quarta-feira, 31 de julho de 2024

03/08/2024-Sábado da XVII Semana Comum

SER PROFETA E MÁRTIR DA VERDADE

Sábado da XVII Semana Comum

Primeira Leitura: Jr 26,11-16.24

Naqueles dias, 11 os sacedotes e profetas dirigiram-se aos chefes e a todo o povo, dizendo: “Este homem foi julgado réu de morte, porque profetizou contra esta cidade, como ouvistes com vossos ouvidos”. 12 Disse Jeremias aos dignitários e a todo o povo: “O Senhor incumbiu-me de profetizar para esta casa e para esta cidade através de todas as palavras que ouvistes. 13 Agora, portanto, tratai de emendar a vossa vida e as obras, ouvi a voz do Senhor, vosso Deus, que ele voltará atrás da decisão que tomou contra vós. 14 Eu estou aqui, em vossas mãos, fazei de mim o que vos parecer conveniente e justo, 15 mas ficai sabendo que, se me derdes a morte, tereis derramado sangue inocente contra vós mesmos e contra esta cidade e seus habitantes, pois em verdade o Senhor enviou-me a vós para falar tudo isso a vossos ouvidos”. 16 Os chefes e o povo em geral disseram aos sacerdotes e profetas: “Este homem não merece ser condenado à morte; ele falou-nos em nome do Senhor, nosso Deus”. 24 Jeremias passou a ter proteção de Aicam, filho de Safã, para não cair nas mãos do povo e evitar ser morto.

Evangelho: Mt 14,1-12

1 Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos do governador Herodes. 2 Ele disse a seus servidores: “É João Batista, que ressuscitou dos mortos; e, por isso, os poderes mira­culosos atuam nele”. 3 De fato, Herodes tinha mandado prender João, amarrá-lo e colocá-lo na prisão, por causa de Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe. 4 Pois João tinha dito a Herodes: “Não te é permitido tê-la como esposa”. 5 Herodes queria matar João, mas tinha medo do povo, que o considerava como profeta. 6 Por ocasião do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades dançou diante de todos, e agradou tanto a He­ro­des 7 que ele prometeu, com juramento, dar a ela tudo o que pedisse. 8 Instigada pela mãe, ela disse: “Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista”. 9 O rei ficou triste, mas, por causa do juramento diante dos convidados, ordenou que atendessem o pedido dela. 10 E mandou cortar a cabeça de João, no cárcere. 11 Depois a cabeça foi trazida num prato, entregue à moça e esta a levou a sua mãe. 12 Os discípulos de João foram buscar o corpo e o enterraram. Depois foram contar tudo a Jesus.

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Viver Conforme a Palavra De Deus

Os sacerdotes e profetas dirigiram-se aos chefes e a todo o povo, dizendo: ‘Este homem foi julgado réu de morte, porque profetizou contra esta cidade, como ouvistes com vossos ouvidos’. Os chefes e o povo em geral disseram aos sacerdotes e profetas: ‘Este homem não merece ser condenado à morte; ele falou-nos em nome do Senhor, nosso Deus’”. É a condenação e a proteção do profeta Jeremias ao mesmo tempo.

Este homem foi julgado réu de morte, porque profetizou contra esta cidade, como ouvistes com vossos ouvidos”. É surpreendente a correspondência dessa cena e o processo da condenação de Jesus. Jeremias é figura de Jesus Cristo. Todo homem que sofre pela justiça participa, em certa maneira desse mesmo mistério: a Paixão de Jesus continua nos que sofrem pela justiça vivida e anunciada. São Paulo escreveu: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24).

“Este homem não merece ser condenado à morte; ele falou-nos em nome do Senhor, nosso Deus’” é a defesa que os chefes e o povo geral fazem em favor do profeta Jeremias. São representantes dos que defendem a verdade e vivem na sinceridade de coração.

Jeremias havia convidado o povo de Deus à conversão. Ele havia indicado que um culto dado a Deus com as mãos manchadas pelos crimes e maldades era culto vazio, do qual Deus retirava seu olhar. Ele havia indicado a necessidade de voltar para Deus antes que a cidade e o templo fossem destruídos a causa da maldade de seus habitantes, de suas autoridades e dos sacerdotes. Sem a conversão sincera do povo todo o que se espera é apenas a desgraça segundo o profeta Jeremias. E a tentativa de assassinar o profeta que anuncia a Palavra de Deus significa estar contra o próprio Deus. E o sangue do inocente (profeta) clamará diante de Deus como aconteceu com o sangue do inocente Abel assassinado pelo próprio irmão, Caim (Gn 4,10-11).

O Senhor nos convida a abrirmos nosso coração, através de uma conversão sincera, para que Aquele que é a Palavra encarnada, Jesus Cristo, realmente possa habitar em nós. Quem recusa o convite para uma sincera conversão, prepara a própria desgraça, isto é, uma vida sem a graça de Deus e põe em risco a própria salvação. No sangue de Cristo encontramos a salvação.

Somos Convidados a Ser Testemunhas Da Verdade a Exemplo de João Batista 

Na passagem do Evangelho deste dia fala-se da identidade de Jesus, relacionada à de João Batista. O motivo dessa colocação é sempre o mesmo: para entender Jesus há que entender antes quem é João Batista, pois João Batista é o Precursor de Jesus. O destino de João Batista preanuncia o de Jesus.

O evangelho nos relatou que a fama de Jesus estava cada vez mais espalhada ao seu redor. Por isso chegou também aos ouvidos de Herodes que já tinha mandado decapitar João Batista. A presença e a fama de Jesus incomodam a consciência de Herodes: “É João Batista, que ressuscitou dos mortos; e, por isso, os poderes miraculosos atuam nele”, pensou Herodes. Herodes que já tinha mandado decapitar João Batista, por instigação de Herodiades, ficou sem a consciência tranquila. 

A partir da reação de Herodes é que se conta o drama da vida de João Batista que denunciou Herodes por ter se casada com Herodíades, ex-mulher de seu irmão, pois era proibido pela Lei (cf. Lv 18,16). 

A adúltera Herodíades não gostou da denúncia de João Batista em nome de seu prazer e interesse pessoal, e procurava algum meio para surpreender João Batista e esperava momento certo para vingar-se. Quando chegou o momento oportuno ela pediu, através de sua filha (como meio), a cabeça de João Batista (vingança).

Herodes ouve com agrado João Batista, mas não lhe obedece. Seu coração está dividido. Herodes ouve João Batista, e sua consciência desperta em lucidez. Mas Herodes também ouve Herodíades, sua amante, e se embriaga em paixão. Herodes vive entre a lucidez e a paixão. O coração de Herodes é dividido. Do coração dividido de Herodes nasce a morte de João Batista. De seu coração dividido sai a divisão entre a cabeça e o corpo de João Batista numa degolação. Quando a verdade não é respeitada, tudo se torna válido. Quando a mentira é substituida pela mentira, haverá muitas vítimas. “Os que não querem ser vencidos pela verdade, serão vencidos pelo erro. As pessoas costumam amar a verdade quando esta as ilumina, porém tendem a odiá-la quando as confronta” (Santo Agostinho). “Não se opor ao erro é aprová-lo. Não defender a verdade é negá-la. Levar os homens à verdade é o maior benefício que se pode prestar aos outros” (Santo Tomás de Aquino). Incapaz de obedecer à verdade, mas somente obedecer ao poder, Herodes mata um inocente, o profeta de Deus: João Batista Incapaz de escutar o homem de Deus, Herodes silencia para sempre a voz de João Batista. Incapaz de segui-lo, Herodes detém João Batista na cadeia para depois encerrar sua vida com uma espada. Quando não se respeita a verdade, quando não se vive a caridade fraterna, o número de vítimas de violência e de agressão aumentarão cada vez mais. Os inocentes são , na maioria, sempre vítimas disso tudo. 

João Batista é o último profeta do Antigo Testamento. Ele enfrenta abertamente os governantes da nação para chamá-los à mudança e para exigir um comportamento ético. O deserto, lugar de sua pregação, é símbolo de sua oposição à cidade e ao templo. Ele quer reviver a experiência do êxodo e recordar seu povo que o destino depende completamente da fidelidade a Deus. No entanto, como qualquer profeta, João Batista pagou o preço alto de sua denúncia: a própria vida. Herodes, ainda que tivesse respeito pelo João Batista, se submeteu diante das pressões da adúltera Herodíades que pediu a cabeça de João Batista. 

A morte de João Batista antecipa a morte de Jesus como mártir. Ambos são encarcerados injustamente, ambos rubricam com seu sangue a verdade de Deus. Jesus espera o mesmo destino de João Batista. Um profeta autêntico não é somente recusado em sua própria pátria (cf. Mt 13,57), mas também essa recusa termina, muitas vezes, com sua morte. 

A denúncia de João Batista nos mostra que o Evangelho não é neutro. Diante de certos grandes problemas, o Evangelho toma posição com o risco de conduzir os crentes para o martírio pelo fato de defender a verdade, a justiça, a honestidade e assim por diante. 

A figura de João Batista é admirável em sua coerência, na lucidez de sua pregação e de suas denúncias. João Batista é valente e comprometido. Diz a verdade ainda que desagrade. É figura também de tantos cristãos que morreram vítimas da intolerância pelo testemunho que davam contra situações injustas e insuportáveis do ponto de vista da justiça e da honestidade. Os “profetas mudos” prosperam, mas os autênticos terminam pagando tudo com a própria vida. 

A verdade continua sendo a verdade, embora o pregador da verdade possa ser eliminado por aqueles que vivem na mentira e na falsidade. E por isso é que a verdade não pode ser eliminada ou enterrada. O tempo vai mostrar que a verdade vencerá tudo e todos. 

Toda vez que celebramos o martírio de um discípulo de Cristo tocamos o próprio núcleo de nossa fé. A Igreja de Cristo é a Igreja dos profetas e dos mártires. Por ser profeta o cristão se torna mártir, isto é, aquele que testemunha a verdade e paga com seu sangue a verdade proclamada. A função profética é uma das funções de qualquer batizado. No dia em que é ungido com o óleo de crisma no momento de seu batismo, o cristão recebe as três funções: profética, sacerdotal e real. Ele é batizado para proclamar a verdade, praticar o bem e não para compactuar o mal e a maldade. O cristão se santifica vivendo de acordo com a verdade e o bem. Ele vive e prega os valores do Evangelho como a verdade, a honestidade, a justiça, a caridade, a solidariedade, partilha, igualdade e assim por diante.

Mas o que acontece é que estamos tão acostumados com o comodismo. Muitas vezes nos sentimos instalados comodamente no acampamento capitalista ou nas avenidas do hedonismo. Ninguém vai nos perseguir se não vivermos nosso martírio, nosso verdadeiro testemunho dos valores ensinados por Jesus Cristo.

A vida do cristão deve ser iluminada e conduzida pela verdade. A vida iluminada pela verdade ameaça quem está na sombra da desonestidade, da corrupção e da falsidade, e este reage violentamente diante da verdade em nome da defesa dos seus interesses e prazeres individuais. Toda vez que os cristãos se arriscarem para adentrar-se nos territórios obscuros, eles vão pagar o preço com sua própria vida, como João Batista. Toda vez que a Igreja abrir a boca contra a injustiça, a desonestidade, a corrupção, a exploração do ser humano, ela será perseguida. Mas dar a vida é a única maneira de dar vida. Ser verdadeira Igreja de Cristo não dá para parar de sofrer enquanto ela viver seu verdadeiro martírio, seu profundo testemunho de valores. A verdadeira Igreja de Cristo é a Igreja dos mártires, das testemunhas de Cristo. 

Jesus nos diz que devemos ser luz, sal e fermento deste mundo (cf. Mt 5,13-14). Ou seja, profetas. Ser cristão é estar disposto a tudo. Profetas são os que interpretam e vivem as realidades deste mundo a partir da perspectiva de Deus e denunciam quando há injustiça ou desonestidade nelas. Ele faz tudo isso não para eliminar os pecadores e sim o pecado, pois o próprio Deus ama o pecador e odeia o pecado. Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta (Ez 18,19-32).

Geralmente não gostamos de escutar as críticas que nos recordam o lado escuro de nossa vida. Sempre temos dificuldade para escutar um profeta. Mas mesmo que não gostemos de ouvir o profeta, suas palavras continuam a conter a verdade e a verdade nos liberta (cf. Jo 8,31-32), e torna nossa vida mais leve e nosso sono mais sadio. Mesmo que eliminemos o profeta, mas suas palavras continuam a ressoar ou a incomodar nossa consciência, como aconteceu com Herodes. Viver na verdade ou de acordo com a verdade, com a justiça, com a desonestidade, etc. é viver na serenidade. 

O Senhor nos reúne em torno d’Ele nas nossas celebrações não para celebrar alguns ritos mágicos e sim para que renovemos diante d’Ele nossa aliança de amor, aliança com a verdade e voltemos a fazer nosso o compromisso de viver e de proclamar Seu Evangelho e construir Seu Reino de amor e de fraternidade entre nós.

Herodes ouvia com agrado João Batista, mas não lhe obedecia. Seu coração estava dividido. Herodes ouvia João Batista que despertava sua consciência, mas, ao mesmo tempo, ouvia Herodíades, sua amante e se embriagava em paixão por ela. Herodes estava entre na encruzilhada entre a lucidez e a paixão cega; entre o prazer mortal e a paz da consciência. Ele estava totalmente dividido. Da divisão de seu coração nasce morte. De sua divisão saiu a divisão entre o corpo e a cabeça de João Batista. Herodes foi incapaz de obedecer ao que pregava a verdade e a salvação, mas o matou; incapaz de escutá-lo, o silenciou para sempre neste mundo; incapaz de segui-lo, mas o deteve na prisão para depois eliminá-lo em nome do prazer passageiro. 

Acontecerá a divisão dentro de nós mesmos e entre nós toda vez que estivermos desunidos de Cristo. E essa divisão pode produzir morte nosso próximo como aconteceu com Herodes. Estamos divididos toda vez que aplaudimos um corrupto, pois fazemos parte da corrupção. Estamos divididos toda vez que admiramos Cristo e seus ensinamentos, no entanto não fazemos caso de tudo isso. Estamos divididos se pregamos uma moral para o uso próprio em nome de nossos prazeres. O caso de Herodes nos chama a sermos vigilantes. Em qualquer momento podemos perder a razão para agir em nome do prazer e da emoção. O espírito de Herodes não morre. 

A respeito da atitude de Herodes, aprendemos uma sabedoria que nos diz: “Não prometa quando você estiver feliz, pois pode ser fatal como aconteceu com Herodes. Não responda quando você estiver com raiva, pois a raiva permite expressão, mas não permite reflexão. E não decida quando você estiver triste”.

P. Vitus Gustama,svd

02/08/2024-Sextaf Da XVII Semana Comum

É PRECISO FICAR ATENTO, POIS DEUS SE MANIFESTA NO COTIDIANO

Sexta-Feira da XVII Semana Comum

Primeira Leitura: Jr 26,1-9

1 No início do reinado de Joaquim, filho de Josias, rei de Judá, foi comunicada da parte do Senhor esta palavra, que dizia: 2 “Assim fala o Senhor: Põe-te de pé no átrio da casa do Senhor e fala a todos os que vêm das cidades de Judá, para adorar o Senhor no templo, todas as palavras que eu te mandei dizer. Não retires uma só palavra; 3 talvez eles as ouçam e voltem do mau caminho, e eu me arrependa da decisão de castigá-los por suas más obras. 4 A eles então dirás: Isto diz o Senhor: Se não vos dispuserdes a viver segundo a lei que vos dei, 5 a escutar as palavras dos meus servos, os profetas, que eu vos tenho enviado com solicitude e para vossa orientação, e que vós não tendes escutado, 6 farei desta casa uma segunda Silo e farei desta uma cidade amaldiçoada por todos os povos da terra”. 7 Os sacerdotes e profetas, e todo o povo presente ouviram Jeremias dizer estas palavras na casa do Senhor. 8 Quando Jeremias acabou de dizer tudo e que o Senhor lhe ordenara falasse a todo o povo, prenderam-no os sacerdotes, os profetas e o povo, dizendo: “Este homem tem que morrer! 9 Por que dizes, em nome do Senhor, a profecia: ‘Esta casa será como Silo, e esta cidade será devastada e vazia de habitantes?’” Todo o povo juntou-se contra Jeremias na casa do Senhor.

Evangelho: Mt 13, 54-58

Naquele tempo, 54 dirigindo-se para a sua terra, Jesus ensinava na sinagoga, de modo que ficavam admirados. E diziam: “De onde lhe vem essa sabedoria e esses milagres? 55 Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria, e seus irmãos não são Tiago, José, Simão e Judas? 56 E suas irmãs não moram conosco? Então, de onde lhe vem tudo isso?” 57 E ficaram escandalizados por causa dele. Jesus, porém, disse: “Um profeta só não é estimado em sua própria pátria e em sua família!” 58 E Jesus não fez ali muitos milagres, porque eles não tinham fé.

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Os Maus Caminhos Terminam Na Desgraça, Os Bons Caminhos Estão Cheios Da Graça e Bênção Do Senhor

O texto da Primeira Leitura se encontra no conjunto de Jr 26,1-35,19. Este conjunto de textos (Jr 26,1-35,19) se situa durante o reinado de Joaquim, rei de Judá (609-597 a.C). Mas a parte central deste conjunto, isto é, Jr 27-29 acontece na época de Sedecias, rei de Judá (597-586 a.C. Cf. 2Rs 24,17ss) contra os falsos  profetas, e já ocorrida a primeira deportação. Neste conjunto, o profeta Jeremias lança suas denúncias contra as autoridades e o povo em geral que não vivem de acordo com a lei de Deus. Apesar de tudo isso, este conjunto termina com uma benção aos Recabitas em Jr 35. Com Jr 26 iniciam-se as reações bem violentas diante do discurso do profeta Jeremias contra o templo, como lemos no texto da Primeira Leitura.

“Se não vos dispuserdes a viver segundo a lei que vos dei, a escutar as palavras dos meus servos, os profetas, que eu vos tenho enviado com solicitude e para vossa orientação, e que vós não tendes escutado, farei desta casa uma segunda Silo e farei desta uma cidade amaldiçoada por todos os povos da terra”, são Palavras de Deus através do profeta Jeremias, que lemos na Primeira Leitura. Deus suspenderá seu julgamento se o povo se arrepender e observar a lei. Isso quer nos dizer que o povo em geral vive fora da Lei.

A cena representa um dos momentos culminantes da vida do profeta Jeremias: diante do povo e das autoridades (o rei Joaquim acaba de subir ao trono), ele anuncia, em nome de Deus que eles devem abandonar seus maus caminhos. Se não o fizerem, Deus permitirá desgraça total e o Templo será destruído, como o de Silo, séculos antes (o templo onde o jovem Samuel havia crescido).

A reação é violenta. Como sempre é diante da voz de um profeta autêntico, que não anuncia coisas agradáveis ​​aos ouvidos do povo ou dos líderes, mas o que Deus lhe impõe em consciência: "você é um prisioneiro da morte!" Assim como, cem anos antes, Deus havia salvado o povo da ameaça de Senaqueribe. Jeremías anuncia que a infidelidade das autoridades e o povo em geral à Aliança foi longe demais.

Como já sabemos que se queremos aprender a melhorar por amor, vamos aprender pela dor para melhorar a qualidade de nossa vida. As palavras do profeta Jeremias são duras para serem ouvidas para quem quer manter na sua vida infidelidade aos valores da lei de Deus. As palavras duras de Jeremias revelam a gravidade do pecado cometido. As palavras duras de uma mãe ou de um pai dirigidas a seu filho e a sua filha, de modo geral, mostram que o perigo para destruir a vida deles (dos filhos) está iminente. Quanto mais grave for uma situação, mais duras se tornam as palavras para uma pessoa que amamos. Deus emite vários alertas sobre o perigo de nossa vida, pois Ele nos ama. Deus usa os profetas para nos avisar e orientar.

Atrás das palavras duras perante o perigo iminente há apelo para a conversão; há apelo para afastar-se do pecado a fim de se aproximar de Deus. O pecado é sempre um afastamento. Com o pecado se estabelecem distâncias: de Deus, do próximo, de si próprio e da natureza. É um abandono de uma vida harmoniosa com tudo e com todos em nome do egoísmo, do prazer ou dos interesses egoístas que aos poucos vai destruindo a vida do pecador. O pecado torna-nos isolados de tudo e de todos. Pecar é ir longe demais de tudo e de todos, como o filho pródigo que termina numa vida destruída. 

A Boa Nova é que Deus tem planos de salvação para todos, quando há conversão. Jeremías coloca em seus lábios alguns propósitos de bondade: "Vamos ver se eles escutam e cada um se desvia de seu mau comportamento e lamento o mal que medito para fazer com eles". Deus não quer, em princípio, punição, mas "converte e vive". A conversão é uma profunda mudança interior que envolve toda a pessoa humana. Uma volta para Deus com todo o coração, a mente e a alma. Afeta a razão e a vontade.

Deus Está No Nosso Cotidiano: Prestemos bem a Atenção Sobre Esta Presença Misteriosa

“‘Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria... Então, de onde lhe vem tudo isso?’. E ficaram escandalizados por causa dele”.

Os conterrâneos de Jesus, os nazarenos, acham conhecer Jesus, mas na verdade eles não O conhecem na sua profundidade. Não há nada que seja tão perigoso do que a pretensão de saber de tudo. Uma pessoa que tem essa pretensão se fecha em si mesma e deixa de aprender. A humildade sempre nos move a aprender mais para poder partilhar com os demais. “Você sabe? Então, ensine. Você não sabe, então, aprenda”, dizia Confúcio que viver quinhentos anos antes de Cristo. Para ter resultados extraordinários precisamos ter humildade para aprender. A falta da humildade impede alguém de aprender mais e de continuar a crescer e impede alguém de ser irmão do outro. A pessoa que se fecha em si se torna conservadora. Todo conservador não tem futuro, pois não aceita qualquer novidade. Ela acha que não tenha mais nada para aprender. Certamente essas pessoas são os familiares de Jesus; são os mais próximos de Jesus.

Tenho medo de que essas pessoas sejamos nós também. Nós que achamos seguidores de Jesus, frequentadores de cultos ou celebrações, mas não queremos andar ou caminhar atrás de Jesus para segui-Lo. A palavra “seguir” supõe movimento, dinâmica, peregrinação. O verdadeiro seguidor é aquele que sempre olha para aquilo que seu Mestre faz, e escuta aquilo que o Mestre diz e ensina. O verdadeiro seguidor é aquele que mantém a mente e coração abertos, disponíveis, e prestes a renunciar tudo para aprender além do que já sabe ou supostamente sabe. Só seguindo atrás de Jesus é que poderemos ver muito mais coisas na vida e entenderemos o significado de cada coisa e acontecimento. Quem vive dentro de quatro paredes vê sempre as mesmas coisas e por isso, não há surpresa nem novidade. Ao sair do quatro para ir à rua, começam as surpresas para sua vida.

Não é ele o filho do carpinteiro?”. Os nazarenos reprovam a origem humilde de Jesus. Para eles, Jesus é nada mais do que um simples filho de um carpinteiro. Por ser filho de um carpinteiro, as palavras de Jesus não valem para eles embora nelas se encontrem toda a verdade. É preciso sabermos distinguir quem fala e o que se fala. Se na fala de alguém, mesmo que não gostamos dele, contiver a verdade, teremos que aceitar essa verdade. Jesus nos deu o seguinte critério: “Observai e fazei tudo o que eles dizem, mas não façais como eles, pois dizem e não fazem” (Mt 23,3). Não podemos estar do lado de ninguém e sim do lado da verdade e do amor. Os nazarenos esperam um Messias cheio de glória e poder; um messias misterioso, celestial e transcendente. Mas Deus não encaixa em nossas ideias estereotipadas. Deus cabe no nosso coração, mas não cabe na nossa cabeça, pois o coração sente aquilo que os olhos não veem. O coração compreende quando a mente se tranquiliza. Além disso, é preciso que ouçamos aquilo que alguém diz e não para aquele que o diz.

Os nazarenos preferem a imagem de Deus que eles têm na cabeça ao próprio Deus. Para eles, Jesus é cotidiano demais para ser Deus. Este é o maior perigo para qualquer adepto de qualquer religião ou Igreja: identificar a imagem que tem de Deus com o próprio Deus. Por isso, vale a pena cada um fazer esta pergunta: “A imagem de Deus que você tem será que é o próprio Deus?”. Muitas vezes abandonamos o próprio Deus para ficar com a imagem que achamos que seja Deus. Muitas vezes condenamos os outros a partir da imagem de Deus que temos. Quem sabe que os que se acham crédulos são muito mais incrédulos como os próprios conterrâneos de Jesus.

Um profeta só não é estimado em sua própria pátria e em sua família!”.  E Jesus não fez ali muitos milagres, porque eles não tinham fé. As pessoas da cidade de Jesus (vilarejo de Nazaré), do lugar de seu trabalho não se dispõem de tempo para meditar se ali há um Profeta ou mais que um Profeta. Basta-lhes a vida rotineira. Falta-lhes a fome da verdade. Falta-lhes o discernimento. Falta-lhes a reflexão sobre a realidade. Deus se manifesta no nosso cotidiano sem espetáculo, como o vento que ao vemos, mas sentimos o efeito de sua presença ou de sua passagem. E a novidade do Reino trazida por Jesus suscita neles apenas dúvidas, suspeitas e gozação. É o grande desafio da própria encarnação. É o grande mistério da fé. A fé somente floresce em campos fecundos que se deixam regar com chuva do céu. Os mistérios de Deus somente são compreendidos com coração, pois o coração sente aquilo que a inteligência desconhece.

Ao longo da história tem tido muitas pessoas inspiradas por Deus para denunciar situações injustas e más condutas. Algumas são conhecidas. Mas há muitíssimos profetas anônimos, gente que se atreve a denunciar o que é injusto e desonesto. Muitos desses profetas pagam com a própria vida pela denúncia feita, pois os que defendem os próprios interesses, e não os interesses comuns não têm piedade de eliminar quem os denuncia.

Uma das funções como batizados é a função profética: anunciar o bem e denunciar o mal. Um batizado não pode ficar em silêncio diante da desonestidade e da injustiça. O silêncio nos faz cúmplices. Somos chamados a ser profetas na nossa atualidade.

Não somente somos chamados a denunciar, mas também a ouvir os que denunciam. Quem sabe que dentro dessa denúncia estamos nós também, pois muitas vezes nos sentimos tão cômodos em nossa vidinha tão perfeitamente organizada, em nossas próprias ideias tão formadas e preestabelecidas, em nossa maneira inflexível de entender as coisas, em nossa imagem estática de Deus que nos fazem surdos diante do apelo do Espírito de Deus para fazer e seguir o bem. Se há verdade na denúncia, temos que agradecer a Deus, pois é um chamado para voltarmos a trilhar o caminho do bem. Fé é caminhada. Quando ficamos incomodados, paramos de ter fé. É mais cômodo crer em um Deus todo-poderoso que controla tudo o que ocorre do que em um Deus que sofre com seus filhos, que é crucificado para salvar os outros filhos de Deus, e em um Deus que nos criou para que resolvamos as injustiças do mundo. No ritmo da velocidade do avanço tecnológico precisamos estar atentos para ver e ouvir o que Deus quer nisto tudo. Não tapemos nossos ouvidos nem fechemos nossos olhos nem paralisemos nossa mente. Precisamos tempo todo estar atentos ao que ocorre para que possamos nos posicionar como filhos e filhas de Deus, luz do mundo e sal da terra. Precisamos ter muita flexibilidade e disponibilidade para acolher aquilo que Deus nos quer dizer, inclusive através de quem menos esperamos, pois o Espírito de Deus sopra para onde quer e por quem quer.

Pare e verifique, Deus se manifesta na nossa vida cotidiana. Pergunte-se: “De que maneira Deus se manifesta a mim hoje? O que Ele quer me manifestar? Para que Ele se manifesta?”. Estejamos todos atentos. Em cada momento Deus se manifesta a nós.

P. Vitus Gustama,svd

terça-feira, 30 de julho de 2024

01/08/2024-Quintaf Da XVII Semana Comum

ESFORÇAR-SE PARA SELECIONADO POR DEUS NO FIM DA HISTÓRIA

Quinta-Feira da XVII Semana Comum

Primeira Leitura: Jr 18,1-6

1 Palavra dirigida a Jeremias, da parte do Senhor: 2 “Levanta-te e vai à casa do oleiro, e ali te farei ouvir minhas palavras”. 3 Fui à casa do oleiro, e eis que ele estava trabalhando ao torno; 4 quando o vaso que moldava com barro se avariava em suas mãos, ei-lo de novo a fazer com esse material um outro vaso, conforme melhor lhe parecesse aos olhos. 5 Fez-se em mim a palavra do Senhor: 6 “Acaso não posso fazer convosco como este oleiro, casa de Israel? diz o Senhor. Como é o barro na mão do oleiro, assim sois vós em minha mão, casa de Israel”.

Evangelho: Mt 13, 47-53

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 47 “O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. 48 Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam. 49 Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, 50 e lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí, haverá choro e ranger de dentes. 51 Compreendestes tudo isso?” Eles responderam: “Sim”. 52 Então Jesus acrescentou: “Assim, pois, todo mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”. 53 Quando Jesus terminou de contar essas parábolas, partiu dali.

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É Preciso Voltarmos Para Quem Nos Criou e Para Quem Nos Inspirou

Acaso não posso fazer convosco como este oleiro, casa de Israel? Como é o barro na mão do oleiro, assim sois vós em minha mão, casa de Israel”, assim disse o Senhor para o profeta Jeremias que lemos na Primeira Leitura.

A narração é breve que conta o episódio da vida de Jeremias a partir dos acontecimentos triviais da vida cotidiana (Jr 18,1-12). Deus pede que Jeremias preste atenção para o trabalho de um oleiro. Em Gn 2,7 Deus formou Adão com barro. Em Is 29,16, o profeta Isaias insiste na dependência absoluta do homem com seu Criador. São Paulo dirá também em Rm 9,21: “O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso?”. Esta imagem mostra a iniciativa absoluta de Deus. Enquanto Jeremias observa como o oleiro trabalha com o barro na mão: moldar e dar forma até onde o barro permite, assim também faz Deus com Judá (Casa de Israel). O Deus de Israel reconhece a liberdade do povo para escolher o bem ou o mal. O Criador (“Oleiro divino”) está limitado pelas propriedades de sua matéria prima chamada o ser humano. 

A liberdade é algo dado por Deus ao ser humano para seu bem ou para seu mal. Mas no universo criado por Ele há as próprias leis embutidas nele que o ser humano deve observar. Para chegar até outros planetas, o ser humano deve obedecer às lais da natureza. Pelo fato de ter criado da terra (barro) percebemos que homem é parte da criação. Ele foi tirado da terra (Gn 2,7) e por isso está vinculado a todo o criado; é um ser transitório, pois para a terra ele vai voltar (Gn 3,19). No AT, morrer é voltar à terra de onde o homem veio. O homem é todo terra e, por isso, é mortal. Mas por ser vida da vida de Deus (sopro), o homem é transcendente e não apenas transitório. O sopro divino é que coloca o homem no âmbito humano e o distingue dos animais. 

Pela sua incoerência, pelo abuso da liberdade, o ser humano peca. Assim como não somos o que deveríamos ser, também fazemos coisas que não quereríamos (Cf. Rm 7,15.19). O pecado do ser humano consiste na impossibilidade de amar a Deus de todo o coração, com toda a alma e com todas as forças e assim amar aos demais. Por isso, o ser humano se encontra em oposição consigo mesmo, com Deus, com os outros e com o mundo. Em tudo ele necessita de Deus. 

Para se tornar o pó vivente novamente, o ser humano deve estar vinculado permanentemente ao seu Criador pois foi  Deus quem soprou seu hálito no homem (Gn 2,7), ou renovar este vínculo permanentemente. O ser humano é um ser inspirado por Deus porque traz em si a inspiração criadora. Mesmo praticando o mal, para o ser humano é dada oportunidade para estar vinculado outra vez com Aquele que o criou, para ser novamente o sopro divino. O homem-barro, o homem-carne precisa do poder de Deus para transcender sua condição de simples ser carnal, ser barro. O Deus vivo é como a estrutura que mantém a vida do homem. “Acaso não posso fazer convosco como este oleiro, casa de Israel? Como é o barro na mão do oleiro, assim sois vós em minha mão, casa de Israel”. É preciso que nós, barro, voltemos para a mão do Oleiro divino. Assumir s responsabilidade pelas nossas culpas e nossas ações em geral é o primeiro passo para nos tornar dignos do amor misericordioso de Deus.

Esforçar-se Para Ser Contado Entre Os Escolhidos

No fim dos tempos os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, e lançarão os maus na fornalha de fogo”.

Estamos ainda no discurso de Jesus sobre o Reino de Deus em parábolas (Mt 13). Desta vez Jesus conta uma parábola sobre a rede na pescaria em que no fim haverá a seleção entre os peixes bons e os peixes que não prestam: “Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam”. 

Nossa vida é uma série de escolhas. Na vida cotidiana sempre selecionamos e escolhemos o que é bom ou o que é melhor.  Selecionamos boas amizades. Selecionamos algo de bom ou de melhor para nos vestir, para comer, para morar, e assim por diante. Vivemos selecionando o que é bom ou o que é melhor. O bom ou o melhor é sempre o objeto do apetite ou do desejo do homem, qualquer que seja esse objeto. O ruim é, ao contrário, o objeto de ódio ou de aversão do homem. Mas nem tudo o que desejamos é bom, mas tudo o que é bom sempre desejamos. A bondade atrai, pois ela agrada e edifica. A bondade é a própria perfeição possuída por um ser. Por possuir a bondade, um ser que a tem é capaz de dar a outro a perfeição que lhe falta. Ser cristão não é somente aquele que escolhe entre o bom e o mau; ele é aquele que escolher entre o bom e o melhor. Ele sempre faz um passo adiante. 

Quando Jesus compara o Reino de Deus a uma rede que é lançada sobre todos, mas que só os peixes bons são selecionados, ele está dizendo que se trata de uma coisa seletiva, em que a bondade é que tem valor e permanece para sempre. A bondade é sinal de amabilidade. Quem ama porque é bom. Quem é bom, ama.  A bondade é algo que em si tem algo divino, pois Deus é a Bondade por excelência. Por isso, a bondade tem uma marca de eternidade. 

Os maus, ao contrário, vão fazer parte de outro reino, onde as pessoas somente vão odiar-se, segundo Jesus. A expressão: “Chorar e ranger os dentes” mostra bem como é a pessoa que odeia: vive como que rangendo os dentes. Eternamente infeliz. A frustração definitiva do homem (pranto e ranger de dentes) é perder a vida para sempre. A grande frustração do homem é sua incapacidade de viver na bondade, no bem, na compaixão, na simplicidade, na solidariedade. A bondade atrai. A simplicidade atrai. A arrogância, a prepotência, o orgulho, o complexo de superioridade afasta as pessoas e mata a caridade e a igualdade, elimina a comunhão fraterna e afasta os demais. Qualquer arrogante, prepotente, orgulhoso, ambicioso vive na tremenda solidão. Viver é conviver. Através da convivência saudável é que podemos crescer como seres humanos. Até a própria vulnerabilidade da convivência nos ajuda a crescermos como pessoas saudáveis. 

A parábola da rede lida neste dia se refere ao julgamento final. A imagem da pesca ilustra a dinâmica do Reino de Deus feita de perdas e ganhos. Uma vez a rede lançada ao mar, a pescaria já não depende da vontade do pescador. Cada lançada de rede é uma surpresa. A seleção será feita somente no final da pescaria, quando os peixes bons são colocados em cestas, enquanto os maus são jogados fora. 

A parábola propõe a todos nós a sorte final, para orientar-nos na decisão presente. Quando soubermos para onde vamos, saberemos também escolher por onde devemos caminhar (saber escolher o caminho). Os únicos que chegam à vida em plenitude, pela misericórdia de Deus, são os que produzem fruto bom nesta vida; são os que em si tem a marca de eternidade como a bondade, o amor, a compaixão, a solidariedade e assim por diante. Tudo que tem algo divino em mim e na minha vivência será reconhecido por Deus (cf. Mt 25,31-46). A sabedoria cristã consiste no discernimento dos verdadeiros valores do Evangelho como amor, partilha, solidariedade, compaixão, perdão, honestidade, justiça, paz etc., e em sua aplicação para as circunstâncias atuais. Há que estabelecer uma escala de valores para que cada cristão possa orientar sua maneira de viver no presente. Os outros valores devem estar subordinados em função dos valores superiores do Reino de Deus.

Mas ao mesmo tempo, esta parábola quer nos recordar que somente Deus tem a competência na seleção entre os bons e os maus no fim de cada história. Cristão nenhum tem condições para classificar quem vai para o céu e quem não vai para lá, pois sua própria salvação ainda não está garantida, pois ele continua sendo pessoa capaz de pecar em qualquer momento. É preciso olharmos para cada ser humano como filho(a) de Deus e nosso irmão. Como dizia Santo Agostinho: “Amando ao próximo tu limpas os olhos para ver a Deus” (In Joan. 17,8). Quanto mais santo for o homem, mais se reconhecerá como pecador. A conversão não é uma carreira acabada. A conversão é diária, pois somos capazes de optar por outros valores em nome de algum interesse não-cristão. Deixemos Deus determinar a qualidade de cada um e não nos arroguemos pelas qualidades que temos, pois tudo de bom em nós tem sua origem no Supremo Bem que é Deus. Tudo de bom em nós deve ser partilhado para com os outros. Fazemos tudo de bom, porque Deus da bondade faz isso. “Faze o que deves fazer. E faze-o bem. Esta é a única norma para alcançar a perfeição”, dizia Santo Agostinho (In ps. 34,2,16). Somos prolongamento da generosidade do Deus-Criador que criou tudo para o bem da humanidade gratuitamente. Temos apenas o direito de usufruto. Esse direito cessará neste mundo cessará quando terminar nossa caminhada na história. 

Deus não castigará o homem por ter cometido a violência ou criminalidade; Ele também não salva o homem por não ter cometido algum crime. Mas Deus “castiga” (o homem que se castiga) por não ter feito bondade ou caridade. Se formos castigados um dia, não pelo mal que deixamos de cometer, e sim pelo bem que não praticamos. 

Apesar de sermos pecadores, Deus tem paciência para esperar os frutos bons de cada um de nós. A história de nossa vida é o tempo para crescermos no bem e na bondade e para nos amadurecermos no amor como filhos e filhas de Deus.  Primordialmente, somos bons porque tudo o que Deus criou era bom (cf. Gn 1,1ss). Deus aguarda a colheita, não diminuída por prematuras intervenções de escolha. Só então, no fim, haverá a colheita, com base na realidade de ser grão ou joio/cizânia, peixe bom ou mau, de ser caridoso ou egoísta. É uma advertência eficaz, embora tácita: Deus é paciente com todos e deixa aos pecadores, cada um de nós, tempo para amadurecer sua conversão; Deus sabe esperar a livre decisão do homem, cabe a cada um escolher ser bom grão e bom peixe e não peixe imprestável. 

Portanto, é prudente premunir-se, pensar enquanto é tempo, decidir-se a fazer o bem, ser útil aos outros, ser peixe bom, ser selecionado por Deus no fim de nossa história, pois “No fim dos tempos os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, e lançarão os maus na fornalha de fogo”. O presente é o tempo da pesca e da indulgência. No futuro haverá o tempo de julgamento. O presente é o tempo de decisão para ser “peixe bom” ou “peixe ruim”. O Senhor usa de paciência e espera que nos convertamos para que sejamos salvos, ou contados entre os bons.

P. Vitus Gustama, SVD

segunda-feira, 29 de julho de 2024

31/07/2024-Quartaf Da XVII Semana Comum

FIDELIDADE À PALAVRA DE DEUS APESAR DAS DIFICULDADES É A NOSSA  ESPERANÇA E SALVAÇÃO

Quarta-Feira da XVII Semana Comum

Primeira Leitura: Jr 15,10.16-21

10 Ai de mim, minha mãe, que me geraste um homem de controvérsia, um homem em discórdia com toda a gente! Não emprestei com usura nem ninguém me emprestou, e contudo todos me amaldiçoam. 16 Quando encontrei tuas palavras, alimentei-me, elas se tornaram para mim uma delícia e a alegria do coração, o modo como invocar teu nome sobre mim, Senhor Deus dos exércitos. 17 Não costumo frequentar a roda dos folgazões e gabo-me disso; fiquei a sós, sob o influxo de tua presença e cheio de indignação. 18 Por que se tornou eterna minha dor, por que não sara minha chaga maligna? Para mim te tornaste como miragem de um regato, como visão d’águas ilusórias. 19 Ainda assim, isto diz-me o Senhor: “Se te converteres, converterei teu coração, para te sustentares em minha presença; se souberes separar o precioso do vil, falarás por minha boca; os outros voltarão para ti, e tu não voltarás para eles. 20 Em favor deste povo, farei de ti uma muralha de bronze fortificada; combaterão contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para te salvar e te defender diz o Senhor. 21 Eu te libertarei das mãos dos perversos e te salvarei dos prepotentes”. 

Evangelho: Mt 13,44-46

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 44 “O Reino do Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo. 45 O Reino dos Céus também é como um comprador que procura pérolas preciosas. 46 Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola”.

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É Preciso Se Apoiar Em Deus Em Todos Os Momentos Para Poder Seguir Adiante Na Vida

Se te converteres, converterei teu coração, para te sustentares em minha presença; se souberes separar o precioso do vil, falarás por minha boca; os outros voltarão para ti, e tu não voltarás para eles. Em favor deste povo, farei de ti uma muralha de bronze fortificada; combaterão contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para te salvar e te defender”, é a resposta de Deus para Jeremias que se lamenta pela vida difícil como profeta, que lemos na Primeira Leitura.

O texto lido na Primeira Leitura é conhecido como a Segunda Confissão do profeta Jeremias (a Primeiro Confissão está em Jr 11,18-12,6). 

O profeta é, em Israel, o primeiro homem que ousa questionar e exigir responsabilidade de Deus, pois o profeta colocou sua vida a serviço da Palavra de Deus para que o povo se converta. Essa fidelidade obrigou o profeta a renunciar a muitas facilidades e compromissos. Por que Deus não recompensa melhor aquele que se entregou totalmente a Ele? “Não costumo frequentar a roda dos folgazões e gabo-me disso; fiquei a sós, sob o influxo de tua presença e cheio de indignação”. 

Apesar dessa entrega generosa de sua vida, o profeta Jeremias se pergunta sobre o porquê de Deus não recompensar melhor aquele que se entregou totalmente sua vida a Ele e que se alimenta somente da Palavra de Deus?: “Quando encontrei tuas palavras, alimentei-me, elas se tornaram para mim uma delícia e a alegria do coração, o modo como invocar teu nome sobre mim, Senhor Deus dos exércitos” (Jr 15,16). A dúvida invade a alma do profeta e se pergunta: “Por que se tornou eterna minha dor, por que não sara minha chaga maligna? Para mim te tornaste como miragem de um regato, como visão d’águas ilusórias” (Jr 15,18). Por um lado, Jeremias se compromete ao serviço de Deus ou seja, ele aceita a chamada de Deus para ser profeta. Por outro lado, este compromisso atrai os inimigos para Jeremias (que é manso por excelência) e recebe a ameaça continuamente. Sabemos muito bem que para os desonestos e injustos, a presença de um justo ou honesto se torna uma ameaça. Jeremias está experimentando este estado. A dor de Jeremias é tão forte a ponto de ele afirmar: “Ai de mim, minha mãe, que me geraste um homem de controvérsia, um homem em discórdia com toda a gente!”. Esta maldição vai tomar proporções maiores mais tarde em Jr 20,14-18, e traz à mente o texto similar de Jo 3,3: “Pereça o dia que me viu nascer, a noite que disse: ‘Um menino foi concebido’”.  Devemos saber que o chamado de Jeremias começou antes mesmo de sua concepção (Jr 1,5) e por isso, amaldiçoar o dia de seu nascimento significa a rejeição desta mesma missão. No seu ministério de profeta esta foi uma grave crise que obrigou Jeremias a retomar a sua vocação purificando-a.

Para Deus Jeremias não tem razão para se queixar de suas dificuldades porque o próprio Deus tem sido fiel em sua promessa de sustentá-lo firmemente (Jr 1,18-19). “Eles te combaterão, mas não conseguirão vencer-te, porque estou contigo, para livrar-te”, diz Deus a Jeremias (Jr 1,19). Por isso, para o lamento e a dúvida do profeta Jeremias, Deus dá como resposta a conversão de Jeremias. Somente a conversão a Deus e a confiança cega em Seu mistério é que podem pôr fim ao estado da incerteza do profeta: “Se te converteres, converterei teu coração, para te sustentares em minha presença; se souberes separar o precioso do vil, falarás por minha boca; os outros voltarão para ti, e tu não voltarás para eles. Em favor deste povo, farei de ti uma muralha de bronze fortificada; combaterão contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para te salvar e te defender. Eu te libertarei das mãos dos perversos e te salvarei dos prepotentes” (Jr 15,19-21). 

Na nossa vida como fieis percebemos que em certos momentos e circunstâncias fé e perplexo convivem, como aconteceu com o profeta Jeremias. O que não podem conviver é fé e incredulidade. Dúvida faz parte da fé, pois dúvida é o estado de equilíbrio entre a afirmação e a negação. A dúvida científica ou filosófica é a forma da honestidade intelectual que consiste em não fazer uma afirmação enquanto não existem provas, dados ou fundamentos. Portanto, a dúvida não está contra à fé. A incredulidade é, ao contrário, a ausência da fé.

No caminho da fé, a dúvida é a “noite escura” para os místicos. Esta noite escura pode causar dor. Mas ela é o ponto de partida do encontro mais perfeito com Deus em que se encontra a resposta satisfatória: “Se te converteres, converterei teu coração, para te sustentares em minha presença. Eu te libertarei das mãos dos perversos e te salvarei dos prepotentes”. A dúvida é o ponto de partida para uma busca contínua até que encontre alguma resposta em Deus. É preciso que estejamos conscientes de que o Deus em quem acreditamos é um Deus solidário, fiel companheiro e apaixonado pela humanidade mesmo que os pensamentos e os caminhos de Deus não coincidam com os nossos. A fé neste Deus nos torna perseverantes em tudo, pois a perseverança é acreditar numa transformação possível apesar das aparências contrárias e da revolta inicial. A fé nos leva a nos libertar, a nos assumir, a nos manter de pé com determinação. 

Portanto, que a oração do profeta Jeremias seja também nossa oração: “Senhor, quando encontrei tuas palavras, alimentei-me, elas se tornaram para mim uma delícia e a alegria do coração, o modo como invocar teu nome sobre mim, Senhor Deus dos exércitos”. 

Deus e Sua Palavra São Nossos Tesouros Incalculáveis

O Reino de Deus é como um tesouro escondido, como uma pérola de incalculável valor”, assim Jesus diz no discurso sobre o Reino de Deus em parábolas no texto do evangelho deste dia. 

As inúmeras guerras, que aconteceram em Palestina, levavam muitas pessoas a enterrar seus tesouros valiosos por motivo de segurança contra os ladrões. E o homem assalariado que trabalha no campo alheio, ao encontrar o tesouro, o enterrou novamente e guardou o segredo. E vende tudo para comprar o campo por esse tesouro valioso. A mesma reação aconteceu com o comprador da pérola: vende tudo para possuí-la. Mas acentua-se a alegria dos dois em fazer isso. 

Lemos no dicionário que tesouro é o conjunto de riquezas de qualquer tipo (p.ex., dinheiro, joias, pedras e metais preciosos, bens valiosos) guardadas ou escondidas. E pérola é a concreção densa e de coloração levemente prateada, que se forma nas conchas de diversos moluscos, a partir da deposição de material nacarado sobre uma partícula qualquer, como um grão de areia ou um parasita. As pérolas cultivadas são produzidas por ostras. Pérola é um material valioso. Também nós chamamos uma pessoa de sólidas qualidades morais e éticas de pérola ou de tesouro. “Você é minha pérola. Você é meu tesouro”, assim ouvimos alguém falar para o outro.

“Venderam tudo que possuíam para comprar o campo onde o tesouro está escondido e para comprar a pérola preciosa”, assim relatou Mateus no evangelho de hoje. 

Aqueles homens venderam tudo tão espontaneamente só para ficar com o tesouro ou a pérola preciosa sem sentir nenhum sacrifício, mas com uma decisão alegre por causa de uma coisa valiosa descoberta. Tudo o que é bom, belo, digno, ético, puro sempre nos atrai e para nossos passos para contemplá-lo. Uma pessoa com sólidas qualidades éticas e morais atrai a simpatia de qualquer pessoa e atrai a bênção de Deus, pois Deus é o supremo Bem. Ninguém resiste diante da bondade, diante de uma boa educação, diante de uma gentileza e assim por diante. Tudo o que é ruim nos afasta e afasta até a bênção do Senhor toda vez que essa bênção se aproximar da pessoa. 

É assim também a fé. A fé é um enamoramento de Deus, é uma sedução: “Você me seduziu, Senhor; e eu me deixei seduzir” (Jr 20,7). Tudo o que é divino e que nos salva sempre nos atrai e nos convida a nos aproximarmos dele. O Reino arrebata quem o encontrou, gera a grande alegria e orienta toda a vida da pessoa até a comunhão plena com Deus. A partir deste tesouro que é O Reino de Deus, todo o resto se ordena e adquire o seu valor próprio. O Reino de Deus começa, então, a orientar a vida de quem o descobriu. A verdadeira fé orienta nossa maneira de viver. 

Venderam tudo que possuíam…”. Tanto o tesouro escondido como a pérola preciosa expressam o que o Reino de Deus deve ser para o discípulo/cristão: algo absoluto. A exigência é radical, tudo o mais deve ser colocado em relação com o Reino. Em outras palavras, pode-se dizer que a experiência do amor de Deus relativiza todo valor até então conhecido. A partir de então, o valor do Reino serve de ponto de referência e de avaliação para resto. Uma vez que tiver sido descoberto o Reino de Deus em todo o seu valor, o resto se torna relativo no seu valor. 

Nesta parábola, nem o homem que encontrou o tesouro nem aquele que descobriu a pérola sentem falta do que antes possuíam e que venderam. A riqueza do que acharam é de tal ordem que compensa tudo o que tinham. A mesma coisa acontece com os que descobrem ou encontram o seu caminho pessoal para Deus: abandonam tudo e encontram tudo, porque Deus é tudo. Quem, pela mensagem de Cristo, encontra Deus renuncia jubilosamente a tudo. Tal verdade somente pode ser experimentada pela própria vida. Por isso, eles podem renovar tudo, acabar com a rotina de sua vida e começam a olhar mais longe e mais alto. E quem encontra Cristo expande a alegria e o otimismo para todos.

A vida cristã se apresenta muitas vezes como um constante exercício de renúncia: renunciar aos bens materiais para não ser possuídos por eles a fim de manter-se livre como seguidor de Cristo; renunciar aos prazeres desenfreados da vida, pois quem vive somente em função do prazer é porque não tem prazer de viver, e quem só sabe se satisfazer é incapaz de satisfazer os outros; renunciar às comodidades, pois a vida continua nos empurrando por dentro; renunciar à ambição. Renunciar, renunciar, renunciar... 

Não se deve confundir com o que se chama um caminho de perfeição, um método para chegar a ser santo. O projeto de Jesus não é um projeto dirigido unicamente ao individuo e sim orientado para a transformação da maneira de viver de toda a humanidade.

Por isso, quando Jesus apresenta as bem-aventuranças que constituem o núcleo de seu programa não diz àqueles que o escutam que serão mais santos se fizerem tudo que ele fala, e sim que serão felizes. É a felicidade dos homens, de todos os homens e de cada um deles em particular o que preocupa Jesus, porque essa é a principal preocupação do Pai. O projeto de Jesus é a felicidade. A santidade é o projeto pessoal. Por isso, o ideal cristão é a felicidade. Consequentemente, a felicidade é a razão pela qual um cristão atua: um cristão se comporta como cristão porque tal comportamento é causa de alegria para ele e para seus próximos. Em outras palavras, uma ação é boa se produz felicidade em quem a realiza e contribui à felicidade dos demais.

P. Vitus Gustama, SVD

domingo, 28 de julho de 2024

30/07/2024-Terçaf Da XVII Semana Comum

SER SEMEADOR DO BEM É UMA MANEIRA EFICAZ PARA MOSTRAR NOSSA FIDELIDADE AO SENHOR

Terça-feira da XVII Semana Comum

Primeira Leitura: Jr 14,17-22

17 “Derramem lágrimas meus olhos, noite e dia, sem parar, porque um grande desastre feriu a cidade, a jovem filha de meu povo, um golpe terrível e violento. 18 Se eu sair ao campo, vejo cadáveres abatidos à espada; se entrar na cidade, deparo com gente consumida de fome; até os profetas e sacerdotes andam à toa pelo país”. 19 Acaso terás rejeitado Judá inteiramente, ou te desgostaste deveras de Sião? Por que, então, nos feriste tanto, que não há meio de nos curarmos? Esperávamos a paz, e não veio a felicidade; contávamos com o tempo de cura, e não nos restou senão consternação. 20 Reconhecemos, Senhor, a nossa impiedade, os pecados de nossos pais, porque todos pecamos contra ti. 21 Mas, por teu nome, não nos faças sofrer a vergonha suprema de levar a desonra ao trono de tua glória; lembra-te, não quebres a tua aliança conosco. 22 Acaso existem entre os ídolos dos povos os que podem fazer chover? Acaso podem os céus mandar-nos as águas? Não és tu o Senhor, nosso Deus, que estamos esperando? Tu realizas todas essas coisas.

Evangelho: Mt 13,36-43

Naquele tempo, 36 Jesus deixou as multidões e foi para casa. Seus discípulos aproximaram-se dele e disseram: “Explica-nos a parábola do joio!” 37 Jesus respondeu: “Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem. 38 O campo é o mundo. A boa semente são os que pertencem ao Reino. O joio são os que pertencem ao Maligno. 39 O inimigo que semeou o joio é o diabo. A colheita é o fim dos tempos. Os ceifadores são os anjos. 40 Como o joio é recolhido e queimado ao fogo, assim também acontecerá no fim dos tempos: 41 O Filho do Homem enviará os seus anjos e eles retirarão do seu Reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal; 42 e depois os lançarão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes. 43 Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça”.

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Qualquer Pecado É Capaz De Destruir Nossa Vida

Derramem lágrimas meus olhos, noite e dia, sem parar, porque um grande desastre feriu a cidade, a jovem filha de meu povo, um golpe terrível e violento. Se eu sair ao campo, vejo cadáveres abatidos à espada; se entrar na cidade, deparo com gente consumida de fome; até os profetas e sacerdotes andam à toa pelo país... Reconhecemos, Senhor, a nossa impiedade, os pecados de nossos pais, porque todos pecamos contra ti”.

O texto da Primeira Leitura é tirado do capítulo XIV do livro do profeta Jeremias. Todo este capítulo XIV é uma espécie de liturgia suplicatória  composta por Jeremias para umas orações solenes feitas em Jerusalém por ocasião de uma “grande seca” que aconteceu durante o reinado de Joaquim.  Os grandes da cidade enviaram os servos à procura de água. Encaminham-se estes às cisternas; água, porém, não encontram, e voltam com os recipientes vazios, envergonhados, confundidos, cobertas as cabeças. Fende-se o solo todo, porque a chuva não rega a terra. Decepcionam-se os lavradores e cobrem suas cabeças" (Jr 14,3-4). 

Como já foi dito nos dias anteriores (teologia do livro de Jeremias), Jeremias não é apenas um profeta que sofre por causa do povo, mas também é um profeta que sofre com seu povo. Nisto ele desempenha seu papel de intercessor do povo para pedir o auxílio de Deus e o perdão por todos os pecados do povo. 

O texto da Primeira Leitura é uma nova lamentação do profeta Jeremias em forma de oração sobre a ruína de Judá como povo em consequência de seus pecados. A mortalidade é tão grande que tanto no campo quanto na cidade não há nada além da morte pela espada e o sofrimento pela fome. A expressão “virgem filha do meu povo” é sinônimo do "povo" de Judá, personificada em uma donzela, o objeto do amor de Deus. Os sacerdotes e os profetas, que anteriormente, acreditavam que não haveria guerra ou necessidades, são obrigados a vagar por um país que eles não conhecem em busca de alimento para cobrir suas necessidades mais básicas.

A catástrofe é tão grande que não há esperança: em vez de paz e alívio, a perturbação e a angústia ficam cada vez maiores. Certamente, tudo isso aconteceu pelos pecados de Judá e o povo o reconhece: “Reconhecemos, Senhor, a nossa impiedade, os pecados de nossos pais, porque todos pecamos contra ti”. 

Depois de refletir o estado de ruína trágica de seu povo, o profeta Jeremias faz um apelo angustiado ao Senhor a fim de evitar tal miséria. O profeta relembra as relações íntimas que outrora existiram entre Deus e seu povo em virtude da Aliança. Deus havia prometido estar sempre com seu povo, mas agora quase não há esperança de salvação. Talvez Deus tenha mudado seus sentimentos em relação ao seu povo. “Acaso terás rejeitado Judá inteiramente, ou te desgostaste deveras de Sião?”, pergunta Jeremias a Deus. 

Por fim, o profeta retorna ao assunto da seca. Deus é onipotente e só Ele pode enviar a chuva. Os ídolos não podem fazer com que os céus enviem a chuva neste momento. Tudo depende do Senhor, e os céus por si só não podem enviar a chuva esperada. E novamente ele lança um apelo às relações especiais que Deus tem com seu povo: “Não és tu o Senhor, nosso Deus, que estamos esperando?”, pergunta o profeta Jeremias. 

Jeremias chora e intercede pelo povo. Um bom profeta se solidariza com seu povo nos seus fracassos e ele se alegra com o seu bem. Jeremias lamenta, fala de feridas e de dor em sua alma: tudo por causa do pecado do povo e os seus sofrimentos como consequência. E ele se dirige a Deus em uma sincera oração, intercedendo por todos: “Reconhecemos, Senhor, a nossa impiedade, os pecados de nossos pais, porque todos pecamos contra ti. Mas, por teu nome, não nos faças sofrer a vergonha suprema de levar a desonra ao trono de tua glória; lembra-te, não quebres a tua aliança conosco”. Os olhos do profeta Jeremias se derretem em lágrimas, noit e dia. A sensibilidade de Jeremias é a expressão da sensibilidade de Deus, pois é Deus quem lhe envia para dizer isto.

As secas e outras desgraças que nos afligem de tempos em tempos, como alguma pandemia de um vírus ou outr tipo de doença, não são necessariamente o castigo imediato de um pecado. 

Mas nós também devemos tornar nossa a atitude penitente de Jeremias e reconhecer diante de Deus que nosso egoísmo, nosso desvio da Nova Aliança e nossos pecados nos trazem muitos males, não só para nós particularmente, mas também para os outros, dos quais devemos nos arrepender. O mal não tem rosto porque ele pode tomar o ser de qualquer um de nós. Ninguém está isento da possibilidade do mal. O mal é tudo que serve à morte; tudo que sufoca a vida, estreita-a, e corta-a em pedaços. Por isso, a realidade do mal exige vigilância permanente.  As principais ameaças à nossa sobrevivência já não vêm da natureza externa e sim de nossa natureza humana interna. São nossas hostilidades, nosso descaso, o egoísmo, a arrogância, a prepotência e a ignorância deliberada que põem o mundo ao nosso redor em perigo. Se não conseguirmos domar e transmutar o potencial da alma humana para o mal, nós estaremos perdidos e faremos perdida até nossa própria família. 

São Paulo nos escreveu: “Ora, as obras da carne são manifestas: formicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias, e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno como já vos preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o reino de Deus” (Gl 5,19-21). 

Na liturgia eucarística, começamos a celebração com um ato penitencial, reconhecendo-nos como pecadores. O Ato Penitencial é uma boa disposição para nos deixarmos encher, depois, com a Palavra e a Eucaristia. 

Com o Salmos Responsório de hoje (Sl 78) peçamos a Deus: “Não lembreis as nossas culpas do passado, mas venha logo sobre nós vossa bondade, pois estamos humilhados em extremo. Ajudai-nos, nosso Deus e Salvador! Por vosso nome e vossa glória, libertai-nos! Por vosso nome, perdoai nossos pecados! Até vós chegue o gemido dos cativos: libertai com vosso braço poderoso os que foram condenados a morrer! Quanto a nós, vosso rebanho e vosso povo, celebraremos vosso nome para sempre, de geração em geração vos louvaremos”.

Ser Cristão É Ser Semeador Da Bondade 

Continuamos a acompanhar o discurso de Jesus sobre o Reino de Deus em parábola. 

No texto do evangelho de hoje Jesus explicou para os discípulos sobre o sentido da parábola do joio e o trigo. Na explicação de Jesus limita-se a assinalar quem é o semeador da semente boa e quem é o semeador do joio. A continuação diz que a semente boa representa “os discípulos do Reino” (os discípulos, os bons), eqnuanto que o joio representa “os filhos do maligno” (os malvados). A expressão “os malvados” nos recorda a expressão de João quando Jesus diz: “Vós sois filhos do diabo” (Jo 8,44). 

"Aquele que semeia a boa semente é o Filho do homem", disse-lhes Jesus. Jesus é um semeador. Mas não é qualquer semeador. Ele é um Semeador de boas sementes. Ele faz algo de bom... apenas o bom, nada de ruim. E eu? Será que sou um semeador de coisas boas ou eu semeio as sementes de joio? Vamos colher aquilo que semeamos. 

Lançar sementes, semear sementes é sempre fácil. Mas precisamos saber daquilo que estamos semeando. O joio não vai produzir o trigo. O trigo não vai produzir o joio. Que tipo de semente que estou semeando, então? Semear joio é apenas uma forma de matar outras plantas boas para minha sobrevivência. Não posso semear aquilo que me prejudica e consequentemente prejudicará os outros ao meu redor. 

A boa semente são os filhos do Reino”, disse Jesus. A fórmula é surpreendente. O que Jesus semeia neste momento no mundo somos "nós", filhos do Reino! Ele nos manda para o mundo para sermos sementes da bondade. É a tarefa principal como cristãos. Sou uma semente de Deus. Eu devo ser para os outros aquilo que sou para Deus. Se eu sou uma semente de Deus, eu devo ser, então, fonte de alegria de Deus no mundo, fonte da bondade de Deus no mundo para os demais. Deus fala e age através de mim no mundo. Para Deus eu existo para ser Sua semente neste mundo. Uma só semente. É pouco? Sim! Mas uma semente boa no terreno fértil pode produzir centenas de grãos bons. Eu devo me tornar multiplicador da bondade. 

O inimigo que semeou o joio é o diabo”. “Diabo” é aquele que desune. É aquele que está contra a igualdade. É aquele que está contra a comunhão e a comunidade. É o contrário do símbolo, duas coisas que se encaixam bem, bem se unem formando uma só força para construir e não para destruir. O diabo semeia à noite, na escuridão.  Na escuridão tem somente uma cor: preta. É uma grande pobreza ter só uma cor. O bom semeador semeia durante o dia, na claridade. Na claridade podemos perceber a variedade de cores. É uma grande riqueza. É uma harmonia. A palavra “harmonia” supõe a existência de várias coisas formando uma união que produz uma beleza. Serei diabo na medida em que eu semear a discórdia, a desunião, e a divisão. 

Um Parábola Que Aponta Para o Julgamento Final

Depois da explicação sobre a parabola do trigo e o joio, toda a atenção se centra na ceifa ou na colheita em que Jesus se apresenta como Juiz do mundo. Somente então o joio, isto é, os “trablhadores de iniquidade”, os malvados, serão separados dos bons e o Reino se manifestará em toda a sua beleza. A explcação é muito clara. No entanto, nós temos a tentação de nos identificar com os servos do dono que querem arrancar o joio imediatamente. 

Dai surgem as seguintes perguntas: Por que somente no final? Por que não imediatamente? Por que os filhos do Reino, isto é, os bons, têm que conviver com os malvados? Por que o Reino de Deus não aparece logo no mundo com toda a sua beleza? 

Não se dá uma resposta, porém pode se intuir, e o motivo dessa convivência bons-maus é simples. O bom trigo, os bons, os filhos do Reino ainda não estão maduros. O trigo somente pode ser tirado (colhido) no tempo da colheta. Os filhos do Reino devem crescer como tais até a vinda do Senhor, até o fim do mundo. Ou seja, enquanto estiverem no mundo eles têm que fazer-se cada vez mais semelhantes à imagem do Filho de Deus (Rm 8,29), cada vez mais semelhantes a Jesus, a semente boa. É Jesus quem, ressuscitado, enviou ou espalhou os filhos do Reinos pelo mundo para que sejam testemunhas do bem a fim de transformar o mundo: os maus, o joio em semente boa. A separação terá lugar somente ao final; somente então, quando o trigo estiver maduro “os justos vão brilhar como o sol no reino do seu Pai”. 

"Então os justos vão brilhar como o sol no reino do seu Pai”. O “sol” é uma belíssima imagem. O sol ilumina, aquece, ajuda no crescimento das plantas, orienta os caminhantes, faz os olhos saudáveis funcionarem, pois sem a luz por saudáveis que eles sejam, os olhos não enxergam. Somente numa boca saudável é que a comida gostosa fica saborosa. A bondade nos conduz à eternidade, para estar com o Supremo Bom que é Deus. Aquilo que tem algo divino em nós é que nos levará para o próprio Deus. Aquilo que não tem algo divino em nós pode nos levar para outra direção, menos para Deus. 

A Palavra de Deus hoje nos chama a revisarmos nossa maneira de viver: Será que estou consciente de que sou semente de Deus neste mundo? Será que sou um semeador da bondade ou da maldade? Meus atos são diabólicos, atos que desunem ou são simbólicos, atos que criam união? Aquilo que tem algo divino em mim é que me levará para estar com o próprio Deus. Aquilo que não tem algo divino em mim pode me levar para outra direção, menos para Deus.  O que tem dentro de mim? 

P. Vitus Gustama,svd

23/11/2024-Sábado Da XXXIII Semana Comum

CREMOS NO DEUS DA VIDA E POR ISSO CREMOS NA RESSURREIÇÃO QUE NOS FAZ RESPEITARMOS A DIGNIDADE DA VIDA DOS OUTROS Sábado da XXXIII Semana C...