26) e termina com o anúncio da vinda escatológica do Filho do Homem para julgar os homens, onde os discípulos são convidados a entrar da glória futura (Mt 16,27). Assim lemos no Evangelho deste domingo. 

Viver É Sempre Um Começar Para Cada Nova Etapa. Cada Ponto de Chegada é Sempre Um Novo Ponto De partida.

O Evangelho de hoje começa com estas palavras: “Desde então, Jesus começou a mostrar a seus discípulos...”(v.21). O evangelista Mateus repete novamente o que disse em Mt 4,17 (para o início da missão na Galiléia). Ele quer enfatizar o novo começo na vida e no destino de Jesus a partir de Cesaréia de Filipe onde Pedro professou sua fé em Jesus (Mt 16,13-30) e com este novo começo Jesus pretende abrir os olhos dos discípulos para a nova caminhada. Por isso, ele usa o verbo “mostrar” para indicar a intenção de revelar um desígnio escondido do plano de Deus (cf. Ap 1,1). Trata-se do acontecimento da revelação última e definitiva.          

Optar por um novo começo significa deixar espaço ocupado até então, um espaço, por ser conhecido, dá segurança e partir rumo ao desconhecido, ao inseguro com muita fé porque Deus nos chama, como Ele chamou Abraão a sair da própria segurança, da própria pátria rumo a terra estrangeira/desconhecida apostando totalmente em Deus (cf. Gn 12,1ss). Não é fácil ouvir o chamado de Deus. Nossa insegurança, nossa hesitação e nossa grande afirmação fazem com que percamos a confiança na Palavra de deus que nos chama. Quando nos esvaziamos de nós mesmos, Deus começa a operar em nós e através de nós para salvar o mundo.                     

A virada ou o novo começo na vida de Jesus “desde então” exige também uma virada, um novo começo, uma nova conversão dos seus seguidores, todos nós para seguir adiante. Preciso estar consciente de que por causa de Deus dentro de mim existe uma luz e um horizonte com os quais posso começar e seguir adiante vivendo os ensinamentos de Jesus apesar de tudo. Preciso ter consciência de que por causa de Jesus, Luz do mundo (cf. Jo 8,12) dentro de mim ainda existe luz que sempre brilha com que eu posso seguir o caminho de Jesus. Essa luz dentro de mim pode não espantar todas as trevas do caminho, mas é suficiente para iluminar meu caminho para seguir a Jesus e viver seus ensinamentos. Eu preciso manter minha consciência de que dentro de mim existe o amor, pois Deus me amou primeiro (cf. 1Jo 4,19). Com este amor que há dentro de mim sou capacitado a amar meu próximo seguindo o exemplo de Jesus que nos amou até o fim (cf. Jo 13,1). Se ainda não vivi assim, eu preciso começar novamente. 

Nossos Caminhos Não São Caminhos de Deus          

É bom recordarmos que antes de Jesus começar a pregação do Reino (seu ministério), Satanás se aproxima d’Ele para pô-Lo à prova (Mt 4,3). Agora , antes de começar a última etapa de seu caminho, novamente, Satanás, na pessoa de Pedro, se aproxima de Jesus. Praticamente a frase dita por Jesus para Satanás no início de seu ministério: “Vá-te, Satanás” (Mt 4,10) é repetida aqui na última etapa de seu ministério dirigida a Pedro: “Afasta-te de mim, Satanás!” (Mt 16,23). Para Jesus, Pedro é um verdadeiro obstáculo  em seu caminho de fidelidade à vontade do Pai e que na fidelidade inclui a morte na Cruz, mas que terminará na vida, isto é, na ressurreição. Sob a revelação do Pai, Pedro, na sua profissão de fé (Mt 16,16), fez sua total adesão, mas agora se transforma em instrumento de Satanás, em pedra de tropeço no caminho de Jesus. Isto mostra que a revelação dada a Pedro era somente parcial e que ele e os demais discípulos necessitam de revelações posteriores para entender Jesus e sua missão. 

Pedro, que acabou de professar sua fé em Jesus como “Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16), ainda segue o esquema de pensar deste mundo que dá mais valor ao poder, ao dinheiro, à honra e pompa que à simplicidade, à verdade, ao serviço e à humildade. Ele quer este tipo de Deus. Por isso, quando Jesus fez anúncio sobre seu sofrimento e morte, da boca de Pedro saíram estas palavras: “Deus não permita tal coisa, Senhor. Que isso nunca te aconteça!” (v.22). 

Deus não permita tal coisa, Senhor. Que isso nunca te aconteça!”. Esta frase nos mostra que Pedro quer somente uma teologia da graça e da glória, separar Cristo de sua Cruz. Pedro quer vitória sem sofrimento na superação de todas as pedras de tropeço no caminho. Pedro não entende que cada vitória tem sua cruz e cada cruz tem sua história. Atrás de uma vitória sempre tem sua cruz ou suas cruzes. Esta frase nos mostra também que Pedro não havia compreendido ainda em profundidade a pessoa e a missão de Jesus e o significado da morte de Jesus no plano de Deus. Pedro ainda não havia chegado ao fundo do mistério de Cristo que o amor que se dá ao Pai e aos homens deve ser até o extremo, até as últimas conseqüências, até a morte na cruz. A sua fé na messianidade de Jesus é ainda uma fé tradicional, que associa o Messias ao poder e à glória e em nenhum momento ao sofrimento e à morte. As esperanças messiânicas tradicionalmente eram de caráter de glória e de poder. Esperava-se um Messias totalmente político e triunfalista, instaurador da nação. O esquema de pensamento e de viver de Pedro faz parte ainda do esquema de vida dos homens com o espírito mundano. 

Os homens, com o espírito mundano apostam no poder, no domínio, no triunfo, no êxito, pois segundo eles a vida só tem sentido se eles tiverem dinheiro em abundância, se tiverem poder para serem reconhecidos e honrados pelas multidões. O poder mundano sempre atrai o pior e corrompe o bom ou o melhor. Jesus, que tem poder de verdade, sempre aposta na entrega de sua vida a Deus e aos irmãos. Jesus nos garante que a vida só tem sentido quando vivermos no amor, na partilha, no serviço, na solidariedade, na humildade, na simplicidade. Precisamente, a salvação trazida por Jesus para a humanidade não consiste na satisfação de nossos desejos de ter, de poder e de aparecer, mas na pobreza no espírito, no serviço e na humildade (cf. Mt 11,29). Esse é o caminho no qual Deus é amor e pelo qual Jesus deve passar para vencer o mal no homem e para superar as tentanções que desviam Jesus da vontade de Deus.          

Até aqui podemos tirar a seguinte lição: Se formos sinceros, deveremos reconhecer que, no fundo, pensamos e reagimos da mesma maneira que Pedro, de maneira tipicamente conformista: conforme os valores e critérios do mundo e não segundo as palavras e as práticas de Jesus. Em vez de ser luz do mundo e sal da terra nós nos deixamos levar pela vida mundana. Como Pedro, podemos professar nossa fé em Cristo Jesus, mas muitas vezes imediatamente depois disso vivemos negando a mesma fé com o nosso comportamento, opondo-nos com todas as forças e todos os meios, inclusive os da invocação do nome de Deus em vão. Para São Paulo, estas reações são as reações do homem carnal, do homem velho (cf. Rm 7,14ss;8,5ss). Isto quer nos dizer que a nossa fé está sempre submetida às mais diversas tentações.          

Diante da veemente recusa de Pedro, diante da presença do Satanás, Jesus corrigiu Pedro com palavras duríssimas: “Sai da minha frente! Para trás Satanás!” (v.23). A resposta de Jesus é uma resposta indignada porque o que está em jogo é algo de uma importância e de uma gravidade suprema para ele. Quanto maior for perigo, maior também se tornará a bronca/repreensão. Aqui Jesus usa as mesmas palavras que usou para responder à terceira tentação de Satanás no início do seu ministério (cf. Mt 4,10). Agora no fim do seu ministério vem Pedro desempenhando o papel próprio de Satanás ao tentar desviar Jesus de sua missão. Nisso Pedro é a encarnação do Adversário (Satanás). Opor-se à vontade de Deus e, em última análise, ser agente de satanás, é fazer o jogo de Satanás. Por isso, Jesus dá a Pedro a mesma resposta que dera ao Tentador no deserto. Quem não vive os ensinamentos de Jesus, mais adiante acabará desempenhando o papel de satanás para si e para os demais ao seu redor.          

Sai da minha frente! Para trás, Satanás!” (v.23). “Volta para teu lugar, atrás de mim, Satanás!”. “Atrás de mim!” indica mais que mandato; expressa o amor de Jesus a Pedro, um amor que aqui tem um objetivo muito precioso:  arrancar Pedro das garras do Satanás para assumir a responsabilidade como seguidor de Jesus Cristo e para pôr Pedro sob a vontade do Pai a exemplo de Jesus. Somente permanecendo “atrás de Jesus”, isto é, em atitude de discípulo, pode-se entrar nos pensamentos de Deus e entender as palavras de Jesus. Quem “pensa como os homens e não como Deus” está do lado do Satanás e não pode caminhar para a salvação. E isto é válido para todos os discípulos, para todos os cristãos.

Jesus indica a Pedro que ele é apenas um seguidor. Por isso, seu lugar não é na frente, mas detrás de Jesus, no seguimento de Jesus. A palavra “seguir” já indica o lugar atrás de quem é guia ou mestre. A pretensão de Pedro de se colocar na frente é desmarcada por Jesus. E esta pretensão é considerada como um jogo do adversário (satanás). Com isso, Pedro se torna pedra de tropeço no caminho de Jesus. Por isso, essas palavras servem como convite para Pedro para que ele volte a ocupar o lugar do discípulo, a trilhar os passos marcados por Jesus. Porque ficar na frente de Jesus significa obstaculizar o caminho de Jesus. Por trás das palavras de Jesus está o texto de Is 55,8: “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são os meus caminhos”.         

Vamos nos perguntar e vamos verificar nossa consciência: quantas vezes desempenhamos o papel de Satanás na nossa vida e na nossa comunidade, como por exemplo: levar alguém a pecar, a ser desonesto, a roubar, a levantar o falso testemunho, a trair, a não dar espaço para os outros para crescer junto, e assim por diante. “Satã/Satanás originalmente significa “estorvo”, “interferência”, “oposição”. Satã/Satanás equivale a “oponente”, “adversário”, “inimigo” no campo de batalha. 

Em segundo lugar, para estarmos bem com Deus e com os outros, devemos saber o nosso lugar e nosso papel ou função em nosso lugar. Qual é o meu lugar? Qual é minha função ou meu papel? Se eu não souber meu lugar nem ocupar o meu lugar, alguém vai me colocar onde eu não devia estar. Se você é uma mãe ou pai, seja mãe ou pai, se é cristão, seja cristão o seu comportamento, se é aluno ou estudante, estude cada vez mais e assim por diante. “A paz de todas as coisas é a tranquilidade da ordem” (Santo Agostinho: De civ. Dei 19,13,1) onde cada um ocupa seu próprio lugar e desempenha fielmente sua função.          

Pedro e cada um de nós temos de nos converter sempre de novo, dar uma virada, um novo começo para que o caminho de nossa vida seja o de Deus e não o nosso, assim encontraremos a nossa felicidade e paz. Temos que mudar sempre o nosso modo de pensar (metanoia) para que os nossos pensamentos não sejam os nossos mas os de Deus, assim enxergaremos bem o nosso caminho e resolveremos melhor os nossos problemas. Enfim, no silêncio de nossas orações e reflexões, temos que buscar sempre de novo qual é a vontade de Deus em nossas vidas e praticá-la. Se nos chamamos de cristãos, devemos então, imitar a vida de Jesus. A vida de Jesus foi nutrida da vontade de Deus. Ele disse: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir a sua obra” (Jo 4,32).          

Se perseverarmos no amor de Jesus, no seu seguimento, nas suas exigências, passo a passo e dia a dia, acabaremos compreendendo o mistério de sua pessoa e de sua missão e optando pela comunhão de destino com ele e acabaremos também descobrindo e compreendendo a nossa verdadeira identidade. E quem opta por seguir a Jesus encontra um centro para sua vida fora de si mesmo.  Não gira mais em torno do próprio “Eu”, dos gostos individuais e dos próprios interesses e das vantagens pessoais. Mas o centro de sua vida está doravante na vontade de Deus manifestada para ele na pessoa e na missão de Jesus Cristo. Quando Deus se torna centro, o cristão se torna bom e correto consigo mesmo e com os outros. 

As Condições Para Seguir a Jesus          

As exigências do seguimento de Jesus são repetidas seis vezes com variantes maiores e menores nos quatro evangelhos (Mt 16,24ss; Mc 8,34ss; Lc 9,23s; Jo 12,24ss; Lc 14,27; Mt 10,38s). Essa repetição nos indica a importância dada pela Igreja dos apóstolos a essas exigências.          

Ao apresentar aos discípulos as condições do seguimento, Jesus não impõe, mas propõe: “Se alguém quer...” O seguimento não é uma imposição. Todos têm a liberdade de aceitar ou de recusar. Mas quem quer seguir verdadeiramente a Jesus, tem que assumir as exigências postas por ele. Tudo tem que ser tomado na base da liberdade, da obediência da fé e por amor.          

A primeira condição é a renúncia: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo...” (v.24a). 

Renunciar a si mesmo não significa uma resignação cansada diante da vida nem uma “entrega dos pontos” nem por falta de opções. Antes de tudo significa a libertação da própria liberdade dos egoísmos a que estava atada e que agora se entrega inteiramente a Deus. 

O seguidor é chamado a não colocar o próprio eu no centro do próprio interesse. O centro de sua vida está doravante na vontade de Deus que salva, manifestada para ele na pessoa e na missão de Jesus Cristo. E esta entrega tem de ser livre para poder ser feita na alegria, no entusiasmo e na generosidade. O seguidor é chamado à renúncia, a arriscar a própria vida, porque só assim poderá, como Cristo, chegar à glória que é a meta de todo caminho da cruz. Mas toda renúncia deve ter como base o amor. O sacrifício, a renúncia de si mesmo que não seja animado pelo amor, que não seja uma manifestação de amor, uma expressão de doação de si mesmo, que não leve à comunhão com os outros é apenas uma tortura auto-infligida. A renúncia que Jesus pede não é uma ação negativa. Ele pede amor, doação de si mesmo. Tudo tem que ser feito por amor. Sem o amor, viveremos uma vida dupla. E este tipo de vida, não traz a alegria verdadeira nem para si nem para os outros. 

O discípulo de Jesus não pode viver fazendo opções egoístas, colocando em primeiro lugar os seus interesses, os seus esquemas, aquilo que é melhor para ele; mas tem de colocar a sua vida ao serviço do bem e fazer de sua vida um dom de amor aos irmãos, se for necessário até à morte. Foi esse, de fato, o caminho de Jesus; e o discípulo é convidado a imitar o mestre.         

A segunda condição é o “carregar a sua cruz” (v.24b). “Carregar a cruz” é uma expressão que os primeiros cristãos utilizaram muito para expressar sua união com Jesus na sua morte e ressurreição. É uma expressão relacionada ao mistério pascal de Jesus Cristo.

Ao seguir a Jesus ficamos frente a frente com a cruz: a cruz da contrariedade, a cruz da injustiça, a cruz da desonestidade, a cruz da perda de um inocente, a cruz da corrupção e assim por diante. E Jesus continua nos chamando a caminhar atrás dele vivendo uma vida honesta, justa, fraterna no amor. A cruz nos convida a nos deixarmos contagiar pelo amor. Quem carrega a cruz com amor, une-se a Cristo. Quem a carrega sem amor, encontra-se com condenação. 

Simplesmente “carregar a cruz” atrás de Jesus é tomar a sério a vida cotidiana mantendo os valores evangélicos sem pospor a interesses contrários ainda que afetem seres queridos como os próprios pais ou filhos. Nenhum membro de uma verdadeira família compactua com a maldade de outro membro da mesma. Carregar a cruz e seguir ao Senhor deve ser uma honra, um orgulho e dever para o cristão que quer corresponder generosamente ao amor que Deus nos manifestou.

Jesus pede ao seguidor o esvaziamento total de si mesmo, até a morte física, se for preciso. Quem não tiver esta disponibilidade, ainda não é verdadeiramente seguidor de Cristo. Todo aquele que quer seguir a Jesus incondicionalmente deve estar pronto para percorrer todos os passos da Paixão, pois o “mundo” tenta crucificar e eliminar os seguidores de Cristo por todos os meios, como aconteceu com Jesus.          

Depois dessas condições, Jesus mostra os motivos em forma de ditos paradoxais.          

Em primeiro lugar Jesus afirma que quem busca egoisticamente, a todo custo, usando quaisquer meios, aproveitar, gozar e conservar a própria vida, acaba desperdiçando-a e perdendo-a (v.25). Querer guardar para si a própria vida é o caminho mais seguro para perdê-la. Pelo contrário, quem vive em função do serviço desinteressado aos outros na bondade e no amor, ele acaba encontrando a vida na sua plenitude, acaba ganhando a vida eterna. A vida só se encontra, doando-a. O próprio Jesus é o exemplo desta doação. Ele se doou até o fim a Deus e aos homens. O homem muitas vezes somente dá um pouco de sua vida. O verdadeiro cristão se doa tudo por amor.          

No v. 26 Jesus repete o paradoxo anterior: “De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?”. 

Possuir os bens deste mundo não seria um mal em si mesmo, mas torna-se o maior dos males quando, por causa de tais posses, o cristão é impedido de seguir a Cristo. Jesus, certamente, rejeitou o “mundo inteiro” que o Tentador lhe oferecera, pois o preço da oferta era a idolatria (Mt 4,8s). “Desapeguemos o coração de todas as criaturas. Quem está agarrado a alguma coisa da terra, ainda que mínima, nunca poderá voar e unir-se todo a Deus” (S. Afonso de Ligório). Ainda que alguém ganhasse o mundo inteiro (riqueza, glória, poder), a vida é efêmera. Na ótica da fé, todas as riquezas do mundo são insignificantes quando o que está em jogo é a vida em plenitude (eterna) que Jesus oferece aos que o seguem.          

O fundamento último da nossa opção pelo seguimento incondicional de Cristo é a certeza, dada pela fé, de que o Filho do Homem virá um dia na sua glória (v.27). Ele terá a última palavra sobre o homem. Essa palavra será uma palavra de graça para quem segue a Jesus incondicionalmente. O juízo final torna-se, então, a medida para avaliar a existência histórica e ao mesmo tempo a bússola que orienta a vida do cristão nas escolhas justas e sensatas nesta vida diariamente. Quem seguir a Jesus e viver seus ensinamentos, terá uma vida com um final feliz. 

Para ser seus discípulos, Jesus não nos pede que cumpramos os mandamentos, ou que sejamos bons. Tudo isso é necessário. Ser discípulo de Jesus não é somente ser bom, pois todos tem que sê-lo independentemente de ser ou de não ser cristão. Ser discípulo de Jesus é ser diferente, por ser disponível e pronto para renunciar a tudo pelo valor superior para o bem de todos. Ser cristão é sério e difícil. Por isso, muitos caminham com Jesus, mas poucos chegam a ser discípulos. Muitos são admiradores de Cristo, mas poucos são seus seguidores. Será que somos seguidores do Senhor ou somente seus admiradores? Afinal, qual é nosso esquema de viver: o de Jesus ou o do mundo?

P. Vitus Gustama,svd


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