sábado, 1 de dezembro de 2012

ELE VEM PARA NOS SALVAR

                                                    

I DOMINGO DO ADVENTO DO ANO “C”

Texto: Lc 21,25-28.34-36

 
1. É Preciso Viver a Vida na Espera

Com o Advento estamos entrando no ano litúrgico “C” durante o qual refletiremos sobre o Evangelho de São Lucas. O termo “advento” é cristão, mas de origem profana/pagã, pois significava chegada, vinda; aniversário de uma chegada, de uma vinda; ou visita oficial de uma personagem importante no tempo de sua posse. Nos escritos cristãos dos primeiros séculos (especialmente a partir do século IV) o termo tornou-se termo clássico para designar a vinda de Cristo.

O tempo do advento tem uma dupla característica. Em primeiro lugar, é o tempo de preparação para a solenidade do Natal, em que se recorda a primeira vinda do Filho de Deus entre os homens. O advento nos lembra a dimensão histórico-sacramental da salvação. Deus do advento é o Deus da história, o Deus que veio plenamente para a salvação do homem em Jesus de Nazaré em que se revela o Deus de amor(Jo 3,16;1Jo 4,8.16). A história é o lugar da realização das promessas de Deus. Em segundo lugar, simultaneamente é o tempo no qual, através desta recordação, o espírito é conduzido à espera da segunda vinda de Cristo no final dos tempos. Entre o tempo da primeira vinda e o tempo da segunda vinda do Senhor há o tempo para a humanidade; é o tempo em que a humanidade faz sua peregrinação terrena, preparando-se para o encontro definitivo com o Senhor do Tempo. Os cristãos, na sua peregrinação terrena, vivem continuamente a tensão do da salvação toda realizada em Cristo e o ainda-não da sua realização plena e de sua plena manifestação na volta gloriosa do Senhor, juiz e salvador.

Por esta dupla característica, o advento celebra o Deus da esperança (Rm 15,13) e vive a alegre esperança (cf. Rm 8,24s) com fé. A fé une o homem a Cristo, e a esperança abre esta fé para o vasto futuro de Cristo. A fé transforma a esperança em confiança e certeza; e a esperança torna a fé ampla e lhe dá a vida. Daí a necessidade de cada um viver na vigilância permanentemente para não se pegar de surpresa.
 
2. É Preciso Erguer a Cabeça para Acolher o Senhor que Vem

O texto do evangelho que se neste primeiro domingo do Advento é o de Lc 21,25-28.34-36. Este texto pertence ao chamado “Apocalipse sinótico” (cf. Mc 13;Mt 24-25;Lc 21,5ss). No gênero literário apocalíptico, que se usa freqüentemente no AT, fala-se de cataclismo/sinais catastróficos(cf. Is 13,10) na terra e no céu(as potências do céu são as estrelas que os antigos pensavam solidamente cravadas no firmamento) como sinais antecedentes da vinda do “Dia do Senhor” (cf. Is 24,17-23;34,4), isto é, o dia em que Deus intervirá na história para libertar definitivamente o seu Povo da escravidão e ao mesmo tempo para inaugurar um tempo de vida cheio de fecundidade e de paz sem fim(cf. Is 13,10;34,4). Por isso, a descrição catastrófica nesse discurso escatológica/apocalíptica não tem nenhuma intenção de amedrontar ninguém, mas é um convite, ou uma ordem/imperativa para cada cristão abrir o coração à esperança ou à libertação: Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”(Lc 21,28).

Os evangelistas sinóticos (Mt, Mc e Lc), ao encerrar a atividade de Jesus em Jerusalém, antes de sua prisão, adotam também um discurso escatológico/apocalíptico nos seus respectivos evangelhos. Lucas e Mateus inspiram seu discurso do Mc 13.

Mas Lucas tem seu próprio estilo, pois seu evangelho foi escrito depois do ano 70 d.C. Para ele a destruição de Jerusalém é um fato passado. Por isso, ele distingue claramente a parusia de Jesus dos eventos ligados ao destino de Jerusalém. Além disso, ele leva em consideração o aspecto histórico e eclesial do discurso dentro do contexto da história da salvação. No discurso ele projeta a sua visão da história da salvação em três momentos: primeiro, a destruição de Jerusalém (julgamento sobre Jerusalém) como o fim de toda uma etapa da história salvífica, mas não é o sinal da chegada do fim; segundo, tempo da missão da Igreja e terceiro, a segunda vinda do Filho do Homem (parusia) que trará a plenitude do Reino de Deus.  Ao redimensionar a perspectiva escatológica deste discurso Lucas quer chamar a atenção de dois grupos, seja o dos fanáticos que esperam com impaciência o fim, seja o dos decepcionados e resignados, que não esperam mais nada pela demora, para a necessidade do empenho presente, no Tempo da Igreja. Este é o tempo oportuno do testemunho em meio às perseguições violentas, a confiança e a esperança perseverante na espera da libertação com a vinda gloriosa do Senhor Ressuscitado, o Filho do Homem.

Nesse discurso Lc descreve simultaneamente a catástrofe (vv. 25-26) e a vinda gloriosa do Filho do Homem (vv.27-28). O caos fantástico que Lc descreve aqui nos remete ao caos dos começos (cf. Gn 1,2) em que a Palavra de Deus foi introduzida para estabelecer a harmonia, a beleza e a bondade (do caos para o cosmos pelo poder da Palavra de Deus). Ao final das histórias voltará a ressoar esta mesma Palavra poderosa, porém, será a Palavra Encarnada, Jesus de Nazaré (cf. Jo 1-3.14). Essa Palavra Encarnada recriará a harmonia, a beleza e a bondade. Lucas chama tudo isto de “Libertação”: “Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”(v.28). A palavralibertação” (apolytrosis: resgate de um cativo) é uma palavra característica da teologia paulina (1Cor 1,30; cf. Rm 3,24;8,23;Cl 1,14, etc.) que define o resultado da ação redentora de Jesus em favor dos homens. Jesus veio para resgatar a humanidade prisioneira do egoísmo, do pecado, do caos interior que resulta no caos da convivência e da morte eterna. Em outras palavras, Jesus veio para libertar os homens de todo tipo de escravidão que os impede de viver na dignidade de filhos de Deus.

Por isso, a mensagem desse discurso é bem clara: “...levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (v.28). Lucas quer nos dizer em outras palavras: “Não vos deixeis afundar no desespero porque Jesus, vosso Salvador, vem”. “Levantar-se” e “erguer a cabeçasão a atitude própria de uma sentinela.  Para os cristãos “levantar-se” e “erguer a cabeçasão características de quem tem e esperança. Essa posição vertical (“levantar-se” e de “erguer a cabeça”) é típica do homem e exprime a sua dignidade como homem, marcando assim a diferença entre todos os outros seres vivos.  Para manter a dignidade como homem é preciso manter a diferença diante de outros seres vivos. A Palavra de Deus proclamada neste dia, na verdade, é um grito de Deus a todos que vivem na escravidão e vivem nos seus vícios que afundam sua dignidade.

Através desse discurso apocalíptico Lc quer dizer que os cristãos não podem entregar-se à utopia futurista, perdendo o laço com a realidade histórica e cotidiana, a realidade do presente embora ela esteja cheia de mentiras, violências, perturbações absurdas que podem levar a desejar o fim. Para Lc, se o Senhor aceitou ser pregado na cruz por amor e venceu a morte através de sua ressurreição, a comunidade cristã não está caminhando rumo à uma utopia anônima, pois Cristo é garantia e primícia da libertação humana. A nossa esperança, por isso, não será fraudada pois ela tem um nome: Jesus Cristo. Por isso, São Paulo diz: ”Se Deus está conosco, quem estará contra nós? Quem nos separará do amor de Cristo? Em tudo isto, somos mais que vencedores, graças Àquele que nos amou” (Rm 8,31.35.37).

Lucas é o evangelista que convida todos os cristãos a viverem constante e conscientemente na esperança baseada na com o olhar posto na meta que é a união plena com seu Salvador, Jesus Cristo. No meio das dificuldades, Lc quer levantar o ânimo e a esperança dos cristãos. Por isso, nesse discurso de caráter apocalíptico (escatológico) Lc nãoênfase no cataclismo e sim na presença majestosa do Filho do Homem quando a esperança puramente humana termina: “Então, eles verão o Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória” (Lc 21,27). Diante da desesperança humana, a presença gloriosa de Jesus Cristo devolve para os que se apóiam em Deus o que parecia impossível do ponto de vista humano. Por esta razão pede-se de cada cristão que mantenha a cabeça erguida independentemente da gravidade dos problemas existentes.

Lucas convida, assim, a comunidade cristã a trilhar o caminho da fidelidade e da coragem, o caminho que o próprio Senhor trilhou, mesmo diante da repressão violenta das estruturas do poder, sinagogas, e reis, mesmo perante a morte violenta (Lc 21,12). Lucas não fornece informações sobre o fim, mas refunda a esperança no acontecimento central da morte e ressurreição de Jesus. Ele convida os cristãos a olharem para a história para decifrar seus sinais, que fazem pressagiar/prever agora a passagem da morte à vida, da escravidão à liberdade(vv. 29-30). O que importa para uma comunidade cristã é a vivacidade de esperança. É a esperança que arranca o homem de uma existência sem futuro e sem expectativas. A tristeza e o desânimo são um sinal da ausência de uma verdadeira esperança cristã que no fundo provém de uma falta de .
 
3. É preciso ser vigilante e rezar na espera da vinda do Senhor

A libertação, trazida por Jesus para transformar a nossa existência de escravos do pecado em estado de filhos de Deus, não deve ser esperada de braços cruzados. A esperança libertadora é feita de esperas ativas (vv.34-36). A esperança final preparada por Deus para seus fiéis deve ser nutrida de esperas ativas manifestadas numa vida vivida no Senhor: na oração e na caridade. A esperança final nos faz evitarmos todo modo de existência que impeça a visibilidade do horizonte de Deus. A falta dessa visibilidade faz qualquer pessoa perder as expectativas e acaba vivendo somente em função do presente sem uma visão futura da vida: “Carpe diem, quam minimum credula postero”, dizia Horácio (= Aproveita o dia[de hoje], confiada o menos possível no de amanhã). Porém, para nós cristãos que temos uma visão futura de nossa existência, é preciso “estarmos atentos” a Jesus que sempre vem oferecer-se como dom. São Bernardo dizia: “Existem três vindas do Senhor. De fato, uma vinda escondida acontece entre as duas que conhecemos. os eleitos vêem o Senhor como Salvador dentro de si mesmo. A vinda intermédia é, por assim dizer, o caminho que une a primeira à última: na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, se manifestará como nossa vida; na intermédia, é nosso repouso e nossa consolação”.  

Para essa vinda, são necessárias duas atitudes fundamentais: Vigilância/conversão e oração constante.

Vigiar significa estar atento e pronto para acolher o Senhor quando vier. Toda a moral evangélica está fundada na vigilância. De certa forma, o cristão é sinônimo de pessoa vigilante. Ele tem consciência de estar inserido na história da salvação como receptor e como cooperador da graça. O cristão vigilante vive profundamente imerso na história da salvação, isto é, no aqui-e-agora, descobrindo tudo o que lhe oferece e respondendo tudo o que lhe exige o momento presente. O cristão vigilante não se lamenta perante os momentos espinhosos e sufocantes, mas sabe decifrar seu sentido para torná-los em oportunidades preciosas. Ele sempre procura decifrar o sentido das coisas. Vigilância, por isso, significa acordar para os fatos, despertar do sono das ilusões para enfrentar a realidade. O vigilante está sempre em contato com Deus e com a realidade. Ele tem uma intuição do que significa viver, respirar, ver, reunir-se com as pessoas e degustar o mistério de cada momento. A vigilância é a qualidade de quem emprega todo cuidado naquilo que deve ouvir, olhar, pensar, falar e fazer. A vigilância não permite o relaxamento moral e espiritual. Quem precisa satisfazer toda necessidade imediatamente fica dependente, e acaba determinado por suas necessidades, e por isso, perde a liberdade.

Além da vigilância, no seguimento de Jesus, a oração sustenta a caminhada dos cristãos. Ela é a expressão mais viva da . Quem crê, precisa rezar e quem reza porque acredita. A oração é a alma da espera, o vigor espiritual de quem crê. A oração exige uma relação em que nós permitimos ao Outro(Deus) entrar no centro de nossa pessoa, permitimos que Ele fale ali, permitimos que Ele toque o núcleo sensitivo de nosso ser e permitimos que Ele veja tudo o que nós preferiríamos ocultar na escuridão, pois queríamos que ninguém o soubesse. Por isso, sempre que nós rezamos de verdade, a nossa oração é eficaz, não porque modificamos Deus, mas porque nos modificamos. O mais difícil da oração não é tanto saber se Deus nos escuta, mas conseguirmos que nós O escutemos. Além disso, através da oração aprendemos a viver no mundo sem ser do mundo. É na oração que a vida se fortalece. A vida sem um lugar deserto torna-se facilmente destrutiva. Na oração, descobrimos que nossa vida é uma dádiva a agradecer e a compartilhar.

Jesus continuamente visita e freqüenta o coração daqueles que sabem crer, esperar e amar. Se na vida jogarmos sementes de egoísmo, de violência e de orgulho, de arrogância e de prepotência, estes serão nossos companheiros da viagem e por isso, nunca seremos felizes e nunca faremos ninguém feliz. Se jogarmos sementes da justiça, do amor, da fraternidade e da esperança e da em Cristo, Cristo será nossa herança feliz e com ele teremos a experiência da libertação. Importa viver sempre na presença de Cristo. Por isso, ”ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em diante do Filho do Homem”(v.36).
 

P. Vitus Gustama,svd

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