06/09/2019
TRABALHAR E COLABORAR COM O SENHOR RESULTA NOS FRUTOS ABUNDANTES
Quinta-Feira
da XXII Semana Comum
Primeira Leitura: 1Cor 13,18-23
Irmãos, 18 ninguém se iluda: Se algum de vós pensa que é sábio nas
coisas deste mundo, reconheça sua insensatez, para se tornar sábio de verdade;
19 pois a sabedoria deste mundo é insensatez diante de Deus. Com efeito,
está escrito: “Ele apanha os sábios em sua própria astúcia”, 20 e ainda: “O
Senhor conhece os pensamentos dos sábios; sabe que são vãos”. 21 Portanto, que
ninguém ponha a sua glória em homem algum. Com efeito, tudo vos pertence: 22 Paulo,
Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro, tudo é vosso, 23 mas
vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus.
Evangelho: Lc 5,1-11
Naquele tempo, 1 Jesus estava na margem do lago de
Genesaré, e a multidão apertava-se a seu redor para ouvir a palavra de Deus. 2
Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores haviam
desembarcado e lavavam as redes. 3 Subindo numa das barcas, que era de Simão,
pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca,
ensinava as multidões. 4 Quando acabou de falar, disse a Simão: “Avança para
águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”. 5 Simão respondeu:
“Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua
palavra, vou lançar as redes”. 6 Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade
de peixes que as redes se rompiam. 7 Então fizeram sinal aos companheiros da
outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas
barcas, a ponto de quase afundarem. 8 Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos
pés de Jesus, dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!” 9 É
que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus companheiros, por causa
da pesca que acabavam de fazer. 10 Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram
sócios de Simão, também ficaram espantados. Jesus, porém, disse a Simão: “Não
tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens”. 11 Então levaram
as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus.
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Viver Conforme o Espírito De
Deus Para Viver Na Sabedoria De Deus e Para Viver Com Sentido
Na Primeira Leitura do dia anterior, são
Paulo acusava os Coríntios de imaturos e infantis pelas divisões que se
suscitavam entre eles. Hoje ele volta ao tema da perspectiva da “sabedoria”. Se
são “sábios do mundo”, então está explicada a razão das divisões entre os
Coríntios.
“Se algum de vós pensa que é sábio nas coisas
deste mundo, reconheça sua insensatez, para se tornar sábio de verdade; pois
a sabedoria deste mundo é insensatez diante de Deus”.
A força e a vontade de defender as próprias
idéias, a pessoa termina contemplando a si mesma, ouvindo a si mesma e não
prestando atenção aos pontos de vista dos outros. Essa pessoa se encerra em sua
própria dialética. Há que estar muito “louco” e “insensato” para absolutizar um
sistema humano, seja qual for, segundo são Paulo. Tudo que é humano é ambíguo,
frágil e provisional/passageiro. Um dia tudo terá o fim. Apoiar-se somente
sobre análises humanas, sobre critérios “deste mundo”, é insuficiente para um
cristão.
É próprio dos sistemas filosóficos ou
políticos pretender encerrar toda a realidade no observável. Do âmbito da fé, o
mundo não está encerrado em si mesmo. Alguém tem que se vestir do Espirito de
Deus para ver além do aparente para descobri seu sentido. A história não pode
reduzir-se pura e simplesmente a mecanismos quase materiais. Quem podia prever
a Encarnação de Deus, a Crucificação de Jesus? Mas tudo isso sucedeu. Era uma
loucura imaginar coisas semelhantes. Foi a obra da sabedoria imprevisível de
Deus! Somente Deus é verdadeiramente Sábio. E seu projeto se cumprirá apesar de
todas as aparências contrárias, pois a Palavra de Deus é a última palavra para
a humanidade.
Por isso, nada é absoluto a não ser Cristo e
Deus. Os demais, incluído os ministros da comunidade, são relativos. Morreu
Apolo e morreu são Paulo, e morrerá o Papa atual e o seguinte. Mas Cristo é
sempre o mesmo: ontem, hoje e sempre (Hb 13,8). E que através desta Igreja
frágil e caduca levamos Deus a todos. Esta é a chave da sabedoria espiritual, a
sabedoria do grupo que busca o Senhor do qual fala o Salmo Responsorial de
hoje.
Para são Paulo é preciso julgar as coisas e
as pessoas a partir da mentalidade espiritual e madura. São Paulo expressa este
olhar com uma profunda e lúcida gradação: “Com efeito, tudo vos pertence: Paulo, Apolo,
Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro, tudo é vosso, mas vós
sois de Cristo, e Cristo é de Deus”.
Em nossa vida de comunidade se estabelecem,
às vezes, uma série de divisões, mais ou menos sutis, baseadas no que Paulo
chama claramente “necessidades”. Damos importância ao que não tem nenhuma
importância. Os ministros da comunidade: o Papa, o bispo, os pastores mais
próximos, não são os protagonistas nem os donos. Sua eloquência ou seus
carismas pessoais não são o fator determinante. Estão ao serviço da comunidade
(“são vossos”). São colaboradores de Deus. e todos nós somos chamados, a partir
de seu carisma, a colaborar na edificação da Igreja do Senhor.
Trabalhar Com o Senhor Sempre
Rende Frutos Abundantes
É narrada no
evangelho de hoje a história da pesca milagrosa, ressaltando o papel de Jesus e
o dos pescadores. Pedro que é especialista na pescaria se torna um pescador frustrado
pelo insucesso da noite inteira, pois nada pescou. Por isso, quando Jesus lhe
disse: “Avança para águas mais profundas e lança redes para a pesca” (v.4) veio
aquela resposta de desconfiança da parte de Pedro: “Mestre, nós
trabalhamos a noite inteira e nada pescamos” (v.5). “Deus precisou de
apenas uma palavra para criar-nos, mas de seu sangue para redimir-nos. Se às
vezes te sentes frustrado por tuas misérias, recorda quanto custaste”, dizia Santo Agostinho (Serm. 36,8).
Espelhando-nos em
Pedro frustrado, podemos também citar muitas das nossas situações frustrantes
de cada dia: cansei-me muito, gastei muita energia e tempo, empenhei-me a
fundo, rezei muito e não aconteceu nada. É aquela sensação de derrotismo, de
desânimo, de desespero. Dá vontade de desistir de tudo, de fugir, de abandonar
tudo. Em outras palavras, quantas vezes experimentamos o cansaço, isto é,
aquele estado de esgotamento físico ou emocional que se manifesta como um
constante sentimento negativo cujos sintomas são sensação de incapacidade,
raiva e aversão, sentimento de culpa, desânimo e indiferença, negativismo,
isolamento e retraimento, constante sensação de cansaço e esgotamento.
Apesar dessa
sensação negativa, o cansaço nos desafia a perguntarmos a nós mesmos: para
onde, na verdade, caminha minha vida? Para onde meu cansaço vai me levar? O que
espero da minha vida (de mim mesmo), dos outros e de Deus? Por acaso, tenho
humildade de escutar os bons conselhos? Por acaso tenho tempo para escutar a
Palavra de Deus mesmo que seja contrária ao bom senso? A partir dessas
perguntas e outras perguntas relacionadas à questão, o cansaço nos leva a
encontrarmos nosso verdadeiro ser e conseqüentemente, é também um momento
transcendente de nossa vida.
Experimentando a
frustração e o cansaço físico e mental, Pedro põe em jogo a própria pessoa, a
própria vida e o próprio futuro. Ele e seus companheiros haviam trabalhado
durante a noite inteira sem conseguir apanhar um só peixe, e agora, em plena
luz do dia, Jesus manda-lhes que lancem as redes para a pesca. Eles conhecem
Jesus, mas apenas como Mestre: “Mestre nós trabalhamos...”. Apesar de todas as
objeções que um profissional poderia levantar contra ela, a palavra de Jesus
tem mais força para Simão do que sua longa experiência de pescador: “Avança
para águas mais profundas e lança redes para a pesca”, ordenou Jesus. Pedro
tenta superar a própria desconfiança: “Na tua palavra lançarei a rede”.
A palavra de Deus é
poderosa, mas é preciso que seja posta em prática para que desenvolva sua
força. E Pedro cumpre a palavra de Jesus imediatamente: “Na tua palavra lançarei a rede” (v.5). Notemos quanto há de profundo neste “na tua palavra” porque é a
expressão que, na Bíblia, especialmente nos Salmos, designa a atitude do homem
diante de Deus. “Confio na Tua Palavra, é Tua Palavra que me dá vida, Senhor;
Tu me afligiste. Tu permitiste tantos sofrimentos na minha vida, mas na Tua
Palavra confio”. Em outra ocasião, no discurso sobre o Pão da vida, Pedro dirá
a Jesus: “Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna e nós cremos e
reconhecemos que Tu és Santo de Deus” (Jo 6,68-69). Certamente, na força da
Palavra de Deus, os apóstolos encontram a vida ali onde tudo parecia morto;
messe abundante onde tudo parecia vazio; abertura onde tudo parecia fechado.
Quando for colocada em prática, a Palavra de Deus sempre dá fruto.
“Na tua palavra lançarei a rede”. Aqui Pedro sai dos cálculos e se atira, confiando na Palavra do
Senhor. De fato, à fé, à obediência incondicional de Simão Pedro segue-se o
milagre, a manifestação do poder da Palavra criadora de Deus. O poder da
Palavra de Deus manifestada em Jesus domina toda esta cena. Toda força, todo
poder vem de Deus. Nesta perspectiva devemos situar-nos para compreender o que
segue. Mas antes disso, vamos tirar alguma lição.
Jesus nunca permite
o aborrecimento pelo insucesso no nosso trabalho. Não cabe a cada um de nós
calcular o último resultado. Cada um deve trabalhar, empenhar-se todo,
confiando unicamente na Palavra do Senhor. Empenhar-se significa dar tudo,
experimentar tudo, estudar, corrigir, mudar e recomeçar. A eficácia de nossa
ação está na obediência à Palavra de Deus. Se agirmos em nome próprio, nossos
esforços serão estéreis. A Palavra de
Deus é a semente que tem em si uma força criadora, uma potência enorme. Então,
por que ainda duvidamos dela? Por que não levamos a sério a Palavra de Deus?
Por que não a lemos e meditamos? Com Deus podemos pescar onde parece que não há
peixe, podemos plantar justiça ou amor onde outros dizem que não adianta
tentar; podemos levar fraternidade onde parece que a competição é a única lei
que funciona.
Vendo a pesca
milagrosa, Pedro descobre a manifestação do poder de Deus em Jesus e se lança
aos pés dele, dizendo: “Afasta-te de mim, Senhor, pois sou um
pecador” (v.8). Ele não chama mais Jesus de “Mestre”, mas de “Senhor”. O poder
de Jesus faz sobressair a pecaminosidade de Pedro: Pedro não estava entre os
maiores pecadores, mas também ele era um homem que, colocado diante do poder, da
santidade de Deus, sentia que muitas coisas de sua vida não funcionavam. Com
clarividência instantânea, Pedro percebe a distância entre seu pecado e a
santidade de Deus, entre sua pequenez e sua fragilidade e a grandeza e poder de
Deus. Pedro sente com uma clareza insuportável que não há lugar para ele,
pecador, na presença do Deus santo. Esta experiência da sua indignidade diante
da manifestação de Deus é o que causa em Pedro e em seus companheiros o
“tremendo espanto” de que nos fala o texto. “A
Palavra de Deus nos ensina a não temer, mesmo que tenhamos medo, e a temer
mesmo quando não temos medo. Temamos, pois, para não temer”, dizia Santo Agostinho (Serm. 65, 1,1).
Num fragmento de Votos Irlandês encontram-se as
seguintes frases: “Deus está
sobre mim para dar-me abrigo. Deus está diante de mim para indicar-me o caminho
certo. Deus está junto de mim para proteger-me dos perigos à esquerda e à
direita. Deus está à minha retaguarda para defender-me da malícia dos maus.
Deus está sob mim para reerguer-me quando caio. Deus está em mim para
consolar-me quando eu estou triste”. Basta ter fé e vivê-la em todos os
momentos de nossa vida, então nossas forças serão renovadas na graça de Deus.
Da experiência
percebemos que enquanto vivemos no meio dos outros homens, fracos e frágeis
como nós, não nos damos conta do nosso pecado, de nossa fragilidade, de nossas
fraquezas; aliás, comparando-nos com os que estão ao nosso lado, podemos até
pensar que sejamos justos, honestos, sinceros, caridosos, misericordiosos e
irrepreensíveis. Mas ao entrarmos em contato com Deus, as coisas mudam:
constatamos de forma dramática a nossa pobreza, a nossa indignidade, a nossa
miséria. Só quem fica perto de uma luz percebe a sujeira da própria roupa. Esta
experiência é vivida por todos aqueles que entram em contato com a Palavra de
Deus, aquela palavra que é “viva e eficaz, mais penetrante do que uma espada de
dois gumes” (Hb 4,12). É a experiência vivida por Paulo, quando toma
consciência da própria indignidade de pregador do Evangelho: “Nós carregamos
este tesouro em vasos de barro” (2Cor 4,7).
A palavra de Deus
se manifesta em Jesus Cristo como uma palavra que pacifica, que infunde ânimo,
que dá segurança; como uma palavra que escolhe, que chama, que fortalece e que
transforma a existência daquele que é chamado. A palavra de Jesus vai superar a
distância: “Não temas!” São mesmas palavras que ecoam nas manifestações de Deus
no AT (cf. Gn 15,1;21,17;26,24;28,13;Jz 6,23;1Sm 4,20).
Às palavras de
pacificação, de segurança e de coragem, seguem-se as da promessa- missão:
“Doravante serás pescador de homens”. A palavra de Jesus tem esse poder de
fazer começar uma história nova na vida de um homem.
A nova missão de
Pedro e de seus companheiros será a de “salvar vidas”: entrar mar adentro para
tirar os homens das águas profundas, do abismo da morte; “pegar vivos ou para a
vida” os homens, assim como eles mesmos foram colhidos- escolhidos. A resposta
de Pedro e de seus companheiros às palavras de Jesus foi a disponibilidade
absoluta, a da obediência incondicional: “...e deixando tudo, eles o seguiram”
(v.11). A renúncia, o “deixar tudo”, é uma conseqüência, e não uma condição
prévia, do chamamento de Jesus. A vocação é a vocação para uma missão.
Aprendemos que
pecar- salvar sem Jesus é impossível. Todos os saberes e técnicas humanas,
horas oportunas (a noite), não são capazes de salvar sem a ajuda de Jesus. O
fruto abundante (pesca milagrosa) será constante na atividade missionária se
cada cristão seguir as diretrizes de Jesus. Nossas próprias forças não são
suficientes para superar tudo. Necessitamos da confiança na Palavra d’Aquele
que nos prometeu que nunca nos deixaria sozinhos (cf. Mt 28,20). Quem, como
Pedro, aceitar sua limitação, estará em condições de aceitar que os frutos de
seu trabalho apostólico não são seus e sim d’Aquele que nos convidou para ser
seu instrumento. Jesus chama os apóstolos a serem pescadores de homens, mas o
verdadeiro pescador é Ele.
Diante da força da
Palavra de Deus posta em prática a exemplo de Pedro que resultou na pesca
abundante, devemos, por acaso, desistir diante das dificuldades? Devemos
recusar o convite do Senhor para ser pescadores de homens, para espalhar a
Palavra do Senhor? Temos convicção de que a única força que possuímos é a da
Palavra de Deus que nos foi confiada? Não nos sentimos, por vezes, inclinados a
confiar em outras forças?
“Meu Senhor e meu
Deus, despoja-me de tudo que me afaste de Ti. Meu Senhor e meu Deus, concede-me
tudo que me conduz a Ti. Meu Deus e meu Senhor, despoja-me de mim mesmo e faz
com que eu pertença totalmente a Ti” (Nicolau de Flüe [1407-1487]).
P.
Vitus Gustama,svd
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