quinta-feira, 4 de julho de 2024

06/07/2024-Sábado Da XIII Semana Comum

CONFIAR EM DEUS EM TODOS OS MOMENTOS E VIVER NA NOVIDADE RADICAL DE JESUS

Sábado da XIII Semana Comum

Primeira Leitura: Am 9,11-15

Assim diz o Senhor: 11 Naquele dia, reerguerei a tenda de Davi, em ruínas, e consertarei seus estragos, levantando-a dos escombros, e reconstruindo tudo, como nos dias de outrora; 12 deste modo possuirão todos o resto de Edom e das outras nações, que são chamadas com o meu nome, diz o Senhor, que tudo isso realiza. 13 Eis que dias virão, diz o Senhor, em que se seguirão de perto quem ara e quem ceifa, o que pisa as uvas e o que lança a semente; os montes destilarão vinho e as colinas parecerão liquefazer-se. 14 Mudarei a sorte de Israel, meu povo, cativo; eles reconstruirão as cidades devastadas, e as habitarão, plantarão vinhas e tomarão o vinho, cultivarão pomares e comerão seus frutos. 15 Eu os plantarei sobre o seu solo e eles nunca mais serão arrancados de sua terra, que eu lhes dei”, diz o Senhor teu Deus.

Evangelho: Mt 9,14-17

Naquele tempo, 14 os discípulos de João aproximaram-se de Jesus e perguntaram: “Por que razão nós e os fariseus praticamos jejuns, mas os teus discípulos não?” 15 Disse-lhes Jesus: “Por acaso, os amigos do noivo podem estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo será tirado do meio deles. Então, sim, eles jejuarão. 16 Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo repuxa a roupa e o rasgão fica maior ainda. 17 Também não se põe vinho novo em odres velhos, senão os odres se arrebentam, o vinho se derrama e os odres se perdem. Mas vinho novo se põe em odres novos, e assim os dois se conservam”.

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É Preciso Manter Nossa Esperança e Confiança Em Deus Apesar De Tudo, Pois Ele É Misericordioso

Assim diz o Senhor: Naquele dia, reerguerei a tenda de Davi, em ruínas, e consertarei seus estragos, levantando-a dos escombros, e reconstruindo tudo, como nos dias de outrora...”, são palavras consoladoras de Deus através do profeta Amós.

No início da leitura do profeta Amos encontramos um profeta que para provocar a conversão do povo de Deus anuncia catástrofes, lança denúncias e acusações. Quanto maior for perigo, mais pesadas se tornarão as palavras para chamar atenção.

O final de nossa leitura do profeta Amós tem um tom de esperança. Este texto final, na verdade, é um acréscimo do redator posteriormente. Com este acréscimo o redator quer diminuir o fatalismo da mensagem do profeta Amós. Assim, Amós segue a linha dos outros profetas clássicos que querem monstrar ao povo que o juízo jamais será a última palavra do Senhor, pois Deus é misericordioso para quem se converte. Por isso, encontramos dois textos que compõem a conclusão do livro do profeta Amós: Am 9,11-12 e Am 9,13-15. Am 9,11-12: fala da restauração da “tenda arruinada de Davi”. Esta  expressão se refere, segundo algumas interpretações, à recuperação da unidade do reino como aconteceu na época de Davi, rei ideal. Am 9,13-15: se refere à restauração do povo. Por isso, usa-se a expressão clássica: “Mudarei a sorte de meu povo”.que se concretizam através da abundância das colheitas, a fecundidade da terra, a reconstrução das cidades e as plantações dos campos. E o povo será plantado para sempre na terra do Senhor, sem acontecer mais deportação.

Depois das denúncias, o profeta anuncia um futuro de felicidade. A última palavra dos profetas é sempre a esperança. O “dia do Senhor” é calamidade porque destrói o mal, mas é antes de tudo “salvação” porque “as ruinas serão restauradas e as cidades reconstruídas”. Que o juízo jamais será a última palavra do Senhor e sim a misericórdia.

A esperança nos dá a capacidade de resistir que chamamos de perseverança. a capacidade de resistir remete para as nossas forças interiores e para as nossas firmes decisões. A perseverança  por causa da esperança implica necessariamente a disponibilidade para a conversão e para a renovação permanente. Quando falamos da perseverança, estamos conscientes de que nossa fidelidade é continuamente posta à prova e às tentações para desistir. É precisamente no momento de prova ou de tentação que entra em ação a capacidade de resistir por causa da esperança prometida por Deus. Aquele que estiver aberto para a capacidade de resistir e rezar constantemente para alcançar sua meta, poderá dizer com o Apóstolo Paulo: “Tudo posso n’Aquele que me dá força” (Fl 4,13).

Por isso, o profeta convida o povo a ter confiança em Deus que, apesar de ser exigente no cumprimento de sua Aliança, Deus é compreensivo com nossa debilidade, pois este Deus é misericordioso. Como camponês, o profeta Amós usa imagens da vida do campo para falar da misericórdia de Deus: “Eis que dias virão, diz o Senhor, em que se seguirão de perto quem ara e quem ceifa, o que pisa as uvas e o que lança a semente; os montes destilarão vinho e as colinas parecerão liquefazer-se. Mudarei a sorte de Israel, meu povo, cativo; eles reconstruirão as cidades devastadas, e as habitarão, plantarão vinhas e tomarão o vinho, cultivarão pomares e comerão seus frutos. Eu os plantarei sobre o seu solo e eles nunca mais serão arrancados de sua terra, que eu lhes dei.

Deus sempre nos dá esperança quando tudo parece o fim de tudo. Deus sempre nos permite o caminho do retorno, como a volta do filho pródigo (Lc 15,11-32), assim também havia sucedido depois do crime de Caim, ou o crime do castigo de dilúvio ou da escravidão de Egito. Deus tem coração de Pai-Mãe. Ele mesmo curará nossas feridas. É preciso pormos nossa confiança n´Ele apesar de não vermos nenhuma solução. Deus corrige, mas corrige a partir do amor, como o pai que corrige o próprio filho. Nele encontramos o sentido da vida e a confiança para curar nossa debilidades e restaurar o que foi destruído na vida pessoal ou eclesial. Por isso, nunca podemos perder a esperança e confiança em Deus, pois “O Senhor nos dará tudo o que é bom, e nossa terra nos dará suas colheitas; a justiça andará na sua frente e a salvação há de seguir os passos seus” (Salmo Responsorial).

É Preciso Colocar Deus Como Centro De Nossa Vida

O texto do Evangelho de hoje fala sobre o jejum. Mas, no contexto do evangelho deste dia, não deveríamos entender a polêmica sobre o jejum dentro do contexto da prática ascética, isto é, privar-se da comida e da bebida com uma finalidade de penitência ou de solidariedade com os necessitados, repartindo o que temos com eles. Jejuar consiste essencialmente em nos privar de alimento, pelo sentido da palavra, mas em geral é referido a qualquer tipo de privação. O jejum começa a reentrar na nossa cultura atual por razões de dieta e de estética, ou aconselhado por certas formas de religiosidade, com origem no Oriente.

É evidente que o jejum continua tendo sentido para os cristãos. Jejum é um melhor meio para expressar nossa humildade e nossa conversão aos valores essenciais diante de uma sociedade dominada pelo consumismo desenfreado. Até os judeus piedosos jejuavam duas vezes na semana (segunda-feira e quinta-feira), como também os seguidores de João. O próprio Jesus jejuou no deserto (cf. Mt 4,2). A Igreja, como sempre, também recomenda o jejum, particularmente na Quaresma, e, pelo menos, uma hora antes da comunhão eucarística, como está escrito no Código de Direito Canônico (CIC): “Quem vai receber a santíssima Eucaristia abstenha-se de qualquer comida ou bebida, excetuando-se somente água e remédio no espaço de ao menos uma hora antes da sagrada comunhão” (Cân. 919). Fala-se de ao menos uma hora antes da sagrada comunhão e não uma hora antes da missa.

Nós, cristãos, jejuamos porque ainda não nos deixamos invadir completamente pelo amor de Cristo Jesus. Jejuamos para Lhe dar lugar em nós, para que o Senhor possa ocupar toda a nossa existência a fim de que sejamos reflexos d’Ele neste mundo. Jejuamos para nos unirmos à sua Paixão-Ressurreição.

Mas podemos entender mal as motivações do jejum ou até cair no egoísmo e no orgulho. Por isso, a mesma Igreja, nos alerta para duas dimensões essenciais do jejum: a sua referência a Cristo e a sua dimensão de solidariedade. Além disso,  nós jejuamos para nos tornarmos sensíveis à fome e à sede de tantos irmãos, e para assumirmos a nossa responsabilidade na resolução dos problemas dos pobres e carentes. O verdadeiro jejum é dividir o que temos para oferecer a quem nada tem para viver. É dar nossas roupas para cobrir quem está sem nada para se vestir, comida para quem não a tem, bebida para quem não tem nada para saciar sua sede e assim por diante (cf. Mt 25,31-46). Sabemos que jamais podemos arrancar totalmente o sofrimento alheio, mas uma parte dele pode ser aliviada com nossa solidariedade e compaixão. Ninguém pode entrar no céu feliz deixando o irmão passando fome e outras necessidades básicas para um ser humano viver dignamente.

O jejum verdadeiro consiste em quebrar todas as cadeias injustas, em repartir o pão com o faminto. Segundo o profeta Isaias (Is 58,6-9), o culto deve estar unido à solidariedade com os necessitados. Caso contrário, não agrada a Deus e é estéril. As manifestações exteriores de conversão têm a sua prova real na caridade e na misericórdia com os necessitados, com os pobres, com os carentes do essencial como um ser humano para viver. 

Tendo presentes estas dimensões, entendemos melhor o sentido do jejum que nos é recomendado e pedido pela Igreja, e mais facilmente evitamos cair na busca de uma perfeição individualista e fechada, sem nos preocuparmos com Cristo presentes nos outros (Mt 25,40.45).

Por isso, o jejum cristão não consiste apenas em abster-se de alimentos. Consiste, sobretudo, em desejar o encontro com Jesus salvador e o encontro com irmão, especialmente com irmão carente do básico para viver e sobreviver como um ser humano.

Mas no contexto do evangelho de hoje o jejum deve ser entendido como sinal da espera messiânica. É uma controvérsia que os discípulos de João provocam, e que essa polêmica se refere à aceitação ou não de Jesus Cristo como o enviado de Deus. Essa polêmica tem como fundo a queixa de Jesus. Os discípulos de João e os fariseus não reconhecem Jesus como o enviado de Deus e, por isso, não mudam de vida.

Por esta razão Jesus põe três comparações sobre si próprio: Primeiro, Jesus é o noivo ou esposo e, portanto, todos deveriam estar de festa e na festa e não de luto. Segundo, Jesus é o traje novo que não admite qualquer remendo ou algo de coisa velha posto no novo. Terceiro, Jesus é o vinho novo que não pode ser colocado nos odres velhos. Os discípulos de João deveriam aprender a lição porque João chama a si mesmo de “o amigo do noivo” (Jo 3,29). O código do mundo em desenvolvimento é a renovação e a transformação. Se não há nada que mude fora de nós é porque nada mudou dentro de nós. "Se procuras algo bom, procura-o em ti mesmo até que o encontres" (Epicteto). Para que possamos alcançar nossos objetivos em tempo recorde, precisamos ser pessoas que renovam sua mente e disciplinam sua vida e suas opções de cada dia. Renovar significa colocar algo novo na mente. Uma pessoa que alcança o sucesso dos seus sonhos renova continuamente os seus pensamentos e avalia permanentemente suas atividades.

O que Jesus quer ensinar através do texto do Evangelho de hoje é a atitude que os seus seguidores devem ter: a festa e a novidade radical. Estando com Cristo e sabendo que Cristo está com eles, os cristãos não devem viver tristes. O cristianismo é, sobretudo, festa porque se baseia no amor de Deus, na salvação que nos oferece em Cristo Jesus, na vida que não termina com a morte, pois Cristo Jesus venceu a morte através de sua ressurreição. Esse mesmo Cristo Jesus nos comunica sua vida e sua graça na Eucaristia que nos faz vivermos a vida na alegria e na graça apesar de suas dificuldades, pois nosso Deus é o Deus-Conosco.

Por isso, viver em Cristo e viver com Cristo significa viver na novidade radical. Crer em Jesus Cristo e segui-Lo não significa mudar apenas alguns pequenos detalhes, ou por uns remendos novos para um traje velho ou guardar o vinho novo da fé nas estruturas caducas do pecado. Seguir Jesus significa mudar o vestido inteiro, é mudar de mentalidade para enxergar além das aparências, para ampliar o horizonte. É ter um coração novo que prefere a misericórdia ao sacrifício (Mt 9,13) . Seguir Cristo significa que os seus ensinamentos devem afetar toda a nossa vida e não somente umas orações ou práticas piedosas. As práticas religiosas isoladas do compromisso com a vida e com os necessitados não nos levam para Deus.

P. Vitus Gustama,svd

quarta-feira, 3 de julho de 2024

05/07/2024-Sextaf Da XIII Semana Comum

JESUS, ENCANAÇÃO DA MISERICÓRDIA NOS CHAMA PARA OUVI-LO E SEGUI-LO

Sexta-Feira da XIII Semana Comum

Primeira Leitura: Am 8,4-6.9-12

4 Ouvi isto, vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra; 5 vós que andais dizendo: “Quando passará a lua nova, para vendermos bem a mercadoria? E o sábado, para darmos pronta saída ao trigo, para diminuir medidas, aumentar pesos, e adulterar balanças, 6 e dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias, e para pôr à venda o refugo do trigo? 9 Acontecerá que naquele dia, diz o Senhor Deus, farei com que o sol se ponha ao meio-dia e em pleno dia escureça a terra; 10 mudarei em luto vossas festas e em pranto todos os vossos cânticos; farei vestir saco a todas as cinturas e tornarei calvas todas as cabeças, o país porá luto, como por um filho único, e o final desse dia terminará em amargura. 11 Eis que virão dias, diz o Senhor, em que enviarei fome sobre a terra; não fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir a palavra do Senhor. 12 Os homens vaguearão de um mar a outro mar, circulando do norte para o oriente, em busca da palavra do Senhor, mas não a encontrarão.

Evangelho: Mt 9,9-13

Naquele tempo, 9 Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me!” Ele se levantou e seguiu a Jesus. 10 Enquanto Jesus estava à mesa, em casa de Mateus, vieram muitos cobradores de impostos e pecadores e sentaram-se à mesa com Jesus e seus discípulos. 11 Alguns fariseus viram isso e perguntaram aos discípulos: “Por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?” 12 Jesus ouviu a pergunta e respondeu: “Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes. 13 Aprendei, pois, o que significa: ‘Quero misericórdia e não sacrifício’. De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores”.

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Explorar Os Pobres e Inocentes É Desonrar Deus

Ouvi isto, vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra; vós que andais dizendo: Quando passará a lua nova, para vendermos bem a mercadoria? E o sábado, para darmos pronta saída ao trigo, para diminuir medidas, aumentar pesos, e adulterar balanças, e dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias, e para pôr à venda o refugo do trigo?”, são palavras do profeta Amós que lemos na Primeira Leitura de hoje.

Continuamos a acompanhar as profecias e as denúncias do profeta Amós.  A crítica do profeta Amós ao povo de Israel é impiedosa. Não faz concessão nenhuma. Nem mesmo a expulsão do país o corrompeu. Ao contrário, aguçou-se sua acusação, que estendeu aos que queriam exilá-lo (veja a primeira leitura do dia anterior).

Desta vez Amós denuncia as faltas ou explorações contra os pobres que são faltas contra Deus, pois Deus “se esconde” atrás de cada pobre, inocente, manso e justo (cf. Mt 25,40.45). Amós faz uma lista de delitos contra a justiça cuja atualidade jamais se perde: explorar o pobre, despojar os débeis do pouco que têm, adulterar balanças para ganhar mais, abusar dos preços, aproveitar até os dias sagrados para programar negócios. Tudo está em função de um lucro maior usando todos os meios mesmo sendo não éticos.

Para Amós, Deus se solidariza com os pobres, vítimas de injustiças e por isso, Ele se vingará. E o castigo maior será o silêncio de Deus: deixará de falar, não suscitará profetas: “Eis que virão dias, diz o Senhor, em que enviarei fome sobre a terra; não fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir a palavra do Senhor”.

Precisamos recordar que a fé passa pela justiça e pela caridade. Ninguém pode ser caridoso sem ser primeiro justo. A justiça é o reconhecimento do direito do outro. A caridade é dar ao outro o que lhe falta. A justiça é o passo prévio para a caridade, sem a qual a caridade será apenas um instrumento para dominar os outros. Não poderemos falar de que cremos em Deus e rendemos-Lhe um culto válido, se não praticarmos a justiça social, se continuarmos a praticar fraudes contra o próximo, porque Deus se identifica com o próximo (cf. Mt 25,40.45). A fé não é algo reservado somente ao âmbito privado, ao Templo. A fé, o seguimento de Jesus, tem uma dimensão social muito forte, silenciada e esquecida em muitas ocasiões.

O texto do profeta Amós lido neste dia não se aplica apenas aos ricos que exploram os pobres, ou aos cínicos ou falaciosos que se enriquecem através de todo tipo de fraude/propina que hoje em dia cada vez mais sofisticado e sim, a todos nós, porque todos nós podemos ser injustos com as pessoas com quem convivemos ou trabalhamos. Pode ser estranho o castigo que Deus anuncia: seu silêncio, a ausência de Sua Palavra, a falta de profetas que falem em Seu Nome.

Deus quer nos purificar de nossas indolências e materialismos e despertar em nós a fome de Sua Palavra, pois a Palavra de Deus é guia para caminharmos com segurança pelos caminhos da história, pois O homem não vive somente de pão, mas de toda a palavra da boca de Deus”, assim rezamos como antífona do Salmo Responsorial deste dia.

Será que verdadeiramente temos fome de Deus e de Sua Palavra? Como se traduz esta fome em nossa vida? Será que podemos dizer que somos justos na nossa vida e nos nossos negócios? Nenhuma religião, crença ou Igreja deve camuflar a exploração dos pobres e dos inocentes. Esta “fachada” de piedade não pode enganar Deus. Deus ouve o grito dos pobres, inocentes, e injustiçados. Deus sabe que são os mais pobres e inocentes que sofrem mais pela briga dos poderosos na política e na economia.

É Preciso Seguir a Jesus Para Sejamos Instrumentos de Seu Amor Para o Próximo

Depois da cura do paralítico (Mt 9,1-8), Jesus se encontra com Mateus, cobrador de impostos e o chama para segui-lo: “Segue-me!”.

Mateus é um homem que o povo detesta, pois um colaborador do governo romano na cobrança de impostos (Cobrador de impostos). Os publicanos se enriquecem ilicitamente, especialmente, a custo dos pobres. Por isso, é uma profissão odiada. Os cobradores de impostos, aliados dos opressores, eram umundos, pecadores da raça mais detestável. Jesus entra no mundo dos detestáveis para salvá-los.

No texto do evangelho de hoje Jesus mostra sua autonomia e autoridade em escolher quem ele quiser para ser seu discípulo. Nunca podemos entender perfeitamente o mistério da escolha de Deus. Para a sociedade na época, Mateus jamais poderia ser um dos discípulos do Senhor, pois ele era um ladrão diplomado, um ladrão do dinheiro público, um impuro que tornaria o grupo dos discípulos impuro com sua adesão, pois ser cobrador de impostos significava ser pessoa impura na visão dos fariseus e dos sacerdotes. Mas Jesus desobedece aos padrões de uma cultura que manipula as pessoas e impõe a Nova Lei (cf. Mt 5,17ss). Porque “De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores”, disse Jesus. A comunhão de Jesus com os pecadores para libertá-los não o torna impuro e sim o mostra como o Libertador do homem do seu passado escuro.

Qualquer pessoa pode perguntar-se: “Como pode Deus estar presente em certos ambientes, como o de Mateus, especialmente tão repugnantes, maus ou perversos, em certas situações injustas como a vida vivida pelo publicano Mateus?”. Deus se encontra ali para curar, para salvar: “Quero misericórdia e não sacrifício”. Todo o Evangelho, quando se trata de Deus, nos urge que saibamos ultrapassar a noção de justiça e descobrir a Misericórdia infinita de Deus pelos pecadores. Deus não se cansa de perdoar e de se encontrar com os pecadores, os perdidos da vida para salvá-los, pois Jesus, o Deus-Conosco, veio para chamar e salvar os pecadores.

Jesus chama Mateus para segui-lo: “Segue-me” (Mt 9,9). E ele o segue (Mt 9,9). Ele diz a mesma coisa para Simão e André (Mt 4,19) e para Tiago e João (Mt 4,21). O termo “seguir(akoloutheo, em grego) aparece 90 vezes no NT. E Mateus imediatamente segue a Jesus. Como Jesus transformou os pescadores de peixes em pescadores de homens, assim também transformou um cobrador de impostos, um pecador público num “escriba do Reino de Deus”, num discípulo e mais ainda, num apóstolo.  Quem entra na esfera de Jesus deixa de ser como antes. Por isso, é preciso definir a que seguimos e a quem seguimos na vida para antecipar qual resultado final deste seguimento?

Mateus fez uma grande ceia, não para dizer adeus a seus amigos, e sim para que seus amigos se encontrassem com Jesus que o transformou profundamente. E os discípulos também estavam presentes para que estes seguissem a maneira de Jesus de tratar os excluídos da sociedade.

Os fariseus se escandalizam ao ver a cena. Para eles um observante da Lei jamais se senta à mesa com os publicanos que são pecadores públicos, porque comer com alguém numa mesa significa nivelar os relacionamentos. Portanto, a comunidade de mesa é a comunidade de vida. Consequentemente, os publicanos jamais poderiam a sentar-se à mesa lado a lado com um judeu piedoso.

Mas aquele que ensina o caminho de Deus, que também é o próprio Caminho (Jo 14,6), como Jesus, não pode atuar assim: “Quero misericórdia e não sacrifício”. O amor de Deus por nós é o amor misericordioso, pois cuida, sustenta e salva a humanidade. E este amor misericordioso se encarna em Jesus Cristo. Por isso, Jesus e Sua Palavra alimentam, cuidam, mantêm, sustentam, curam, transformam e dão a vida para a humanidade.

Não podemos professar seriamente a nossa fé no Deus da misericórdia, sem praticarmos, ao mesmo tempo, a sua misericórdia. Amor é misericordioso. Esta é uma afirmação central e o cume da fé e de toda a doutrina cristã acerca de virtudes.

Eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores”, disse Jesus. Somente os enfermos necessitam de médico e não os sãos. Jesus está sentado à mesa porque Ele quer transmitir a Palavra de Deus que salva para poder mudar a vida daqueles que se encontram no caminho errado e concerte-los. Jesus quer transformá-los em homens justos. Por isso, o que Jesus para os fariseus é duro: “Aprendei, pois, o que significa: ‘Eu quero misericórdia e não sacrifício’”. Este “eu” é Jesus que é o Deus-Conosco. É Aquele não pode aceitar um sacrifício se antes não se fez a reconciliação com os irmãos (cf. Mt 5,23-24), se não se vive uma atitude de dom aos demais.        

“Segue-me!”. O verbo “seguir”, em sentido próprio, significa “ir atrás de alguém”; e no sentido figurado significa “ser discípulo”, “ir em seguimento de alguém”. Seguir significa andar, avançar, ver mais, aprender mais. Quem andar, quem caminhar vai encontrar muita coisa no caminho. Quem fica parado e paralisado vê menos.          

Seguir a Jesus significa romper todo o passado, e abandonar tudo para trás (cf. Mt 4,18-22;9,9s;19,21;Lc 9,61;Mc 10,28), submetendo-se com fé e obediência à salvação oferecida em Cristo. Seguir também tem sentido de imitação. Neste sentido seguir significa unir-se com Jesus numa comunhão de vida e de destino; é modelar-se segundo o exemplo de Jesus (cf. Jo 13,15.34;15,12;1Ts 1,6;1Cor 11,1;Ef 5,2;1Jo 2,6 etc.); é ser misericordioso como Ele. Assim, seguir a Jesus não é apenas aderir a um ensinamento moral e espiritual, mas compartilhar sua sorte. Por isso, Jesus exige o desapego total: renunciar às riquezas e à segurança, deixar os familiares (Mt 8,19-22;10,37;19,16-22), sem esperar o retorno (troca ou retribuição). Ao exigir de seus discípulos um tal sacrifício, Jesus se revela como Deus, única garantia, e revela integralmente até que ponto vão as exigências de Deus. Pode ser que seja até o sacrifício da cruz e até se sentir abandonado pelos outros, como Jesus sentiu (Mt 26,56).          

A partir deste sentido, somos convidados a refletir sobre o nosso seguimento de Cristo. Até que ponto nós estamos dentro deste padrão? Em outras palavras, o que significa para nós hoje seguir a Jesus? Para responder esta pergunta, devemos responder outra pergunta: quem é Jesus a quem seguimos? 

Segue-me!” é a voz do Senhor chamando o publicano Mateus para ser seu discípulo. Podemos também nos encontrar numa situação moral, vocacional ou profissionalmente difícil como a de Mateus ou poder ser pior do que isso. Precisamos parar para ouvir a voz do Senhor que nos chama: “Segue-me!”. Esta voz deve ressoar em todas as situações de nossa vida. Jesus nos chama para a liberdade de filhos e filhas de Deus a fim de sermos instrumentos da misericórdia divina para os demais. Mateus seguiu a Jesus não para dar adeus a seus amigos e sim para que seus amigos se encontrassem também com Jesus que veio chamar os pecadores. Mateus é chamado para que os outros o sigam seguindo o Senhor que liberta.          

Seguir a Jesus é viver a sua vida; é ser misericordioso como Ele. A vida de Jesus foi marcada particularmente por amor ao Pai e aos homens, especialmente aos mais necessitados. Seu relacionamento profundo com o Pai se traduz na prática da solidariedade e da misericórdia com os marginalizados e pecadores. Seguir Jesus é não condenar e sim salvar; não excluir os outros e sim integrá-los na comunidade de irmãos; não se isolar, mas ser solidário. Seguir a Jesus é viver segundo o seu projeto. Ele quer que as relações humanas e sociais se baseiem sobre a justiça, o amor, a fraternidade e o perdão. Tudo isso se tornará realidade, se o homem se descobrir como filho de um Pai amoroso. Seguir a Jesus é estar pronto para viver o seu destino. Viver segundo o projeto de Jesus leva o seguidor a viver o martírio. O martírio é o preço a pagar pela fidelidade à causa jamais traída. Quem se propõe a seguir a Jesus deve estar pronto também para viver a bem-aventurança das perseguições (Mt 5,10s). Mateus não foi chamado porque está convertido, e sim Mateu se converteu porque foi chamado.

Eu quero misericórdia e não sacrifício”. Esta é a vontade de Jesus para todos os cristãos. Misericórdia é amar até aquele que não merece ser amado. O verdadeiro amor é querer o bem do outro, inclusive daquele que errou até gravemente na vida, moral e eticamente. A Igreja não se constitui de puros e sim de pecadores acolhidos que também acolhem, de perdoados que perdoam. A Igreja não é feita de justos e sim depecadores, sempre necessitados de receber e de dar o perdão. O cristão vive da graça e da misericórdia de Deus. Enquanto somos duros com os pecadores, somos coniventes com o pecado. Não somos curados pelos sacrifícios ou expiações e sim pela descoberta do amor misericordioso de Deus para cada um de nós. “Eu quero misericórdia e não sacrifício”.

P. Vitus Gustama,svd

terça-feira, 2 de julho de 2024

04/07/2024-Quintaf Da XIII Semana Comum

SEJAMOS COLABORADORES DA MISERICÓRDIA DIVINA E DA VERDADE E NÃO DO PODER MUNDANO

Quinta-Feira Da XIII Semana Comum

Primeira Leitura: Am 7,10-17

Naqueles dias, 10 Amasias, sacerdote de Betel, mandou dizer a Jeroboão, rei de Israel: “Amós conspira contra ti, dentro da própria casa de Israel; o país não consegue evitar que se espalhem todas as suas palavras. 11 Ele anda dizendo: ‘Jeroboão morrerá pela espada, e Israel será deportado de sua própria pátria, como escravo’”. 12 Disse depois Amasias a Amós: “Vidente, sai e procura refúgio em Judá, onde possas ganhar teu pão e exercer a profecia; 13 mas em Betel não deverás insistir em profetizar, porque aí fica o santuário do rei e a corte do reino”.  14 Respondeu Amós a Amasias, dizendo: “Não sou profeta nem sou filho de profeta; sou pastor de gado e cultivo sicômoros. 15 O Senhor chamou-me, quando eu tangia o rebanho, e o Senhor me disse: ‘Vai profetizar para Israel, meu povo’. 16 E agora ouve a Palavra do Senhor. Tu dizes: ‘Não profetizes contra Israel e não insinues palavras contra a casa de Isaac’. 17 Pois bem, isto diz o Senhor: ‘Tua mulher se prostituirá na cidade, teus filhos e filhas morrerão pela espada, tuas terras serão tomadas e loteadas; tu mesmo morrerás em terra poluída, e Israel será levado em cativeiro para longe de seu país’”.

Evangelho: Mt 9,1-8

Naquele tempo, 1 entrando em um barco, Jesus atravessou para a outra margem do lago e foi para a sua cidade. 2 Apresentaram-lhe, então, um paralítico deitado numa cama. Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: “Coragem, filho, os teus pecados estão perdoados!” 3 Então alguns mestres da Lei pensaram: “Esse homem está blasfemando!” 4 Mas Jesus, conhecendo os pensamentos deles, disse: “Por que tendes esses maus pensamentos em vossos corações? 5 O que é mais fácil, dizer: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te e anda’? 6 Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar pecados, — disse, então, ao paralítico — “Levanta-te, pega a tua cama e vai para a tua casa”. 7 O paralítico então se levantou, e foi para a sua casa. 8 Vendo isso, a multidão ficou com medo e glorificou a Deus, por ter dado tal poder aos homens.

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Ser Voz De Deus É Não Compactuar Com o Mal e Maldade De Qualquer Pessoa e Instituição

Disse Amasias a Amós: ´Vidente, sai e procura refúgio em Judá, onde possas ganhar teu pão e exercer a profecia; mas em Betel não deverás insistir em profetizar, porque aí fica o santuário do rei e a corte do reino´”, assim lemos na Primeira Leitura de hoje.

Amasias, o sacerdote de Betel, é um fiel servidor do culto. Ele está comprometido com o rei e a instituição. Pode-se dizer que Amasias era um teólogo dependente do rei e da instituição (teólogo da corte). Exatamente, essa dependência leva Amasias a uma situação emaranhada. Em outras palavras, como sacerdote, ele não serve ao Senhor e ao seu povo e sim à ordem do rei. O nome “Amasias” em hebraico significa “aquele que Deus conduz”. Infelizmente, em vez de se deixar conduzir pelo Senhor para salvar o povo, Amasias se deixa conduzir pela ordem do rei injusto.

Para agradar o rei, o sacerdote Amasias denuncia o profeta Amós como inimigo do estado e da religião. O que importa para Amasias não é a palavra da verdade e sim as palavras capazes de agradar os ouvidos do rei. “Vidente, sai e procura refúgio em Judá, onde possas ganhar teu pão e exercer a profecia; mas em Betel não deverás insistir em profetizar, porque aí fica o santuário do rei e a corte do reino”, disse Amasias para o profeta Amós. A voz do profeta Amós incomoda o rei Jeroboão e Amasias, sacerdote do Templo de Betel. Por isso, perseguem o profeta Amos.

Desde sempre, os verdadeiros profetas são perseguidos, porque dizem, não o que o povo ou os governantes querem escutar e sim, o que Deus quer que o profeta fale. Por isso, tanto no AT como n NT, na história antiga e na moderna, os que se dizem poderosos deste mundo querem calar ou excluir ou eliminar qualquer verdadeiro profeta, como Jesus Cristo, o profeta por excelência.

Paradoxalmente, o papel desempenhado pelo sacerdote Amasias é perverso, pois em vez de oferecer facilidade para a Palavra de Deus, expulsa o profeta de Deus. Amasias tem maior interesse em conservar a situação existente, da qual se aproveita, do que em colaborar na criação da situação que Deus quer surgir. Amasias se alinha com os poderosos e se coloca inteiramente a serviço da conservação de um poder edificado sobre a injustiça e a corrupção. Para o sacerdote Amasias, a participação na injustiça é mais importante do que se comprometer com o direito e com Deus que se coloca do lado dos pequenos, dos pobres e empobrecidos, dos justos e dos mansos e assim por diante. Como “sacerdote”, Amasias não se mostra como alguém preocupado com o futuro do povo. Ao contrário, ele procura garantir seus próprios privilégios, contra os interesses de sobrevivência do povo. Os interesses do sacerdote Amasias não coincidem com os do povo. A expulsão do profeta Amós do reino do Norte faz parte notória desse desinteresse “sacerdotal” pelo povo, uma vez que o povo é privado do que seria importante para o futuro: a palavra profética de Deus.

O profeta Amós não se deixa intimidar. A Palavra de Deus não está encarcerada, dizia são Paulo (2Tm 2,9). Apesar das ameaças, o profeta Amós é capaz de dizer aos poderosos deste mundo as palavras mais difíceis de dizer: “Tua mulher se prostituirá na cidade, teus filhos e filhas morrerão pela espada, tuas terras serão tomadas e loteadas; tu mesmo morrerás em terra poluída, e Israel será levado em cativeiro para longe de seu país” (Am 7,17).

Amós é uma pessoa de caráter firme, marcado pelo deserto e pelos campos áridos. Por isso, ele responde a Amasias: “Não sou profeta nem sou filho de profeta; sou pastor de gado e cultivo sicômoros. O Senhor chamou-me, quando eu tangia o rebanho, e o Senhor me disse: ‘Vai profetizar para Israel, meu povo´”. O profeta Amós quer dizer com outras palavras: “Eu não sou um profeta da corte. Eu mesmo posso ganhar meu pão. Sei, porém, que aqui represento a causa de Deus e isso constitui para mim vocação e legitimidade suficientes”. O profeta Amós fala de Deus não num tom confortador de púlpito, mas com imagens inabituais de Deus: Deus que ruge como leão (Am 1,2). Amós acusa frontalmente os responsáveis por sua falta de preocupação pela vida e salvação do povo.

Temos diante de nós, então, a aliança de trono e altar. Betel é o santuário do rei. E nele, no templo real, Amós fala em nome de Deus contra a casa real. Isso coloca o sacerdote do rei, Amasias, em guarda e consequentemente, anuncia ao rei a inquietação desencadeada pelo discurso profético.

A relação entre o trono e o altar, a relação da Igreja com o poder estatal é importante para a práxis profética da Igreja. Se for muito íntima, o altar, o “sacerdote”, perde a força profética. O conflito entre tal “sacerdote” e o profeta é inevitável.  O conflito entre “sacerdotes” e profetas aconteceu e continua acontecendo em todos os tempos e em todas as Igrejas e religiões. Quantos sacerdotes, quantos pastores que vivem servindo aos interesses dos poderosos em nome dos interesses econômicos e outros interesses.

Na nossa Igreja ocorre essa relação carregada de tensão entre o profético e o sacerdotal, algumas vezes no próprio individuo, outras vezes dentro da instituição. Sacerdotes como Amasias existem muitos hoje em dia. São “sacerdotes” que se limitam à rotina profissional e convertem a vocação em profissão. O impulso do Espirito Santo enfraquece neles, pois se transformam em funcionários da instituição e, acima de tudo, preferem uma boa relação com os poderosos ao compromisso profético com os pobres e empobrecidos.

Não é de hoje também que os profetas, os oponentes políticos éticos, os religiosos em favor dos pobres e empobrecidos, os Martin Luther King, as Madres Teresa de Calcutá são expulsos, como o profeta Amós? Não é de hoje também que se quer também calar as vozes que embaraçam? Jesus também não era uma dessa vozes que os adversários procuraram calar com sua morte? Não é de hoje também que muitos, como Amasias que era sacerdote oficial, tratam de conservar a qualquer preço seus privilégios e interesses? Não me sinto tentado alguma vez de adoçar a Palavra de Deus para evitar desgosto e para defender meus privilégios? Será que eu me deixo “prender” por Deus como Amós? Será que eu me atrevo a dizer certas palavras ainda que corra o risco de perder certas vantagens e certos privilégios? Será que sou tentado abandonar compromissos sérios em função do bem comum para que eu possa viver em paz comigo mesmo?

Deus É Misericordioso Para Quem Se Converte

Depois da tempestade acalmada e a libertação dos dois possuídos relatadas nos textos anteriores da passagem do evangelho de hoje (Mt 8,5-34), agora Jesus nos mostra seu poder sobre o mal mais profundo: o pecado. A salvação que Jesus Cristo quer para a humanidade é integral, do homem todo: seu corpo e espírito. O sinal externo- a cura da paralisia- é o símbolo da cura interior, a libertação do pecado, como tantas outras vezes em seus milagres.

Tem ânimo, meu filho; os teus pecados te são perdoados!”, diz Jesus ao paralítico. “Teus pecados estão perdoados”, disse Jesus. Perdoar é um milagre maior do que ressuscitar um morto. Perdoar e nascer e fazer nascer a vida imortal. O perdão é a experiência de um amor maior do que todo o mal. No perdão  se revela a identidade de Deus que ama sem medida. O pecado é divisão, desunião e a divisão é morte. O perdão restabelece a comunhão de vida ainda mais profunda lá onde havia a divisão. O pecado paralisa a vida de quem o cometeu; o perdão torna o homem voltar a caminhar com a firme esperança no Deus da misericórdia. Para Jesus a enfermidade mais grave e urgente do paralítico não é sua enfermidade física e sim seu pecado (enfermidade da alma). Para a cura das enfermidades espirituais é necessária a colaboração do próprio enfermo (conversão e fé em Deus) e o perdão de Deus (misericórdia).

“Os teus pecados te são perdoados!” É a primeira vez que o evangelista Mateus menciona este tipo de poder que Jesus tem: o poder de perdão. O poder que Jesus tem em relação ao pecado é um poder de reconciliação dos homens com Deus. “Os pecados” em Mateus significam o passado pecador do homem, antes de seu encontro com Jesus. A fé em Jesus, que é a adesão a ele e a sua mensagem, apaga o passado pecador do homem e dá-lhe oportunidade de um novo começo. O pecado é capaz de paralisar a vida do homem, mas a conversão e a fé em Deus libertam o homem de sua paralisia para viver na liberdade de um filho de Deus. Da parte de Jesus não há pecado que não possa ser perdoado. Basta o homem se arrepender e voltar para Deus, o Deus da misericórdia não quer saber mais o passado do homem. Mas através do profeta Isaias Deus nos dá o seguinte recado: “Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem”.

Mas o evangelista Mateus não somente se concentra no poder de Jesus de perdoar pecados. Mais adiante, no seu evangelho, ele vai nos dizer que a comunidade cristã é o lugar de reconciliação e do perdão mútuo. Jesus Cristo vai dar o dom do poder de perdoar à comunidade cristã: “Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu” (Mt 18,18). Assim a comunidade cristã ou a Igreja se transforma em lugar de libertação dos pecados e de liberdade dos reconciliados.

“Os teus pecados te são perdoados!” Como é bom viver com uma consciência limpa. Como é leve uma vida sem mancha moral ou ética. É uma liberdade que faz qualquer um viver a vida na alegria. Quando o coração estiver limpo podemos aplicar para nós as palavras de São Paulo aos filipenses: “Alegrai-vos no Senhor. Repito: alegrai-vos” (Fl 4,4). Há alegria disfarçada para calar ou abafar os gritos de um coração sujo, como escreveu um psicólogo argentino: “Há gargalhadas que se parecem mais com um soluço do que com uma risada” (René Juan Trassero). Mas a alegria no Senhor é uma alegria que liberta e salva: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”, prometeu-nos Jesus no Sermão da Montanha (Mt 5,8).

Ao dizer “Tem ânimo, meu filho; os teus pecados te são perdoados!”, Jesus usa aqui a visibilidade da cura corporal, perfeitamente controlável, para provar outra cura espiritual, a cura da alma em estado de pecado. Jesus pronunciou formulas de absolvição: “teus pecados são te perdoados”, e depois, fez gestos exteriores de cura: “levanta-te e vai para tua casa”. Muitas doenças acontecem conosco porque causa dos problemas não solucionados. Trata-se de doenças psicossomáticas. É preciso que reorganizemos nossa vida no Senhor para que nossa alegria seja plena.

A Igreja é o prolongamento real da Encarnação de Jesus. Como o próprio Jesus é o grande Sacramento, ou a presença visível de Deus, assim também a Igreja é o grande Sacramento visível de Cristo. Jesus comunicou seu poder de perdoar a seus apóstolos, isto é, para aqueles que, durante todo o tempo da Igreja, têm missão de fazê-la existir como Igreja exercendo o ministério que lhes foi confiado (cf. Mt 16,19). Quando os apóstolos ou seus sucessores perdoam em nome de Cristo é todo o povo de Deus que se encontra comprometido no mistério da cruz e no ato divino-humano de perdão que ali tomou corpo. Os sacramentos são sinais visíveis que manifestam a graça invisível. A Igreja inteira, pelo ministério apostólico, está constituída no ato de misericórdia em proveito de toda a humanidade. Neste sentido pode se dizer que o cristão é ministro da misericórdia divina no sentido de que ele é chamado para perdoar sempre porque Deus o perdoa sempre e por isso, ele vive por causa da misericórdia divina. Todos são chamados a participar da obra de misericórdia. A Igreja é a misericórdia de Deus para os homens.

Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico:Tem ânimo, meu filho; os teus pecados te são perdoados! ’”. A fé, que é o dom de Deus ao homem, se for autêntica é capaz de levar o homem à conversão, à orientação de sua vida e de sua caminhada para a felicidade e para a salvação. Deus valoriza o futuro do homem e perdoa seu passado desde que o homem se converta. Mas será que nossa fé é autêntica? A verdadeira fé em Deus mantém nossa vida em ordem que traz a paz. “A paz é a tranquilidade da ordem”, dizia Santo Agostinho. A fé é capaz de ordenar tudo na simplicidade de nossa vida, pois para Deus tudo é simples e para o simples tudo é divino.

Mas “alguns Mestres da Lei pensaram: ‘Esse homem (Jesus) está blasfemando’”. Com esta expressão se põe em evidência de que o Deus de Jesus não era o deus dos dirigentes de seu povo. Mais uma oposição contra o plano de Deus que o evangelista Mateus tem nos mostrado até agora.

Também nós corremos o perigo de fazermos um Deus à medida de um sistema ou de uma instituição que pode nos levar para um fanatismo fundamentalista que leva à autodestruição ou ao cataclismo de matar o outro por amor a suposto Deus em quem se acredita ou em nome de Deus e para servi-lo. Seria um Deus muito cruel, mas não é um Deus misericordioso revelado por Jesus. Temos que tomar cuidado para que nenhum sistema possa pensar por nós. Deste jeito criaremos ídolos e seremos idólatras, não mais filhos e filhas de Deus que precisam viver a fraternidade universal como consequência lógica e essencial da consciência de que Deus é o Pai de todos.

P. Vitus Gustama, SVD

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Apóstolo Tomé, 03/07/2024

SÃO TOMÉ, APÓSTOLO

A FÉ EM DEUS NOS TORNA VERDADEIRAMENTE FELIZES

Primeira Leitura: Ef 2,19-22

Irmãos, 19já não sois mais estrangeiros nem migrantes, mas concidadãos dos santos. Sois da família de Deus. 20Vós fostes integrados no edifício que tem como fundamento os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus Cristo como pedra principal. 21É nele que toda a construção se ajusta e se eleva para formar um templo Santo no Senhor. 22E vós também sois integrados nesta construção, para vos tornardes morada de Deus pelo Espírito.

Evangelho: Jo 20,24-29

24 Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25 Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir as marcas dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. 26 Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. 27 Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28 Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29 Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”

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Hoje, 03 de Julho, celebramos a festa do apóstolo Tomé, o cético, o incrédulo, o modelo dos realistas, dos pessimistas, dos que desconfiam quando as coisas saem bem. O Apóstolo Tomé é, como muitos homens modernos, um existencialista que não crê naquilo que não toca, porque não quer viver das ilusões. É aquele que pensa que o pior é sempre o mais seguro.

O quarto Evangelho, isto é, o Evangelho de João nos fornece dados sobre algumas características do Apostolo Tomé. Seu nome “Tomé” significa “gêmeo” (de origem hebraica “ta’am”, “gêmeo”, “junto”). No entanto, não se dá razão deste nome.

Segundo o quarto Evangelho Tomé exorta aos demais sobre o perigo da ida de Jesus para Betânia para ressuscitar Lázaro, no momento crítico da vida de Jesus (cf. Mc 10,32), pois Jesus é ameaçado de morte. ”Vamos todos morrer com ele!”, alerta Tomé (Jo 11,16). Mesmo assim Tomé mostra sua fidelidade a Jesus ao acompanhá-Lo para Betânia. A fidelidade de Tomé mostra sua adesão à vida de Jesus e à causa pela qual Jesus vive e exerce sua missão. Ele segue a Jesus apesar das dificuldades neste seguimento. Seguir Jesus significa viver junto, estar no coração de Jesus como Jesus está no nosso coração e morrer junto com ele para com ele ressuscitar junto. 

O Evangelho de João nos fornece outra intervenção do Apostolo Tomé, desta vez, na Ultima Ceia. Na despedida Jesus disse aos Apóstolos: “Para onde eu vou, vós conheceis o caminho” (Jo 14,4), isto é para a casa do Pai, onde Jesus e os seus vão se encontrar um dia. Jesus vai preparar esse “lugar” para eles. No entanto, Tomé mostra seu pouco conhecimento sobre esse assunto: “Senhor, não sabemos para onde tu vais!” (Jo 14,5). O pouco conhecimento de Tomé sobre esse assunto é a grande oportunidade para Jesus se revelar através da famosa frase: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).

Não tenha medo de nosso pouco conhecimento sobre o mistério de Deus. Basta mantermos as conversas com Deus nas nossas orações e meditações para que o mesmo Deus possa se revelar para nós algo pelo qual nós ansiamos tanto para compreender seu sentido.

O quarto Evangelho nos apresenta também uma cena bastante marcante a respeito do Apostolo Tomé: sua incredulidade. Ele não acreditava que Jesus tinha sido ressuscitado: “Se não vir em suas mãos o sinal dos pregos e não colocar meu dedo no lugar dos pregos e não colocar minha mão no seu lado, eu não acreditarei” (Jo 20, 25). Os sinais da crucificação no corpo de Jesus continuam marcando a memória de Tomé. Ele quer agora reconhecer Jesus através desses sinais. Isso significa que Tomé não se esquece da razão pela qual Jesus foi crucificado. Como se ele quisesse dizer: “Eu quero ver Jesus crucificado ressuscitado”.

A decepção de Tomé pela morte de Jesus mostra, no fundo, sua grande fé no mesmo Jesus e seu amor forte por Jesus. A decepção será maior por quem amamos tanto e em quem depositamos nosso amor, quando ele sair de nossa vida sem nenhuma explicação.

Depositar nosso amor no Senhor nunca nos decepciona. O quarto Evangelho nos relatou que Jesus crucificado ressuscitado volta a aparecer no meio dos discípulos entre os quais está o Apostolo Tome. Desta vez o olhar de Jesus é dirigido, especialmente, para Tomé: “Aproxima aqui teu dedo, Tomé, e olha minhas mãos; traz tua mão e coloca-a em meu lado, e não sejas incrédulo, mas crente” (Jo 20, 27). Tomé nunca se sentiu completamente comovido, porque nunca havia imaginado que Cristo atendesse um desejo tão difícil e absurdo. O pior castigo que se pode dar a quem não crê é conceder-lhe aquilo que se põe como condição indispensável para chegar à fé.

Diante dessa atenção tão grande do Senhor, que é sinal de Seu amor pelo apostolo, Tomé professa sua fé tão curta, mas tão profunda e esplêndida em todo Novo testamento: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28). A fé de Tomé passa de mão (queria tocar nas chagas) para o coração; passa da incredulidade para o extase da fé: “Meu Senhor e meu Deus”. Nesta confissão Tomé não só manifesta sua fé na ressurreição de Jesus (Senhor: título pós-pascal), mas também na sua divindade (meu Deus). Com esta confissão Tomé nos ensina que a conseqüência última da ressurreição do Messias é o reconhecimento de sua condição divina. Os que crêem em Jesus Cristo de todos os séculos sempre agradecem a São Tomé por este feliz e deslumbrante ato de fé: “Meu Senhor e meu Deus”.

Diante da profissão da fé de Tomé, Jesus pronuncia uma frase que nos eleva para a categoria dos felizes porque acreditamos no Senhor: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que não viram e creram” (Jo 20, 29). Jesus pronuncia a bem-aventurança, não tanto por Tomé como por nós. O itinerário é sempre o mesmo embora a situação histórica possa mudar. Chegamos à fé através de um ato de abandono total em Jesus morto e ressuscitado.

“Felizes os que não viram e creram”. Esta é a bem-aventurança do Ressuscitado. Crer, segundo o Evangelho deste dia, é renunciar a ver com os olhos da carne, a tocar com as mãos, a enfiar o dedo nas feridas do Ressuscitado para identificá-Lo. Crer é buscar e encontrar o Senhor, nosso Deus, na Assembléia dos que crêem que Jesus é o Salvador, na assembléia dos que encontram nos sacramentos a vida que brotou da cruz. Não conhecemos Jesus segundo a carne, não buscamos visões ou fatos extraordinários onde apoiar nossa fé. A felicidade que nos salva agora é a presença vivificante do Senhor que nos reúne pelo Espírito do Ressuscitado na Igreja onde não cessa de nos pregar o Evangelho e de partir para nós o Pão da vida. Em cada domingo somos felizes por este encontro com o Senhor que faz a morte morrer e nos dá a vida eterna e que nos alimenta com o Pão da Vida. “Fé é crer no que não vemos. O premio da fé é ver o que cremos”, dizia Santo Agostinho (Serm. 43,1,1). E acrescentou: “A fé abre a porta ao conhecimento. A incredulidade a fecha” (Epist. 136,4). 

Nosso futuro em Deus é questão de fé, não de evidência. Por isso, é necessário superar um conceito tátil e comprovador de ter que colocar as mãos para estarmos seguros do que cremos. “A vida da vida mortal é a esperança da vida imortal”, dizia Santo Agostinho (In Ps.103,4,17). E “não há motivo para tristeza duradoura onde há certeza de felicidade eterna”, acrescentou Santo Agostinho (Epist. 263,4). A fé é a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que não se veem”, diz a Carta aos Hebreus (Hb 11,1).

A partir do evangelho de hoje em que se narra a reunião dos apóstolos como uma comunidade cujo Cristo ressuscitado está no meio dela aprendemos que a comunidade pascal é uma comunidade de crentes que se reúnem pela fé em Cristo (At 2,42-47).

Nós somos irmãos de fé, como enfatiza a Primeira Leitura de hoje (Ef 2,19-22). Para São Paulo, o mistério de Cristo e o da Igreja estão intimamente conectados. Cristo é nossa paz: nele todos, tanto os distantes (os pagãos) como os próximos (os judeus) encontram o caminho da reconciliação e da unidade. Em Cristo já não há dois povos e sim um só; já não há separação entre gente diferente e sim unidade entre os semelhantes. Tudo isso é dom de Deus Pai, por meio de Cristo Senhor, no Espírito Santo. Neste contexto são Paulo imagina a Igreja como um grande edifício, um templo santo, a “morada de Deus”. Os “cimentos” deste edifício, no qual estão todos e vivem como “concidadãos dentro do povo de Deus”, como “família de Deus”, são os apóstolos e os profetas. No entanto, a “pedra angular” é Jesus Cristo: ele é a chave que consolida tudo e todos (o conjunto). A fé é que nos chama para formar uma comunidade onde somente há fraternidade e igualdade. 

O Papa Bento XVI comentou: “O caso do apóstolo Tomé é importante para nós, ao menos por três motivos: primeiro, porque nos consola em nossas inseguranças; em segundo lugar, porque nos demonstra que toda dúvida pode ter um final luminoso, além de toda incerteza; e, por último, porque as palavras que Jesus lhe dirigiu nos recordam o autêntico sentido da fé madura e nos estimulam a continuar, apesar das dificuldades, pelo caminho de fidelidade a ele”.

Segundo uma antiga tradição, Tomé evangelizou em um primeiro momento a Síria e a Pérsia (assim afirma Orígenes, segundo refere Eusébio de Cesaréia, «Hist. Eccl. » 3, 1), e logo chegou até a Índia ocidental (cf. «Atos de Tomé» 1-2, 17 e seguintes), desde onde depois o cristianismo chegou também ao sul da Índia. 

Para nós, o importante é obeservar a mudança da atitude de São Tomé. Ele tardou em compreender que sua postura diante da palavra dos companheiros não tinha sido razoável, pois, na verdade, ele tinha diante de si testemunhas fidedignas, por exemplo, Maria Madalena e os discípulos de Emaús. Mas o Senhor sempre tem paciência em esperar a resposta positivo dos seus seguiores. “Meu Senhor e meu Deus” é a mais alta e clara confissão de fé que aparece no quarto Evangelho (Evangelho de João).

Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio”. O comportamento de Tomé é a nossa tendência de pretender obter uma demonstração particular de Deus sem compromisso com os outros, com a comunidade sem integração e participação. Tomé representa aqueles que vivem fechados em si próprios e que não faz caso do testemunho da comunidade nem percebe os sinais de vida nova que nela se manifestam. Uma comunidade pode não ser perfeita, mas ela nos faz mais nós mesmos, pois nenhuma pessoa pode ser ela mesma sem as outras pessoas: suas irmãs e seus irmãos da jornada nesta vida. 

Inspirado na confissão do Apóstolo Tomé, são Nicolau de Flüe rezava, que serve também para nossa oração: “Meu Senhor e meu Deus, tira de mim tudo que me afasta de Ti; meu Senhor e meu Deus, dá-me tudo aquilo que me aproxima de Ti; meu Senhor e meu Deus, tira-me de mim mesmo para dar-me inteiramente a Ti”.

P. Vitus Gustama,svd

02/07/2024-Terçaf Da XIII Semana Comum

FÉ EM DEUS PARA TER CORAGEM DE LEVAR JESUS E SUA MENSAGEM PARA OS QUE ESTÃO DO OUTRO LADO

Terça-Feira da XIII Semana Comum

Primeira Leitura: Am 3,1-8;4,11-12

3,1 Ouvi, filhos de Israel, a palavra que disse o Senhor para vós e para todas as tribos que eu retirei do Egito: 2 “Dentre todas as nações da terra, somente a vós reconheci; por isso usarei o castigo por todas as vossas iniquidades. 3 Se duas pessoas caminham juntas, não é porque estão de acordo? 4 Se o leão ruge na selva, não é porque encontrou a presa? Se no covil rosna o filhote do leão, não é porque agarrou sua parte? 5 Acaso, sem armadilha, se prende uma ave no chão? Acaso dispara a armadilha, antes de capturar a presa? 6 Se ressoa na cidade o toque da trombeta, não fica a população apavorada? Se acontece uma desgraça na cidade, não foi o Senhor que fez? 7 Pois nada fará o Senhor Deus, que não revele o plano a seus servos, os profetas. 8 Ruge o leão, quem não terá medo? Falou o Senhor Deus, quem não será seu profeta?” 4,11 “Eu arrasei-vos, como arrasei Sodoma e Gomorra, e ficastes como um tição, retirado da fogueira; e, contudo, não voltastes para mim”, diz o Senhor. 12 Por isso, assim te tratarei, Israel; e, porque sabes como te vou tratar, prepara-te, Israel, para ajustar contas com o teu Deus.

Evangelho: Mt 8, 23-27

Naquele tempo, 23 Jesus entrou na barca, e seus discípulos o acompanharam. 24 E eis que houve uma grande tempestade no mar, de modo que a barca estava sendo coberta pelas ondas. Jesus, porém, dormia. 25 Os discípulos aproximaram-se e o acordaram, dizendo: “Senhor, salva-nos, pois estamos perecendo!” 26 Jesus respondeu: “Por que tendes tanto medo, homens fracos na fé?” Então, levantando-se, ameaçou os ventos e o mar, e fez-se uma grande calmaria. 27 Os homens ficaram admirados e diziam: “Quem é este homem, que até os ventos e o mar lhe obedecem?”

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Somos Chamados a Voltar Para Deus Antes Que Destruamos Nossa Própria Vida e a Vida Alheia

Ouvi, filhos de Israel, a palavra que disse o Senhor para vós e para todas as tribos que eu retirei do Egito: ´Dentre todas as nações da terra, somente a vós reconheci; por isso usarei o castigo por todas as vossas iniquidades´”.

Amós é um profeta que aparece subitamente como um relâmpago de tormenta num mundo de refinada crueldade com suas palavras firmes e rigorosas. Ele é quem introduz no profetismo a espontaneidade dinâmica e valente desconhecida desde a desaparição do profeta Elias. Outros profetas se amadurecem à sombra de um mestre. Amós conhece somente a feroz chamada de Deus que o arrasta a fazer sentir suas exigências no coração da cidade e a restituir a totalidade de uma obrigação: a aliança. As palavras do profeta Amós estão cheias de indignação moral: não condenam o progresso humano e sim o orgulho e a injustiça.

Através da Primeira Leitura de hoje, o profeta Amós quer nos relembrar que nenhum povo se escapará da justiça de Deus. Amós afirma a igualdade de todas as etnias e de todas as nações diante da justiça e da misericórdia de Deus. Além disso, o profeta Amós quer recordar todo o povo eleito ou quem quer que seja, que longe de ser um privilégio, a eleição particular de Israel é uma maior responsabilidade. Quanto maior for o privilégio e o cargo, maior será a responsabilidade e a cobrança fica maior também: “A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido” (Lc 12,48).

A palavra “responsabilidade” tem sua origem etimológica no latim: “respondere” que significa “prometer”, “garantir”. O que garante a responsabilidade e o sentido da vida do ser humano são os valores. Ter responsabilidade significa ser coerente com os valores reconhecidos. Responsabilizar-se significa elevar a própria existência para uma dimensão superior por causa da vivência dos valores reconhecidos. Responsabilidade e valores sempre andam inseparáveis. Todo ato autenticamente responsável está em comunhão com os valores. Quem vive de acordo com a responsabilidade jamais se torna escândalo para os demais. Responsabilidade é uma vida vivida de acordo com os valores reconhecidos universalmente.  Uma pessoa só pode ser chamada de responsável quando sua vida e sua atuação na sociedade ou na Igreja são orientadas pelos valores humanos reconhecidos universalmente.

O profeta Amós observa que o povo eleito vive fora da Aliança com Deus e por isso, vive irresponsavelmente, que causa muito sofrimento especialmente para os mais pobres e indigentes, para os mansos e os justos da sociedade. Por isso, o profeta Amós convida o povo a aprofundar a ideia de Aliança, pois Deus elegeu o povo de Israel para que fosse testemunha de uma certa concepção da existência e da coexistência na fraternidade e na justiça social.

No Batismo recebemos três funções de Cristo. Uma delas é a função profética (outras duas: a função sacerdotal e real/pastoral). Por isso, o Concílio Vaticano II afirma que todo o povo de Deus é profético (LG 12.35). O profeta é um dos crentes a quem Deus confia não unicamente uma mensagem, mas também Sua própria “preocupação”; não é somente um porta-voz de Deus e sim seu partidário e confidente. O profeta é um crente autentico, não é de fé vacilante e abalável. Ele assume sua parte do mistério de Deus. O profeta é o homem de Deus. Cada cristão, pelo Batismo, é profeta. O profeta não pode calar, porque Deus lhe mandou falar: “O que vos digo na escuridão, dizei-o às claras. O que vos é dito ao ouvido, publicai-o de cima dos telhados” (Mt 10,27).

Além disso, os israelitas eram duros e não se converteram. E por isso, Amós lança as palavras duras contra eles. E nós, não temos que escutar o aviso do profeta Amós: “Prepara-te, para ajustar contas com o teu Deus!”? Quantas vozes proféticas chegam até nós e continuamos com nossa arrogância? Ser cristão não é garantia de salvação. Deus sempre nos oferece a reconciliação. Oxalá possamos dizer com o Salmo Responsorial de hoje: “Não sois um Deus a quem agrade a iniquidade, não pode o mau morar convosco; nem os ímpios poderão permanecer perante os vossos olhos. Detestais o que pratica a iniquidade e destruís o mentiroso. Ó Senhor, abominais o sanguinário, o perverso e enganador. Eu, porém, por vossa graça generosa, posso entrar em vossa casa. E, voltado reverente ao vosso templo, com respeito vos adoro”.

É Preciso Manter a Fé Em Jesus Cristo Que Supera as Tempestades Da Vida

Para entender o relato do evangelho de hoje com seus detalhes nós precisamos ter na mente alguns textos do AT que servem como o pano de fundo. Controle sobre o mar e o ato de acalmar tempestade são sinais característicos do poder divino (Jô 7,12; Salmo 73(74),13; 88(89),8-10; 92(93),3-4; Is 51,9-10). Acalmar uma tempestade no mar é a maior prova da atenção ou do cuidado amoroso de Deus (Salmo 106(107),23-32). É digno de notar também que dormir em paz e sem preocupar-se com nenhum problema é um sinal da perfeita confiança em Deus (cf. Pr 3,23-24;Sl 3,6;4,9; Jô 11,18-19).

Na literatura antiga a barca é imagem da comunidade. Jesus convida os discípulos a irem a “outro lado do mar”. “Do outro lado” estão os pagãos, ou o território não-judeu. Jesus convida os discípulos para esse território para que lá possam semear também entre os pagãos a Boa Notícia do Reino.

Atravessar, ou “ir para outro lado”, então, significa sair de si mesmo, pensar nos outros e não ficar apenas no nosso lado, sem nenhum compromisso para melhorar o mundo ao redor. É preciso ampliar o horizonte para ver as pessoas, a vida e seus acontecimentos, o mundo em geral na sua justa perspectiva e no seu justo valor. É preciso ampliar o olhar para ver o campo maior de atuação. O convite para ir a outro lado é um convite para tomar coragem de adotar novas maneiras de viver e de atuar. É sair de nosso mundo pequeno para o mundo maior a fim de que renovemos nossa reflexão sobre tudo na nossa vida. Precisamos ir a “outro lado”. Precisamos estar no lugar do outro para saber e compreender a vida do outro. Quem sabe no “outro lado” em vez de evangelizarmos os outros, seremos muita mais evangelizados por eles do que eles por nós. Travessia é muitas vezes sinônimo de abertura ao novo e diferente.

Mas para que possamos atravessar para “outro lado”, precisamos vencer o “mar” de nossa vida. Andar seria impossível. Afundaríamos. Precisamos de algum meio. E o meio para chegar no “outro lado” para superar o “mar” a fim de levar Jesus é “barco”. Quem sabe um dos barcos mencionados neste texto que sumiram do relato é o nosso barco que ainda não foi usado para levar Jesus. É preciso ter coragem para renovar ou procurar meios para que Jesus e seus ensinamentos possam chegar até as pessoas. Os meios são sempre mutáveis, mas a mensagem de Jesus é eterna, pois só Jesus “tem palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Não podemos eternizar os meios, pois eles podem se tornar caducos para outro tempo e lugar. O que é eterna é a mensagem de Jesus: “Passarão o céu e a terra. Minhas palavras, porém, não passarão” (Mt 24,35). Qualquer movimento, grupo ou pastoral que não se renovar, morrerá no caminho. Podemos andar no meso caminho, mas é preciso mudar o jeito de andar para que a caminhada não se torne cansativa.Na doação, a vida se fortalece; e se enfraquece no comodismo e no isolamento. De fato, os que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e se apaixonam pela missão de comunicar a vida aos demais. A vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros(Papa Francisco: Exortação Apostólica: Evangelii Gaudium, no. 10).

Fala-se de uma violenta tempestade que agita o mar, a ponto de as ondas caírem dentro do barco. Para o povo da Bíblia, o mar agitado é a imagem da revolta dos povos inimigos que gera caos primitivo (cf. Sl 46,3-4.7; 65,8; 93,3-4). Além disto, tempestade é imagem de incerteza e de sentimento de derrota, daí se eleva a Deus o grito do povo (cf. Sl 18,16-20;69,2-5.15-16). E somente Deus pode dominar o mar e seu tumulto (Jô 38,7.11). Enquanto isso, Jesus parece estar ausente, dorme e parece estar completamente alheio à tragédia. O sono tranquilo de Jesus simboliza uma confiança total em Deus como foi explicado nos textos do AT acima mencionados.

“Jesus entrou na barca e os discípulos O seguiram”. Assim Mateus relatou o episódio do evangelho deste dia. A palavra “seguir” aqui é um termo chave que tem função de ligar este episódio com o episódio anterior sobre o seguimento radical (cf. Mt 8, 18-22). Seguir Jesus supõe riscos e renúncias. É por isso que Mt, logo depois da exortação sobre o seguimento radical (episódio anterior), fala da tempestade no meio do lago balançando o barco onde se encontram Jesus e seus discípulos.

As tempestades do Lago de Galileia têm fama por ser súbitas e muito violentas. E Jesus dormia no meio dessa perigosa tempestade (em grego se usa a palavra “sismo” semelhante ao terremoto, movimento interno violento). Deus dorme! Deus parece ficar calado! Por que não se manifesta? Por que o Senhor não intervém na minha vida?

Senhor, salva-nos, pois estamos perecendo!”. Os discípulos não chama Jesus de “Mestre” (como em Mc e Lc) e sim de “Senhor”. Aqui se trata de uma oração. Os discípulos invocam ao Senhor com a oração que se converterá em habitual no culto cristão: “Senhor, salva-nos!”.

A barca que é a imagem da comunidade goza da presença do Senhor (Jesus e os discípulos se encontram na mesma barca). Apesar disto, a vida dos discípulos, que deixaram tudo para seguir a Jesus, não é fácil. Parece que estão  em um mar tempestuoso, presa fácil de todos os golpes da história. Às vezes tem-se impressão de que o Senhor dorme de verdade e, então, sucede na comunidade o que ocorreu no lago: invoca-se a Jesus como Salvador.

“Por que tendes tanto medo, homens fracos na fé?”, responde Jesus diante de nossos gritos. É o núcleo deste relato: “Homens de pouca fé”. Jesus apela para a fé. Jesus se estranha. E Jesus dá confiança: “Não tenhais medo!”. Para seguir Jesus a fé é condição essencial. As exigências, as renúncias fazem parte da perspectiva de fé. Quanto mais humanamente desesperadora e sem saída for a situação, mais a fé será necessária.

Jesus nos chama a termos fé. Há situações extremas para as quais todo apoio humano perde sua força. Nessas situações somente a fé em Deus é capaz de manter alguém em pé diante dessas situações. Para ficarmos em pé diante das situações extremas, é preciso mantermo-nos de joelhos diante de Deus. Quando a morte se aproximar, por exemplo, não há outra solução melhor do que a própria fé em Deus cujos braços permanecem abertos para nos acolher em sua casa (cf. Jo 14,1-2). No curso da vida de todo homem ou mulher há muitas situações nas quais a fé é o único recurso, o único meio de evitar o pânico: abandonar-se em Deus, confiar nele. Nessa situação precisamos ouvir profundamente o que Jesus nos diz hoje: “Por que vós tendes tanto medo, homens fracos na fé?”.

Ao relatar a tempestade acalmada por Jesus o evangelista Mateus quer nos mostrar que Jesus tem em suas mãos o poder criador de Deus. Por isso, com sua palavra apenas, tudo lhe obedece. O evangelista quer nos chamar a termos fé neste Jesus em qualquer situação onde nos encontramos.

Se encontrarmos alguma dificuldade, precisamos manter a cena do evangelho deste dia diante de nossos olhos: a tempestade violenta, o sono de Jesus, o grito de seus amigos, a chamada a uma fé mais forte e a paz que procede desta fé. Quando tudo parece contrário ou contraditório, Jesus está ali, na minha barca, na barca da Igreja. Precisamos rezar em silêncio: “Senhor, suprima meu medo, pois somente o Senhor tem palavras da vida eterna”.

A Palavra de Deus de hoje quer que tenhamos mais fé em Deus em qualquer situação, pois Ele é o nosso Pai e só quer nosso bem. Precisamos estar conscientes de que Cristo, Deus-Conosco está na barca da Igreja e na barca de nossa vida. É verdade que Jesus parece estar dormindo. Mas, na verdade, a nossa fé é que está adormecida. E o Deus-Conosco, Jesus Cristo, promete sua presença permanente na nossa vida: “Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo” (Mt 28,20). “Coragem! Eu venci o mundo!” (Jo 16,33c). Temos que ter consciência dessa promessa e colocá-la em prática.

Para Refletir:

·      Cada cristão e cada comunidade há-de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho (Papa Francisco: Exortação Apostólica, Evangelii Gaudium no. 20).

  • A fé nasce no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seuamor: umamor quenos precede e sobreo qual podemos apoiar-nos paraconstruir solidamente a vida. Transformados por esteamor, recebemos olhosnovos e experimentamos que há nele uma grandepromessa de plenitudee nos é aberta a visãodo futuro. A fé,que recebemos de Deuscomo domsobrenatural, aparece-nos como luz para a estradaorientando os nossos passos no tempo (Pap Francisco: Enciclica Lumen Fidei, no. 4).

P. Vitus Gustama,svd

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