COMPADECER-SE É VESTIR-SE DOS “
Terça-Feira Após a Epifania
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Esta profunda compaixão diante das necessidades dos nossos semelhantes é a primeira condição para nos sentirmos motivados para a ação. Quem permanece impassível, quem não alimenta os sentimentos de Cristo, muito dificilmente será induzido a fazer qualquer coisa pelo bem dos próximos. Por isso, quando der alguma ajuda, ele dá somente para obedecer a alguma imposição externa, a uma convenção social, e não por uma premente necessidade interior.
Partilha
Os discípulos têm pena da multidão que está com fome, por um lado. Mas por outro lado, eles reconhecem a incapacidade de saciá-la com cinco pães apenas. Como resolver o problema? Eles aproximam-se de Jesus não para perguntar-lhe que planos tem, mas para oferecer-lhe uma “solução”: “Despede o povo, para que possa ir aos campos e povoados vizinhos comprar alguma coisa para comer ”(Mc 6,36). A solução oferecida pelos discípulos, então, é despedir para comprar. Em outras palavras, cada um tem que prover para si mesmo, por meio de dinheiro. Mas vem a pergunta: “Será que todo este povo tem dinheiro?”
Comprar e vender (pães) supõem orientar as relações sociais pelas leis da economia, onde impera a concentração de bens e a exploração; supõem submeter-se às leis econômicas que mantém essa multidão na miséria. Sabemos que onde há concentração de bens e alimentos, lá há sempre fome e miséria. Neste contexto, quem tem dinheiro, tem direito de comer; quem não o tem, torna-se vítima da fome. O que tem por trás disso é o egoísmo. E as pessoas contaminadas pelo egoísmo acabam virando as costas para o seu próximo em dificuldade.
A atitude que Jesus tem com a multidão faminta do pão e da palavra contrasta com a sugestão dos discípulos. A “comprar” Jesus opõe “dar” e ”repartir”: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37). Os discípulos só têm cinco pães e dois peixes. Cinco pães e dois peixes somam sete, o número que indica a totalidade. Aparentemente há pouco pão (cinco pães) para saciar tanta gente (mais de cinco mil pessoas). Somente aparentemente há pouco pão! Porque se cada ser humano tivesse amor e justiça, o pão não faltaria para ninguém. Se cada um tirasse um pouco de bom dentro de si, ninguém viveria na miséria. Para Jesus, o eterno problema da vida não é a falta do pão, e sim as causas que geram a falta do mesmo na mesa da grande maioria. O que se revela, além disso, não é a ausência do pão, e sim a presença do egoísmo, do individualismo, da ganância e da total ausência do amor fraterno. Mas no fim da vida todos ficam sem nada materialmente, pois o homem somente tem o direito de usar e não de possuir. Nossa relação com as coisas não é de propriedade e sim de uso. Este direito cessará no dia em que partirmos deste mundo.
Aquele Que Ama é Uma Parcela de Deus que é Amor
“Dar” ou “repartir” os pães comporta uma dinâmica diferente, comporta o amor fraterno, comporta a compaixão, comporta a solidariedade, comporta a partilha que é a alma de todo projeto de Jesus. Jesus não nos revela os “truques” dos milagres, mas nos ensina a fazer bem tudo que não é milagre: pôr em comum o que temos e reparti-lo entre os irmãos, especialmente os necessitados do básico da vida. E tudo parte do amor ao semelhante cuja penúria ou miséria torna-se um apelo para a solidariedade e a partilha. Quem possui algo para comer, deixa-se tocar por quem não o tem e abre mão, generosamente, do que lhe pertence para saciar a fome do próximo. Esta atitude funda-se na pura gratuidade e exclui qualquer desejo de recompensa. Nessa direção é que os cristãos, todos nós, devem caminhar: partilhar, partilhar e partilhar, pois a partilha é a alma de todo projeto de Jesus Cristo. Trata-se de vivenciar o amor fraterno.
Por isso, o apelo que o autor da primeira Carta de João nos faz, através do texto da Primeira Leitura de hoje, é atual: “Caríssimos: amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus” (1Jo 4,7). É uma exortação por parte de João sobre seu tema principal: o amor. Realmente ele nunca insistirá suficientemente sobre este ponto central de seu escritos. Porém há uma marca nova: a motivação. Conhecer a Deus realmente é amar aos demais homens, amar ao próximo. Primeiro, porque o conhecimento bíblico, em geral, e joanino em particular é comunicação, prática, vivência, dom. tudo isso não basta com sabê-lo e sim há que vivê-lo. Deus é assim, e pôr-se em contato com Ele é participar desse modo de ser.
Deus é amor. É como uma quase definição do ser de Deus. trata-se do amor real, palpável, histórico (Jo 1,14) e custoso/caro (Jo 3,16). Amor real, palpável, histórico e caro. Não são especulações, mas atenção à obra de Deus na encarnação, vida, morte e ressurreição de seu Filho. É uma atividade totalmente e absolutamente gratuita.
Deus é Amor (1Jo 4,8.16). É como uma quase definição do ser de Deus. Analógico também, já que nosso conceito de amor é tomado como referência, mas muito profundo. Se não tivermos o amor, falta-nos um elemento fundamental do cristianismo.
Amor real, palpável, histórico e caro. Não são especulações, mas atenção à obra de Deus na encarnação, vida, morte e ressurreição de seu Filho. Atividade totalmente e absolutamente gratuita.
“Amemo-nos uns aos outros!”. Trata-se de um programa para todos os que acreditam em Deus e para aqueles que têm boa vontade. É todo um programa para nossas famílias, nossos ambientes de vida, nosso trabalho, nossa comunidade, nossa Igreja, nossa sociedade e assim por diante. É todo um programa para a humanidade que Deus ama primeiro.
Precisamos colocar em prática este “Amemo-nos uns aos outros!”, porque não somente acreditamos em Deus, e sim em Deus de amor: “Caríssimos: amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. Quem não ama não chegou a conhecer Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4,7-8). “Deus é amor”. É um texto de insondável profundidade. Há que escutá-lo em silencio, repeti-lo, tratá-lo com palavras nossas e vivê-lo na vida cotidiana. Aquele que ama é como uma parcela de Deus, uma parte do Amor, porque Deus é amor.
Todo ato de amor vem
de Deus, tem sua fonte e origem no coração de Deus. Por isso, Deus pode ser
contemplado em:
· O amor de uma mãe que ama seu filhinho e de um filho que
ama seus pais.
· O amor de um prometido a sua prometida, de um esposo para
sua esposa.
· O amor de um homem que se desvela por seus companheiros
de trabalho.
· O amor de um pastor para seu rebanho. E assim por diante.
Se a partilha e a compaixão são a atitude primordial e a expressão do amor de Deus, portanto repartir o pão significa prolongar a generosidade de Deus- criador: Ele criou tudo por amor e gratuitamente sem nenhum mérito de um ser humano.; significa que vivenciamos a nossa fé no Deus de amor (cf. 1Jo 4,8.16); significa Deus está em nós e nós permanecemos em Deus.
Lutar pelo alimento é o mais elementar dos deveres dos homens. O pão é o símbolo de toda a alimentação. Com o milagre do Evangelho de hoje Jesus abre os nossos olhos para os compromissos que a eucaristia traz: somos responsáveis pela fome e a miséria dos nossos próximos. Somos responsáveis pela crença ou pelo ateísmo nos outros. Se Deus não se vê no mundo é porque não se vê mais na vida dos cristãos. Entrar em comunhão com o Senhor na eucaristia exige fazer comunhão com aqueles que lutam na busca do pão necessário à vida. Assim vivida, a eucaristia torna-se para quem dela se alimenta, fonte de coragem e esforço permanente no compromisso com a concretização do reino de Deus através da partilha de tudo que se tem.
P. Vitus Gustama,svd
Um comentário:
O Amor de Deus é escandaloso. Sempre arranja um modo de estar conosco, de se fazer presente de formas inusitadas. Deus conosco!
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