quinta-feira, 5 de outubro de 2023

XXVII Domingo Comum "A", 08/10/2023

UM DEUS QUE NOS AMA ATÉ O FIM E DE NÓS ESPERA BONS FRUTOS

XXVII DOMINGO DO TEMPO COMUMM “A”

I Leitura: Is 5,1-7

1 Vou cantar para o meu amado o cântico da vinha de um amigo meu: Um amigo meu possuía uma vinha em fértil encosta. 2 Cercou-a, limpou-a de pedras, plantou videiras escolhidas, edificou uma torre no meio e construiu um lagar; esperava que ela produzisse uvas boas, mas produziu uvas selvagens. 3 Agora, habitantes de Jerusalém e cidadãos de Judá, julgai a minha situação e a de minha vinha. 4 O que poderia eu ter feito a mais por minha vinha e não fiz? Eu contava com uvas de verdade, mas por que produziu ela uvas selvagens? 5 Pois agora vou mostrar-vos o que farei com minha vinha: vou desmanchar a cerca, e ela será devastada; vou derrubar o muro, e ela será pisoteada. 6 Vou deixá-la inculta e selvagem: ela não será podada nem lavrada, espinhos e sarças tomarão conta dela; não deixarei as nuvens derramar a chuva sobre ela. 7 Pois bem, a vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e o povo de Judá, sua dileta plantação; eu esperava deles frutos de justiça — e eis a injustiça; esperava obras de bondade — e eis a iniquidade.

II Leitura: Fl 4,6-9

Irmãos: 6 Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças. 7 E a paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento, guardará os vossos corações e pensamentos em Cristo Jesus. 8 Quanto ao mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor. 9 Praticai o que aprendestes e recebestes de mim, ou que de mim vistes e ouvistes. Assim, o Deus da paz estará convosco.

Evangelho: Mt 21,33-43

Naquele tempo, Jesus disse aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo: 33 “Escutai esta outra parábola: Certo proprietário plantou uma vinha, pôs uma cerca em volta, fez nela um lagar para esmagar as uvas, e construiu uma torre de guarda. Depois, arrendou-a a vinhateiros, e viajou para o estrangeiro. 34 Quando chegou o tempo da colheita, o proprietário mandou seus empregados aos vinhateiros para receber seus frutos. 35 Os vinhateiros, porém, agarraram os empregados, espancaram a um, mataram a outro, e ao terceiro apedrejaram. 36 O proprietário mandou de novo outros empregados, em maior número do que os primeiros. Mas eles os trataram da mesma forma. 37 Finalmente, o proprietário enviou-lhes o seu filho, pensando: ‘Ao meu filho eles vão respeitar’. 38 Os vinhateiros, porém, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro. Vinde, vamos matá-lo e tomar posse da sua herança!’ 39 Então agarraram o filho, jogaram-no para fora da vinha e o mataram. 40 Pois bem, quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros?” 41 Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: “Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo”. 42 Então Jesus lhes disse: “Vós nunca lestes nas Escrituras: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; isto foi feito pelo Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos?’ 43 Por isso, eu vos digo: o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos”.          

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A parábola dos vinhateiros homicidas é uma versão atualizada do cântico da vinha de Is 5,1-7 que lemos na Primeira Leitura, onde o dono é Deus, e a vinha, Israel. 

Vinha/videira é símbolo de abundância e de vida. No campo do simbolismo judaico e cristão, a vinha/videira tem um valor simbólico multifacetado. A vinha e a plantação de uvas eram imagem bíblica para dizer o povo eleito. Ou seja, a vinha era considerada imagem do povo de Israel (Is 5,7; Jr 2,21; Os 10,1), com o qual Deus tem bastante cuidado. A imagem da vinha aplicada ao povo se encontra bastantes vezes no Antigo Testamento (Is 3,14; 27,2-5; Jr 2,21; 12,10; Ez 17,6; etc.). Expressava bem a aliança de Deus com seu povo por amor, aliança comparada com a união conjugal (Cf. Os 1,6-14; 2,14; 8,12).  Neste contexto, a vinha é sinal que comprova o amor de Deus que une o céu e a terra. Deus espera da vinha uvas boas, mas são produzidas uvas selvagens. Deus quer que o povo correponda ao amor que Deus tem por ele através da prárica do amor com os demais. Além disso, já no Antigo Testamento (AT) o próprio Messias foi comparado a uma videira. No NT Cristo comparou-se à verdadeira videira (Jo 15,1-5). 

O ponto alto da simbologia da vinha encontramos na parábola de Jesus que lemos no texto do evangelho deste domingo (Mt 21,33-43). O filho do dono da vinha é o Filho de Deus (Jesus Cristo). Mas Jesus não é apenas Filho de Deus, mas também “o” Filho do Homem. Por ser  “Filho do Homem”, no seu discurso de despedida (Jo 13-17), Jesus Cristo pode falar de si mesmo: “Eu sou a verdadeira videira e meu Pai é o agricultor” (Jo 15,1). E aos discípulos disse: “Eu sou a verdadeira videira e vós os ramos” (Jo 15,5). Segundo Cirilo de Jerusalém, pelo Batismo, o homem se torna parte da videira; quem permanecer na fé, “crescerá como ramo da videira que produz frutos”. 

A parábola dos vinhateiros homicidas constitui um compêndio ou síntese de toda a história da salvaçã desde a Aliança do Sinai até a fundação da Igreja por Jesus como novo Povo de Deus (cf. Mt 16,18-19), passando pelos profetas e pela pessoa de Cristo que anunciou o Reino de Deus e que foi constituído pedra angular de todo plano salvador de Deus (cf. Mt 21,42 mediante seu mistério pascal: paixão, morte e ressurreição).          

Os profetas comparavam Israel a uma vinha que pertencia a Deus (cf. Is 5,1-7). Na parábola, o dono da vinha é Deus. A vinha é manifestamente Israel. Os vinhateiros representam os maus líderes religiosos (os fariseus, sacerdotes e os escribas etc. na época), cuja responsabilidade era a de cultivar a fé do povo. Os servos enviados eram todos os mensageiros (profetas) que Deus tinha enviado a Israel para que se convertesse. O filho do dono representou Jesus Cristo. A rejeição e a matança recorda a maneira com que Israel (os responsáveis) tratava estes mensageiros de Deus (cf. 2Cr 24,20-22;36,15-16). A punição dos vinhateiros figura a rejeição de Israel. O “outro povo” (Mt 21,43) é a Igreja dos pagãos.           

Ao contar a parábola dos vinhateiros homicidas, o próprio Jesus quer preanunciar seu fim trágico representado pelo filho assassinado nesta parábola. Jesus mais do que um profeta, ele é o Filho de Deus enviado ao mundo, e Jesus está consciente plenamente disso. A sua missão é o gesto salvífico extremo e decidido do Pai. 

Mas a morte de Jesus não é o fim de tudo. De fato, ele ressuscitou. O fim trágico prepara um lugar para a celebração da glória do Ressuscitado. A Igreja cristã primitiva, como a Igreja cristã em todos os tempos e lugares, encontrou, como encontra, nesta parábola um motivo para confessar a sua fé no Senhor Jesus que triunfou sobre a morte e por isso, ele oferece à Igreja uma esperança certa que é ele mesmo. A nossa vida, a partir de Jesus ressuscitado, tem futuro. O mundo, por isso, deve saber que não estamos condenados a um fim sem sentido.          

Matando Jesus, os líderes selam seu próprio fim, pois Deus tirou a vinha (o Reino) de Israel e a entrega a um povo (ethnos) que produza frutos, isto é, um povo que crê em Jesus vivendo como irmãos. 

A parábola termina com uma pergunta dirigida aos ouvintes: “Quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros?”. 

A resposta a esta pergunta se encontra em dois acontecimentos: a ressurreição de Jesus e o nascimento da Igreja cristã. 

Diante do desprezo da pessoa de Jesus feito pelos líderes da época, a resposta dada por Deus é a ressurreição de Jesus. A ressurreição de Jesus mostra que ele estava com a verdade. O tempo eterniza o que é certo e verdadeiro. O mal não eterniza nada. O mal não tem futuro mesmo que tenha uma aparência poderosa. 

Mas em Mateus, o ponto mais importante da parábola não está na morte e ressurreição de Jesus, e sim na razão do ser da Igreja. Com esta parábola, o evangelista Mateus nos pretende explicar a ruptura entre o judaísmo e a Igreja cristã. Mas o evangelista não somente quer parar na ruptura ou no surgimento da Igreja cristã, mas ele vai além: ele quer alertar a sua comunidade para não ficar no comodismo espiritual e na autocomplacência. A comunidade, e especialmente as autoridades na comunidade/Igreja, devem se esforçar permanentemente para produzir bons frutos na convivência que são próprios do Reino: a justiça, a igualdade, o amor fraterno, o perdão mútuo, a correção fraterna, prudência, e assim por diante.Jesus diz que a verdadeira autoridade é quando se faz o serviço, é servir, e não explorar os outros. A vinha é do Senhor, não nossa. A autoridade é um serviço, e como tal deve ser exercida, para o bem de todos e para difusão do Evangelho. É terrível ver quando na Igreja as pessoas que têm autoridade procuram os próprios interesses” (Papa Frnacisco: Ângelus. Domingo, 4 de outubro de 2020). 

A exigência da produção dos bons frutos está bem resumida nas palavras de São Paulo que lemos na Segunda Leitura: “Irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor. Praticai o que aprendestes e recebestes de mim, ou que de mim vistes e ouvistes. Assim, o Deus da paz estará convosco(Fl 4,8-9). É preciso ter uma conduta leal nas relações com o outro (2Cor 6,8). É ocupar-se com tudo que é verdadeiro. É necessário manter a boa reputação na convivência (1Tm 3,8-11). Trata-se de ser respeitável. É preciso viver no equilíbrio das relações humanas (Fl 1,7; Ef 6,1). Isto se chama viver na justiça segundo São Paulo, além de viver na pureza e na amabilidade para ter uma convivência fraterna. É a atitude de cada um de nós.

A parábola quer nos falar também da confiança que Deus tem em cada um de nós. O Deus revelado por Jesus, nesta parábola é Aquele que confia totalmente no homem. Este Deus não fica policiando se o homem faz ou não faz sua missão, porque ele acredita na capacidade que o homem tem. Por isso, o texto diz: “O proprietário arrendou uma vinha a vinhateiros e viajou para o estrangeiro” (Mt 21,33). Deus acredita na capacidade que cada homem tem para produzir algo de bom durante a passagem nesta vida. Para isso é que Ele criou cada homem e o colocou aqui neste mundo. Cada tarefa ou missão que o homem recebe é a tarefa ou missão dada por Deus. Nosso dom é nossa missão; nossa missão é nossa vida aqui na terra. É bom cada um descobrir a própria missão dada por Deus através dos dons recebidos de Deus. Merece cada um fazer esta pergunta: “Qual é a missão que recebi de Deus durante a minha vida neste mundo?”. “Será que acredito no Deus que acredita em mim?”. “Deus não condena quem não pode fazer o que quer, mas quem não quer fazer o que pode”, dizia Santo Agostinho (Serm.54,2). 

Deus não só acredita em cada um de nós para cumprir a missão, mas também dá todos os meios para facilitar o cumprimento da missão dada. Por isso o texto diz: “O proprietário pôs uma cerca em volta da vinha, fez nela um lagar para esmagar as uvas e construiu uma torre de guarda. Depois, arrendou a vinha a vinhateiros(Mt 21,33). 

A parábola dos vinheteiros homicidas quer nos dizer também que Deus é o Senhor absoluto da história. Contra todas as infidelidades do seu povo, Deus persiste no seu plano de conduzir a humanidade para uma conversão e para uma descoberta de sua vocação de produzir o que é bom para a convivência a partir dos dons recebidos de Deus. Deus não se cansa de enviar seus mensageiros para o bme da humanidade. A persistência de Deus para nos conduzir para a convesão transforma nossa história em história da salvação. Eu sou salvo porque Deus me ama e me perdoa. Nossas infidelidades não impedem o amor de Deus de chegar até nós. Após cada castigo e grave sofrimento como consequência do pecado, a vitória final será da graça e do perdão de Deus quando nós decidirmos voltar para Deus e quando começarmos a praticar o bem. Deus que se revela como o único Santo e misericordioso, sempre denuncia o pecado e o ódio, julga o pecador, condena o impenitente, mas acolhe quem se converte, idependentemente da gravidade do pecado cometido (cf. Lc 23,42-43). A parábola dos vinhateiros homicidas é de uma tremenda seriedade. No fim, haverá a vitória da graça de Deus para os que hão de produzir os frutos do Reino. 

Portanto, tanto o “canto da vinha” do livro de Isaías como a parábola do Evangelho apresentam-nos um retrato fiel da nossa vida, das nossas relações com Deus e com a realidade que nos rodeia. Se lermos com atenção o cântico da vinha do profeta Isaías (Primeira Leitura), e se ouvirmos com seriedade a parábola de hoje, descobrimos que se trata de nós mesmos, da nossa própria história que consiste em ter recebido de Deus uma série de possibilidades das quais não soubemos aproveitar. Isto nos leva a um ponto que cada um deve resolver pessoalmente. Estamos diante de Deus e devemos responder com ação, com fidelidade, com gratidão. Devemos administrar o que é dado. Primeiro temos que valorizá-lo, depois saber gastá-lo generosamente. 

Se meditarmos seriamente a parábola dos vinhateiros homicidas e o fim da vida dos vinhateiros que nada de bom produziram, seremos capazes de dizer profundamente: “Senhor, tende pidedade de nós, pois até agora produzimos muito pouco de bom para a convivência e para Sua Igreja!”. 

Portanto, “Quanto ao mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor.... Assim, o Deus da paz estará convosco (Fl 4,8-9).

P. Vitus Gustama,SVD

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