39Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. 40Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42Com um grande grito exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! 43Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? 44Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. 45Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”.
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Na anunciação (Lc
1,26-38), por meio
de um sinal ,
o anjo informava Maria sobre a adiantada gravidez
de Isabel, sua parenta(Lc 1,36: é a única passagem que estabelece vínculos
familiares entre
Maria e Isabel, e implicitamente entre
Jesus e João). Este versículo
prepara a visitação de Maria a Isabel, que reúne as mães
afetadas pelas duas anunciações , e por isso é um encontro de
duas mulheres benditas.
O texto começa com
estas palavras : “Naqueles dias
Maria partiu...dirigindo-se às pressas ...” (v.
39). Este
versículo começa
com duas palavras :
“Naqueles dias ...”. Esta expressão , à primeira
vista , não
parece ser de grande
importância ; porém ,
se analisada com profundidade ,
essa indicação de tempo ,
que relaciona os fatos
entre si ,
e este com
a história geral ,
tem muita importância
no Evangelho de Lucas. Ela torna evidente a penetração
mútua entre
krónos e kairós. O krónos é o tempo
humano que
corre e pode ser medido pelos
segundos , minutos
horas etc.. Ele
interage com o kairós, que é tempo da
salvação: o primeiro recebe o segundo
como hóspede ,
torna-o experimental, perceptível, fazendo que
ele se torne história ,
e dele recebe, por sua
vez , finalidade
e sentido . Ao dizer
“naqueles dias ” Lucas quer sublinhar a estreita relação
teológica desse episódio
da Anunciação . A Anunciação
aconteceu no sexto mês
da gravidez de Isabel(Lc 1,26) e a gravidez
de Isabel, por sua
vez , “no tempo
de Herodes, rei da Judéia”(Lc 1,5).
“Maria partiu...” O evangelista Lucas não
escreveu que Maria simplesmente
“andou”, mas que
ela “partiu”. Em
muitas épocas e culturas
a viagem não
era considerada apenas
como um
deslocamento deste para
aquele lugar ,
mas representava uma aventura e uma busca ,
quase sempre
mais interior
do que exterior ,
e em todas as línguas
ela se prestou para
uma larga gama
de empregos figurados .
Na Bíblia o tema sobre a viagem ou caminho é particularmente
sensível , porque
o nomadismo fazia parte da memória histórica
do povo de Israel. Após
tantas experiências de migração de um lugar para outro , Israel
adquiriu a consciência de si e de seu próprio relacionamento com
Deus .
Maria partiu às
pressas . Aqui
“a pressa ” não
é uma descrição do estado
psicológico de Maria, mas tem um sentido ou como um dado teológico-espiritual. É a mesma
pressa com
que os pastores
de Belém obedeceram ao anúncio do anjo (Lc 2,15-16); a mesma
pressa com
que os discípulos
de Emaús, após terem encontrado Jesus, esqueceram-se
imediatamente do que
os poderia reter
na própria cidade ,
retornaram correndo a Jerusalém, e anunciaram aos Apóstolos
reunidos terem visto o Senhor
Ressuscitado(Lc 24,33); é a pressa com que a samaritana , abandonou sua
bilha de água
junto ao poço
e correu à cidade para
anunciar a todos
que havia encontrado o Messias (Jo
4,28); a mesma pressa
com que
Maria Madalena, que correu para anunciar aos apóstolos : “Eu
vi o Senhor ”(Jo 20,18).
“Partir às pressas ” simultaneamente significa seriedade , empenho ,
solicitude , zelo ,
entusiasmo , ardor .
Maria é, na verdade , levada
por Aquele
que leva .
A “presença ” dele não
é barulhenta , vistosa ,
mas escondida. E quem
recebeu a revelação do projeto de Deus ,
quem sentiu-se inserido pessoalmente em
tal projeto ,
nota em
si o sentido
da urgência da salvação; a urgência que
pode conviver com
a “paciência ”, se esta for modelada sobre a paciência
de Deus , que
é uma paciência de longa
visão , e por
isso mesmo
muito diferente
da resignação. Santo
Ambrósio comenta a pressa de Maria com uma expressão
latina quase
intraduzível : “Nescit tarda molimina
Spiritus Sancti gratia” (a graça
do Espírito Santo
não admite demora ).
E como se nos
dissesse que algo ,
decidido interiormente
no coração com
profundidade , seja feito ,
porque caso
contrário , acaba morrendo. Isto vale também para as pequenas coisas :
uma carta que
devemos escrever ou
responder ; uma visita
que nos
custa ; uma iniciativa
que nos
pesa ; um
trabalho que
decidimos fazer e que ,
no entanto , continuamos a adiar ; um perdão que
devemos oferecer ; uma palavra
de amiga que
devemos pronunciar etc. Os adiamentos ,
os atrasos , nos
desgastam e nos consomem internamente .
“Maria entrou na casa
de Zacarias e saudou Isabel” (v.40). No Evangelho
de Lucas, entrar na casa
de alguém significa entrar
num relacionamento profundo , ingressar no âmago de uma situação específica ,
e estabelecer um
contato a partir
do qual se verificará uma transformação decisiva .
Maria saudou Isabel. De acordo
com o costume
hebraico a saudação normal
é shalom(é traduzida em grego por
eirène) significa, um conjunto de benefícios
que englobam as bênçãos
messiânicas e as situações de
prosperidade e alegria que normalmente
acompanham tais bênçãos ,
ou seja, harmonia
com Deus ,
com o universo
de Deus , com
os outros e consigo
mesmo . É muito
mais da simples
palavra paz
na língua portuguesa. A visita de Deus
significa paz para
a casa do homem
que a recebe e produz frutos de alegre reconhecimento .
E “Quando Isabel ouviu a saudação
de Maria, a criança se agitou no seu ventre ...” (v.41.44).
Quando uma pessoa
possui Jesus vivo no coração , anima-o o desejo
de O irradiar e santificar
os que de si
se aproximam. Desperta no coração dos outros a presença do Espírito Santo .
E acolher com
disponibilidade criativa
a Palavra de Deus
nos torna
capazes de serviço ,
de reciprocidade , e de alegria ; aquela alegria
que não
é só psicológica ,
mas que
na Bíblia , é característica
dos momentos de revelação
intensificada da salvação. O encontro de
Maria com Isabel fez ressoar
um carrilhão
de alegria , de exultação .
A alegria é o perfume
de Deus , o sinal
da sua presença .
A alegria manifesta
a obra do Espírito
Santo , e caracteriza os tempos messiânicos.
Ao ouvir a saudação
de Maria, Isabel sente a criança “dar pulos ” no seu ventre . O verbo “dar pulos ” ou “saltar de alegria ” (skirtan) no NT é usado originalmente para expressar os movimentos
e pulos dos pequenos
animais , como
cordeirinhos e cabritinhos no posto . No
AT o verbo é usado para
descrever a agitação
de Esaú e de Jacó no seio de Rebeca (cf. Gn 25,22-28). Os dois gêmeos antecipam sua
relação logo
no seio materno .
E João Batista , por
sua vez ,
antecipa sua missão
profética como precursor
de Jesus. Na verdade , João Batista
profetiza dando “pulos de alegria ” pela chegada do Salvador , Jesus Cristo . Por isso , o encontro
não acontece apenas
entre as duas mães ,
mas também
entre duas crianças
que estão ainda
nos dois ventres abençoados. As duas mães
são servidoras da missão
dos filhos . Cada
criança terá sua
própria missão .
Mas a missão
de João Batista inteiramente
relativa à missão
de Jesus. Não
é por acaso
que Lc usa
o termo “agallíasis” (“...a criança
estremeceu de alegria
no meu ventre ”,
v.44) que significa uma alegria exuberante ,
causada pela vinda
da salvação escatológica, uma alegria que é experimentada diante
de Deus e manifestada externamente . Como
se João quisesse dizer a si
mesmo : “Que
bom que
eu sou um
precursor do meu
Salvador . Que
alegria que
eu poderia
ter mais de
que isso !”.
“...Com grande
grito Isabel exclamou: ‘Você
é bendita entre
as mulheres , e é bendito
o fruto do seu
ventre ’ !” (v.42). Mais tarde , durante o ministério
público , uma mulher
do meio da multidão ,
gritando, dará uma bênção (macarismo) em louvor a
Jesus: “Bendito é o ventre
que te
gerou e os peitos que
te amamentaram (Lc 11,27, uma cena exclusiva
de Lc). E Jesus corrigirá a mulher ,
dizendo: “Felizes , antes ,
são aqueles
que ouvem a Palavra
de Deus e a guardam” (Lc 11,28). Ao pronunciar esta bênção a Maria,
Isabel, como a mulher
na multidão , está apreciando não somente a alegria de Maria por
ser mãe de um filho , mas a enorme honra de ser a mãe física do Messias . Depois de abençoar a maternidade
física de Maria, Isabel continua a dizer sintomaticamente:
“Bendita és tu
que creste na Palavra
do Senhor , pois que te será
cumprida”(veja a explicação no próximo versículo ). Isto reitera a suprema
importância de escutar
a Palavra de Deus
e pô-la em prática ,
e antecipa o próprio elogio
de Jesus à sua mãe (Lc
8,21). Maria é duplamente abençoada por ser a mãe física do Messias e por encontrar nela os critérios
para a família
de discípulos de Jesus( cf. Lc 8,21).
“Bem-aventurada
aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu” (v.45). A palavra
“bem-aventurança ” é muito
cara para Lucas, que a empregou quinze vezes
no seu Evangelho (em Mateus ela aparece treze vezes ,
nove das quais
na passagem sobre
as bem-aventuranças ; em João apenas
duas vezes ; e nenhuma vez em Marcos ). Isabel, que
já havia proclamado Maria “bendita ” por causa da sua maternidade , agora
a proclama “bem-aventurada ”.
Ao bendizer reconhece-se, sobretudo ,
o dom do amor
de Deus . Na bem-aventurança ,
além do reconhecimento ,
é fundamental também
a resposta dada
pelo homem ao
dom recebido.
Maria é proclamada bem-aventurada
porque acreditou ou
tem fé . A fé
é um dom
de Deus , mas
também é uma resposta
humana , e como
todo ato
humano , não
pode se dar sem
um apoio e
uma partilha, sem uma condivisão.
Maria foi à procura
de Isabel movida pelo desejo
de aprofundar , mediante
o diálogo , o conhecimento
da revelação que
tinha recebido. Em
outras palavras : para
confirmar e ser
confirmada na fé . Por
isso , sua
viagem à casa
de Isabel é um símbolo
do caminho da fé
que precisa
ser testemunhada, compartilhada, que precisa servir ; dessa fé que se faz encontro
e serviço . Além
disso, quando a Palavra
de Deus é ouvida
com autenticidade
não pode deixar
ser profundamente
criativa e dialogante.
Maria, então , nos ensina que há necessidade
de compartilhar a experiência
de salvação, e de comunicar o amor
como resposta
a um dom
excepcional de amor
que foi dado
e aceito. Maria é a arca da nova aliança , o
lugar da presença
de Deus no meio
de nós . Porém
ela não
é um lugar
que encerra
Deus e sim
é um lugar
que O dá, uma arca
que irradia o Senhor .
Ela é uma pessoa
que depois
que habitada pelo
mistério divino , logo o dá. Ela
irradia a presença de Deus .
Isto quer
nos dizer que quando na fé se der (dá) ao absoluto
primado de Deus ,
a conseqüência lógica
é sair de si para irradiar o amor de Deus . Quem acolhe o amor
de Deus , torna-se, consequentemente, doador do mesmo .
Quem crê é capaz
de fazer duas coisas
simultaneamente: olhar para
dentro (contemplação )
e olhar para fora (ação ). Isto quer nos dizer que respeitamos
verdadeiramente o dom de Deus não quando o retemos para nós mesmos
egoisticamente, mas quando
nos tornamos arca
irradiante . Martinho Lutero dizia: “O cristão , mais livre de todos
na fé , é mais
servo de todos
os outros no amor ”.
A partir daí é que podemos nos
perguntar se nossa
fé realmente
é um dom
e uma resposta ao mesmo
tempo . Será que
acreditamos que Jesus está dentro de nós ?
A certeza de Jesus estar
dentro de nos , leva-nos a sermos missionários
da graça de Deus
a exemplo de Maria.
P. Vitus Gustama,svd
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